José Horta Manzano
Em despacho de 23 de junho, o diário South China Morning Post informa que Edward Snowden escapou de Hong Kong. Embarcou num voo da companhia Aeroflot em direção a Moscou. No momento em que escrevo estas linhas, deve estar sobrevoando território russo. A previsão de pouso é por volta das 10h da manhã deste domingo, pela hora de Brasília.
Conheço muito bem as formalidades de imigração em vigor em Hong Kong. A cidade-estado está longe de ser uma peneira. Os controles de entrada e de saída aliam o antigo rigor comunista à eficiência britânica. De olhos perscrutantes, os agentes são mal-encarados, silenciosos, inflexíveis.
Se Snowden deixou o território, fez isso com a anuência das autoridades. É possível ― e mesmo bastante provável ― que Pequim tenha fechado um olho na esperança de se livrar de um problema cabeludo. O homem está sendo procurado pelo governo dos EUA sob a acusação de espionagem, crime ultrapesado pela lei de qualquer país.
Os dirigentes russos, pelo menos por enquanto, alegam estar completamente alheios ao que se passa. Acredite quem quiser.

Robin Hood
O destino final do fugitivo, segundo o South China Morning Post, poderia ser a Islândia ou o Equador. Eu acrescento: poderia também ser o Brasil, por que não?
A Islândia acolheu, 4 anos atrás, um cirurgião plástico brasileiro, que, condenado a 47 anos de prisão por homicídio, havia escapulido de sua prisão. Mas o problema foi resolvido em pouco tempo. O governo brasileiro solicitou e obteve a extradição do condenado.
O Equador abriga em sua embaixada londrina, há mais de um ano, um Robin Hood dos tempos modernos. O original, a quem a lenda confere uma aura de honra e magnanimidade, roubava dos ricos para distribuir aos pobres. O clone atual roubou segredos diplomáticos e os publicou ao planeta inteiro. Segredo é para quatro paredes. Espalhar troca de correspondência confidencial, além de ser feio, não traz vantagem a ninguém. Tanto o Robin Hood original quanto o moderno agiram mal. Nenhum deles transformou o mundo.
No apagar das luzes de seu governo, como quem põe o morango em cima do bolo, no mesmo dia em que concedeu passaporte diplomático a seus filhos e netos, o Lula negou definitivamente a extradição de um fugitivo da Justiça italiana, já condenado em seu país por participação em quatro assassinatos.
A Islândia é país pequeno, sem árvores e sem calor. Para um jovem de 30 anos, como Snowden, a perspectiva de passar o resto da vida naquele lugar é desmoralizante.
Já o Equador é um pouco melhor. Tem árvores, tem calor, mas o território é diminuto. Para quem chega, saber que não vai nunca mais poder sair deve ser frustrante.

Robin Hood
Se eu fosse Snowden, sondaria o governo brasileiro. Generosos, estamos sempre prontos para acolher assassinos, ex-ditadores e outros bandidos. Por que não traidores? O País é vasto como coração de mãe. Cabem todos.
No entanto, caso a Islândia decida abrigar o fugitivo, resta-nos a possibilidade de convidar aquele país hermano para integrar o Mercosul. Seria mais ou menos como se nós mesmos tivéssemos acolhido o fugitivo. É sempre um consolo, não é mesmo?
Complemento
Sabe aquela batata quente, aquela que ninguém quer segurar na mão e joga no colo de quem estiver mais distraído? Pois é. Este caso Snowden está ficando assim. Tornou-se um abacaxi que ninguém quer descascar.
No momento em que escrevo este complemento, o homem deve estar desembarcando em Moscou. A Agência Reuters informa que seu destino poderia ser Caracas, via Havana. Faz sentido.
A Islândia, finalmente, não vai precisar ser convidada a fazer parte do Mercosul. Não faz jus ao convite, além do que a Venezuela já é membro de pleno direito. Snowden vai se sentir em casa. A velha máxima do tempo de nossos tataravós continua válida: dize-me com quem andas, e dir-te-ei quem és.
Que o destino final seja Cuba, o Equador, a Venezuela, tanto faz. Pode ser até um País gigante por natureza, por que não? Quem viver verá.

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