De carona

O Globo, 7 jul° 2022

José Horta Manzano

Artigo d’O Globo informa que dezenas de candidatos às eleições deste ano para os cargos de deputado estadual ou federal têm bancado anúncios no feicebúqui e no instagrã. Espero que vosmicê saiba como funciona esse sistema de anunciar em rede social. Quanto a mim, não faço a menor ideia. Sou do tempo em que anúncio se punha no jornal. Não frequento “redes”.

Bom, imagino que, como todo anúncio que se preze, essas inserções tenham um custo. É difícil acreditar que os candidatos enfiem a mão no próprio bolso, portanto devem estar se servindo no fundo partidário – aqueles bilhões desviados de nossos impostos e entregues ao apetite da coleção de partidos que compõem o tabuleiro das incongruências desta exótica República.

Resultado do jogo: os anúncios, na verdade, estão sendo financiados por todos nós.

A maioria dos anunciantes da base bolsonarista se dedica a um sistemático exercício de desinformação, seguindo à risca a cartilha do conspiracionismo. As investidas mais recorrentes, como se pode imaginar, vão contra o sistema de voto eletrônico e contra os ministros do STF – os judas favoritos da turma.

O teor dos anúncios intriga. De candidatos normais, se esperaria que se apresentassem ao grande público, que louvassem as próprias qualidades, que dissessem a que vêm. Em vez disso, temos um bando de zumbis, que entram na sala de visitas dos outros para denunciar o sistema que há de elegê-los – ou até, em numerosos casos, que já os elegeu. Por que fazem isso?

A primeira explicação, que me parece evidente, é não terem nada de substancial a contar sobre a própria personalidade, suas convicções e seu plano de trabalho.

A segunda razão, que decorre da anterior, é que, não tendo nada de interessante a apresentar, tomam carona no bonde do capitão, na esperança de recolher o voto de um punhado de seus devotos mais medrosos.

Em seguida, vem a dúvida. O que pretende essa gente? Será que não se dão conta de que, com esse comportamento, estão jogando um grão de areia na engrenagem bem azeitada da votação eletrônica, consagrada há um quarto de século? Será que não percebem que, ao contribuir para eventual tentativa de golpe, correm o sério risco de serem tragados por ele?

Se – que Deus nos livre e guarde – golpe houvesse e fosse bem sucedido, a primeira providência seria fechar a Câmara Federal e as Assembleias estaduais. Por duração indeterminada, Suas Excelências seriam mandadas de férias sem vencimentos. Talvez fosse organizada nova eleição, talvez não. Em regime autocrático, tudo depende dos caprichos do autocrata, de suas fobias e de sua paranoia.

Com ou sem golpe, esse punhado de candidatos-zumbis já nos dá um antegosto do nível intelectual e moral da nova leva de parlamentares, todos afiados e prontos para se aboletar no bem-bom.

#naovaitergolpe

José Horta Manzano


Não vai haver golpe.

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Se houver, não vai dar certo.

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Se der certo, não vai vingar.

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Se vingar, não terá apoio militar.

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Se tiver apoio militar, não terá apoio popular.

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Se tiver apoio popular, será derrotado pela reação externa.

Por mais que persista a ilusão de que o Brasil é uma ilha, não é verdade. O Brasil precisa mais do mundo do que o mundo precisa do Brasil.

Ninguém vai suportar ser apartado do convívio do mundo civilizado. Perguntem a Putin se ele gostou.

Ação e reação

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense de 30 julho 2022

Vladímir Putin é homem esperto. Até antes do tremendo erro tático que cometeu ao invadir a Ucrânia numa guerra de conquista, sua ascensão tinha sido fulgurante. Obscuro funcionário burocrático dos serviços de espionagem até o fim dos anos 1980, perdeu o emprego assim que o império soviético se desintegrou. De volta à pátria, pôs um pé na política ao se aproximar do então prefeito de São Petersburgo, segunda metrópole do país.

O prefeito era sabidamente “capo” de uma rede mafiosa. O fato não saía nos jornais, mas, à boca pequena, todos sabiam. O jovem Vladímir há de ter se entendido bem com o chefe, visto que este lhe abriu as portas de uma carreira política à moda russa: sinuosa, mas certeira. Poucos anos depois, Putin já se encontrava em Moscou, agora sob as asas de outro figurão: Borís Eltsin, presidente do país.

Eltsin simpatizou com aquele funcionário taciturno que estava comandando os serviços de segurança interna. Imaginou que ele pudesse ser-lhe útil. Bonachão mas desregrado, Eltsin não vinha governando bem. O país, após oito anos vividos sob sua presidência, encontrava-se em má situação. Uma nova classe de ávidos oligarcas tinha se apoderado do espólio da antiga União Soviética. A população estava desassossegada. No final de 1999, acossado por escândalos de corrupção, Eltsin renunciou à Presidência e deixou Putin em seu lugar como substituto temporário. Nas eleições seguintes, Putin foi confirmado no cargo. Desde então, não deixou o topo do poder.

Nos primeiros anos, foi visto pelo mundo como dirigente respeitável. Foi até convidado a integrar o grupo das nações mais ricas, que então se chamava G8. Em 2014, porém, a Rússia invadiu e anexou a Crimeia, território ucraniano. A partir desse momento, Putin foi desconvidado pelo G8 e a Rússia foi posta de molho. Alguma sanção econômica foi infligida, mas nada que bloqueasse o país.

Se a anexação da Crimeia pareceu ter sido digerida, a invasão da Ucrânia, em 2022, passou dos limites. Ressuscitou dolorosas lembranças de guerras passadas. Era intolerável ver uma nação europeia invadindo outra nação europeia. A reação do mundo civilizado foi imediata, unânime e radical. Sanções duríssimas foram aplicadas ao país.

Mas o pior, a marca que permanecerá por décadas e décadas, é a degradação da imagem da Rússia e de seu povo. A Europa e o mundo voltaram a temer o urso soviético – e quem teme, repele. Em poucas semanas, Putin destruiu a normalidade que tinha sido construída desde a queda do Muro de Berlim. Gerações de russos, embora não sejam culpados dos delírios de Putin, sofrem hoje e vão continuar amargando a desconfiança e a repulsa dos povos civilizados.

Diferentemente de Putin, Bolsonaro não é esperto. Desde o início de seu mandato, parece não conhecer outro modo de operar se não o da marretada. Se a porta não abre, prefere demoli-la, sem que lhe ocorra entrar pela janela. Se encasqueta que tem de armar a população, pouco se lhe dá que pesquisas informem que a maioria abomina essa ideia: armará seus sequazes. Falta-lhe o senso da nuance. Sua personalidade é feita de arestas aceradas. Em seu lugar, um indivíduo de mente arejada já teria se dado conta de que ventos contrários ameaçam sua almejada reeleição. Ele não parece perceber que é hora de dar o pulo do gato, ainda que fosse preciso guardar na geladeira algumas convicções. Não – continua na marretada.

O mundo civilizado não é anestesiado como Bolsonaro parece imaginar. Se não foi vaiado ao fim do “brienfing” a que convocou os embaixadores, é porque diplomata é discreto por dever de ofício. Mas paciência tem limites e ninguém atura ser feito de bobo. Se o mundo continua calado, é por estarem todos no aguardo das eleições de outubro. Caso o capitão seja reeleito, a passividade terminará em janeiro. Caso dê autogolpe, a reação será imediata. Os EUA já deram o tom ao redigir a nota de repúdio à fala presidencial.

Se as forças vivas da nação não reagirem com vigor, os países civilizados o farão. O mundo precisa menos do Brasil do que o Brasil precisa do mundo. Segurem-se, que a reação vai ser forte! Ricos e pobres, todos vão sentir.

O crime e a punição

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense de 25 junho 2022

Corrupção existe no mundo todo. Em certas regiões do globo, está mais presente que em outras. Seja como for, pouca ou muita, corrupção sempre há. Em países em que a observância de leis e regras é pouco rigorosa, a corrupção acaba se instalando como fato corriqueiro, presente no dia a dia de todo cidadão.

A América Latina, com o Brasil em destaque, é conhecida como um dos polos mundiais no assunto. Que se chame gorjeta, propina, cervejinha, cafezinho, molhadela, suborno, jabaculê, lambidela, joia – tanto faz: são variações em torno de um mesmo tema.

Dado que a corrupção crônica é vista no exterior como realidade indissociável de nosso país, ninguém se comoverá com o fato de este cidadão roubar mais que aqueloutro. Está aí, por certo, o segredo da persistente popularidade de Lula da Silva além-fronteiras. Processo, condenação e encarceramento não foram suficientes para manchar-lhe o retrato. Verdadeira ou não, a imagem que o mundo reteve dele foi a de um dirigente que cuidou seus compatriotas humildes e desvalidos – atitude incomum em nossos trópicos. Isso marcou.

O atual presidente martela: “No meu governo, não tem corrupção!”. Pode ser que o mantra funcione entre devotos mais crédulos; no estrangeiro, tem efeito nulo. Quando já se dá por favas contadas que todo dirigente sul-americano é desonesto, não é uma figura farisaica a bater no peito e a repetir “Eu, não!” que vai comover alguém. Portanto, fica claro que o fator corrupção não é suficiente para abalar a reputação do Brasil.

Passemos a um exercício de futurologia política. Vamos trabalhar sobre uma hipótese cujo peso, neste momento, é difícil avaliar. Inventemos um roteiro fictício.

Apesar da algaravia armada em torno da urna eletrônica, o capitão sofre derrota estrepitosa nas eleições. Dia seguinte, num balé incubado de longa data, tropas evacuam Congresso, STF e TSE, e lhes impõem rendição. Em cadeia nacional de rádio e tevê, o presidente aparece cercado por uma penca de fardados estrelados – generais, almirantes, brigadeiros. Todos ostentam o cenho franzido e o ar grave que convém aos momentos cruciais da vida nacional. O capitão anuncia o golpe.

Na sequência, estado de sítio é decretado. Garantias e liberdades individuais são suspensas. O Congresso é fechado, assim como o STF e o TSE. As personalidades que possam causar estorvo ao regime que se instala são detidas e encarceradas – o primeiro da lista é naturalmente o vencedor da eleição. Senadores e deputados têm os mandatos suspensos.

Nos dias que se seguem, manifestações internacionais de protesto pipocam. Os EUA são os primeiros da lista, instando o novo regime a repor o Brasil nos trilhos. Seguem-se a União Europeia, o Japão, o Reino Unido. Logo atrás, vêm os países da América Latina, num coro uníssono. A OEA e a ONU reiteram a mesma injunção: o resultado das eleições tem de ser respeitado e o Congresso, reaberto. Indiferentes às súplicas internacionais, o capitão e seu generalato levam adiante o golpe. Dada a vacância do Legislativo, o presidente passa a governar por decreto. É a estreia de um regime autocrático.

Fosse o Brasil um país pequenino e desimportante, talvez o mundo não se comovesse com a situação. Mas não é assim. Nosso país tem o peso de 200 milhões de habitantes e uma economia significativa. Nessas condições, ao ver que o novo ditador e a junta que o apoia sonegam resposta à súplica internacional, as nações, capitaneadas pelos EUA, decidem engatar a segunda.

Assim como foi feito com a Rússia, sanções contra o Brasil são decretadas. No primeiro pacote, a mais vistosa delas é a decisão de proibir cidadãos envolvidos no golpe de entrarem nos EUA e nos países adiantados. Os haveres desses indivíduos no exterior ficam bloqueados.

A notícia dessa decisão cai como bomba no Planalto. “Como assim? Quer dizer que não tenho mais acesso a minha conta bancária na Suíça? E não vou mais poder passar férias no meu apartamento de Paris? E nunca mais vou poder andar de xícara na Disneylândia?”

O mundo não precisa editar um segundo pacote de sanções. Esse basta. Tendo dado com os burros n’água, os golpistas encerram a brincadeira. Rapidinho.

Festejar o 31 de Março?

José Horta Manzano

A história dos países é marcada por uma sucessão de deslealdades, golpes e revoluções. Não há outro meio de empurrar (ou emperrar…) a história de um povo. Se nunca tivessem ocorrido desvios da ordem estabelecida, ainda estaríamos nos cobrindo de peles e desenhando bichos na parede de acolhedoras cavernas úmidas. Talvez até estivéssemos engolindo comida crua, por não termos domado o fogo.

Todos os Estados carregam um histórico de cambalhotas. A meu conhecimento, nenhum escapou, nem menos nosso Brasil, apesar de ser visto como nação pacífica. Grandes passos da humanidade foram resultado de grandes golpes contra a ordem então vigente.

A Revolução Francesa, golpe pesado e magistral no sistema em vigor, foi um marco no processo civilizatório da humanidade. A Revolução de Outubro de 1917, que instaurou o regime comunista na Rússia, pautou a vida do planeta durante 70 anos.

Vamos agora ser cínicos (mas realistas). A partir de que momento um golpe contra a lei vigente se torna legal? Ou, em outra abordagem: Qual é o nome da lavanderia que aceita roupas manchadas de ilegalidade e, depois de lavar e passar, devolve as peças imaculadas, com virgindade refeita, prontas pra serem cultuadas?

A resposta é realista (mas cínica). Legal é a revolução que deu certo. Revolução que deu certo é o ponto inicial de nova etapa de uma civilização. Golpe que teve sucesso é marco de novo ordenamento de uma sociedade. Grandes fases de nossa história tiveram início como um ataque contra a ordem então vigente.

O 14 de Julho da Revolução Francesa é comemorado até hoje, enquanto que todas as datas da Revolução Russa desapareceram do calendário oficial daquele país. É a prova evidente do sucesso da primeira e do fracasso da segunda.

O Brasil-colônia tornou-se independente da metrópole em virtude de um golpe familiar, uma obscura deslealdade de filho pra pai, um golpe palaciano que reafirmou nosso sistema clânico de governança, já então em vigor. Tendo dado certo, o Dia da Independência é lembrado e festejado até hoje.

O Império do Brasil virou República em virtude de um golpe militar, uma desleal revolução de palácio. Tendo dado certo, também o Dia da República é lembrado e festejado até hoje.

A Revolução de 3 de Outubro de 1930 marcou o fim da República Velha e instaurou a ditadura de Getúlio Vargas. O novo regime durou 15 anos. Com a redemocratização do país, o movimento que levou Vargas ao poder perdeu o qualificativo de “revolução” e passou a ser chamado de “golpe”. É natural, visto que não se eternizou. Com o fim do regime, o 3 de Outubro deixou de ser comemorado e caiu no esquecimento.

A Revolução de 31 de Março de 1964 marcou o fim do período democrático que tinha tido início com a queda de Vargas, e instaurou nova ditadura – militar, desta feita. Durou 21 anos. Com a queda da ordem militar e a redemocratização do país, o 31 de Março deixou de ser comemorado. Pela ordem natural das coisas, seu destino deveria ser o esquecimento, que é o fim de todas as mudanças que não perduram. O que se costumava chamar de “revolução” passou a ser conhecido como “golpe”.

Curiosamente, no entanto, o finado regime continua sendo cultuado por uma franja estreita de sebastianistas barulhentos que parecem ter fixação num passado que muitos deles nem vivenciaram. Esse culto tem sido potencializado desde que a Presidência foi assumida por Bolsonaro, ele mesmo saudosista doentio.

Ainda esta semana, o general Braga Netto, ministro da Defesa, declarou que a ditadura imposta pelo regime militar “fortaleceu a democracia”(sic) e foi um “marco histórico da evolução da política brasileira”(sic sic).

Soou tão fora de esquadro quanto a declaração de Putin de que a invasão da Ucrânia visa a “desnazificar” o país. Coisa de manicômio.

Um ou outro político de segunda grandeza resmungou. E a imprensa, distraída e ainda fascinada com o estapeio do Oscar, publicou o resmungo como nota de pé de página.

E assim vamos banalizando o absurdo.

Blasé

José Horta Manzano

No Brasil de hoje, nada mais assusta, não é? Tem certeza? É verdade que as os sobressaltos que o governo nos causa são de deixar qualquer um blasé. Como sabe meu culto leitor, blasé é palavra francesa que, com cinco letrinhas, exprime um misto de sentimentos que flutuam entre: indiferença, enfado, fastio, cansaço, desgosto.

Mas não é um sentimento positivo. Quando a gente se sente blasé é como se tivesse entregado os pontos. Não é bom. Mais vale guardar o frescor de quem acaba de desembarcar do planeta Marte e não está a par do que se passa. Mais vale deixar que os sobressaltos diários continuem a nos comover. É importante manter a capacidade de levar sustos.

Só quem mantém o olho vivo está em condições de reagir. A intenção do bando que nos governa é justamente de entorpecer a população com bombardeio diário de horrores. O acúmulo de catástrofes embota a mente. Povo de mente embotada não reage. É justamente o que eles querem, e é contra isso que devemos lutar.

Ao abrir o jornal hoje, encontro três horrores e uma boa notícia. Aqui estão.

Folha de São Paulo

Ai, São Benedito! Lá vai ele nos envergonhar de novo. Talvez a ideia seja de explicar o ‘golpe’ do 7 de Setembro. Se tiver fracassado, como esperamos, ele é capaz de desistir da viagem.

O Globo

Que cara de pau! Se ridículo matasse, poucos de nossos eleitos sobreviveriam.

O Globo

“No meu governo, não tem corrupção!” Alguém se lembra dessa declaração?

Estadão

Uma notícia boa. Livre, finalmente, daquele extraterrestre que ocupava o posto de chanceler, o Itamaraty volta a tomar atitudes dignas. Já que o governo não quer saber dos desgraçados nacionais, pelo menos que estenda a mão aos desgraçados estrangeiros.

O destino de Bolsonaro

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 28 agosto 2021

“Repórter Esso, testemunha ocular da história!” – era o mote do mais importante jornal televisivo de meio século atrás. A frase impressionava, ainda que, no fundo, não quisesse dizer grande coisa. Testemunhas da história somos todos nós, todo o tempo, por toda parte. Mesmo sem dispor, individualmente, do mesmo volume de informação daquele que “testemunhava a história”, cada um de nós também é testemunha dos fatos. Ao fim e ao cabo, nada mudou: ontem como hoje, continuamos assistindo ao desenrolar dos acontecimentos. De corpo presente.

Mas, não há que se diga, há momentos em que a gente tem impressão de que a história se acelera. Estamos justamente atravessando um deles. Momento é maneira de dizer – começou em 2018, com a subida ao trono do capitão, e continua. O brasileiro, com seu espírito criativo que já deu nome ao mensalão, ao petrolão e ao rachadão, há de estar achando que este é um ‘momentão’. Interminável. A aceleração da história virou um torvelinho, uma espiral sem fim, que rodopia cada vez mais rápido e mais fundo. Às vezes chega a parecer que o fundo do poço se aproxima mas, ai de nós!, tem sempre mais poço.

Muita gente anda desesperançada, quase conformada, disposta a baixar os braços e entregar os pontos. Não é o caso deste escriba. O distinto leitor há de se lembrar que, faz algumas semanas, o presidente da CPI da Covid conjecturou: “Membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua”. Melindrados, o ministro da Defesa e os comandantes das três Forças vestiram a carapuça e ameaçaram em uníssono: “Não aceitaremos nenhum ataque leviano às instituições”. Logo a seguir, em entrevista, um calejado tenente-brigadeiro da Aeronáutica liquidou a questão com poucas palavras: “Homem armado não ameaça”.

De lá pra cá, muita água passou pelos rios do Brasil, mas a aula do tenente-brigadeiro foi daquelas que não se esquecem. Só não entendeu quem não quis. A lição é simples: golpe não se anuncia, se dá. Quem saca e não atira perde o crédito. O caminho está traçado: golpe não haverá. Se houver, não dará certo. Se, assim mesmo, desse certo, não receberia a adesão daqueles que detêm a força – os que realmente contam. E tudo iria por água abaixo.

Francamente, golpe de Estado pode combinar com republiqueta de bananas – no Brasil do século 21, fica fora de esquadro. Ser pária internacional no delírio de um chanceler doido é uma coisa; ser apartado do convívio das nações civilizadas e sofrer as sanções reservadas para os países excêntricos é outra, bem diferente. Alguém disposto a pagar pra ver?

Vai ficando mais e mais claro que a sede que o capitão tem de aferrar-se à Presidência não deriva tanto de querer manter o poder pelo poder, mas da paúra de ser obrigado a passar pela casa prisão. Para escapar dessa terrível etapa, só resta uma opção – e Bolsonaro sabe disso. Já veremos qual é.

As pesquisas de opinião convergem para um ponto: a rejeição a seu nome cresce. A desaprovação já batendo em 2/3 do eleitorado e as Forças Armadas firmes no respeito aos preceitos constitucionais bloqueiam toda veleidade de golpe. Arruaça, pode até ser – golpe, que é bom, sem chance. Não se dá golpe no grito. Pra botar as instituições entre parênteses, é preciso ter tanto o apoio popular quanto o dos que detêm a força. O capitão não tem nem um nem outro. Portanto, se cometesse a loucura de dar passo decisivo nessa direção, estaria encomendando o camburão com destino à carceragem.

Para azar dele, ainda que desista de dar essa cabeçada, só manterá o camburão afastado até o fim do mandato, quando despirá a faixa e ficará nu, com choro e sem foro. Em decorrência da torrente de insultos que proferiu e do sem-número de inimizades que cultivou, não terá vida fácil. Indispôs-se com gente que lhe poderia ser útil. Ele só tem um caminho para evitar ser tragado por esse campo de ruínas: é compenetrar-se de que perdeu a partida. Sufocar todo delírio de golpe e começar a se reconciliar com todos aqueles a quem ofendeu. Um por um. Recolar os cacos que não estiverem esmigalhados. Vai ser duro, mas é bom começar já porque é muito conserto pra menos de ano e meio de mandato.

Se assim proceder, o capitão terá chances de escapar à cadeia. E ainda pode se candidatar a uma aposentadoria tranquila em Mar-a-Lago, ao lado do amigão Trump. Nunca se sabe.

O Sete de Setembro vem aí

José Horta Manzano

Um passeio por sites bolsonaristas – que há de montão, acredite! – ensina que os devotos estão animados. Prevêem que o próximo 7 de setembro será o 6 de janeiro tupiniquim.

Vamos pôr em termos claros. Os adeptos da seita presidencial entendem que, aproveitando a modorra que o sol do cerrado impõe, o povo armado invadirá a Câmara, o Senado e o STF. Tudo ao mesmo tempo, no Dia da Pátria, num decalque exato do que ocorreu em Washington em 6 de janeiro, quando uma turba ensandecida tentou tomar à força o Capitólio.

O capitão também deve acreditar na patacoada; assim mesmo, prefere pôr um pé atrás. Chegou a declarar, esses dias, que “não quer desfile nem festejos no 7 de setembro”. Com tal atitude, imagina não poder vir a ser acusado de incitar a turba – para o caso de dar tudo errado, naturalmente. Pra reforçar, declarou ontem que, no 7 de setembro, pretente estar na Avenida Paulista. Ninguém pode ter certeza, porque as afirmações do presidente são, digamos assim, flutuantes.

Toda a tecnologia atual, incluindo a I.A. (inteligência artificial) ainda é incapaz de prever, tim-tim por tim-tim, o desenrolar de fatos futuros. Portanto, estamos ainda no estágio de “quem viver verá”. Seja como for, é conveniente tomar pelo menos duas providências.

A primeira é reforçar a guarda desses três centros do poder. Não precisa lotar a praça de brucutus fumarentos nem cercar a cidade com cordão policial. Mas uma vigilância discreta não faz mal a ninguém.

A segunda providência é deixar repórteres e jornalistas de prontidão, armados com câmeras de alta definição posicionadas em pontos estratégicos, tanto no exterior quanto, principalmente, no interior dos recintos. Isso permitirá reconhecer os invasores e identificar seus líderes, o que pode ser útil para providências futuras.

Multidões enfurecidas não costumam ganhar guerras nem derrubar regimes. Pra conseguir reviravolta total, precisam do apoio de quem detém a força. Portanto, com multidão ou sem ela, se não houver empenho do Exército, nada muda. Inversamente, se o Exército estivesse interessado e coeso, não precisavam de multidão pra botar tudo de cabeça pra baixo. Já teriam feito.

Face, Google, Twitter e o golpe

Pedro Doria (*)

Prezados Zuck, Sundar e Jack,

Aqui no Brasil, não costumamos escrever a CEOs como vocês, de Facebook, Google e Twitter, chamando pelo apelido ou prenome. Mas vou me permitir escrever assim, na informalidade americana tão típica no Vale do Silício. É para ser mais direto.

É preciso que vocês prestem atenção na política brasileira. Agora.

Em 6 de janeiro último, uma turba invadiu o Capitólio, em Washington. A polícia legislativa não acreditava que isto seria possível. Dá para entender. Numa democracia longeva que não interrompeu o ciclo de eleições regulares nem com uma guerra civil, como seria possível imaginar que cidadãos americanos invadissem o Parlamento para interromper a homologação de um pleito? Mas aconteceu. Pessoas foram radicalizadas a esse ponto em ambientes digitais e aí insufladas por um presidente que desprezava a ideia de uma sociedade livre.

No Brasil, a história nos obriga a imaginar essa possibilidade.

Minha geração de jornalistas aprendeu o ofício com colegas quinze ou vinte anos mais velhos que enfrentaram, na condição de repórteres e editores, a ditadura mais recente. Alguns desses amigos, que ainda trabalham nas redações, gente por quem temos afeto, foram exilados, presos e torturados pelo exercício das liberdades políticas essenciais: a de pensar, a de se expressar, a de se manifestar, a de publicar e a de se reunir para debater.

Donald Trump segue persona non grata em várias das redes. A decisão de excluí-lo seguiu um princípio que qualquer democrata endossa: o Paradoxo da Tolerância, descrito pelo filósofo austríaco Karl Popper. No limite, uma sociedade aberta não pode abrir espaço para que intolerantes usem destas liberdades para ameaçar o regime democrático.

A República brasileira nasceu com um golpe militar, em 1889. De lá para cá houve golpes de Estado em 1891, 1930, 1937, 1945, 1955 e 1964. Só um deles, o de 1955, fracassou. Em rigorosamente todos estes momentos, a ruptura de regime começou no momento em que foi quebrada, nas Forças Armadas, a exigência de disciplina que proíbe militares de se envolverem na política.

Há duas semanas, pela primeira vez desde a restauração da democracia no Brasil em 1985, um general da ativa subiu ao palanque em apoio ao presidente. Seus superiores no Exército, intimidados pelo mesmo presidente, nada fizeram. O sinal histórico de ameaça à democracia foi dado.

Em um ano teremos eleições. Como Trump, Jair Bolsonaro vem espalhando entre seus seguidores que há risco de fraude. Não é a única das mentiras que seu movimento trabalha diariamente para espalhar. São mentiras que têm por objetivo disseminar naquela parcela radicalizada da população elementos que a convençam de que não devem confiar nas instituições da democracia.

Bolsonaro está seguindo o script de Trump. Não há, na história do Brasil, nada que nos garanta que o desfecho será como o americano. Aqui, vivemos o receio concreto de que os generais não tenham mais pleno controle de suas tropas. E sabemos que os governadores não controlam mais plenamente suas polícias.

Me permitam ser explícito: numa situação limite, um 6 de janeiro, no Brasil, poderia contar com o apoio de parte da polícia enquanto o Exército nada faz.

Vocês conhecem as plataformas que comandam. Sabem do peso que elas têm em todos esses acontecimentos. Agir depois do ato fatal, como fizeram com Trump, aqui pode ser tarde demais.

Nós, brasileiros, não temos qualquer tipo de influência sobre as decisões que vocês tomam. Mas somos nós e nossos filhos que sofreremos pelas decisões que tomarem. É hora de ligar o alerta vermelho em Menlo Park, Mountain View e San Francisco.

O golpe, se houver, fracassado ou não, será batizado com o nome das empresas que vocês comandam.

(*) Pedro Doria é jornalista e escritor. O artigo foi publicado no Estadão de 11 junho 2021.

O golpe que não ousa dizer seu nome

José Horta Manzano

Quando a figura folclórica de Abraham Weintraub(*) começou a funcionar como ministro da Educação, todos ficaram de pé atrás. Quando o homem apareceu num filminho feito em casa, dançando de guarda-chuva aberto, quem ficou boquiaberto fomos nós. Quando ele – que é ministro encarregado da Instrução Pública! – escreveu «insitar» em lugar de «incitar», misturou Kafka com cafta e confundiu 500 mil com 500 milhões, o descrédito com a solidez de sua cultura aumentou.

A partir daí, seu percurso universitário foi esmiuçado e alguns passaram a cercar de ‘urubus’ seu diploma. Para alguns, tornou-se «economista», entre aspas, tão baixo é o nível de conhecimentos que demonstrou. Ganhou direito a epítetos vários – mentecapto, por exemplo. Em resumo, o homem deu mais uma vez a prova de que, quanto mais profunda for a ignorância, maior será a arrogância. São qualidades que andam de mãos dadas. Ignorante de verdade é aquele que não sabe que é ignorante, o que explica sua desenvoltura.

Ontem, 15 de novembro, foi dia em que os brasileiros, todos os anos, comemoram um fato histórico. Chama-se Proclamação da República. No fundo, ninguém está muito preocupado com o significado dessa expressão; o que interessa mesmo é que é dia feriado. Melhor ainda quando cai grudado num fim de semana.

Embora a independência do Brasil tenha sido proclamada às margens do riacho Ipiranga, dizemos sempre Dia da Independência, nunca ‘Proclamação da Independência’. Por que é que não diríamos simplesmente Dia da República – como Dia do Índio, dia disto ou dia daquilo? Meu palpite é que a história oficial procura, com essa pomposa «proclamação», escamotear o fato verdadeiro acontecido em 15 de novembro de 1889: um golpe militar, revolução de palácio sem consulta ao povo nem participação dele.

Não tivesse ocorrido o golpe de 1889, não teríamos tido presidentes. As figuras de destaque teriam sido parlamentares, deputados, senadores, primeiros-ministros. Nunca teríamos tido um Lula, nem uma Dilma, muito menos um Bolsonaro. Alguém imagina um Congresso consagrando doutor Bolsonaro como primeiro-ministro? Um regime parlamentar exige – como seu nome indica – integrantes que parlamentem, que discutam, que demonstrem, que convençam, que provem a que vieram. Tudo isso foi jogado no lixo com o golpe que não ousa dizer seu nome e que nos condenou ao mesmo atraso dos demais vizinhos latino-americanos.

Se falei do bizarro ministro da Educação, foi porque, num raríssimo momento de lucidez histórica, soltou, em seu pedregoso palavreado, um tuíte que condena o golpe que derrubou o monarca hereditário e o substituiu por mandantes eleitos, pondo-lhes nas mãos poder exagerado e abrindo caminho para descalabros como um presidente chamado Jair Bolsonaro. Numa monarquia parlamentar, um indivíduo de poucas letras jamais seria guindado ao posto de ministro da Educação. Senhor Weintraub não atinou com a incongruência.

Como se vê, até mentes primitivas têm seus momentos de discernimento. É pena que sejam raros como morte de papa.

(*) Weintraube é como os alemães chamam um cacho de uvas.

Dilma continua a mesma

José Horta Manzano

Precedida por um dirigente sindical e sucedida por uma militante climática, doutora Dilma Rousseff deu o ar de sua graça, sábado 14 de setembro, na Fête de l’Humanité (Festa da Humanidade), o encontro anual de simpatizantes comunistas na França. O nome da festa faz alusão a “L’Humanité”, o jornal oficial do Partido Comunista Francês.

Organizada todos os anos nesta época, a festa é evento importante, com a colaboração de cantores, artistas populares, homens políticos e personagens conhecidos. Estende-se de sexta a domingo. Embora possa parecer surreal, o Partido Comunista ainda subsiste na França – um dos raros remanescentes na Europa. A cada eleição, propõem candidatos. Para a presidência, não têm a menor chance, mas numerosos prefeitos levam a etiqueta do partido.

Dilma Rousseff em Paris, 14 set° 2010

Doutora Dilma compareceu a uma noitada especial dedicada à liberação do Lula. Discursou. Após cada frase, uma intérprete traduzia para o francês. Madame cometeu as confusões de linguagem habituais. A certa altura, falando das últimas eleições presidenciais, disse: «Foi necessário criar um ambiente propício para que o ódio fosse gertado(?) e a mentira fosse a primeira vítima da luta contra a democracia liderada pelos golpistas». A mentira foi vítima da luta! Ai, ai, ai. Esperta, a tradutora deu a volta por cima, fez um esforço e traduziu do jeito que havia entendido. Ficou bonito, mas não se sabe se era isso que a ‘presidenta’ queria dizer. Como se sabe, discurso em dilmês tem de ser legendado.

A doutora disse ainda que a Lava a Jato foi «montagem golpista feita especialmente para destruir inimigos». Dado que a operação teve início durante seu governo, numa época em que todas as instituições aparelháveis se encontravam aparelhadas pelo PT, o blá-blá de «destruir inimigos» fica capenga.

No mais, a doutora repetiu a tese do ‘golpe parlamentar’ de que foi vítima. (Ela se refere ao impeachment.) E martelou firme o bordão único que paralisa seus correligionários: Lula livre. Queixou-se ainda da Lava a Jato com o argumento de que, se é possível prender uma pessoa com a liderança do Lula, então não há mais limites. Portanto, no entender da ex-presidente, ‘uma pessoa com forte liderança’ é inimputável e paira acima da lei.

Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei.

Como está sendo visto o Brasil de longe

José Horta Manzano

«É má notícia para a democracia [brasileira], corroída por exagerada corrupção, que o único que podia combatê-la, o ex-presidente Lula, está na cadeia.»

A frase acima que, de tão absurda, a gente tem de ler duas vezes, saiu da pluma de um jornalista e escritor mexicano. É o arquétipo da visão que se tem do Brasil no exterior. É impressionante a agitação que tem tomado conta da mídia internacional nesta época de eleições brasileiras. Conforme se vai aproximando o dia do segundo turno, então, a agitação vai se transformando em frenesi.

O diário espanhol El Pais traz, na edição online de hoje, longo artigo intitulado «Intelectuales de América y Europa alertan contra Bolsonaro». Vinte e três personalidades dão depoimento. Entre outras nacionalidades, há gente do Brasil, da França, da Argentina, da Espanha, da Colômbia, dos EUA, do Chile. Algumas declarações são comoventes de ingenuidade. Outras são fruto evidente de desinformação. Há também aquelas de deixar de cabelo em pé de tanto cinismo: atribuem, a doutor Bolsonaro, terríveis intenções que constam do programa oficial do Partido dos Trabalhadores.

Nosso decepcionante Chico Buarque também mete lá o bedelho, assim como o argentino Esquivel, o americano Chomsky e o francês Bernard Henri Lévy ‒ figurinhas carimbadas. Exclamações como retrocesso!, soberba!, extrema direita!, golpe!, terrorismo fascista! aparecem a cada duas linhas. São relembrados até os cem mil votos que recebeu o rinoceronte Cacareco na eleição para a vereança paulistana em 1959. Pra você ver o grau de apelação.

O grito
by Edward Munch, pintor norueguês

Todas as análises são equivocadas. Entre os entrevistados, há os que atribuem a derrota do PT à «onda conservadora» que varre o planeta. Há os que veem na atual política brasileira um complô das elites que, ao tirar de cena Lula da Silva, estão alinhavando o golpe iniciado com a deposição de doutora Rousseff. Há quem chegue mais perto da realidade, ao evocar a insegurança que impera no território nacional. Ninguém, no entanto, se atreve a encarar a realidade e a atribuir a vitória de doutor Bolsonaro à verdadeira razão, que é a resposta do povo à roubalheira que comeu solta no período lulopetista.

Não tivesse havido roubalheira, o PT estaria instalado no topo do poder por vinte, trinta, cinquenta anos. Teriam continuado a moldar o país segundo a cartilha do partido. Teriam transformado o Brasil numa Venezuela light, com regime autoritário mas sem débâcle econômica. Ou, na pior das hipóteses, com “débâcle light”. Ao agir como fominhas, bobearam e perderam tudo. Observadores estrangeiros não conseguem entender, mas nós, que somos os maiores interessados, entendemos muito bem. Ânimo, minha gente, que falta pouco!

Foro do Pensamento Crítico

José Horta Manzano

Em 30 de novembro próximo, Buenos Aires acolherá a reunião anual do G20, realizada pela primeira vez na América do Sul. Como sabemos, esse organismo congrega 19 países de economia importante mais a União Europeia. Os integrantes respondem por 85% do PIB mundial. É clube de gente fina, ao qual diversos países adorariam pertencer.

Numa explícita demonstração de soberba, um alentado grupo de políticos ‒ a maioria deles já no declínio ‒ vai-se reunir na mesma cidade, dez dias antes do G20, para elaborar uma “lista de recomendações” destinadas ao clube de gente fina. Pra você ver.

José Mujica aos tempos da guerrilha comunista

Os «de fora» são figurinhas carimbadas, dignos representantes de tudo o que não deu certo na governança mundial. Cristina Kirchner, ex-presidente da Argentina e atualmente com um pé na cadeia, vai marcar presença no simpósio. Outros políticos vão ter com ela, cada um carregando maior ou menor carga de fracasso. José Mujica, que foi guerrilheiro tupamaro na juventude e presidente do Uruguai mais tarde, também participará.

O fulgor de uma importante participante vinda do Brasil periga ofuscar o brilho dos demais. Trata-se de doutora Dilma Rousseff, antiga guerrilheira, que não perde ocasião pra denunciar o ‘golpe’ de que foi vítima quando presidente do Brasil, a coitada. Rejeitada pelo eleitorado de seu Estado natal nas eleições da semana passada, não lhe resta outro caminho senão correr mundo ‒ à nossa custa naturalmente ‒ para ensinar, a quem interessar possa, sua peculiar maneira de fazer política.

Dilma Rousseff aos tempos da guerrilha comunista

O clube dos “de fora” se chama Foro Mundial do Pensamento Crítico, um nome acima de toda humildade. Pretende apresentar, às autoridades presentes na reunião do G20, propostas “plurais” para solução dos problemas globais. Fico curioso na expectativa de conhecer essas propostas. Afinal, de um foro que conta com o brilhantismo de doutora Dilma Rousseff, é legítimo esperar propostas claras, inteligentes e eficazes. Podemos dormir em paz.

A hora da verdade

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 29 setembro 2018.

Pomposo, o título alude ao voto da semana que vem. Podia ser ainda mais empolado, algo do tipo momento supremo, encruzilhada de caminhos ou até nunca antes neste país. Bobagem. A hora da verdade é toda hora, é agora e sempre, é um contínuo. O hoje é produto do ontem e será semente do amanhã.

É verdade que as escolhas que os brasileiros farão nestas eleições vão determinar, em grande parte, o futuro de todos nós. Mas o leque de candidatos que nos lançam santinhos e nos assassinam com boutades toscas não surgiu do nada nem brotou de geração espontânea. Se estão lá é porque cada um deles representa uma parcela, maior ou menor, do gênio nacional. Nenhum dos postulantes entrou de penetra. A nenhum se lhe pespegará a etiqueta de usurpador.

Um cidadão que se apresenta como Só Na Bença disputa uma poltrona na Assembleia de Rondônia. Um outro, registrado como Alceu Dispor 24hs (sic), pretende ser eleito em Goiás. Uma senhora, dona Olga Um Beijo E Um Queijo, pede votos em São Paulo. Estivéssemos na Alemanha, país em que candidatos costumam usar nome próprio e deixar alcunha pra outros ambientes, esse quadro seria inconcebível. Nossa cultura, contudo, vê com naturalidade candidatos embrulhados pra presente com papel furta-cor a mascarar-lhes a identidade. Eles são produto de nossa verdade quotidiana. Farão sucesso e terão votos.

Faz poucos dias, conceituada revista britânica estampou, logo na capa, foto de um dos candidatos à presidência de nossa República. Assustadora, a legenda apresentava o homem como a “ameaça da hora”. Não só para o Brasil, como para toda a vizinhança. A meu ver, estão carregando nas tintas ao atribuir ao personagem poderes que ele não tem. A candidatura de doutor Bolsonaro planta raiz nos treze anos de lulopetismo, período desastroso que deixou marcas profundas. A toda ação corresponde uma reação oposta e de igual intensidade, reza o axioma newtoniano. Não tivéssemos sido castigados com os descalabros do andar de cima durante década e meia, a candidatura Bolsonaro não prosperaria. Aos olhos de grande parte do eleitorado, esse candidato parece encarnar o mais perfeito antídoto contra a volta do PT ‒ daí sua ascensão irrefreável.

Sir Isaac Newton

A clivagem engendrada pelo discurso excludente do lulopetismo foi tão profunda que o resultado não podia ter sido outro. Não se sabe se a predicação que separava a população entre nós e eles era mero instrumento retórico ou se mirava a abrir brechas. Fato é que acabou se materializando. O país está hoje dividido entre os que, por motivos que lhes são próprios, gostariam de ver o lulopetismo de volta, e os demais, que sentem arrepio à simples evocação dessa ideia.

A eleição terá ares de plebiscito. Seu vencedor representará, goste-se ou não, o desejo da maioria do eleitorado. Muitos temem seja eleito um político com tendências radicais. A crer nas pesquisas, que já delineiam os dois favoritos, esse temor se realizará. Que fazer? Será chegada a hora de fazer novena pra Santo Expedito na esperança de evitar desastre?

Que ninguém se amofine. Nenhum candidato, ainda que mostre perfil agressivo, resiste à unção presidencial. Uma vez eleito e devidamente empossado, seu comportamento muda. O chefe do Executivo pode muito mas não pode tudo. O Estado dispõe de travas e ferrolhos a cercear dirigentes impetuosos. O Congresso é contrapeso ao poder presidencial. Apesar de duramente criticado ultimamente, o Judiciário marca presença como terceira força, a equilibrar os outros Poderes. Dirigentes arrebatados e voluntariosos, já tivemos. Não esquentaram cadeira por muito tempo. Doutor Jânio Quadros foi um deles. Num dia de piripaque, o homem escreveu um bilhete de adeus e, antes que o despejassem, abandonou o trono. Doutor Collor e doutora Dilma, por sua vez, tentaram resistir, mas acabaram destituídos.

Seja qual for o eleito, não há o que temer, gente fina! Golpe é coisa do passado. Revolução só fazem os que estão na miséria. Num Brasil escaldado pelos recentes escândalos, se os eleitos para o próximo quadriênio roubarem menos, já estará de bom tamanho. Que se assosseguem todos os súditos! O tsunami não passará de marolinha.

Receita para enriquecer rápido

José Horta Manzano

Guardo um livro de receitas escrito por minha avó. Sim, eu disse escrito por ela. Escrito à mão. Na verdade, copiado. É que antigamente não havia internet nem televisão. A dona de casa prendada anotava cuidadosamente num caderno as receitas que colhia aqui e ali. Ter a receita de determinado prato já era, em si, uma preciosidade. Sem receita, como preparar um cobu mineiro um toucinho do céu ou um alfenim ‒ aquela bala de coco que derrete na boca?

As melhores receitas eram agraciadas com um qualificativo: «Esta é ‘explendida’», assim, com xis, como se escrevia quando a língua ainda não estava engessada pelo emaranhado de normas atuais. Vou dar hoje ao distinto leitor uma receita «explendida» para enriquecer rapidamente. Não dá muito trabalho. Seguida à risca, é sem risco. Vale arriscar!

Receita «explendida» para enriquecer rápido e sem risco
(em 17 etapas)

1) Você pode fazer sozinho, mas é mais seguro arrebanhar um grupo de companheiros. No final da receita, você vai entender por quê.

2) Reunido o bando, escolha um alvo e um modo de proceder. Pode ser um assalto a banco, embora não seja a melhor opção. Pode ser um estelionato de alto coturno. Infrações enquadradas no Artigo 312 do Código Penal são bem-vindas: concussão e peculato em especial.

3) Há mil soluções. Discuta com o grupo de companheiros pra definir qual delas é a mais adequada. Enfim, sinta-se livre de escolher o alvo, mas cuide que seja frutuoso. Anote isso: o ato tem de render no mínimo 10 milhões. Se o golpe for de 50 milhões, melhor ainda. Golpezinho pequeno é coisa de pé-rapado, só gera problema.

4) Planejem bem, que uma boa preparação é a alma de todo golpe de mestre. Fixado o alvo, defina o papel de cada membro do grupo. É essencial que todos sigam rigorosamente as ordens de Seu Mestre.

5) Dê o golpe. Procure agir no tempo mais curto possível. Práticas que se eternizam não são boa opção. Não ultrapasse 6 meses. Quando o produto do golpe estiver em suas mãos, não guarde em malas nem em apartamentos. O melhor é despachar logo pra um banco em Singapura ou em Hong Kong. Nem em pesadelo mande para a Suíça: embora alguns incautos não saibam, já faz anos que o segredo bancário foi lá abolido.

6) Apesar de todo o empenho e de todos os cuidados, o risco existe de algum membro do grupo ser apanhado e, uma vez encarcerado, pôr-se a delatar. Não é desejável, mas é possível.

7) Denunciados, todos os membros do bando vão ter de passar um (breve) período atrás das grades. Você também. Mas não se preocupe, que ninguém vai mandá-lo pra prisão de pobre. Quanto mais volumoso for o produto do crime, mais luxuosa será sua cela.

8) É agora que o montante obtido se revela importante. Quanto mais elevado for, mais e melhores advogados você poderá contratar. Não economize. Se puder, chame até antigos ministros do STF ‒ isso dá um plus a sua defesa.

10) Você será acusado de estelionato. Dado que o crime terá sido cometido em bando, você receberá também acusação por formação de quadrilha. Isso é muito bom. Quanto mais pesada for a acusação, mais respeito suscitará.

11) A partir daí, é simples. A fortuna que você tiver guardado em Singapura será amplamente suficiente pra bancar os honorários do batalhão de advogados. Na hora de pagar, basta transferir de uma conta para outra ‒ todos eles têm conta naquele país.

12) Agora descanse. Seus defensores impetrarão habeas corpus para você e para todos os seus amigos. Você não passará nem dois dias na cadeia. Talvez lhe imponham o uso de tornozeleira. Não esquente a cabeça, que ela é discreta e passa despercebida.

13) Em casa, tranquilo, você aguardará que seu caso seja julgado. De qualquer maneira, se você se comportar bem, não terá de portar a tornozeleira por mais que uns dois meses. Depois disso, estará livre de ir e vir. Enquanto isso, seu caso vai passeando pelas instâncias: a primeira, a segunda, a terceira, a quarta. Isso vai levar no mínimo dez anos. Pode chegar a vinte. E você tranquilo, já imaginou? Rico, tranquilo e livre!

14) Pode usufruir o produto do golpe, que ninguém vai reparar. Gaste à vontade, mas procure não dar sinais explícitos de riqueza. É mais prudente comer caviar em Paris do que pizza no Rio.

15) Resta um último risco. Há uma probabilidade em um milhão de seu caso chegar ao STF antes da prescrição. O Supremo pode até negar provimento ao seu caso. É raro que aconteça, mas não é impossível. Sua prisão pode até, nesse caso, ser decretada. Se tal infelicidade viesse a acontecer, não se apoquente. Dirija-se a um sindicato qualquer. Um que tenha prédio grande, de preferência. Tranque-se lá dentro e resista.

16) Chame os amigos de seus amigos. Seja generoso na distribuição de churrasco e cerveja. Muita gente virá. Ensine-lhes palavras de ordem. Distribua megafones. Pague um extra para quem ficar no horário noturno ‒ afinal, isso não é problema, você já é rico e seu dinheiro está guardado em lugar seguro.

17) Mande rezar uma missa, que pega bem pra caramba. Nenhuma polícia tem a ousadia de invadir lugar de culto pra prender alguém. Se o pior acontecer e você acabar de novo preso, não se aborreça. Será por pouquíssimo tempo. Seu batalhão de defensores vai tirá-lo de lá rapidinho.

A partir daí, descanse. Você está livre. Nunca mais alguém vai importuná-lo. Relaxe e goze.

1964 bis

José Horta Manzano

Chamada do Estadão, 4 abr 2018

E vosmicê acha que, em 1964, os fardados se preocuparam em perguntar antes se a reviravolta era “aceitável”?

Reviravoltas, golpes, rebeliões e revoluções nunca são aceitáveis, cara-pálida! Mas acontecem assim mesmo. Entram sem pedir licença.

Um fundo de verdade

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Refletindo sobre o julgamento de um ex-presidente em Porto Alegre, sobre a onda de moralismo que se espraia por todas as áreas do país e sobre o devido respeito às leis, cheguei à triste conclusão de que há, sim, um fundinho de verdade nas lamúrias da esquerda brasileira.

Antes de mais nada, #nuncaantesnahistóriadessepaís um chefe do Executivo viu-se forçado a depor coercitivamente, ser julgado formalmente por corrupção e lavagem de dinheiro e enfrentar a humilhação de ter seu passaporte apreendido após condenação unânime em segunda instância.

Sabemos todos, mesmo que não queiramos admitir, que praticamente todos os antecessores do infeliz personagem tiveram lá seus deslizes éticos, administrativos, financeiros e políticos, sem jamais terem sido levados às barras de um tribunal. Por que, então, só ele e agora que estamos a poucos meses de uma nova eleição presidencial? A condenação da #almamaispuradoplaneta terá sido reles consequência de ele ter se compadecido do infortúnio secular do lado menos favorecido da sociedade brasileira e ter-lhe propiciado mais educação, mais renda, mais empregos, mais direitos e menos desigualdade? Ou os tempos deveras são outros? Evoluímos como cidadãos combativos ou regredimos como massa de manobra de líderes populistas?

by Gilmar Fraga (1968-), caricaturista gaúcho

Depois, inútil negar, a tese mil vezes repetida dentro e fora de nossas fronteiras do #égolpe provou estar ao menos parcialmente correta. Desde a carta aberta do atual mandatário, queixando-se de sua irrelevância política no cargo de vice-presidente e prometendo ser um articulador mais competente para recolocar o Brasil nos trilhos, até os dias de hoje, a consciência crítica dos cidadãos tem sido abalada quase diariamente por sucessivas infrações à ética e à moralidade pública perpetradas por ministros, secretários de Estado, integrantes do partido governante, membros da base aliada e pelo próprio presidente. Por maiores que sejam as evidências, os indícios e as provas, nenhum deles foi afastado do cargo por decisão judicial ou teve de se defender em juízo. Inquietante, não é mesmo?

Se tudo o que fizemos em infinitas manifestações de rua foi trocar seis por meia dúzia, como desacreditar da existência de interesses inconfessos nas batalhas pelo impedimento da então presidente? Pense rápido: o que conta mais para a concretização de um futuro esplendoroso para o país, a competência ou o caráter? O olhar social ou o equilíbrio da economia? Envie sua resposta em vídeo para a principal emissora do país, tomando o cuidado de manter o celular na posição horizontal, deitado.

Ainda, quando vamos finalmente enfrentar a dolorosa realidade de que o sistema judiciário brasileiro é enviesado, inconsistente, lento e ideologicamente comprometido? Quem ignora que a expressiva maioria de suas decisões é tomada com base não no RG, mas no CIC? Quem não se apercebe do fato de que nem os magistrados da mais alta corte do país obedecem estritamente ao que reza o texto constitucional e atropelam muitas vezes a separação de poderes? Como deixar de lado as evidências de que são capazes de incluir em seus arrazoados argumentações que configuram, sem sombra de dúvida, #perseguiçãopolítica?

by Gilmar Fraga (1968-), caricaturista gaúcho

Aí estão para provar casos emblemáticos como o impedimento da posse do ex-presidente no cargo de secretário de governo por suspeita de desvio de finalidade e a passividade de vários juízes federais frente à escolha de uma deputada condenada por infrações trabalhistas graves para o cargo de ministra do Trabalho, ou a nomeação de um indivíduo com mais de 120 pontos em sua carteira de habilitação para o cargo de diretor do Detran de Minas Gerais.

Não, senhores, definitivamente não há como tapar o sol com uma peneira. O fato cabal, irrefutável, é que #semLulanãohádemocracia. Chega de mimimi de quem não tem coragem de analisar os fatos políticos com espírito de isenção.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Blá-blá-blá ‒ 1

José Horta Manzano

Chamada do Estadão, 1° dez° 2016

Chamada do Estadão, 1° dez° 2016

Tem gente que melhor faria se nada dissesse. Doutora dilma, lembram-se dela?, é mestre em dizer besteira. Ainda bem que hoje, destituída, sua voz soa como pesadelo distante, inútil e sem efeito.

Mais uma vez, a doutora dá prova de que desconhece a Constituição. Talvez nem saiba que existe. Toda ação política que a contrariar pessoalmente continuará sendo tratada como “golpe”.

Sei não, cada um se comporta como quer. Se eu tivesse passado pelo vexame pelo qual ela passou ao ser despedida do cargo por ineficiência, desapareceria de circulação. Usaria os bilhões que seus companheiros roubaram (e que, necessariamente, estão escondidos em algum lugar) e me mudaria para uma ilha do outro lado do planeta. De mala e cuia.

Viva a República?

José Horta Manzano

Qual é a diferença entre religião e seita? Religião é uma seita que deu certo. Parece cínico, mas assim é. Tome o cristianismo, por exemplo. Dois mil anos atrás, não passava de seita ‒ uma dissensão do judaísmo ‒ cujos fiéis eram obrigados a praticar às escondidas. O tempo passou, o número de fiéis cresceu e o reconhecimento público acabou por chegar. A consagração da seita veio quando o imperador romano Constantino a impôs como religião oficial de Estado. Pronto: o estatuto de religião estava adquirido.

D. Pedro II óleo de Delfim da Câmara (1834-1916)

D. Pedro II
óleo de Delfim da Câmara (1834-1916)

No calendário oficial brasileiro, comemora-se hoje o que se convencionou chamar de Proclamação da República, ou seja, a substituição do regime monárquico pelo republicano. Na escola, nos ensinam que, assim como quem não quer nada, um chefe militar chamado Manuel Deodoro da Fonseca, num dia em que se tinha levantado adoentado e de mau humor, dirigiu-se ao Paço Imperial e intimou ao imperador que descesse do trono porque a monarquia estava extinta.

Não passava de quartelada, descarado imbróglio oportunista apimentado com ignorância, desavenças pessoais, vinganças políticas e mal-entendidos. Dado que o imperador, homem pacífico e de bom senso, se recusou a acionar a tropa para defender o trono, o golpe militar deu certo. Nem os mentores imaginavam que a transição pudesse ser tão tranquila.

Embora tenha sido tramado em segredo por um punhado de conspiradores sem nenhuma participação popular, o estratagema foi bem-sucedido. Tanto o chefe de Estado quanto o governo inteiro foram derrubados à força, sem processo, sem impeachment, sem plebiscito. Como deu certo, comemora-se.

Primeiro (e único) número do Boletim da Republica Brasileira celebrando o 1° anno da luz (?)

Primeiro (e único) número do Boletim da Republica Brasileira
celebrando o 1° anno da luz (?)

No entanto, que se saiba, o novo regime não resolveu nenhum problema do país. Pelo contrário, o desaparecimento de um chefe de Estado permanente, garantido e de pouca influência no dia a dia da nação só fez aumentar a instabilidade. Eliminada a âncora, o barco balouça, aderna e ameaça soçobrar.

É certo que um descendente de Dom Pedro II ‒ engessado por uma Constituição e dotado de poder meramente representativo ‒ na chefia do Estado teria sido melhor que um Lula ou uma Dilma. Aliás, esses dois trágicos personagens da história recente deixam patente que nossa República, apesar da insistência dos livros de História, francamente não deu certo. É golpe que se prolonga há 127 anos. É religião que não chegou lá: continua no estágio de seita. Desde 1889, tentam nos vender a imagem de que nosso regime republicano é melhor que o monárquico. Continuo desconfiando que não é bem assim.