Quem quer Olimpíadas?

José Horta Manzano

Brasileiros em geral e cariocas em particular ainda hão de passar anos a lamentar-se por ter hospedado os Jogos Olímpicos de 2016. Do «legado» prometido pelos medalhões, ninguém sabe. E ninguém viu. Não beneficiou nem esportistas, nem os demais habitantes. A chegada de turistas não aumentou. Ficou a desagradável sensação de enormes somas terem sido atiradas pela janela.

Eu disse pela janela? Pois alguns espertalhões deviam estar esperando do outro lado com as mãos abertas. Alguns desvios foram descobertos, mas sabemos que eles são apenas a ponta do iceberg. O grosso da roubalheira, por desgraça, não virá jamais a público. Restam-nos os olhos pra chorar.

Como sabe o distinto leitor, os JOs de verão alternam com os de inverno. Quanto a estes últimos, a edição de 2014 foi realizada na cidade russa de Sôtchi ‒ justamente onde está atualmente hospedada nossa seleção de futebol. A de 2018 teve lugar em Pyeongchang (Coreia do Sul) e a próxima já foi atribuída a Pequim.

By Enrique Casal (1957-), desenhista espanhol

Faz alguns anos que o cantão suíço do Valais está em efervescência com a ideia de apresentar candidatura para os Jogos de 2026. Muitos fatores são favoráveis ‒ afinal, faz quase oitenta anos que a Suíça recebeu os JOs de inverno pela última vez. A infraestrutura está praticamente pronta, só faltando ajeitar um detalhe aqui, outro ali.

A realização do evento foi orçada em cem milhões de dólares. O governo federal garantiu cobrir boa parte. Só faltava perguntar ao povo se estava de acordo ‒ um detalhe sem importância no Brasil, mas primordial na Suíça. O plebiscito ocorreu ontem, 10 de junho. Por maioria de 54%, o povo recusou acolher os JOs de 2026.

Para o comitê de organização foi um golpe. Mas que remédio? Na Suíça, quem manda é o povo. A razão mais invocada para a recusa foi o gasto previsto. Os cidadãos acreditam que esses cem milhões poderão ser empregados em alguma coisa mais útil. Não botam fé em «legado» dos Jogos, que isso é balela pra enganar povo e engordar corrupto.

Não há como não lhes dar razão.

Corrupção até debaixo d’água

José Horta Manzano

A Justiça francesa é menos tagarela que a brasileira. Mais prudente e menos dada a estrelismo, costuma trabalhar na surdina. Assim mesmo, vez por outra, alguma informação escapa e chega à mídia.

Em 20 de maio, o diário Le Parisien contou que o Parquet national financier (setor do Judiciário francês especializado em crimes financeiros) está, desde outubro do ano passado, investigando as condições que levaram à conclusão do compromisso de venda de cinco submarinos ao Brasil. O contrato de 6,7 bilhões de euros ‒ montante «faraônico» segundo o jornal ‒ foi acertado em 2009 entre o Lula e Monsieur Sarkozy, então presidente da França. Inclui até um submarino a propulsão nuclear.

Submarino francês de classe Scorpène

O inquérito aberto pela Justiça francesa investiga atos de «corrupção de agentes estrangeiros». Procura-se descobrir se propinas não teriam sido pagas para conseguir que o Brasil assinasse o contrato.

Na semana de 15 de maio, Madame Eliane Houlette, procuradora da justiça financeira da França, esteve de visita ao Brasil, acompanhada de sua equipe, para trocar ideias e informações com seus colegas nacionais. Por enquanto, nenhuma informação sobre o conteúdo das conversações veio a público.

Sabe-se que o Parquet national financier investiga também corrupção que poderia ter manchado a atribuição dos Jogos Olímpicos de 2016 ao Rio de Janeiro. O Japão, que era igualmente candidato a sediar as Olimpíadas, denunciou a França por ter agido como lobista da candidatura carioca. É que, por inacreditável acaso, os JOs foram atribuídos ao Brasil no momento em que era firmado o contrato de venda dos submarinos. Coincidência assombrosa, não é?

Os procuradores franceses desconfiam de escabrosas conexões entre os dois fatos. Quanto a nós, escaldados pela Lava a Jato, vamos além da desconfiança: já estamos na quase-certeza. No Brasil, em matéria de corrupção, não precisa cavoucar muito fundo pra encontrar.

Meta olímpica

José Horta Manzano

Tanto o Comitê Olímpico quanto o Paraolímpico esquivam a questão. Nenhum dos dois dá diretiva quanto à classificação dos países no quadro de medalhas. Como se deve determinar o ranking dos países? Na falta de orientação oficial, dois critérios coexistem.

O primeiro consiste em simplesmente adicionar as medalhas, dando peso igual a cada uma delas, quer sejam de ouro, prata ou bronze. É o mais simples, mas não o mais adotado.

by Felipe Parucci, desenhista catarinense

by Felipe Parucci, desenhista catarinense

O segundo método, mais sofisticado, atribui valor diferente a cada medalha, dependendo do metal que a compõe. A de ouro vale mais que a de prata, que vale mais que a de bronze. Portanto, um hipotético país que tivesse conquistado uma medalha de ouro, nenhuma de prata e nenhuma de bronze seria classificado à frente de um outro que tivesse conquistado várias dezenas de medalhas de prata e de bronze ‒ mas nenhuma de ouro. Embora não seja oficial, esse método sofisticado é reconhecido e bem aceito universalmente.

No Brasil, tende-se a dar preferência ao primeiro método, mais simples, adicionando as medalhas e atribuindo-lhes valor igual. Uma de ouro vale uma de prata, que vale uma de bronze. Prova disso é o Comitê Olímpico nacional dar a todo medalhista um prêmio em dinheiro de montante uniforme, pouco importando a cor do troféu.

by Guillermo Mordillo Menéndez (1932-), desenhista argentino

by Guillermo Mordillo Menéndez (1932-), desenhista argentino

No início dos JOs de atletas válidos, as autoridades olímpicas brasileiras apregoaram que nossa meta era terminar nos «top ten» ‒ entre os dez primeiros. Não deu. Pelo método de classificação mais aceito, o Brasil foi o 13°.

Antes mesmo de ser dada a largada para a Paraolimpíada, ficou combinado que a meta, mais ambiciosa ainda, era entrar nos «top five» ‒ terminar entre os cinco primeiros. De novo, não deu: o Brasil ficou em 8°.

Em ambos os casos, a meta não alcançada deixou gostinho amargo de derrota e de dever não cumprido. Embora a marca de 72 medalhas conquistadas na Paraolimpíada seja resultado excelente, o melhor que o Brasil já obteve, o desconforto permanece. Que fazer?

Prever que nosso país ocupará este ou aquele lugar no quadro final implica conhecer, de antemão, o resultado dos concorrentes. É prognóstico pra lá de arriscado. Da próxima vez, sugiro ao Comitê Olímpico abster-se de arriscar profetizar a classificação ‒ é temerário.

by Ronaldo Cunha Dias, desenhista gaúcho

by Ronaldo Cunha Dias, desenhista gaúcho

Melhor será fixar como meta o número de medalhas esperadas. Para chegar a essa conta, há que somar as modalidades em que temos boas razões de crer que conseguiremos subir ao pódio.

Já estou ouvindo sua contestação, distinto leitor: «Mas, dá no mesmo!» É verdade, aparentemente dá no mesmo. Mas o impacto psicológico é diferente.

Nos Paraolímpicos de Pequim 2012, o Brasil tinha trazido 43 medalhas para casa. Se a meta fixada para Rio 2016 tivesse sido, digamos, de 50 medalhas no mínimo, as 72 que conquistamos nos teriam deixado muito mais orgulhosos e sorridentes. Pouco importando o ranking.

O florão da América

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Pode ser que eu me engane, mas guardo a nítida impressão de que duas visões contrastantes, praticamente opostas, do Brasil se digladiaram nas cerimônias de abertura e de encerramento dos Jogos Olímpicos Rio 2016.

A primeira me emocionou até às lágrimas por ter sido proposta com a alma. Retratou com incrível senso estético e sutileza o país que poderíamos ter sido caso tivéssemos aprendido a tempo a reconhecer e explorar com responsabilidade social os imensos recursos naturais e humanos de que dispomos. Inovou ao incorporar terapeuticamente o lado B, sombrio, de nossa história. Corajosamente deixou de lado o ufanismo inconsequente e se permitiu representar também nosso passado de cumplicidade com a escravidão, de descaso e aniquilamento das tradições indígenas, de instrumentalização arrogante da mão de obra imigrante. Graças à delicadeza e tom poético das imagens, pôde ilustrar também o Brasil que poderíamos vir a ser caso o desejo de transformação habitasse o coração de todos. O país que seríamos capazes de construir se e quando nos sentíssemos todos, de fato, donos deste país. Simbolicamente, nos apresentou ao mundo como o espaço privilegiado do sonho, da esperança, do potencial, da semente ávida por germinar e se erigir em árvore bela, de raízes profundas.

JO 2016 7A segunda, paradoxalmente, só fez por me distanciar emocionalmente. Para mim, significou tão somente um espetáculo elaborado com a cabeça, de caso pensado. Apresentou apoteoticamente ao mundo o Brasil que somos apesar dos pesares, o país que nos orgulhamos de exibir “para inglês ver”. Trabalhou exclusivamente com os arquétipos já consolidados na cabeça de todo estrangeiro: aquele país tropical onde predomina a festa, a mistura, a informalidade… e, infelizmente, a alienação. Aquele pedaço do mundo onde o circo consegue disfarçar inconscientemente a falta de pão, onde a alegria é ensaiada e a igualdade é vivenciada com alívio apenas em dias de Carnaval. A superação de limitações, como de hábito, não foi convidada para a festa. Em consequência, o bombástico festival de cores e de sons deixou em mim novamente uma triste assinatura: já está bom assim, não é preciso se esforçar mais, esse é o máximo a que podemos aspirar.

Não digo estas coisas com rancor. Sei que estávamos todos merecendo um intervalo, que precisávamos de alguma forma de catarse. As duas cerimônias valeram por isso. Apenas não consigo ocultar de mim mesma uma certa tristeza, amargura ou inquietação com os contornos que o futuro de nossa pátria pode assumir uma vez terminada a festa. Sinto medo de que o desânimo tome conta mais uma vez de nossos espíritos antes que a faxina esteja realmente concluída.

JO 2016 8Apavora-me a ideia de que um novo controlador-geral da nação surja para nos ditar o ritmo, as tarefas de cada um e as áreas que ainda falta limpar. Que um novo salvador da pátria consiga mais uma vez nos seduzir com a promessa de dias melhores se fizermos tudo que seu mestre mandar. Que acreditemos mais uma vez que o futuro a Deus pertence e que, por pura cordialidade, aceitemos transferir alegremente a Ele a responsabilidade pela construção.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Jogos… que jogos?

José Horta Manzano

Deus é brasileiro, costuma-se dizer. Há quem bote fé nesse chiste. Sete anos atrás, quando o Brasil foi designado como sede dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, os responsáveis pela boa preparação do evento consideraram que havia muito tempo pela frente.

Construção de instalações e modernização de transporte foram sendo empurrados com a barriga. Afinal, faltava tanto tempo! Deu no que deu. O metrô não chega até onde deveria chegar, a cor da água das piscinas varia conforme os caprichos de São Pedro, o mundo ficou sabendo que os alojamentos dos atletas era um ninho de problemas, ônibus de delegações são apedrejados e baleados. Em resumo: um mundo perfeito.

JO 2016 4A cerimônia de abertura contou com sóbrio e deslumbrante espetáculo que, se não chegou a compensar as falhas, ao menos dourou a pílula e suavizou os efeitos negativos.

Aos trancos e barrancos, a preparação dos Jogos foi feita. O momento chegou. O momento é agora. Felizmente, o mundo anda tão entretido com as competições e com os resultados, que as imperfeições passam (quase) despercebidas. Assaltos e desorganização entram na conta do que já se espera de um violento país de Terceiro Mundo.

Quando os JOs de 2008 foram atribuídos a Pequim, a China começou imediatamente a preparar não só infraestrutura, mas principalmente atletas. Afinal, o planeta não assiste às Olimpíadas pra ver imagem do Corcovado, mas pra vibrar com o desempenho dos protagonistas. As 100 medalhas conseguidas pela China nos jogos de 2008 representaram praticamente o dobro do que o país tinha alcançado, em média, nas 5 participações anteriores. Encantaram o mundo.

JO 1920No Brasil, a coisa não funciona assim. Cada vez mais se tem a impressão de que a chance extraordinária de ter conseguido sediar os JOs serviu mais para enriquecer assaltantes do erário do que para promover o esporte nacional. O importante era encher os bolsos. Quanto aos jogos… que jogos?

Ainda falta uma semana para o fim da Olimpíada, mas o panorama final já está delineado: dificilmente o Brasil conseguirá as 17 medalhas que obteve quatro anos atrás, em Londres. Um vexame para um país de mais de 200 milhões de habitantes.

Curiosidade olímpica
O Brasil participou de todas as edições dos Jogos Olímpicos, desde 1896. Adivinhe o distinto leitor em que ano conseguimos nossa melhor classificação. Não sabe? Pois eu digo logo: foi em 1920, na Olimpíada de Antuérpia, Bélgica. Naquele ano, participaram 29 países. Com 3 medalhas, o Brasil foi o 15° colocado, façanha não superada até hoje.

Pelo balanço da carroça, não será este ano que dobraremos a meta.

Ignorância

José Horta Manzano

Cabeçalho 14

Em nossa língua, a palavra ignorante tem dois sentidos e pode-se referir a duas situações bastantes distintas. No sentido próprio, ignorar é simplesmente ‘não conhecer’. O termo é membro de extensa família e está presente em numerosas línguas. Conhecer, ignorar, agnóstico, reconhecer, diagnóstico, desconhecer, prognóstico, cognitivo são palavras nossas, todas aparentadas.

O verbo inglês know, o francês connaître, o alemão kennen, o italiano conoscere, o sueco känna, o espanhol conocer são também filhotes do mesmo antepassado. Todos eles guardam o sentido de saber, conhecer.

Esporte 4Quanto a nós, pelo menos no Brasil, costumamos usar o termo ignorante numa segunda acepção, bem mais popular. Dependendo de como for pronunciado, pode servir de xingamento. Não tem muito que ver com conhecimento. Conforme a gravidade do caso, pode ser substituído por grosseiro, impolido, descortês, imbecil, selvagem, rude, chucro, bronco, impolido, boçal.

Leio hoje duas notícias em que o protagonista se encaixa nessa segunda acepção. A primeira relata uma inacreditável cena ocorrida ontem, em plena Olimpíada carioca, por ocasião de um combate entre dois judocas. Um dos atletas era israelense e o outro, egípcio. Como todo esporte, o judô tem suas regras. De sua origem nipônica, guarda rituais rígidos. Os contendores devem cumprimentar-se antes da luta e, de novo, ao final.

Numa atitude inaceitável, o egípcio recusou-se a cumprimentar o oponente. Voltou-lhe as costas e se retirou ‒ sob uma chuva de vaias. Personificou a imagem do igorantão.

Metro Rio 2A segunda notícia ‒ cuja veracidade posso supor mas não garantir ‒ conta o diálogo entre uma garota e um turista estrangeiro. Estavam no Rio de Janeiro, e o turista procurava a entrada do metrô. A moça, embora conhecesse algumas palavras básicas de inglês, recusou-se a usá-las. Insistiu em responder ao infeliz visitante usando um português rasteiro. O coitado não entendeu nada.

Mais tarde, pelas redes sociais, a autora vangloriou-se da façanha. Argumentou que todo estrangeiro de passagem tem obrigação de conhecer a língua local. Mostrou encaixar-se nas duas acepções de ignorância: além de não saber, foi boçal.

Interligne 18c

Os protagonistas dessas histórias, ambos de pouca idade, deram prova viva da influência que políticas de Estado podem ter sobre mentes jovens, frágeis e dúcteis. Cada um mostrou ter aprendido a lição que a sociedade lhe ensinou. O brutamontes egípcio deixa escorrer, pelo canto da boca, um filete verde do ódio que lhe incutiram. A brasileira selvagem espelha o desprezo à civilidade que a paisagem política deletéria dos últimos 13 anos vem inculcando à juventude brasileira.

Cada um mostrou, à sua maneira, a imbecilidade que se aninha em seus jovens miolos. Foram ambos ignorantões.

Frase do dia — 311

«For the sake of ordinary Brazilians, and of all of the athletes participating, let’s hope that the Rio Games, as a sporting event, are a world-class triumph. May they also, somehow, represent a defeat for the corrupt politicians, developers, and assorted buccaneers who have made the Games, and Brazil, their particular feeding ground.»

«Em consideração aos brasileiros e a todos os atletas participantes, vamos torcer para que os Jogos do Rio sejam um triunfo planetário em matéria de esporte. Tomara que possam, de alguma maneira, significar uma derrota para políticos, promotores & outros aventureiros que usaram os Jogos ‒ e o Brasil ‒ para encher os bolsos.»

Jon Lee Anderson, escritor, em artigo publicado no prestigioso The New Yorker, 5 ago 2016.

Sob os olhares do mundo

José Horta Manzano

Você sabia?

A chamada que aparece logo abaixo está correta mas incompleta. «Sob os olhares do mundo» subentende que todos estarão de olho nas festividades de abertura dos JOs ao vivo, simultaneamente, no momento em que as dançarinas rodarem a baiana no Maracanã. Não é bem assim.

O mundo é movido a dinheiro ‒ os acontecimentos atuais da política brasileira estão aí pra comprovar. E quem é que sustenta o Comitê Olimpico Internacional? Ora, os direitos de transmissão. E quem é que paga esses direitos? Ora, quem retransmite.

A rigor, jornais, tevês, rádios e portais são todos iguais. Mas alguns são mais iguais que outros. Pequenos órgãos da mídia, com escassa audiência, pagam menos. Já as poderosas redes de tevê americanas despendem somas impressionantes pelo direito de transmitir as competições. Estamos falando de bilhões de dólares, com B de bola. Pagam mais que os outros, o que lhes dá direito a impor seus interesses.

Chamada do portal da Rádio Jovem Pan, 5 ago 2016

Chamada do portal da Rádio Jovem Pan, 5 ago 2016

A hora nos Estados do leste americano, agora no verão, está atrasada apenas uma hora com relação ao Rio de Janeiro. Portanto, para que jogos, corridas, pulos e outras competições caiam num horário conveniente para o público dos EUA, grande parte deles terá lugar à noite. Convém a quem vive nas Américas, mas atrapalha um pouco quem reside em outros pontos do planeta.

Às 20h de hoje, quando a festa de abertura começar, os cucos suíços e todos os outros relógios da Europa Ocidental já estarão marcando 1h da madrugada de sábado. Na Europa Oriental, serão já 2 horas. Sei de gente que vai tomar um café bem forte pra aguentar assistir ao vivo. Sei de outros que vão preferir acionar a função «replay» sábado de manhã.

Faço parte desses últimos. Desejo uma boa-noite a todos!

Esperavam o quê?

José Horta Manzano

No dia 2 outubro 2009, quando se tornou público que os Jogos Olímpicos de 2016 se realizariam no Brasil, especificamente no Rio de Janeiro, nem vidente com bola de cristal turbinada poderia prever que, anos mais tarde, uma certa operação jurídico-policial lavaria a jato o Brasil.

Naquele momento, nosso país já havia esquecido o mensalão. No auge da glória, nosso guia se preparava para ungir Madame Rousseff como sucessora. A maioria acreditava que a pobreza, as desigualdades sociais, os desmandos, a má govervança, as injustiças estavam para desaparecer em nossas terras.

JO 2016 3Apesar da euforia de um Brasil que já se imaginava emparelhado com as grandes nações, acabou dando tudo errado. Poucos se deram conta de que Copa e Olimpíada não passavam de reboco grosso, daqueles que se aplicam para esconder rachaduras profundas. As mazelas nacionais continuavam latentes. Anestesiadas e subjacentes, mas bem vivas. Com ou sem Lava a Jato, o desastre era previsível.

Está aqui abaixo um florilégio de títulos e chamadas colhidos esta última semana na mídia nacional.

  • Princípio de incêndio atinge prédio da Austrália na Vila Olímpica

  • Atletas da Suécia apontam problemas e deixam Vila Olímpica da Rio 2016

  • Ambulante vende lugar na fila para ‘selfie’ diante de aros olímpicos

  • Esquema de segurança não impede tiroteio no caminho das delegações

  • Atletas japoneses ajudam na limpeza dos apartamentos na vila Olímpica no Rio de Janeiro

  • Paes pede que cariocas fiquem em casa no dia da abertura dos Jogos

  • Delegação chinesa fica presa em tiroteio perto do Complexo da Maré

  • Presidente do Comité Internacional Olímpico diz que a Olimpíada no Rio é teste de estresse

  • Festa de abertura da Rio-2016 recebe, em regime de urgência, 270 milhões de dinheiro público para cobrir rombo

  • Brasil dá início nesta sexta-feira à maior Olimpíada mergulhado no pior da recessão.

Esperavam o quê?

Vila Olímpica

José Horta Manzano

Os habitantes de Montréal, cidade que sediou os Jogos Olímpicos de 1976, não querem mais ouvir falar nesse tipo de aventura. Ficaram vacinados. A brincadeira deixou um déficit de um bilhão de dólares ‒ quantia vertiginosa para a época. Os contribuintes levaram três décadas pagando a fatura.

JO 1Os infelizes atenienses, que acolheram os Jogos em 2004, guardam lembrança catastrófica. Pelos números oficiais, não necessariamente confiáveis, o custo total foi de 11,2 bilhões de euros. Estimação extraoficial eleva o número a estonteantes 20 bilhões, tudo a ser coberto com os impostos da população. É evidente despropósito quando se leva em consideração o modesto PIB grego. Essa loucura precipitou a débâcle que o país sofreria poucos anos depois.

Algumas instalações construídas especialmente para os Jogos de Atenas encontram-se hoje em total abandono, depredadas, saqueadas, com mato crescendo em volta.

JO 2Mais do que a Copa do Mundo de 2014, os Jogos Olímpicos de 2016 trazem dano financeiro ao Brasil. Se a Copa deixou estádios ‒ perdão, arenas! ‒ subutilizados, as Olimpíadas podem deixar um rastro de instalações abandonadas. O número diminuto de esportistas nacionais dificilmente justificará os gastos de manutenção.

Uma coisa me deixa cismado. As prestigiosas delegações que disputam uma Copa dispensam a construção de alojamentos. Cada seleção escolhe a base que mais lhe agradar ‒ hotel, pousada, resort ou o que seja ‒ e paga do próprio bolso. Por que a mesma lógica não valeria para as Olimpíadas?

JO 3Se assim fosse feito, o contribuinte brasileiro não teria de arcar com o custo de contrução de toda uma Vila Olímpica. Não é tudo, mas é sempre um gasto a menos. E, do jeito que vão as coisas, uma vergonha a menos.

A infraestrutura hoteleira não suportaria o afluxo maciço de atletas, delegações e turistas? Que só se candidatem a sediar Olimpíadas as cidades dotadas de infraestrutura. Quem não tem competência não se estabelece.

Autoilusão

José Horta Manzano

Uma chamada do Estadão de 27 de jan° me chamou a atenção. Falo de uma sintomática declaração do presidente do CIO ‒ Comité International Olympique. Ao desembarcar no Rio, Herr Bach foi logo deixando claro: «Temos inteira confiança no Brasil». Hmmm…

JO 2016Alguém imagina a autoridade máxima do esporte mundial soltando frase assim logo antes do início dos Jogos Olímpicos de Londres? Algo do tipo «Temos inteira confiança no Reino Unido»?

Quando um dirigente insiste em afirmar o que deveria ser evidente é mau sinal. Soa menos como convicção e mais como o que os ingleses chamam «wishful thinking», uma interpretação dos fatos que não traduz a realidade como ela é, mas como gostaríamos que fosse.

Chamada Estadao, 27 jul° 2016

Chamada Estadao, 27 jul° 2016

Na hora me vieram à mente duas imagens. A primeira é a de um certo ex-presidente que ousa duvidar haver «nessepaiz» viv’alma mais honesta que ele. Ao dar-se conta de que ninguém mais lhe dá crédito, o enjeitado líder sentiu necessidade de soltar a frase lapidar.

A segunda imagem é a de certa presidente afastada que, embora tenha ocupado funções de mando nos últimos 13 anos, insiste em considerar-se alheia a todo o descalabro que se instalou no país. «Sou mulher honesta, não cometi crime e nunca me vali de caixa 2.»

Autoilusão.

Extremismo à brasileira

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Cabeçalho 13

Olá,

Somos um grupo amador brasileiro especializado em atentados a bancos, empresas e veículos de segurança, tráfico de armas e de drogas. Apesar de já termos galgado posição de destaque junto à criminalidade dentro e fora do território do Rio de Janeiro, sentimos que ainda não alcançamos a projeção a que aspiramos e à qual acreditamos ter direito na mídia brasileira e internacional. Atribuímos esse estado de coisas à acirrada concorrência que temos enfrentado nos últimos anos na esfera política nacional. São tantos e tão variados os escândalos de corrupção na administração municipal, estadual e federal que praticamente não sobra tempo à imprensa livre para cobrir eventos ‒ por mais impactantes que sejam ‒ fora do âmbito político-empresarial.

Assalto 10Em função dessas contingências, estamos pensando em nos profissionalizar e atuar fora de nossa área de especialização, evoluindo para a área do terrorismo internacional. Contamos com muitas habilidades que, temos certeza, serão de grande valia para sua organização durante a realização dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Conhecemos cada minúsculo beco da cidade-sede, temos gente nossa infiltrada em milícias das várias comunidades cariocas, na polícia estadual e até mesmo em quadros da administração local. Além de podermos facilmente nos misturar à multidão, não enfrentamos obstáculos maiores para lidar com o controle de fronteiras, em especial no sul do país, já que contamos com soldados habituados a tratar com militares na tríplice fronteira Brasil – Argentina – Paraguai.

JO 2016Para melhor servi-los, já nos inscrevemos em cursos diversos, inclusive artes marciais, tiro e língua árabe. Adquirimos recentemente algumas metralhadoras AK-47 numa transação virtual com lojas do Paraguai para não levantar suspeitas desnecessárias, coisa que certamente teria ocorrido caso nos tivéssemos deslocado até lá.

Outro de nossos diferenciais é que fazemos parte de uma população universalmente reconhecida como inventiva, adepta da improvisação e aberta às mais diversas orientações sociais, religiosas e ideológicas. Multiculturalismo, acolhimento de estrangeiros e sincretismo religioso são pontos fortes de nossa cultura e de nosso grupo. Ainda que nos agrade pensar que somos abençoados pelo Cristo Redentor, não vemos incongruência em aderir aos preceitos muçulmanos, principalmente se as virgens prometidas aos mártires da fé puderem ser desfrutadas com antecedência, já neste plano, e se nossa cervejinha santa de todos os dias puder ser consumida excepcionalmente por nossos combatentes, ao menos nos dias de ação.

Cerveja 1Podemos adicionalmente oferecer consultoria quanto às características físicas, vestimentárias e comportamentais a ser observadas por lobos solitários que venham a ser recrutados. Como deve ser de seu conhecimento, o calor da cidade do Rio de Janeiro, inclusive no inverno, torna contraindicado trajar vestes pesadas ou portar cinturões de explosivos que só serviriam para retardar o deslocamento e a fuga. Dispomos de farto estoque de bananas de dinamite que poderiam ser rapidamente alocadas em diversos locais de concentração de público. Ninguém se assustaria também com a visão de armas de grosso calibre, nem com eventuais tiroteios, uma vez que isso já faz parte da paisagem natural carioca. Nosso trânsito caótico pode permitir ainda a utilização de todo tipo de veículos leves e pesados, mesmo em áreas interditadas. Atropelamentos não são exatamente uma novidade para nós. Podemos considerar inclusive a utilização de embarcações de todos os tipos para rápido deslocamento por mar durante as provas aquáticas. Finalmente, estamos preparados para nos valer de infinitas formas de disfarce, como é tradição em nosso Carnaval.

Odalisca 1Expostas todas essas características, só nos resta torcer para que vocês, companheiros de luta, se sensibilizem e aceitem nosso pedido de filiação. Aguardamos ansiosamente sua resposta e nos colocamos à disposição para toda informação adicional concernente à nossa expertise. Aproveitamos o ensejo para solicitar que a comunicação entre nós fique restrita à troca de faxes, considerando o alto risco de rastreamento de nossos celulares.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Olimpíada e cheiro de cavalo

José Horta Manzano

João Baptista de Oliveira Figueiredo (1918-1999) foi o mais recente militar a ocupar a chefia do Executivo. Último presidente da série iniciada em 1964, não se pode dizer que tenha sido pessoa de fino trato. A ele, atribuem frases pra lá de politicamente incorretas. Eis algumas:

  • «Prefiro cheiro de cavalo a cheiro de povo.»
  • «Um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar.»
  • «Sei que o país é essencialmente agrícola. Afinal, posso ser ignorante, mas não tanto.»

Essa é pequena parte da coleção. Há coisa bem mais apimentada. No entanto, ninguém é totalmente branco nem inteiramente preto. Entre os dois extremos, todos carregamos nuances de cinza. O general Figueiredo não era exceção. Entre as barbaridades que pronunciou, há pelo menos uma que fez muito bem ao Brasil.

Cavalo 1A Copa do Mundo de 1986 estava programada para ter lugar na Colômbia. Graves desordens naquele país obrigaram a Fifa a procurar, de última hora, novo país-sede. João Havelange, então chefão do futebol mundial, propôs a João Figueiredo que o Brasil acolhesse o Campeonato.

Desprezando a «honra» que a fabulosa proposta oferecia ao país, o mal-humorado presidente deu resposta curta e grossa a Havelange: «Você já viu uma favela no Rio de Janeiro ou uma seca no Nordeste? Acha que eu vou gastar dinheiro com estádio de futebol?» A frase foi confirmada, anos depois, pelo neto do general.

A Copa foi para o México e a página foi virada. Os anos passaram. O Brasil, acreditando nas juras de honestidade de um grupo que parecia ter moralidade acima da média, foi ludibriado. Caiu na rede de um bando de criminosos que conseguiram assaltar o país por longuíssimos 13 anos.

Figueiredo pode ter sido ignorante, mas mostrou ter mais apreço por seu país do que o finado governo. E pensar que o lulopetismo se dizia «popular e voltado ao social». Quanta hipocrisia!

O general presidente, embora chucro, deu-se conta de que o Brasil tinha outras prioridades além do futebol. Recusou e bateu pé. Já o demiurgo populista, igualmente chucro, deu-se conta de que Copa do Mundo e Jogos Olímpicos abriam excelente oportunidade para negócios. E para obscuras transações.

Sondagem DataFolha, jul° 2016

Sondagem DataFolha, jul° 2016

O resultado é um Brasil empobrecido que ainda espera, pires na mão, os benefícios que a Copa 2014 devia ter trazido. Que espere sentado.

Infelizmente, a coisa continua: ainda temos pela frente um evento mundial, os Jogos Olímpicos Rio 2016. A Folha de São Paulo ‒ jornal que não pode ser acusado de oposição sistemática ao lulopetismo ‒ revela que 63% dos brasileiros (dois em cada três) consideram que a Olimpíada vai trazer mais prejuízos que benefícios.

Só que agora é tarde, minha gente. A quem elegeu o Lula, sobram os olhos pra chorar. A quem não votou nele, sobra a esperança de que tudo vai passar. Um dia, ainda hemos de sair do buraco.

O Brasil e seus estádios falidos

«As primeiras arenas já apodrecem, a corrupção devora milhões e a crise financeira piora tudo: dois anos após a Copa do Mundo no Brasil, as doze cidades-sede continuam tentando digerir as consequências.

Falta dinheiro para reembolsar os empréstimos. Faltam torcedores para encher os estádios. Faltam turistas nos hotéis. E os projetos de mobilidade continuam até hoje na fila das obras que não saíram do papel. Nada disso é de bom augúrio para o que virá depois dos Jogos Olímpicos.

Os doze estádios e as doze cidades pagam hoje o preço do gigantismo de uma Copa que vinha carregada de promessas. Tudo isso é mau presságio para o Rio, sede da Olimpíada.»

Interligne 18h

Esse trecho foi extraído de matéria publicada em 12 jul° 2016 no portal alemão Sport, especializado em assuntos esportivos. Mostra preocupação com o desenrolar da Olimpíada. Para iniciados, aqui está o texto original.

Estadio 1«Brasilien und seine Pleite-Stadien

Die ersten Arenen verrotten bereits, die Korruption verschlingt Millionen und die Finanzkrise macht alles nur noch schlimmer: Zwei Jahre nach der Fußball-WM in Brasilien haben die zwölf Ausrichterstädte noch an den Folgen der Copa 2014 zu knabbern.

Es fehlt Geld, die Kredite zurückzuzahlen. Es fehlen Fans, um die Stadien zu füllen. Es fehlen Touristen in den Hotels. Und Verkehrsprojekte stecken bis heute im Planungsstau. Kein gutes Omen für Rio und die Nach-Olympia-Zeit.

Brasilien hatte sich viel von der WM 2014 versprochen. Die zwölf Stadien und Städte bezahlen noch heute für den Gigantismus. Für Olympia-Gastgeber Rio verheißt das nichts Gutes.»

Olimpíadas chegando

José Horta Manzano

Este 27 de abril marca um símbolo: faltam exatos 100 dias para o início dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Ninguém discute: é o evento esportivo mais importante do planeta. Só pra avaliar, aqui estão alguns números:

Primeira edição dos Jogos realizada na América do Sul

42 esportes

10.500 competidores

206 países representados

306 medalhas em disputa

11 milhões de refeições a servir

137 mil participantes diretos entre funcionários, voluntários e terceirizados.

O mundo está em efervescência. Entre os atletas, corre solta a disputa pela honra de conseguir uma vaga. Participantes brigam e torcem para ser escolhidos como porta-bandeira, glória suprema.

Surpreendentemente, o Brasil ‒ maior interessado ‒ não dá mostra de grande interesse. A atenção especial que deveria estar sendo dirigida às Olimpíadas está em segundo plano. Inflação, desemprego e nuvens negras na governança da União sobressaem. Tem-se a impressão de que o maior encontro esportivo é fato menor, acessório, marginal.

A expectativa de conquistar medalhas foi substituída, na cabeça do povo, pelas continhas sórdidas de quantos milhões serão roubados. A questão maior mudou de foco. O bolsão de apostas tenta antever quem serão os beneficiários da ladroeira. Triste momento e triste país.

Manchetes de hoje de alguns veículos da imprensa estrangeira

Interligne 28aRadio France Inter, emissora pública francesa

A 100 dias dos JOs, o Brasil atravessa crise

A 100 dias dos JOs, o Brasil atravessa crise

Interligne 28a

NDTV, tevê indiana de informação contínua

Brasil luta contra o caos 100 dias antes dos JOs

Brasil luta contra o caos 100 dias antes dos JOs

Interligne 28aFrankfurter Allgemeine Zeitung, diário alemão de referência

Caos no Brasil

Caos no Brasil

Interligne 28aPágina Siete, portal boliviano de informação

A crise brasileira ameaça os Jogos Olímpicos Rio 2016

A crise brasileira ameaça os Jogos Olímpicos Rio 2016

Interligne 28aNanopress, portal italiano de informação

Federica Pellegrini, porta-bandeira da Italia nas Olimpíadas 2016

Federica Pellegrini, porta-bandeira da Italia nas Olimpíadas 2016

Interligne 28aDeutschlandfunk, portal alemão de informação

Mau humor 100 dias antes das Olimpíadas

Mau humor 100 dias antes das Olimpíadas

Interligne 28aDernières Nouvelles d’Alsace, portal francês de informação

Brasil: 11 mortos nas obras dos JOs

Brasil: 11 mortos nas obras dos JOs

Interligne 28a

Quem avisa, amigo é

José Horta Manzano

Semana passada, quando de visita à Turquia, dona Dilma declarou que não havia por que se preocupar com ataques terroristas durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Segundo ela, o Brasil «está muito longe», fato que lhe parece garantia suficiente de imunidade.

Laurent Fabius 1Declaração de presidente ecoa. As palavras de dona Dilma deram a volta ao planeta em poucos segundos e chegaram aos ouvidos de todas as chancelarias. O pronunciamento deixou petrificado um governo francês já açoitado pelos sangrentos atentados ocorridos dias antes.

O descaso demonstrado por nossa mandachuva é criminoso, mormente quando se leva em conta o fato de já haver precedentes. De fato, tragédia terrível ocorreu durante os Jogos Olímpicos de 1972 em Munique. Naquela ocasião, em ataque à delegação de Israel, terroristas deixaram um rastro de 11 atletas e um policial mortos. No esporte olímpico, ninguém se esqueceu dessa desgraça. No Planalto, não é espantoso constatar que ninguém sabia de nada.

Percebendo que o governo brasileiro, por ignorância ou arrogância, não se estava dando conta do perigo que se anuncia, a França despachou rapidinho a Brasília o Ministro de Relações Exteriores, Laurent Fabius. Veio conversar com nossa presidente e com senhor Mauro Vieira, titular do MRE brasileiro.

Laurent Fabius 2O que foi dito? Não se sabe exatamente, mas supõe-se que o visitante estrangeiro não tenha gastado seu domingo num passeio ao Planalto só para tomar chazinho com nossos mandatários. Ele certamente veio alertar para o forte risco que paira sobre Rio 2016.

Se observarmos bem as fotos tiradas na ocasião, vamos ver que, na chegada ao palácio, Monsieur Fabius segura o braço de nosso chanceler. O gesto é, ao mesmo tempo, amistoso e revelador. Lembra o indivíduo mais experiente que dá conselho de amigo. É como se dissesse: «Não bobeie, caro Mauro Vieira, o Brasil não está tão ‘longe’ assim.»

Brasil longe do terror

José Horta Manzano

No fim de semana passado, quando participava de reunião multinacional na Turquia, dona Dilma foi questionada sobre o risco de ataque terrorista ao Brasil durante os Jogos Olímpicos de 2016. A pergunta fazia sentido, dado que Paris acabava de sofrer mortífero atentado.

Dilma 1Dilma respondeu um tanto evasivamente, sem muita convicção, como se a pergunta a tivesse irritado: «não estamos muito preocupados com a possibilidade de atos terroristas no Brasil, uma vez que estamos muito longe». Soou distante e não convenceu.

Dias mais tarde, ao dar-se conta de que a afirmação da presidente não havia tranquilizado ninguém, o Planalto incumbiu o ministro da Justiça de serenar a plateia. Com cara de sério, ele cumpriu o contrato. Não sei se todos acreditaram. Em todo caso, o mui oficial portal Cuba Debate – aquele que publica as Reflexiones de Fidel – repercutiu a fala do ministro. Segundo o figurão, o Brasil «está totalmente preparado para garantir a segurança nos Jogos Olímpicos».

Menos romântico e mais próximo da realidade, o jornal O Globo trouxe, no sábado 21 de novembro, interessante artigo sobre ataques terroristas recenseados de 1970 até nossos dias. Uma análise mais atenta indica que o Brasil não está assim tão “longe” como imagina dona Dilma.

Ataques terroristas de 2000 a 2014 Crédito: Jornal O Globo

Ataques terroristas de 2000 a 2014
Crédito: Jornal O Globo

Entre 2000 e 2014, nosso país registrou nada menos que 17 ações terroristas, mais de uma por ano. É verdade que estamos longe do impressionante total de quinze mil atentados ocorridos no Iraque ou dos dez mil do Paquistão. Assim mesmo, constatamos que o Brasil foi alvo de mais atentados do que países teoricamente mais expostos como: Marrocos (12), Croácia (11), Sérvia (11), Portugal (2), Romênia (1) e Polônia (1).

Assalto 5Se, a esses atos reconhecidamente terroristas, acrescentarmos nossos costumeiros arrastões, sequestros-relâmpago, assaltos à mão armada & companhia, ultrapassamos Afeganistão e Paquistão com um pé nas costas. Sem contar os «malfeitos» do andar de cima naturalmente.

Brasil… longe do terror?

Cheia de encantos mil

José Horta Manzano

Quando o então presidente Luiz Inácio da Silva fez o que devia ― e talvez até o que não devesse ― para conseguir que o Brasil entrasse na rota de grandes eventos esportivos de impacto planetário, estava longe de se dar conta do tamanho da encrenca em que estava nos metendo.

O presidente emérito havia passado 30 anos rodeado por uma corte de áulicos. Diferentemente de certos mandarins que só se impõem pelo terror que inspiram, nosso messias nunca precisou dar murros em cima da mesa para se fazer respeitar. Ele era a locomotiva do partido. Melhor ainda que um enigmático Enéas ou um efêmero Tiririca. Era o abre-alas de uma turma grande.

À medida que o sucesso crescia, novos companheiros foram-se juntando aos camaradas de primeira hora. Formou-se aos poucos uma corte em que todos dependiam do chefe. Cada um tinha seu motivo ideológico ou pecuniário para mostrar submissão e, acima de tudo, jamais contrariar os caprichos do chefe. Numa confraria de viés absolutista, onde reina um único personagem, contestações não são bem-vindas. Os poucos que ousaram contradizer a verdade oficial pagaram caro: foram expulsos do grupo. Ou pior.

Mas todo exagero é perigoso. Cercado de elogios, sem jamais enfrentar o contraditório, o chefe adulado vai aos poucos perdendo o contacto com a realidade. Acaba acreditando sinceramente que, com um estalar de dedos, é capaz de transformar o mundo.

Nosso guia chegou a imaginar que, com um jogo de futebol e alguns afagos, conseguiria resolver em dois tempos o imbróglio entre israelenses e palestinos, emperrado há muitas décadas. Inexplicavelmente, seu chanceler Amorim ― dono de inegável experiência na carreira diplomática ― foi incapaz de enxergar o ridículo da situação e o fracasso anunciado. Como aos demais cortesãos, faltou-lhe ousadia para divergir do chefe.

Logo oficial ― JO Rio 2016

Logo oficial ― JO Rio 2016

Alguns anos atrás, quando Copa do Mundo e Jogos Olímpicos foram atribuídos ao Brasil, a franja pensante da população intuiu que não era hora de assumir compromissos tão caros e complexos. Mas a corte não ousou passar essa advertência ao chefe. E fomos em frente alegremente.

Jamil Chade, correspondente do Estadão na Suíça, nos dá conta do conteúdo de um relatório confidencial do CIO (Comitê Internacional Olímpico) sobre o andamento das obras em vista dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. O relato é estarrecedor. Melhor do que transcrevê-lo aqui, convido os leitores a uma visita ao Estadão.

Apesar do discurso tranquilizador proferido pelas autoridades brasileiras, o atraso no planejamento e na realização das obras é catastrófico. O problema atinge todas as áreas que, de algum modo, dizem respeito aos Jogos Olímpicos. Infraestrutura, transporte, alojamento dos atletas, hotéis para visitantes, plano B para emergências, aeroportos, todas as obras estão atrasadas.

A impressão que fica é a de que o Brasil teve o olho maior que o estômago, como diz o outro. Comprou um peixe enorme e pagou por ele. Agora, não sabe direito como escamá-lo. E ainda falta limpar, temperar, cozer, servir. Os convidados já estão apontando na esquina.

Culpa do rei? Em parte. Maior responsabilidade pesa sobre os que, mais esclarecidos, titubearam e se omitiram. De qualquer maneira, quem pagará a conta somos nós.