Ultraprocessados: não se aproxime!

Chamada do jornal O Globo, 27 fev° 2023

José Horta Manzano

Fiquei intrigado e preocupado com essa chamada do jornal O Globo. Eu sabia que produtos ultraprocessados eram nocivos, mas nunca imaginei que fossem perigosos a esse ponto. Quer dizer então que basta “residir em áreas repletas desses locais” para sofrer risco aumentado de sofrer um AVC? A doença entra em nosso corpo por osmose? Barbaridade!


Naturalmente, estou brincando. Entendi o raciocínio do autor. Quem escreveu a chamada parte do princípio que todo cidadão é como rolha em alto-mar: vive ao sabor das ondas e ao capricho dos ventos, e vai para onde for levado.

Ninguém é capaz de controlar suas pulsões. O artigo sugere que, se resido num lugar rodeado de ofertas de refeições rápidas, adeus cozinha! Aposento panelas e frigideiras e passo a me alimentar unicamente de “junk food”.

Por essa lógica, vou viver de porcariada tipo cachorro-quente, quibe, pizza e hambúrguer. Sou apresentado como criatura incapaz de decidir com a própria cabeça, pronto a me deixar subjugar pela luz das barraquinhas e o colorido das vitrines.

Com toda naturalidade, o autor da chamada enxerga a vida em sociedade como um gigantesco efeito manada: disparou um, vão todos atrás.

Se assim é o mundo moderno, me sinto deslocado.

Pare o planeta, que eu quero descer!

Bolsonaro no exílio

José Horta Manzano

Fugido do Brasil e autoexilado nos EUA, Bolsonaro sopra o calor e o frio. Um dia, diz que está de malas prontas para voltar; dia seguinte, informa que o retorno não tem data marcada. Ora vem, ora não vem.

Por age assim? Acredito que basicamente é pra mostrar-se vivo. Se, além de sumir de circulação, ficasse quietinho, seria dado por morto e descartado como carta fora de jogo.

É verdade que todos os seus planos foram por água abaixo e não lhe resta nenhum mourão ao qual se agarrar. As Forças Armadas do Brasil não o acompanharam, Trump não quis saber de recebê-lo, seus aliados estão aos poucos saindo de fininha para entender-se com o Lula. A 8.000 km de distância, com medo de voltar, o que é que o capitão pode fazer além de gesticular?

Observe agora a ilustração acima. É uma montagem de fotos extraídas de filmetes feitos por devotos que pagaram pra ouvir uma “palestra” de Seu Mestre num templo evangélico da Florida sábado passado. As imagens foram tiradas de filmezinhos amadores, de baixa qualidade, eis por que aparecem meio desfocadas.

Qualquer um pode notar que o ex-presidente engordou – e muito. Nessas fotos, não me parece que estivesse vestido com colete à prova de balas, como costumava andar no Brasil. O diâmetro do capitão é inteirinho dele mesmo. Imagino que a haute cuisine do Planalto esteja fazendo falta. Nos EUA, sozinho naquele casarão sem terreno onde está homiziado, sem a esposa (que já lançou seu grito de independência e voltou a Brasília), deve estar se alimentando de pizza, hambúrguer, batata frita e maionese em dose dupla.

Ao permanecer nos EUA, Bolsonaro dá sossego a muita gente. A ele, pra começar, que vai pra cama sem o pavor de ser acordado pela PF. Para seus devotos, porque a ausência de Seu Mestre mantém acesa a chama sebastianista de um hipotético retorno. E também para os não-bolsonaristas, que preferem vê-lo pelas costas.

Assim, sua ausência convém a todos. Que ele continue na Disneylândia!

Grã-Bretália

Capa da revista

José Horta Manzano


“Podem falar de mim à vontade, desde que seja bem. Falar mal, não admito.”


A historieta que vou lhes contar hoje é bom exemplo dessa afirmação. Na verdade, creio que é próprio do ser humano. Todos a-do-ram ser incensados e de-tes-tam ser zombados.

A conceituada revista britânica The Economist é famosa por suas capas. A cada semana, leitores (e não leitores) se põem curiosos pra tomar conhecimento da nova tirada.

Talvez o distinto leitor se lembre da capa que a revista fez, lá pelos anos eufóricos da Copa 2014, quando o Brasil ainda bombava. Foi publicada uma montagem com o Cristo Redentor do Rio subindo aos céus como se fosse um foguete. Simbolizava o arranque de um Brasil que se preparava para sentar à mesa dos grandes.

Talvez vosmicê se lembre também que, alguns anos depois, constatando que o foguete brasileiro tinha dado chabu, a Economist publicou capa muito parecida, com o mesmo Cristo impulsionado por foguete, só que em queda, em direção ao solo.

Os mesmos que haviam aplaudido a primeira capa se sentiram indignados quando saiu a segunda. É natural. Ninguém gosta de ser caçoado.

Esta semana, a capa da revista apresentou uma Liz Truss (primeira-ministra britânica) vestida como deusa da Roma antiga. Só que, no lugar do escudo, está uma pizza margherita; em vez de lança, há um garfo; e na ponta do garfo, espaguete enrolado. O mais marcante é o título: “Welcome to Britaly”, uma fusão de “Brexit” com “Italy”, que o Estadão teve a luminosa ideia de traduzir: “Bem-vindo à Grã-Bretália”.

A intenção da Economist foi comparar a atual bagunça político-econômica do Reino Unido com a Itália, país onde crises de governo e problemas econômicos são recorrentes.

O fato é que os italianos não acharam nenhuma graça na gracinha. A mídia da península está indignada, em pé de guerra. Não houve um veículo que não manifestasse desagrado, embalado sob forma de editorial ou artigo.

O Corriere della Sera faz longa explanação político-econômica para demonstrar que os atuais percalços britânicos não podem ser comparados às agruras italianas. Trata o Brexit de “catástrofe econômica, cultural e civil”. Lembra que a Itália é o 7° exportador mundial, enquanto a Grã-Bretanha é o 14°. E continua por numerosos parágrafos a demonstrar que a Itália está em posição bem mais confortável e segura que a Inglaterra.

Carta do embaixador

A onda de protesto bateu até na Embaixada da Itália em Londres. O embaixador endereçou carta de reclamação à redação da Economist. Lamenta que a capa tenha se baseado unicamente em estereótipos batidos. Sugere que, de uma próxima vez, a revista não se atenha ao espaguete e à pizza (embora sejam a comida mais popular no mundo), mas que se lembre dos setores aeroespacial, biotécnico, automotivo e farmacêutico.


“Podem falar de mim à vontade, desde que seja bem. Falar mal, não admito.”


 

Bolsonaro visita o tsar de todas as Rússias

José Horta Manzano

Não é a primeira vez que falo deste assunto, que me deixa bastante inquieto. Tenho a impressão de que a imprensa brasileira tem passado ao largo do desastre que está se preparando. Parecem todos mais preocupados com a ‘jequiata’ que Bolsonaro planeja do que com a ‘burrata’ que está prestes a cometer.

Imagine o distinto leitor que o Dalai Lama fizesse uma visita ao Principado de Mônaco. Ou que o papa Francisco desse um pulinho a Andorra. Um conversaria com o príncipe, o outro se encontraria com o chefe do governo. Conversariam amenidades, trocariam presentes, dariam passeio em carro aberto, escutariam coral de crianças agitando bandeirinhas. E pronto. Terminado o passeio, cada um voltaria pra casa. E a Terra não pararia de girar.

Fim de semana que vem, Bolsonaro embarca para uma visitinha dita ‘de cortesia’ à Rússia. Não é fácil explicar a razão pela qual os personagens mais vistosos a acompanhar o presidente – além dos intérpretes, evidentemente – serão Mário Frias, secretário de Cultura, e o “capitão Cultura”, um senhor que fiscaliza a Lei Rouanet. Vão aprender como montar uma companhia de dançarinos cossacos? Como de costume, a comitiva presidencial deverá ser rechonchuda, com dezenas de autoridades, convidados, xeretas e penetras.

Alguém precisa urgentemente contar ao capitão que a Rússia não é Mônaco nem Andorra. Uma visita desse quilate não passa despercebida. Tem significados, nem sempre aparentes, aos quais ele não parece estar dando a devida importância.

Pra começar, Jair Bolsonaro e Vladímir Putin não hão de ter grande coisa a conversar. O capitão não deve entender lhufas de política interna russa. Nunca deve ter ouvido falar no mundialmente conhecido Alexei Navalny, oponente e atual prisioneiro político, que foi vítima de tentativa de assassinato da qual escapou penosamente depois de meses de tratamento na Alemanha. Novichok, o veneno de que foi vítima, não se compra na farmácia da esquina. É substância desenvolvida pela indústria militar russa. Donde se conclui que a ordem de eliminá-lo partiu do chefe de Estado. Gente fina.

Menos ainda deve nosso capitão entender do problema entre a Rússia e a vizinha Ucrânia. Com boa vontade, admito que já tenha ouvido falar da União Soviética, que finou 30 anos atrás. Mas não deve estar a par da importância que a Ucrânia representa para os russos, considerada por estes o berço da civilização nacional. Não deve ter a menor ideia de que, nas fronteiras russas, se prepara um afrontamento entre Rússia e Otan. (Estou supondo que saiba o que é a Otan, mas não tenho muita certeza.)

Essa visitinha presidencial me lembra aquela que o Lula fez, acompanhado de alentada comitiva, ao Oriente Médio. Tinha na cabeça uma ideia ambiciosa e genial: resolver a questão palestina, nada menos que isso. Imaginou que, com um jogo de futebol entre os adversários, tudo se resolveria. Santa ingenuidade! Deu tudo errado e ele teve de voltar com o rabo entre as pernas, quase escorraçado como inhambu em festa de jacu. Humilhação total. Nunca mais se falou no assunto.

Lula, o messias de Garanhuns, tinha a pretensão de salvar o mundo, mas faltava-lhe instrução e capacidade. Bolsonaro apesar de ser Messias de nome, é bobão. O momento é de quase-guerra entre Rússia e Ucrânia. Se não for para tratar de apaziguar os ânimos, o momento é péssimo pra qualquer visita, seja ela de cortesia ou de negócios. Quem não for lá pra ajudar só vai atrapalhar.

A visita de Bolsonaro a Putin (a versão 2.0 do tsar de todas as Rússias) não trará nada de bom para nosso país. Vejamos por quê:

• Uma viagem dessas implica logística complexa e custa os olhos da cara. Se não tiver um objetivo útil para o Brasil, é dinheiro jogado fora.

• A Rússia, que já é cliente dos frigoríficos brasileiros, não vai comprar nem um bife a mais.

• A Ucrânia, país que contribuiu para a formação do Brasil com mais imigrantes que a Rússia, vai ficar muito desagradada. Por que Bolsonaro visita Moscou, mas ignora Kiev? Não é inteligente indispor-se com um mercado de quase 45 milhões de consumidores.

• A União Europeia, que tem envidado esforços para garantir a paz na região, vai se sentir contrariada. Não convém indispor-se com a UE assim, sem nada, sem motivo válido, num momento de tanta tensão.

Os EUA já rogaram a Bolsonaro que desista da viagem. Nosso aliado tradicional são os Estados Unidos, não a Rússia. Isto aqui não é a Venezuela – Bolsonaro está confuso.

Já que ele bate o pé, me resta dar-lhe um conselho de bom samaritano.

Capitão, procure não repetir o vexame de Nova York, quando vosmicê e seus badalos se deixaram fotografar comendo pizza na calçada. E com as mãos! É verdade que, de quem come farofa com as mãos, tudo se pode esperar.

Mas olhe que em Moscou faz muito frio nesta época do ano. Quem, como vosmicê, está a caminho dos 70 anos e passou recentemente por meia dúzia de cirurgias devia evitar apanhar resfriado. Pode dar complicação. Se acontecer, não são seus seguranças nem o Centrão que vão acudir.

Ah, se inveja matasse!

José Horta Manzano

Se Bolsonaro pôde viajar a Nova York para comer pizza na calçada e, dias depois, fazer turismo na Itália para cuspir na tumba dos pracinhas, é sinal de que está apto a viajar para qualquer parte do globo. O chato é que ninguém o convida nem o quer receber.

Na verdade, ninguém quer saber dele. Aparecer em foto a seu lado? É o pesadelo de qualquer mandatário que se preze! O capitão é pestiferado, como aqueles infelizes da Idade Média, que, infestados pela bubônica, não tinham sequer permissão para pôr os pés no vilarejo onde viviam. Xô!

O máximo que o capitão conseguiu foi ser recebido nos ouros e nos mármores dos potentados médio-orientais, gente com petróleo de mais e escrúpulos de menos. Visitas assim rendem fotos cintilantes, mas não dão prestígio a ninguém – e Bolsonaro sabe disso.

Já o Lula, apesar de ter instaurado corrupção sistêmica no país e ter gramado ano e meio de masmorra (de 1ª. classe), ainda goza de boa imagem lá fora. Veja só, se um ex-presidiário condenado por corrupção é paparicado enquanto o presidente em exercício é enxotado, é porque este último é ruim de fato. Não tem nada que se aproveite.


“A França não é exemplo para nós, muito menos o seu Macron. Seu Macron está muito bem acompanhado do Lula, e Lula, muito bem acompanhado do seu Macron. Eles se entendem, falam a mesma linguagem.”


Essa foi a reação do capitão ao referir-se à acolhida do Lula pelo presidente da França, dias atrás. Ai, se inveja matasse!…

Em três anos de mandato, nenhum chefe de Estado ofereceu ao capitão hospitalidade tão prestigiosa quanto essa que o Lula acaba de receber de “seu” Macron. Aliás, que eu me lembre, tirando as viagens que fez a Netanyahu e a Trump logo no início do mandato, nenhum chefe de Estado jamais convidou o capitão.

Talvez seja uma das razões pelas quais nosso presidente se tranca no banheiro, de madrugada, para chorar, o pobrezinho. Não estou inventando, foi ele mesmo quem confessou. Não deve ser fácil pra ninguém se achar o rei da raspadinha e, ao mesmo tempo, ser rejeitado pelo mundo ingrato.

Vamos esperar que nenhum dos dois ETs, nem o Lula nem o Bolsonaro, venha a ser o próximo presidente da República. É verdade que o Brasil tem carma pesado, mas nossa geração já pagou boa parte da dívida. Que sobre um pouco para a próxima.

Quatorze anos de PT, mais dois de Temer, mais quatro de Bolsonaro: são vinte anos! Há duas décadas estamos resgatando os pecados cometidos ao longo dos últimos 5 séculos. Bem que podia dar uma refrescadinha. Que venha um outro qualquer. Desde que não seja malandro como um nem maluco destrambelhado como o outro, terá o apoio da nação agradecida.

Para explicar o título
“Ah, se inveja matasse”, o capitão estaria em estado de rigidez cadavérica, pronto pra receber sete palmos de terra por cima. Sem choro nem vela.

Bolsonaro em NY: o que restou?

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 25 setembro 2021

Uma imagem vale mil palavras. De fatos antigos, acontecidos num tempo em que não havia como fixar uma cena no instante em que ocorria, o único testemunho que ficava era a palavra escrita. Episódios importantes para construir e estruturar nações foram retratados em pintura, com anos de atraso, o que ajudou a forjar a memória nacional.

É o caso da tela pintada por Pedro Américo que retrata o momento em que Dom Pedro, então príncipe-regente, levanta a espada e lança seu grito de “Independência ou Morte”. No imaginário coletivo brasileiro, não restam dúvidas: a cena do brado ocorreu exatamente como aparece no quadro, pintado quase 70 anos depois do ocorrido. É caso típico de imagem que vale mil palavras.

Dia 19 de setembro, Bolsonaro e comitiva desembarcaram em Nova York. A finalidade do deslocamento de dezenas de pessoas – ministros, assessores e pessoal técnico – era coadjuvar o chefe, que leria um discurso de 15 minutos na abertura dos trabalhos anuais da ONU. Aos dirigentes de todos os países-membros (presidentes, primeiros-ministros, emires & assemelhados), tinha sido dada a possibilidade de enviar, com antecedência, um vídeo pré-gravado, a ser projetado no devido momento. O Brasil podia ter escolhido esse caminho, econômico e eficaz. A China e tantos outros fizeram. Desconheço as razões que levaram Bolsonaro a comparecer à cerimônia para ler, de corpo presente, o texto que lhe haviam preparado.

Obedecendo a uma lógica misteriosa e singular, o capitão até hoje não se vacinou contra a covid. Ainda que pareça bizarro, gaba-se disso e faz questão de revelar a turra a quem quiser ouvir. Nenhum outro integrante da comitiva admitiu ter rejeitado a vacina. A exceção fica por conta do general Ramos, que, faz meses, confessou ter-se vacinado às escondidas, que é pra não desagradar ao chefe. Vista a ausência de confissão por parte dos demais integrantes, é permitido concluir que sim, todos estão vacinados. Portanto, o engajamento deles junto ao capitão não se faz por adesão cega à doutrina bolsonarista nem por amor incondicional a piqueniques de rua. Os motivos de cada um serão outros, que não convém aqui esmiuçar.

A cidade de Nova York não permite que não-vacinados adentrem espaços públicos fechados: museus, teatros e, naturalmente, restaurantes. O capitão sabia disso antes de partir. Talvez tenha imaginado que um figurão como ele ia poder escapar a certas regras chatas, como acontece em Pindorama. Não deu certo. Por aquelas bandas, não é não. Como resultado, logo na primeira noite em solo americano, o jantar da turma foi um pedaço de pizza de cara gordurosa, degustada de pé, numa sinistra calçada nova-iorquina, por um grupo sorridente e desinibido.

Pouco se disse sobre a encorpada composição da excursão aos EUA: 8 ministros, 5 assessores de primeiro escalão, o presidente da Caixa, dois embaixadores, a primeira-dama e um dos bolsonarinhos, aquele que é deputado. Na foto da degustação da pizza de calçada, falta pelo menos metade desse povo. Onde estarão? Não gostam de pizza e foram comer pastel do outro lado da rua? Ou resolveram desafiar a ira do chefe e tiraram do bolso o papelucho proibido: um certificado de vacinação? A história não diz.

No dia seguinte, a fotografia da fina flor do Executivo brasileiro reunido para comer pizza junto à sarjeta saiu na imprensa mundial. Além de veículos óbvios, como os dos EUA, do Canadá, da França, de Portugal, da Espanha, da Itália e da Alemanha, outros, menos prováveis, publicaram a foto e o relato da situação a seus incrédulos leitores. Cheguei a ver a notícia, com foto e tudo, em jornais da Turquia, da Noruega, da Suécia, dos Emirados e até do Sri Lanka. Se você achava que ninguém nunca zombaria de seu país, pode se desenganar: Jair Bolsonaro & sua tribo já se encarregaram de tornar realidade esse pesadelo.

Dois dias mais tarde, Bolsonaro leu seu discurso na tribuna na ONU. O que a história marcou, porém, é que o fato mais importante produzido na excursão não foi exatamente a fala do capitão. O discurso, um farto tecido de fatos falsos ou distorcidos, não interessou a ninguém. A imprensa mundial não deu importância. O que ficou na história, isso sim, foi a imagem do extravagante piquenique. Vai fazendo cada dia mais sentido: na política brasileira, quando se encomenda a pizza, é porque a comédia está chegando ao fim.

 

 

Tendo chegado a NY sem certificado covid, Bolsonaro opta por comer na rua
Excelsior, México

 

 

Bolsonaro: recusada a entrada em restaurante
Expressen, Suécia

 

 

Não vacinado, Bolsonaro come pizza numa calçada de Nova York
Khaleej Times, Emirados Árabes

 

 

Em NY, Bolsonaro come pizza na rua por não estar vacinado
Leggo, Itália

 

 

Bolsonaro teve de comer pizza numa rua de NY por falta de certificado de vacina
Los Andes, Argentina

 

 

Boris Johnson sugere a Bolsonaro vacinar-se com AstraZeneca
Nation, Sri Lanka (Ceilão)

 

 

 

O presidente não pôde ser servido, mas poderá entrar no recinto mais importante (a ONU)
Nettavisen Nyheter, Noruega

 

 

Não vacinado, Bolsonaro entra no regime “pizza-coca” nas ruas de NY
Ouest France, França

 

 

Por que o presidente Jair Bolsonaro está comendo pizza na rua em NY?
South China Morning Post, China

 

 

 

“Jantar de luxo em NY”
Não-vacinado, Bolsonaro tem de comer pizza na calçada
Der Tagesspiegel, Alemanha

 

 

Bolsonaro, que foi à assembleia da ONU em NY, não pôde entrar em restaurante por não estar vacinado
T24, Turquia

 

 

As pizza

José Horta Manzano

«Vou botar um petista na PGR?» – foi a pergunta retórica feita por um desabusado bolsonarinho, aquele que é senador. O moço é um dos integrantes do quarteto que nos governa. Os maiorais da República, como todos sabem, são doutor Bolsonaro mais os três rebentos mais velhos.

Antes de qualquer outra consideração, é de sublinhar que o senador usou o verbo na primeira pessoa. «Eu vou botar», é assim que vai a frase. Ainda que pareça irreal, dá pra sentir que não se trata de bravata. O topo do governo está loteado entre os quatro elementos mais preeminentes do clã. A nomeação do novo procurador-geral da República é atribuição pessoal do zero-um.

A fala do bolsonarinho me fez lembrar Mrs. Theresa May, aquela que, ao assumir o posto de primeira-ministra do Reino Unido, disse alto e bom som: ‘Brexit means Brexit (=Brexit quer dizer Brexit). Se o senador disse ‘eu vou botar’, é porque quis dizer ‘eu vou botar’. Não é força de expressão.

Voltando às qualidades exigidas do novo titular da PGR, o pronunciamento do senador é sintomático de uma surpreendente mudança nas relações entre brasileiros. Essa guinada não começou agora, nem é obra do atual governo. Eu a situaria no ponto em que o mensalão começou a pegar fogo, por volta de 2014 ou 2015.

De lá pra cá, novo ingrediente foi adicionado ao balaio de contradições que alimentam nossos fantasmas. Além das oposições tradicionais – pobres x ricos, pretos x brancos, nortistas x sulistas – novo antagonismo veio apimentar o tabuleiro social do Brasil. O fato de ser (ou não ser) petista passou a pesar na balança. Mais do que devia.

As famílias de antigamente eram numerosas. Tive muitos tios, tias, primos próximos, primos distantes, outros parentes e agregados. Este era janista. Aquele, adhemarista. Havia os juscelinistas. Me lembro de um tio getulista roxo, como se dizia. E assim por diante, cada um tinha suas simpatias e suas ojerizas. Por que falo nisso? Pra contar que, naqueles tempos concordes, podiam todos sentar-se em volta da mesa de almoço de domingo e, em seguida, papear no terraço diante de uma xícara de café. Não havia o menor risco de preferência política terminar em discussão, briga ou contrariedade.

Hoje em dia, é mais problemático. Juntar, em volta da mesma mesa, petistas e não petistas é arriscado. Uma ousadia dessas podia até terminar como no Samba do Bexiga, de Adoniran Barbosa, com “uma baita duma briga” e as “pizza que avoava”.

Faltam prisões

José Horta Manzano

Ouve-se frequentemente que as prisões brasileiras não são suficientemente numerosas para acolher os condenados e que, portanto, é necessário construir mais e mais presídios.

Não gostaria que minha argumentação parecesse contorcionismo verbal, mas acredito que o conceito está mal formulado. Não é correto dizer que as prisões não sejam suficientes. Elas até que existem em quantidade razoável. Os criminosos é que são em demasia, eis a verdade.

Pra embasar o que disse, tomo um exemplo. Imaginemos um elevador com a tabuleta: «Capacidade: 5 pessoas ou 400kg». De repente, entram quatro pessoas e a geringonça se recusa a viajar. Ué, o que é que houve? A capacidade não é de cinco passageiros?

Sem dúvida, essa é a capacidade nominal de um elevador concebido para indivíduos pesando em média 80kg, pouco mais, pouco menos. Acontece que, nestes tempos de hambúrguer e pizza, muitos têm abusado. Por consequência, às vezes quatro pessoas bastam pra exceder a capacidade do elevador.

Onde está o problema? O elevador está com capacidade baixa? Não é bem assim. Os cidadãos é que estão superalimentados. A questão tem de ser enfrentada pelo lado certo. Em vez de aumentar a capacidade de carga do elevador, será mais ajuizado tomar medidas para reeducar a população e trazê-la de volta à moderação alimentar.

by Auguste Rodin (1840-1917), escultor francês

Como exemplo de medida interessante, lembremos que a França proibiu que distribuidores automáticos instalados em escolas ofereçam produtos altamente calóricos ou gordurosos, tais como batatas fritas e bebidas açucaradas. A medida, por si, não resolve o problema da obesidade juvenil. Mas já é um passo na boa direção.

Raciocínio análogo vale para as prisões. Construir mais e mais penitenciárias não resolve o problema da criminalidade que assola o país. A solução segue estrada de duas pistas paralelas.

A primeira é empenho redobrado na apuração cuidadosa de atos criminosos, no devido julgamento e na aplicação efetiva da sentença. A segunda é a implantação de amplo programa institucional de educação e de sensibilização da população. Tem de abarcar todos os habitantes do país ‒ do jardim da infância à idade adulta. Vai levar anos pra surtir efeito, mas não há outro jeito.

As metas são ambiciosas mas indispensáveis. Sem isso, estamos condenados a continuar curvados e de joelhos para o crime.

Terremoto

José Horta Manzano

Um terremoto sacudiu o centro e o sul do México ontem, pouco depois das 17h30, em plena hora de pico. Ainda que estejam acostumados a sofrer frequentes tremores de terra, os mexicanos se assustaram. O sismo de setembro passado, que deixou muitas vítimas, ainda está vivo na lembrança de todos.

Este terremoto foi de magnitude 7,2 na escala Richter e durou cerca de um minuto. Foi seguido por um mínimo de 150 réplicas. A frequência desses fenômenos fez que o México já tenha implantado um sistema de alerta. Setenta e dois segundos antes de o sismo ser sentido, a população ameaçada foi avisada por SMS, rádio, tevê e alto-falantes. Um minuto parece pouco, mas é tempo que permite correr para o ar livre ou procurar abrigo seguro.

O tremor foi ressentido até a capital, mas o epicentro situou-se em Santiago Pinoteca, cidade de 30 mil habitantes, a 400 km em linha reta. No Brasil, locutores de rádio e tevê disseram que «o epicentro foi em Pinoteca a 24km de profundidade». Escorregaram.

Terremoto: epicentro e hipocentro (foco)

Epicentro, palavra erudita formada com o prefixo grego epi (= em cima, acima, sobre), indica o ponto da superfície situado exatamente na vertical do foco do acidente sísmico. O ponto exato em que o atrito das rochas provocou o terremoto leva o nome técnico de hipocentro ‒ no presente caso, situado a 24km de profundidade. As ondas de choque se propagam em todas as direções, mas o epicentro ‒ o ponto da superfície situado mais próximo do sismo ‒ é o mais afetado.

Ouvi também que não tinha havido «alerta de tchissunâmi». O problema aí não é de inadequação vocabular, mas de pronúncia. O mundo adotou o termo tsunami para designar a enorme onda marítima que certos terremotos provocam. A palavra vem direto do Japão, país cuja língua não conhece acentuação tônica. Embora seja inabitual para nós, assim é: todas as sílabas são pronunciadas com a mesma intensidade, sem destaque para nenhuma delas. Pra facilitar, basta pronunciar tsunami como oxítona, com acento no mi. Fica mais próximo do original.

Ah, só pra terminar. O tsu de tsunami forma uma sílaba só. Não é tchissu. Lembre-se de pizza, que todos pronunciamos «pítsa» e não «pítchissa».

Este artigo, como tantas coisas em nosso país, também termina em pizza. Que fazer?

Dinheiro vivo

José Horta Manzano

Olhando assim, distraidamente, a gente quase não se dá conta, mas o fato é que a vida de corrupto está cada dia mais complicada. Corrupção sempre houve e não está perto de acabar mas antigamente passava praticamente despercebida. Uma vez a cada morte de papa, estourava um escândalo ‒ que costumava acabar numa confraternização em torno de uma bela pizza. E tudo bem.

A tendência a descerrar a cortina entrou na pauta do dia. O fator principal foi o advento da internet, que escancarou portas para a propagação da informação em larga escala e em alta velocidade. Muito lixo inútil circula na rede, mas quem tem o cuidado de separar o joio do trigo encontra informações preciosas. Sem o concurso da internet, a própria Operação Lava a Jato não teria tido o sucesso espetacular que teve.

Não devemos perder de vista que, apesar do sentimento difuso de impunidade continuada, terminamos o ano de 2017 com um balanço extraordinário, fora dos padrões nacionais. Temos um ex-presidente condenado a quase dez anos de gaiola, uma presidente destituída, os dois maiores figurões políticos da primeira década do século em prisão domiciliar ou fechada (Dirceu & Palocci). Sem contar governadores de Estado, prefeitos, deputados, senadores presos e condenados. Até o Maluf entrou em 2018 vendo o sol nascer quadrado. Um espanto!

A acelerada extinção de paraísos fiscais confiáveis tem dado dor de cabeça a muita gente com dinheiro para esconder. Nem a Suíça escapou! Os portos seguros que subsistem nem sempre inspiram confiança. Alguém cometeria a temeridade de guardar fortuna no Panamá ou em Chipre?

Doleiros existem às centenas. Quem quiser mandar para o exterior (ou de lá mandar vir) cinco ou dez mil dólares não encontrará problemas. Já pra dinheiro grosso, a história é diferente. Os grandes atores brasileiros do mercado de transferência internacional de capitais estão na cadeia ou com tornozeleira. A quem apelar?

Sobrou a última desesperada opção: guardar dinheiro em casa. Ninguém há de se esquecer da foto do ano, aquela que mostra um apartamento abarrotado com mais de cinquenta milhões. É a prova das atuais dificuldades de movimentar grandes montantes. Em outras épocas, aquela fortuna já estaria agasalhada em Genebra, em Luxemburgo ou em Jersey.

Mas o pior vem agora. Dia 1° de janeiro entrou em vigor instrução normativa exarada pela Receita Federal regulamentando movimentação em espécie. Todo pagamento acima de 30 mil reais em dinheiro será obrigatoriamente declarado, por quem recebe, à Receita Federal. Realmente, a coisa está preta.

Por curiosidade, fiz as continhas. Pra escoar aqueles 51 milhões encontrados no apartamento baiano ‒ pagando no máximo 29 mil reais de cada vez, para escapar ao contrôle ‒ seria preciso fazer 1750 pagamentos. E deixar um certo espaço de tempo entre cada um deles, que é pra não dar na vista. Já imaginou a mão de obra?

Francamente, corruptos profissionais precisam seriamente pensar em mudar de profissão.

 

Mala preta aos três anos da Lava a Jato

Fernando Gabeira (*)

Interessante classificar os que pedem a queda de Temer como irresponsáveis. Já que estamos usando a palavra, é bom lembrar que não somos presidentes nem recebemos um empresário investigado à noite, sem anotação na agenda, usando senhas no portão de entrada.

Não nos parece responsável um presidente que mantém aquele tipo de diálogo, tarde da noite, com o dono da Friboi. Tampouco parece responsável designar como interlocutor do empresário Joesley Batista um assessor especial que, horas depois, é filmado carregando a mala com R$ 500 mil.

Para ficar no universo mínimo de uma só palavra, a irresponsabilidade decisiva foi de Temer. Supor que três anos depois da Lava a Jato não só tudo terminaria em pizza, como o dinheiro da propina seria pago diretamente na Pizzaria Camelo.

by Eneko de las Heras (1963-), desenhista venezuelano

Foi Temer sozinho que arruinou suas chances de conduzir as reformas e jogou para fora da pinguela uma grande parte da sociedade, já constrangida com ela, mas vendo-a como a única saída momentânea.

A maioria tem o direito de rejeitar um presidente que se envolve em práticas tão sospechosas. E tem também o direito de achar que ele deva ser investigado, mas que os dados já expostos o desqualificam para o cargo.

Por enquanto, vamos assistir à guerra de Temer contra a Lava a Jato. Apertem, pois, os cintos: o que chamam de estabilidade nós chamamos de turbulência.

(*) Fernando Gabeira é jornalista. O texto reproduzido é parte de artigo publicado em 16 jun 2017. O escrito integral está aqui.

A salsicha e a pizza

José Horta Manzano

Nosso país é engraçado. Desde sempre, a gente se acostumou a ir dormir sem certeza de que leis e regras serão as mesmas no dia seguinte. Estes últimos meses, as «otoridades» que nos dirigem ‒ grande parte delas eleitas por nós ‒ não deixam passar um dia sem confirmar o chavão.

Razão tinha o estadista prussiano Otto von Bismarck (1815-1898) quando disse que «se a humanidade soubesse como são feitas as salsichas e as leis, teria pesadelos à noite». Para abrasileirar a máxima, basta substituir as salsichas por pizzas. Pronto, cai como luva!

Otto von Bismarck (1815-1898)

Otto von Bismarck (1815-1898)

O distinto leitor há de ter reparado que, nestes tempos estranhos, tudo termina diante de um juiz. Desde briga de vizinhos até diferendo entre Poderes da República, os problemas deixaram de ser resolvidos pelas partes envolvidas. Tornou-se automática a intervenção de terceiros. Por um sim, por um não, contendores entregam a outrem o encargo de encontrar solução.

E olhe que não será por falta de lei. Temos uma longuíssima Constituição que, em quase 250 artigos, está aí pra dar a linha mestra. Além dela, dispomos de invejável arsenal legislativo cuja extensão é de deixar babando de inveja o mais burocrático dos países. No entanto, interesses pessoais e corporativos costumam falar mais alto. Na hora do vamos ver, ninguém arreda pé. A intervenção de terceiros é indispensável.

Só que tem uma coisa: engana-se quem acredita na absoluta neutralidade de quem quer que seja. Terceiros, sejam eles quem forem, nunca serão neutros. Somos todos feitos da mesma matéria, tanto o trabalhador mais humilde quanto o ministro da Suprema Corte. Na hora de dar razão a este ou àquele, a decisão passará antes pelo filtro pessoal de quem julga.

TribunalPor isso, essa história de «julgamento isento» não existe. Quando chega, a decisão do juiz já atravessou um túnel pessoal, uma teia de interesses. Dinheiro, religião, raça, corporação, família política, ideologia, vingança, ‘toma lá dá cá’ entram em linha de conta. Até mera simpatia pesa na balança. E olhe que não estou mencionando suspeita de conchavos e acordões que ‒ Deus nos livre! ‒ não existem em nosso país.

Bom senso está-se tornando mercadoria escassa. A esmagadora maioria dos processos judiciais não tem razão de ser. Naturalmente, não estou falando de crime. Corrupção é crime e os autores têm de ser denunciados, processados, julgados e castigados. O mesmo caminho deve ser reservado a todo ato criminal.

Quando o problema é político, um pouco de bom senso evita muito dissabor e muito ressentimento. Tivesse o presidente do Senado renunciado ao cargo ‒ digo bem ao cargo, não ao mandato ‒ teria escapado dos holofotes e deixado impressão de atitude lógica e racional.

Supremo Tribunal Federal, Brasília

Supremo Tribunal Federal, Brasília

Preferiu ser marrudinho. Resultado: semeou cizânia no STF, mostrou-se antipático e arrogante. Assim mesmo, acabou perdendo prerrogativas da função, o que o tornou um esdrúxulo «meio senador». Para completar, acrescentou nomes à sua já longa lista de inimigos e desafetos.

O agora «semissenador» ‒ aquele que não serve para presidente do Executivo mas pode exercer a chefia do Legislativo ‒ se esquece de que vingança é prato que se come frio. Teria sido tão simples se, de sua própria iniciativa, tivesse renunciado à presidência da Casa. Não o fez. Desta vez, ganhou a parada mas, daqui para a frente, vai ser difícil que, para ele, tudo continue terminando em pizza. Ou em salsicha.

Três trapaças

José Horta Manzano

Na Alemanha
Em 2013, Frau Annette Schavan, então ministra alemã da Educação ‒ e amiga pessoal de Angela Merkel ‒ foi acusada de ter plagiado um bom pedaço de sua tese de Filosofia. A primeira reação veio rápido da própria universidade: seu título de doutora foi cassado. Menos de uma semana depois, não teve mais jeito. A trapaceira, constrangida, entregou sua carta de demissão do cargo. Com o «coração pesado», Frau Merkel aceitou imediatamente. Nunca mais se ouviu falar da doutora picareta.

Frau Annette Schavan, ex-ministra da Educação da Alemanha

Frau Annette Schavan, ex-ministra da Educação da Alemanha

No Uruguai
Semana passada, señor Raúl Sendic, vice-presidente do Uruguai, foi citado pela Justiça pelo delito de usurpação de título. Deverá prestar esclarecimentos sobre uma suspeita de fraude. De fato, alguns meses atrás, apresentou-se ‒ em documentos públicos e em atos oficiais ‒ como diplomado em Genética Humana.

Acontece que sua licenciatura não consta em nenhuma instituição de ensino uruguaia. Señor Sendic alega ter feito seus estudos e obtido o diploma em… Havana, Cuba. O quiproquó já dura desde o mês de fevereiro. Havana continua em silêncio, sem confirmar o que diz o vice-presidente. Eis por que a Justiça perdeu a paciência e intimou o figurão. Agora, ou vai ou racha.

Señor Raúl Sendic, vice-presidente do Uruguai

Señor Raúl Sendic, atual vice-presidente do Uruguai

No Brasil
Já dizia o outro que, a cada quinze anos, o Brasil esquece o que aconteceu nos quinze anos anteriores. De fato, era assim, mas parece que o ritmo de esquecimento se acelera. Alguém se lembra de que dona Dilma, então ministra da Casa Civil do Lula, foi um dia apanhada em flagrante delito de trapaça?

Pois é. Foi em 2009, sete anos atrás. Em currículo publicado na mui séria e conceituada Plataforma Lattes, a então ministra se atribuía créditos de doutoramento aos quais não fazia jus. Pra encurtar o caso, tentava tapear, de forma rasteira, o grande público.

Dilma 15Descoberta e denunciada, classificou o embuste de «equívoco», provável obra de algum assessor arteiro. (Como todo universitário sabe, ninguém acessa o próprio currículo se não tiver a senha.)

Como terminou a história? Em pizza. Uma semana depois, ninguém mais lembrava. Virou-se a página e ficou tudo por isso mesmo. Meses mais tarde, a doutora foi eleita para a presidência, num verdadeiro prêmio à pilantragem.

Frase do dia — 290

«Em solitária noite de domingo, Dilma mandou funcionário do Alvorada à única pizzaria em Brasília que fornece cardápio da dieta Ravenna, que ela segue como religião. No deslocamento, o coitado foi atormentado ao telefone a cada minuto, indagado aos gritos onde estava. A pizza chegou quente, claro.

Quem trabalha com Dilma merece ganhar adicional de insalubridade. E de periculosidade.»

Cláudio Humberto, em sua coluna do Diário do Poder, 8 mar 2016.

Para profissionais

José Horta Manzano

Não se pode dizer que senhor Lewandowski, ministro (e atual presidente) do STF, seja a figura mais apreciada da República. Sua simpatia por fatos e figurões ligados ao partido mais detestado do Brasil tem resultado em rejeição por boa parte dos brasileiros pensantes.

No entanto, comprovando que não há regra sem exceção, o ministro interrompeu, estes dias, longa série de tomadas de posição pouco simpáticas. Num rasgo de sinceridade, criticou a superatividade atual dos congressistas. «Investigar não é para amador» – pontificou. E acrescentou que o Legislativo «deixou de lado sua função». Dou-lhe razão.

STFA Constituição estabelece que o Estado será regido por três poderes independentes e harmônicos. A atual pletora de CPIs é descabida. Nenhum exagero é bem-vindo.

O instituto da CPI, comum à maioria das democracias representivas, é instrumento reservado a grandes ocasiões. É como um ‘smoking’ ou um longo de soirée. Se você sair vestido assim desde manhã para ir à feira, ao trabalho, ao dentista e à quitanda, a roupa não fará mais efeito à noite, na hora da festa.

Pizza 3O excesso de CPIs está matando a CPI. Investigar é incumbência da polícia. Deputados e senadores não são necessariamente formados para isso.

Como tudo o que é demais enjoa, CPIs já não suscitam tanto interesse nem surtem grande efeito. Costumam terminar em volta de uma pizza degustada na Cantina dos Otários.(*)

Talvez seja exatamente esse o objetivo.

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(*) Os otários, naturalmente, somos nós. Ao fim e ao cabo, somos sempre nós a pagar a conta.

O prato feito e a pizza

José Horta Manzano

Você sabia?

Prato feitoEsta semana, causou espanto a notícia de que o gasto de deputados federais com alimentação tinha atingido um milhão de reais de fevereiro a junho. Segundo o Diário do Poder, a quantia equivale a quase 2500 cestas básicas.

Como manchete sensacionalista, é excelente. Esmiuçada a notícia, o espanto é menor. Esmiucemos.

A Câmara abriga 513 deputados. O dinheiro gasto – que, pra ser rigoroso, é de 968,5 mil reais – deve ser dividido pelo número de parlamentares. Dá 1.888 reais por cabeça nesse período.

Pizza 2A Câmara funciona da segunda à sexta-feira, embora nem todos os membros estejam presentes o tempo todo. Para efeito de cálculo, consideremos que cada um almoce apenas quatro dias por semana. Em cinco meses, atinge-se um total de 84 almoços por pessoa.

Dividindo o gasto de 1.888 reais por 84 almoços, obtemos o resultado final: cada almoço de deputado custa módicos R$ 22,60. Convenhamos que o montante está longe de ser abusivo.

Moral da história
As pizzas do Congresso são muito mais preocupantes que o pf dos congressistas.

Quem quer pizza?

by Cláudio de Oliveira, desenhista potiguar

by Cláudio de Oliveira, desenhista potiguar      –     Clique para ampliar

Para justificar o retorno precipitado, o senhor Del Nero alegou que, de todo modo, não ia votar na eleição do presidente da Fifa.

Fica no ar a pergunta: o que é que ele foi fazer em Zurique então?

Quem tem telhado de vidro…

José Horta Manzano

Anos atrás, quando autoridades italianas indicaram à PF que um certo Signor Battisti, foragido da Justiça daquele país, se encontrava vivendo ilegalmente no Brasil, nossa polícia não perdeu tempo: surpreendeu o indivíduo no Rio de Janeiro e o conduziu algemado a Brasília. Naquele momento, ninguém sabia, mas a ação espetaculosa não era mais que a primeira página de uma interminável novela. A lenga-lenga, recheada de altos e baixos, durou vários anos, envolveu advogados, parlamentares, a PF, o Ministério da Justiça, o STF, a presidência da República. Ninguém pode afirmar que tenhamos chegado ao ponto final. Não é impossível que o epílogo ainda esteja por escrever.

Tarso Genro, governador do RS by Marco Aurélio, desenhista gaúcho

Tarso Genro, governador do RS
by Marco Aurélio, desenhista gaúcho

Saíram todos chamuscados daquele execrável episódio. O prisioneiro, depois de viver encarcerado durante anos, em meio a incertezas, está marcado para o resto da vida ― onde quer que vá, será reconhecido e olhado com certa reserva. O ministro da Justiça da época, ao conceder asilo ao foragido, foi forçado a alegar que desconfiava da Justiça italiana, numa atitude arrogante que pegou muito mal. O STF, que empurrou a decisão final para a presidência da República, desagradou a muita gente. A decisão do presidente da República ― tornada pública no apagar das luzes do mandato ― que confirmou o asilo ao estrangeiro ornou a novela com fecho de ouro. As autoridades italianas devem ter saído enfurecidas, o que é compreensível.

Os anos passaram e o mundo girou. O processo do mensalão está chegando ao fim e cada condenado executa a pirueta que lhe parece mais conveniente. Uns dizem que não têm nada que ver com a história, que estavam de passagem. Outros alegam que foram julgados pela imprensa ― como se o julgamento não tivesse sido público e transmitido ao vivo por rádios e tevês. Há até guerrilheiros que, embora tenham empunhado armas e participado de guerrilha na selva, hoje derramam lágrimas que destoam da bravura que outrora exibiam.

by Dalcio Machado, desenhista paulista

by Dalcio Machado, desenhista paulista

Um dos condenados, talvez mais realista que os demais, não acreditou em Papai Noel. Perspicaz, deu-se conta, bem antes dos outros, de que o desfecho poderia não ocorrer em meio a gargalhadas em volta de uma pizza. Preparou minuciosamente sua fuga do País. Não está claro se Signor Pizzolato solicitou emissão de seu passaporte italiano antes do escândalo do mensalão. Pouco importa. O que importa é que, aos olhos da Itália, ele é um cidadão do país peninsular igual a todos os outros. Todo Estado civilizado costuma zelar por seus súditos.

Algum tempo atrás, as autoridades judiciais brasileiras exigiram, como medida de precaução, que todos os réus da Ação Penal 470 consignassem seu passaporte. Signor Pizzolato fez mais que os outros: entregou dois, o brasileiro e o italiano. Fechadas, como de costume, sobre si mesmas e pouco afeitas a práticas internacionais, as autoridades de Brasília foram dormir tranquilas. Um homem sem passaporte não pode viajar, devem ter pensado.

Se o olhar de nossas sumidades fosse um pouco além de seu próprio umbigo, saberiam que um cidadão estrangeiro cujo passaporte tiver sido confiscado pode solicitar um novo, desde que não esteja sendo procurado pela polícia de seu próprio país. Era exatamente o caso de Signor Pizzolato. Bastou-lhe comparecer a um consulado italiano e requerer um novo passaporte.

Alberto Alpino, desenhista capixaba

by Alberto Alpino, desenhista capixaba

Imaginam muitos que o fujão tenha passado por peripécias semelhantes às do senador boliviano que viajou clandestinamente de La Paz até o Mato Grosso. Pois eu não vejo a coisa assim. Não tenho como provar, mas tudo me diz que, ao deixar definitivamente sua cobertura em Copacabana, o réu fugido já levava no bolso o documento que lhe permitiria viajar para onde quisesse. Atravessar a fronteira entre o Brasil e qualquer um de seus vizinhos é moleza. Em numerosas cidades de fronteira, no Rio Grande por exemplo, a divisa entre dois países é representada por uma avenida. Atravessada a rua, é fácil chegar a Buenos Aires, de onde partem diariamente voos para Roma e para Milão. Elementar, meu caro Watson.

Agora é que chega a hora de a porca torcer o rabinho. A malandragem demonstrada pelo Planalto no caso Battisti ainda é muito recente. Os personagens estão vivos e na ativa, todos se lembram. Esperar grande empenho por parte de Roma é ilusão. O fato de o Brasil dar guarida a um condenado por envolvimento em quatro assassinatos pegou muito, muito mal na Itália. Será praticamente impossível reaver o cidadão italiano Pizzolato, cuja ficha, em terra itálica, está limpa.

Os italianos, que residam na Itália ou no estrangeiro, estão inscritos no registro do município onde vivem ou ao qual estão ligados. Esse banco de dados leva o nome de anágrafe. As autoridades italianas sabem perfeitamente onde vive Signor Pizzolato. Daí a transmitir a informação às autoridades de Brasília são outros quinhentos. Quem tem telhado de vidro…

O vinho da viúva

José Horta Manzano

Diga nosso antigo presidente (e eterno messias) o que quiser, a verdade é que a elite (ou zelite, como ele prefere) é composta por todos os que moram no andar de cima. O corolário é que todos os que moram no andar de cima compõem a zelite, quer admitam, quer não. Portanto, ele também, assim como seus companheiros, integram atualmente aquela confraria. Há os que entram pela porta principal, por sua erudição ou por algum outro mérito mais nobre. Há os que entram pela porta dos fundos, por meios menos sublimes.

Veuve Clicquot Ponsardin Millésime 2004

Veuve Clicquot Ponsardin
Millésime 2004

Como definir o andar de cima? É o nome genérico que se costuma dar aos que mandam, aos que detêm poder sobre os demais. Ali vivem políticos importantes, gente muito rica, grandes empresários, componentes do Congresso e do STF, mandachuvas de grandes autarquias, de estatais e de paraestatais. Até alguns prefeitos passam a morar no andar de cima, com a condição de estarem à frente de município importante. Quanto ao prefeito de São Nicodemo do Brejo, sinto decepcioná-lo, ainda vive no porão.

Quem parte, reparte e não fica com a melhor parte ou é bobo ou não tem arte. Leis, normas, regulamentos, decretos são editados pelos de cima. São eles os que tomam as decisões que afetam a vida de todos os habitantes do País. Subterfúgios e chicanas também são fabricados pelas mesmas zelites. Nunca se sabe, podem até servir.

Caviar

Caviar

Pelas informações que tenho colhido na imprensa, a Ação Penal 470, a do mensalão, é novela com muitos capítulos por vir. Faz sentido. Desde sempre, as leis ― e suas modalidades de aplicação ― foram costuradas pela zelite. Como qualquer um pode facilmente compreender, o legislador sempre cuidou de deixar, para seu uso eventual, válvulas de segurança, brechas de escape, vias de contorno. Detenção em cela especial e direito a foro especial estão entre os privilégios que a zelite reservou para si. O ladrão de galinhas não tem chance nenhuma de usufruir esses direitos.

De um determinado patamar social para cima, não é tanto a gravidade do crime que conta, mas o degrau em que se encontra o criminoso. Li outro dia que um pobre bugre havia sido «esquecido» na prisão. A anomalia só foi descoberta vários anos depois de o infeliz haver purgado sua pena. Fato inimaginável para um condenado provindo da zelite.

Veuve Clicquot La grande dame

Veuve Clicquot
La grande dame

Colunistas e comentaristas da imprensa começam a vaticinar que o mensalão vai acabar em pizza. Que as chicanas interpostas por advogados ― amiúde remunerados com dinheiro que um dia foi nosso ― vão conseguir protelar a decisão final até que alguns crimes prescrevam, o que livrará todos os condenados da prisão fechada.

Pizza? Isso é comida de pobre. Pizza e cachorro-quente, que combinam com cachaça e tubaína, podem até cair bem em banquetes do populacho. Os agapes de nossa zelite merecem mais. Essa novela vai terminar em caviar do Mar Cáspio. Regado a Veuve Clicquot Ponsardin, millésime 2004 ― uma das safras de champã mais disputadas do mercado.

Como é bom fazer festa com dinheiro alheio, não?