Loser

José Horta Manzano

Ingleses e americanos são bons pra criar expressões de gíria. Não sei se é a língua inglesa que se presta bem a esse contínuo exercício de criação ou se é o espírito do povo que combina com ele. Talvez os dois.

A palavra loser (=perdedor) é substantivo derivado do verbo to lose (=perder). No meio estudantil americano de meados do século 20, o termo loser adquiriu uma acepção insultuosa. Passou a designar não aquele que eventualmente deixa de vencer numa ocasião precisa – como uma partida de xadrez – mas o perdedor infeliz, habitual e contumaz, o indivíduo que não vence nunca e que passa a vida perdendo todas. No falar popular americano, a melhor tradução é fracassado, ofensa doída num país em que a meritocracia é erigida em ideal nacional.

Faz anos que Donald Trump se apresenta como o homem que vence todas, o líder carismático que tem sempre razão e que traz no bolso do colete a solução simples para males complexos; um verdadeiro deus ex machina que há de redimir o país desnorteado e à deriva. Foi assim que vendeu seu peixe e foi com esse discurso que venceu a eleição de 2016.

Quatro anos se passaram. Trump governou de olho nas pesquisas, sempre jogando para a plateia interna, um tanto descolado do fato de presidir a maior potência planetária. Não há de ter desagradado tanto assim, visto que, na corrida para o segundo mandato, recebeu mais de 70 milhões de votos. Mas o que conta é o resultado, que lhe foi desfavorável: perdeu a eleição.

O balanço de sua gestão é pra lá de negativo: perdeu a Câmara (House of Representatives) para os democratas; perdeu o Senado também para os democratas; e, pra coroar, perdeu as eleições. O homem perdeu todas! Tornou-se um loser! Um fracassado!

Essa pancada no orgulho está na origem de suas atitudes alucinadas estes últimos tempos. Durante a vida, Donald Trump já deve ter usado inúmeras vezes a palavra loser como insulto. Sentir agora a ofensa na própria carne deve ser insuportável. Loser! Loser! Loser!

Choramingo tardio

José Horta Manzano

De uns meses pra cá, novela, futebol e acontecimentos político-policiais têm prendido a atenção da nação. Pouco espaço tem sobrado para outros assuntos ‒ para os internacionais, menos ainda.

by Lezio Jr, desenhista paulista

by Lezio Jr, desenhista paulista

Num último esperneio de aflição, despojada de apoio interno, dona Dilma busca no exterior a sustentação que costumava menosprezar. Diferentemente do que se poderia supor, não procurou amigos fiéis como os bondosos irmãos de Havana, o mal-encarado mandão de Caracas ou os turbantados guias iranianos. Foi direto à ONU, a fonte principal ‒ usada por todos mas dominada pelos odiados loiros de olhos azuis. O desespero apronta cada uma…

Vai falar no deserto, a presidente. O exterior olha para nosso país como oportunidade de negócios, como destino de investimento, eventualmente como lugar para férias. A destituição da atual mandatária e de sua nefasta corte é, antes, vista com alívio por Estados mais equilibrados. Se aplausos houver ao final da fala presidencial, serão de circunstância, ditados pela civilidade, qualidade que costuma faltar à discursante.

Blabla 2É verdade que editorialistas e correspondentes estrangeiros têm produzido textos que comparam a destituição da presidente a um golpe de Estado. Há dois casos bem distintos.

Dilma 1Numa primeira hipótese, são produto de má-fé. Correspondentes que se expressam assim nada mais fazem que se conformar à linha política do veículo que os contrata. Afinal, precisam do emprego e não convém brincar em serviço.

Em outros casos, editoriais que não refletem a realidade brasileira são puro produto de falta de informação. Correspondentes não vivem como o brasileiro mediano. Têm salário acima da média, vida mansa, despesas pagas, viagens garantidas, restaurantes de bom nível, mordomias além do alcance do cidadão padrão. Embora vivam no Rio ou em São Paulo, enxergam o Brasil como se em Londres ou Paris estivessem.

Para resumir, é bobagem grossa choramingar no púlpito da ONU. O panorama nacional anda inóspito demais. Qualquer modificação será bem-vinda mesmo porque, como já dizia o outro, pior não fica.

Reação tardia ou intencional?

José Horta Manzano

«A presidente Dilma Rousseff vai editar um decreto de programação financeira com bloqueio de R$ 10,7 bilhões em despesas discricionárias como água, luz, fiscalização da Receita, da Polícia Federal a partir de 1º de dez°. A decisão segue a orientação do TCU e põe o governo em estado de calote.»

Tricher 1Acabo de citar matéria do Diário do Poder. Se for verdade – e tudo indica que é – está aí a evidência de que nosso Executivo sulca o Mar dos Sargaços, aquele atoleiro marinho que tanto assustou navegadores no século XVI. A água entorno está coalhada de algas traiçoeiras que perigam, a todo momento, se enroscar na hélice e paralisar a nave.

Teria o distinto leitor ideia do que sejam 11 bilhões de reais? Dificilmente. Tirando meia dúzia de terráqueos do tipo Bill Gates e Warren Buffett, essa quantia está fora de nosso referencial. A imagem mais aproximada é a de um quarto cheio de notas graúdas. Do chão ao teto.

Em vez de cortar na própria carne, como seria razoável, dona Dilma decidiu cortar em carne alheia. Não cogita dispensar funcionários supérfluos nem extinguir boquinhas tão apetitosas quanto inúteis. O corte será feito em despesas essenciais como água, luz e… Polícia Federal. É sintomático.

Tricher 2Embaixadas e representações brasileiras no exterior já foram avisadas que a torneira secou. Como todos sabem, dona Dilma, alérgica a relações exteriores, considera inútil toda despesa feita nesse ramo. A menos que se destine a ditaduras companheiras naturalmente.

Já a diminuição de verbas da Polícia Federal não é de natureza ideológica – o buraco é mais fundo. Dona Dilma há de supor que a supressão de verbas vá frear o ímpeto da PF. Os do andar de cima andam apavorados com a ideia de não mais serem os eternos vencedores do jogo de cartas marcadas ao qual se acostumaram estes últimos anos.