José Horta Manzano
Não saiu nem sairá em nenhum jornal. Jamais teremos acesso ao que realmente aconteceu. Mas basta refletir desapaixonadamente para chegar à conclusão de que… aí tem coisa.
Estou falando do mais recente capítulo da (já longa) novela cujo protagonista é Signor Pizzolato. Depois de passar quase um ano em masmorras italianas, o condenado no mensalão está prestes a provar as delícias que o sistema prisional brasileiro reserva para gente bem relacionada.
Ao dar-se conta de que o barco abria água, o esperto cidadão escapou para a Itália, na certeza de que estaria definitivamente a salvo. Pensando bem, talvez a possibilidade de o fugitivo não voltar a pôr os pés em território nacional fosse interessante para outros envolvidos naquele escândalo de roubalheira. Gente ressentida é um perigo: pode até dar com a língua nos dentes.
O confronto com o caso Cesare Battisti tornou-se inevitável. O indulto concedido ao criminoso italiano pelo Lula – num dos atos covardes e constrangedores de seu reinado ruinoso – voltou à tona. Para vergonha de todos nós, voltava à ribalta a desonrosa façanha de nosso aprendiz de tiranete.
Acostumados a ver interesses da nação brasileira desprezados em benefício de interesses particulares de governantes, muitos imaginaram que países civilizados rezassem pela mesma cartilha. Parecia evidente que, em represália contra a indecifrável decisão de nosso guia, a Itália negaria a extradição de Signor Pizzolato. Não foi o que aconteceu.
A Itália «não teve coragem» de dizer não ao Brasil, declarou o advogado do extraditando. Ora, que bobagem. Isso não passa de desculpa de defensor desapontado. A Itália deu uma lição ao Brasil ao mostrar que cada caso é um caso e que atos de retaliação nem sempre combinam com a imagem que países civilizados procuram projetar.
Mas tem mais. A maior lição que o Brasil deve reter é que interesses do governo não devem ser confundidos com interesses do Estado. Governos passam, o Estado permanece. Os interesses do governo são ligados ao bom desempenho eleitoral, à popularidade, à tentativa de agradar. Os interesses do Estado são de longo prazo e vão bem além do espaço de um mandato.
No episódio Pizzolato, o Estado italiano enxergou o que nossos míopes governantes não conseguiram discernir no caso Battisti: um Estado não tem sentimentos – tem interesses. Os ingênuos figurões do Planalto não perceberam que Battisti podia ter sido usado como objeto de escambo com a República Italiana.

Art° 26 da Constituição da República Italiana
Suficientemente vago, deixa aberta a porta para a extradição de nacionais
Tratava-se de excelente ocasião de dizer aos italianos: “Ah, vocês querem o homem? Pois seja. Extraditaremos, mas, em troca, gostaríamos que…” E, nessa hora, recitam-se as condições. Analisa-se em que o Estado italiano pode ser útil ao Estado brasileiro e põem-se as exigências sobre a mesa. É hora de discutir, de negociar, de resolver velhas pendengas.
Broncos, despreparados e presos a uma visão de mundo de adolescente dos anos 60, nossos medalhões não se deram conta de que é assim que o mundo funciona. Ao acolher Battisti, deram vexame. De quebra, o Estado brasileiro não levou vantagem nenhuma.
Como eu disse logo na entrada deste artigo, as tratativas não saíram nem sairão em nenhum jornal. Mas tudo indica que negociações devem ter ocorrido. Não se sabe quais terão sido as concessões, mas alguma vantagem estratégica ou comercial Roma há de ter conseguido. Senão, como explicar o raríssimo fato de extraditarem um de seus cidadãos?
Falta agora um discurso do nosso governo-fantasma. Pergunta-se o que dirá ele (Lula) ou ela (Dilma). Onde irão achar o ponto para se vangloriarem? Será que achavam que a Itália era um pouco Cuba? Aliás, o cartaz de Cuba está até melhor (pelo menos para Obama).
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