Impeachment é fichinha

José Horta Manzano

Bandeira St-KittsComo todo cidadão minimamente ligado ao que acontece no país, sinto-me um tanto inflamado pelos acontecimentos políticos destes dias. Esqueça a zika, o verão que não termina. Não se preocupe se o Corinthians ou o Flamengo ganharam ou deixaram de ganhar. Esqueça até o terremoto do Japão, o terremoto dos ‘Panama Papers’, o terremoto da Lava a Jato. Uma indagação domina a cabeça de todos: Dilma fica ou Dilma vai?

Como todo cidadão minimamente ligado ao que acontece no país, estava me preparando para escrever sobre nossa presidente. Afinal, fica ou vai? Já tinha até lido boa parte das manchetes da imprensa internacional. Tinha colecionado os títulos que me pareciam mais significativos. Eis senão quando… dou de cara com uma notícia que, por sua importância, sobrepuja todas as outras. Deixa o resto no chinelo. Resolvi abandonar tudo e relatar a notícia que dominou a semana em São Cristóvão & Névis, simpático Estado situado nas pequenas Antilhas. Não fica longe de lugares de nome evocador como Anguilla, Antigua & Barbuda, Montserrat, Guadalupe.

Vista geral de Basseterre, capital de São Cristóvão e Névis

Vista geral de Basseterre, capital de São Cristóvão e Névis

São Cristóvão e Névis são duas ilhotas vizinhas que se agruparam num só Estado. Integram o Commonwealth britânico, mas mantêm governo independente da matriz europeia. A população do país aproxima-se de 55 mil almas. Basseterre, capital e maior cidade do país, concentra 13 mil habitantes. Desde o tempo em que nosso guia achava que a importância de um país se media pelo número de representações diplomáticas espalhadas pelo planeta, o Itamaraty foi instado a abrir embaixada naquele país. Uma necessidade absoluta, como pode o distinto leitor avaliar.

A embaixada, que tem até embaixador residente, está lá, há alguns anos, a preparar-se para o intenso intercâmbio que virá um dia, é certeza. Na semana que passou, começou a mostrar a que veio. Finalmente, um acordo de cooperação técnica foi assinado entre Brasília e Basseterre. A partir de agora, há facilidade de treinamento dos incontáveis nativos interessados em aprender nossa língua. E vice-versa, naturalmente.

Embaixada do Brasil em Basseterre, S. Cristóvão e Névis

Embaixada do Brasil em Basseterre, S. Cristóvão e Névis

O acordo apresenta suprema vantagem. Segundo nosso embaixador, o Brasil é parceiro estratégico, pois está inserido na mesma região geográfica, portanto combateu problemas semelhantes. Tendo-os já em grande parte resolvido, pode oferecer colaboração eficiente a países como São Cristóvão.

Tudo continua como dantes no quartel de Abrantes. Nosso guia permitiu-se dar lições políticas a seus colegas do G20. Dona Dilma autorizou-se a ensinar economia a Frau Merkel. Agora chegou a vez do paradisíaco resort antilhano de aproveitar de nosso avanço civilizatório. Agora, vai!

Ah, essa soberba que nos tem turvado a visão…

Calote diplomático

José Horta Manzano

Dinheiro não é extensível. Puxa daqui, espicha dali, subtrai dacolá, um dia não sobra mais nem pro gasto.

Quem pode mais chora menos. Nossos medalhões – e o ‘petrolão’ está aí para não me deixar mentir – se servem primeiro. Do que sobra, jogam as devidas migalhas àqueles que garantem, com seu voto, a continuidade do sistema. Por fim, o País que se contente com o que restar.

As necessidades são muitas e a verba, curta. Os que gritarem mais alto serão os primeiros a receber atenção. O dinheiro costuma ir para obras que apareçam, que façam efeito imediato e rendam votos. Tudo o que for menos visível – infraestrutura, educação, diplomacia – vai sendo empurrado com a barriga.

Unesco – Escritório de Brasília      Foto: Andréia Bohner

Unesco – Escritório de Brasília                       Foto: Andréia Bohner

Unesco é acrônimo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. O Brasil é membro fundador. Educação? Ciência? Cultura? Quá… Esses conceitos estão a anos-luz das prioridades nacionais. Se, algum dia, fizeram parte de nossas preocupações, hoje os tempos são outros. Cultura? Francamente, não. Não combina com nosso governo popular.

Mais corajoso seria se nossas autoridades tirassem o Brasil da Unesco. Pelo menos, estariam assumindo que o Estado brasileiro não está nem um pouco interessado em assuntos de educação, ciência ou cultura. Causaria espanto, mas seria atitude honesta, clara e cristalina. Passaríamos por atrasados, mas não por caloteiros.

Nossos dirigentes preferiram outra estrada. O Brasil continua entre os 195 membros do clube, mas não paga as mensalidades. O calote, segundo investigação do Estadão, ultrapassa 35 milhões de reais e nos classifica como segundo maior devedor da organização.

Os EUA são o maior devedor, mas lá o problema é outro. Em litígio com a Unesco, Washington suspendeu o pagamento. É um protesto, uma queda de braço. Nossa situação é diferente. O não pagamento brasileiro não decorre de nenhum conflito: é calote no duro.

Não chegarei a fazer um apelo ao partido que domina nossa política para pedir-lhe que organize uma vaquinha para nos livrar da vergonha internacional. Eles hão de estar gastando muito com advogados estes últimos tempos.

Embaixada do Brasil em Bridgetown, Barbados

Embaixada do Brasil em Bridgetown, Barbados

Mas não custa fazer uma sugestão ao Itamaraty. Que tal fechar algumas embaixadas inúteis, verdadeiros sorvedouros de dinheiro público? Como já mencionei em meu artigo É do Caribe, de 17 out° 2014, o Brasil mantém embaixadas de interesse duvidoso em países exóticos tais como Santa Lúcia, Antigua e Barbuda, Granada, São Cristóvão e Nevis, Barbados, Coreia do Norte.

Sugiro que se fechem essas instalações caras e inúteis e que se quite a dívida para com a Unesco. O almejado ‘prestígio’ propiciado por meia dúzia de embaixadas desnecessárias não cobre a vergonha de ser caloteiro internacional.