A moda do “fake” se alastra até a China

José Horta Manzano

Parece que a moda que nos obriga a conviver com uma realidade paralela já chegou até a China. Alguém já imaginou organizar os Jogos Olímpicos de Inverno na região de Garanhuns (PE)? Parece coisa de maluco, não é? Pois deve haver no mundo muito mais malucos do que se imagina. E alguns ocupam cargos de importância planetária. Antes dos finalmentes, vamos aos considerandos.

No Brasil, Olimpíada de Inverno não tem repercussão, o que é compreensível. Pra quem não sabe, ela ocorre de quatro em quatro anos, intercalada com os Jogos de Verão, que já tiveram lugar no Rio de Janeiro e que ficaram na história do país pelo “legado” que deixaram.

A China foi designada para abrigar a edição invernal deste ano, que começa no fim de semana que vem. Até aí, nada de espantoso. O clima do país, em princípio, é compatível com os requisitos dos esportes de gelo e neve. Na região escolhida – Pequim e seus arredores – faz um frio congelante no inverno. Em janeiro, a temperatura oscila entre 7°C abaixo de zero de noite e 3° abaixo de zero no momento mais “quente” do dia. É pra pinguim nenhum botar defeito.

Só que tem um probleminha: não neva. Embora muito morador dos trópicos acredite que basta fazer um frio do cão pra cair neve, não é bem assim. Neve é precipitação, exatamente como chuva. Pra nevar, é preciso que haja nuvens e umidade. Com céu claro e sem nuvens dia e noite, não tem como nevar.

Assim, escolher organizar os Jogos de Inverno em Pequim equivale a escolher organizá-los em Garanhuns. Ambas as cidades têm morros por perto, onde pistas de esqui podem ser facilmente desenhadas. Estádio olímpico, é fácil construir, principalmente com dinheiro público. Propaganda, é fácil fazer. Povo entusiasta, é sempre fácil encontrar. Só que cada uma das sedes tem seu problema. Enquanto Garanhuns não tem frio suficiente pra aguentar a parada, Pequim não tem neve. Como contornar o problema?

Estamos entrando nos Jogos Olímpicos de Inverno mais antiecológicos da história. Primeiro, o leitor precisa saber que, na falta eventual de neve, as pistas de esqui podem ser atapetadas com neve artificial. Não, não se trata de neve de cinema, com floquinhos de plástico. A neve artificial é produzida por canhões de neve, enormes tubos que cospem no ar, geralmente à noite, quando todos dormem, água sob alta pressão. Ao entrar em contacto com o ar muito frio, as gotículas de água vaporizada se tranformam instantaneamente em flocos de neve.

Todas as pistas de esqui do mundo dispõem de dezenas desses dispositivos. Servem para completar o tapete de neve nas pistas, quando já está bastante achatado pela passagem dos esquiadores e quando o tempo anda claro, sem precipitações. Só servem para suprir uma certa porcentagem do cobertor branco.

O problema é que em Pequim, região semidesértica situada junto à poeirenta aridez que recobre a China central e ocidental, toda a neve das pistas será artificial. Todinha. Tudo 100% artificial. A paisagem das colinas onde estão as pistas está sui-generis: faixas brancas que serpenteiam em meio a montes escuros e totalmente desprovidos de neve. Bem pouco natural. (Confira a imagem na entrada do artigo.)

Evidentemente, os canhões espirram água e são movidos a combustível fóssil. Pra começar, precisa levar água até lá em cima, o que consome uma enormidade de energia. Em seguida, o funcionamento de centenas deles durante duas semanas, numa região já altamente poluída, só vai fazer aumentar o grau de poluição que os pequineses terão de respirar. Atenção: respirar sem reclamar, como costuma ser na China. Todos estão convidados a aplaudir. E ai de quem der um pio!

Fica agora uma dúvida ingrata. A escolha do Catar para a Copa do Mundo foi obra dos conchavos e da notória corrupção da Fifa. Onde já se viu jogar futebol no deserto, num país sem nenhuma tradição esportista, onde não se joga nem futebol de várzea (mesmo porque não há várzea)?

Será que o COI (Comitê Olímpico Internacional), que cuida das Olimpíadas, sofre do mesmo mal?

O legado dos Jogos Olímpicos

José Horta Manzano

De praxe, a cidade organizadora dos Jogos Olímpicos é designada com antecedência de sete anos. Como todos sabem, a próxima edição já está marcada: terá lugar em Tóquio em 2020. Para o futuro, muitas cidades adorariam abrigar os JOs.

Para a edição seguinte, a de 2024, seis cidades se candidataram. Eram todas pesos-pesados: Toronto, Hamburgo, Roma, Budapeste, Paris e Los Angeles. Três delas, por sinal, já sediaram os Jogos no passado. O Comitê Internacional Olímpico esfregou as mãos ‒ todas as postulantes apresentavam boas garantias de organização impecável. Desta vez, os suores frios causados pelos JOs Rio 2016 não deveriam se repetir.

jo-2024-1Acontece que, por mais que sejam ricas, as candidatas não são bobas. Os problemas de organização e, principalmente, o legado envenenado deixado pelas Olimpíadas no Rio de Janeiro despejaram um balde de água fria e fizeram murchar o entusiasmo de futuros postulantes.

Pouco a pouco, população e autoridades foram se dando conta de que a herança deixada pela organização dos JOs são ruinosas e perigam representar um rastro de dívidas que levarão anos para ser reembolsadas. Uma a uma, começaram a chegar as desistências.

Toronto, a metrópole canadense e Hamburgo, cidade alemã de primeira importância, foram as primeiras a jogar a toalha, já em 2015. O povo da primeira disse «no» e o da segunda ecoou «nein». Veio, em seguida, a vez de Roma. Já sufocantemente endividada, a capital italiana considerou irresponsável destinar bilhões aos «Jogos do cimento armado» e às «catedrais do deserto».

jo-2024-2A quarta desistência já chegou. Trata-se de Budapeste. Uma petição lançada por habitantes da cidade forçou as autoridades a renunciar à gastança. Saiu hoje a notícia oficial: a bela capital húngara não quer mais saber de sediar os Jogos. No páreo, sobraram Paris e Los Angeles. Ambas garantem já dispor das instalações que o evento demanda.

A decisão do Comitê Internacional será anunciada em setembro próximo. Sei não, mas algo me diz que, se Donald Trump continuar presidindo os EUA até lá e, principalmente, se persistir na insuportável política populista de vetar a entrada de visitantes oriundos de determinados países, Los Angeles dificilmente será designada como sede em 2024. Delegações inteiras correriam o risco de não serem autorizadas a pôr os pés no país, um despropósito.

Quanto a nós, estamos amargando o ônus da herança maldita deixada pela Copa e pelas Olimpíadas. O lado bom desse «legado» é a garantia de que estamos livres de acolhê-los pelo próximo século. É um alívio.

Jogos… que jogos?

José Horta Manzano

Deus é brasileiro, costuma-se dizer. Há quem bote fé nesse chiste. Sete anos atrás, quando o Brasil foi designado como sede dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, os responsáveis pela boa preparação do evento consideraram que havia muito tempo pela frente.

Construção de instalações e modernização de transporte foram sendo empurrados com a barriga. Afinal, faltava tanto tempo! Deu no que deu. O metrô não chega até onde deveria chegar, a cor da água das piscinas varia conforme os caprichos de São Pedro, o mundo ficou sabendo que os alojamentos dos atletas era um ninho de problemas, ônibus de delegações são apedrejados e baleados. Em resumo: um mundo perfeito.

JO 2016 4A cerimônia de abertura contou com sóbrio e deslumbrante espetáculo que, se não chegou a compensar as falhas, ao menos dourou a pílula e suavizou os efeitos negativos.

Aos trancos e barrancos, a preparação dos Jogos foi feita. O momento chegou. O momento é agora. Felizmente, o mundo anda tão entretido com as competições e com os resultados, que as imperfeições passam (quase) despercebidas. Assaltos e desorganização entram na conta do que já se espera de um violento país de Terceiro Mundo.

Quando os JOs de 2008 foram atribuídos a Pequim, a China começou imediatamente a preparar não só infraestrutura, mas principalmente atletas. Afinal, o planeta não assiste às Olimpíadas pra ver imagem do Corcovado, mas pra vibrar com o desempenho dos protagonistas. As 100 medalhas conseguidas pela China nos jogos de 2008 representaram praticamente o dobro do que o país tinha alcançado, em média, nas 5 participações anteriores. Encantaram o mundo.

JO 1920No Brasil, a coisa não funciona assim. Cada vez mais se tem a impressão de que a chance extraordinária de ter conseguido sediar os JOs serviu mais para enriquecer assaltantes do erário do que para promover o esporte nacional. O importante era encher os bolsos. Quanto aos jogos… que jogos?

Ainda falta uma semana para o fim da Olimpíada, mas o panorama final já está delineado: dificilmente o Brasil conseguirá as 17 medalhas que obteve quatro anos atrás, em Londres. Um vexame para um país de mais de 200 milhões de habitantes.

Curiosidade olímpica
O Brasil participou de todas as edições dos Jogos Olímpicos, desde 1896. Adivinhe o distinto leitor em que ano conseguimos nossa melhor classificação. Não sabe? Pois eu digo logo: foi em 1920, na Olimpíada de Antuérpia, Bélgica. Naquele ano, participaram 29 países. Com 3 medalhas, o Brasil foi o 15° colocado, façanha não superada até hoje.

Pelo balanço da carroça, não será este ano que dobraremos a meta.

Vila Olímpica

José Horta Manzano

Os habitantes de Montréal, cidade que sediou os Jogos Olímpicos de 1976, não querem mais ouvir falar nesse tipo de aventura. Ficaram vacinados. A brincadeira deixou um déficit de um bilhão de dólares ‒ quantia vertiginosa para a época. Os contribuintes levaram três décadas pagando a fatura.

JO 1Os infelizes atenienses, que acolheram os Jogos em 2004, guardam lembrança catastrófica. Pelos números oficiais, não necessariamente confiáveis, o custo total foi de 11,2 bilhões de euros. Estimação extraoficial eleva o número a estonteantes 20 bilhões, tudo a ser coberto com os impostos da população. É evidente despropósito quando se leva em consideração o modesto PIB grego. Essa loucura precipitou a débâcle que o país sofreria poucos anos depois.

Algumas instalações construídas especialmente para os Jogos de Atenas encontram-se hoje em total abandono, depredadas, saqueadas, com mato crescendo em volta.

JO 2Mais do que a Copa do Mundo de 2014, os Jogos Olímpicos de 2016 trazem dano financeiro ao Brasil. Se a Copa deixou estádios ‒ perdão, arenas! ‒ subutilizados, as Olimpíadas podem deixar um rastro de instalações abandonadas. O número diminuto de esportistas nacionais dificilmente justificará os gastos de manutenção.

Uma coisa me deixa cismado. As prestigiosas delegações que disputam uma Copa dispensam a construção de alojamentos. Cada seleção escolhe a base que mais lhe agradar ‒ hotel, pousada, resort ou o que seja ‒ e paga do próprio bolso. Por que a mesma lógica não valeria para as Olimpíadas?

JO 3Se assim fosse feito, o contribuinte brasileiro não teria de arcar com o custo de contrução de toda uma Vila Olímpica. Não é tudo, mas é sempre um gasto a menos. E, do jeito que vão as coisas, uma vergonha a menos.

A infraestrutura hoteleira não suportaria o afluxo maciço de atletas, delegações e turistas? Que só se candidatem a sediar Olimpíadas as cidades dotadas de infraestrutura. Quem não tem competência não se estabelece.

Falam de nós – 18

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Não sei se, aí no Brasil, a frase «espirituosa» de senhor Paes, prefeito do Rio, criou remoinho. Por aqui, está dando que falar. Refiro-me à zombaria que o alcaide dirigiu aos esportistas australianos que não apreciaram ter de morar em prédio ainda em obras. Senhor Paes declarou que ia «botar um canguru» à frente do alojamento para acalmar os atletas visitantes. Reflexão fina, civilizada e bem-educada, sem dúvida.

Canguru 1Para ter uma ideia de quanto uma frase desastrada pode ofender, imagine o distinto leitor a situação inversa. Imaginemos que os Jogos Olímpicos tenham lugar na Austrália. Digamos que, ao tomar posse dos alojamentos que lhe destinaram, a delegação brasileira se dê conta de problemas sérios, reclame e se recuse a se instalar. Nessa altura, chega o prefeito da cidade e promete «botar uns macaquinhos» para animar e acalmar os visitantes. Dá pra avaliar a dor do insulto?

E dizer que senhor Paes, apesar dos pesares, não é chucro como um certo ex-presidente do país. Para ilustrar o que digo, garanto tê-lo visto, na época em que os Jogos Olímpicos foram atribuídos ao Rio, fazer um discurso… em inglês! Esse verniz de cultura, raro em nosso país, só faz dar mais peso ao pronunciamento.

A mídia planetária sabe que o Rio não é Londres. Todos já imaginavam que haveria alguns tropeços. Os primeiros ‒ as obras inacabadas ‒ talvez tivessem até passado batidos, não fosse a calamitosa declaração do prefeito. Para curiosos, aqui está a matéria tratada pelo Courrier International (França), pelo Stuttgarter Zeitung (Alemanha) e pela Tribune de Genève (Suíça).

O Los Angeles Times traz matéria de fundo, sem referência direta ao incidente provocado pelo mandatário carioca. Assim mesmo, o título é duro e desanimador: «The Olympics are coming, but Brazil, beset by troubles and gloom, yawns» ‒ Os JOs estão chegando, mas o Brasil, acossado por distúrbios e pela melancolia, boceja.

JO 2016 3O francês Challenges evoca a Olimpíada do Rio por outro ângulo. O título da matéria não tem como fugir à evidência: «Jeux Olympiques 2016: le Brésil, un hôte à bout de souffle» ‒ JOs 2016 : o Brasil, anfitrião exausto. O texto relembra que os Jogos, idealizados para confirmar o status de grande potência do Brasil, «perigam destacar a precariedade» de nossas instituições.

Na continuação, o texto dá conta do quebra-cabeça que Monsieur François Hollande e outros chefes de Estado e de governo terão de enfrentar quando da visita ao Brasil. Dado que temos atualmente dois presidentes, qual deles deve ser tratado como homólogo? Qual deles terá direito à descontração que costuma reinar entre colegas?

O rigoroso cerimonial não prevê essa situação. Não seria problema tratar com rei que reina ao lado de rei que abdicou. Tampouco causaria embaraço lidar com presidente que é e com presidente que já foi. Mas encarar dois presidentes é cenário insólito.

Interligne 18cObservação:
Nenhum jornal publicou o pedido de desculpas do prefeito. Parece que ficou por isso mesmo. Ele não aprendeu a lição da Pátria Educadora.

Olimpíadas chegando

José Horta Manzano

Este 27 de abril marca um símbolo: faltam exatos 100 dias para o início dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Ninguém discute: é o evento esportivo mais importante do planeta. Só pra avaliar, aqui estão alguns números:

Primeira edição dos Jogos realizada na América do Sul

42 esportes

10.500 competidores

206 países representados

306 medalhas em disputa

11 milhões de refeições a servir

137 mil participantes diretos entre funcionários, voluntários e terceirizados.

O mundo está em efervescência. Entre os atletas, corre solta a disputa pela honra de conseguir uma vaga. Participantes brigam e torcem para ser escolhidos como porta-bandeira, glória suprema.

Surpreendentemente, o Brasil ‒ maior interessado ‒ não dá mostra de grande interesse. A atenção especial que deveria estar sendo dirigida às Olimpíadas está em segundo plano. Inflação, desemprego e nuvens negras na governança da União sobressaem. Tem-se a impressão de que o maior encontro esportivo é fato menor, acessório, marginal.

A expectativa de conquistar medalhas foi substituída, na cabeça do povo, pelas continhas sórdidas de quantos milhões serão roubados. A questão maior mudou de foco. O bolsão de apostas tenta antever quem serão os beneficiários da ladroeira. Triste momento e triste país.

Manchetes de hoje de alguns veículos da imprensa estrangeira

Interligne 28aRadio France Inter, emissora pública francesa

A 100 dias dos JOs, o Brasil atravessa crise

A 100 dias dos JOs, o Brasil atravessa crise

Interligne 28a

NDTV, tevê indiana de informação contínua

Brasil luta contra o caos 100 dias antes dos JOs

Brasil luta contra o caos 100 dias antes dos JOs

Interligne 28aFrankfurter Allgemeine Zeitung, diário alemão de referência

Caos no Brasil

Caos no Brasil

Interligne 28aPágina Siete, portal boliviano de informação

A crise brasileira ameaça os Jogos Olímpicos Rio 2016

A crise brasileira ameaça os Jogos Olímpicos Rio 2016

Interligne 28aNanopress, portal italiano de informação

Federica Pellegrini, porta-bandeira da Italia nas Olimpíadas 2016

Federica Pellegrini, porta-bandeira da Italia nas Olimpíadas 2016

Interligne 28aDeutschlandfunk, portal alemão de informação

Mau humor 100 dias antes das Olimpíadas

Mau humor 100 dias antes das Olimpíadas

Interligne 28aDernières Nouvelles d’Alsace, portal francês de informação

Brasil: 11 mortos nas obras dos JOs

Brasil: 11 mortos nas obras dos JOs

Interligne 28a

Mal de raiz

José Horta Manzano

Tudo indica que o risco oferecido pelo Brasil a investidores ‒ nacionais ou estrangeiros ‒ se esteja agravando. Importante agência de classificação acaba de rever sua apreciação. Considerando que a situação das finanças nacionais se deterioraram de alguns meses para cá, o instituto rebaixou a nota brasileira a um patamar mais próximo do fundo do poço.

Assalto 9Isso é mau porque importantes capitais ‒ cruciais para um país de baixa poupança interna ‒ tendem a migrar para outras plagas. Toda a mídia nacional captou o perigo. De ontem para hoje, o rebaixo da nota foi a manchete mais saliente em todos os jornais brasileiros.

Na imprensa estrangeira, no entanto, outro fato nacional ocupa espaço maior: o assassinato de turista argentina em Copacabana. Em inglês, francês, alemão, italiano ou espanhol, a notícia deu volta ao mundo.

O fato em si já é alarmante e comovente. Era uma turista estrangeira, pessoa de recursos limitados, cuja grande aspiração era conhecer o Rio. Enfrentou viagem de onze horas de ônibus desde sua recuada província argentina até São Paulo. Mais uma hora de ponte aérea e o antigo desejo se tornou realidade.

Chamada do argentino Clarín, 18 fev° 2016

Chamada do argentino Clarín, 18 fev° 2016

O sonho, no entanto, virou pesadelo quando energúmenos, no que se supõe fosse tentativa de assalto, trucidaram a moça a facadas. Estava a poucos metros do hotel Copacabana Palace, emblema da acolhida de nível internacional que o Brasil costumava oferecer.

Situação financeira evolui. Basta os analistas enxergarem uma luzinha no fim do túnel para que a nota de avaliação retorne a níveis mais comportados. O mundo das finanças sobe e desce, é gangorra cíclica, nenhum país tem garantia contra sobressaltos.

Assalto 5Já as incivilidades, a violência e a criminalidade não são cíclicas ‒ muito pelo contrário. São permanentes, constantes, progressivas, crescentes. Criam raízes cada dia mais profundas e resistentes sem que ninguém dê grande importância.

Brasileiros se desassossegam com a coincidência de epidemia de zika com os Jogos Olímpicos deste ano. Não é a melhor combinação de fatores, concordo. No entanto, há que lançar visão mais ampla.

Num futuro próximo, vacina terá sido encontrada contra essa doença. E o problema estará resolvido. Bem mais difícil será, desgraçadamente, encontrar vacina contra a criminalidade. É problema mais profundo que não se resolve botando grade e cadeado na frente de casa.

Cotas futuras

José Horta Manzano

O Quotidiano do Povo, portal chinês de informação, relata que cinco chineses foram socorridos no Rio de Janeiro, no âmbito de uma campanha contra o trabalho clandestino. Os cinco trabalhavam em condições de escravidão, sem direito a salário, hipoteticamente para reembolsar o valor da viagem ao Brasil.

Grilhões 1Segundo autoridades trabalhistas brasileiras, a operação foi lançada em vista das Olimpíadas. Até agora, cerca de vinte chineses já foram alforriados. O portal afirma que, na região de Cantão (sul da China), numerosas agências especializadas recrutam trabalhadores para enviá-los ao Brasil.

Não fica claro como é possível que ‘numerosas agências’ chinesas continuem exercendo, sem ser incomodadas, esse ancestral tráfico de viventes. Nada foi publicado tampouco sobre os cúmplices que necessariamente operam em nosso território.

Chinês 2É permitido imaginar que, daqui a alguns anos, a doutrina do politicamente correto nos obrigue a instituir cotas para ressarcir os descendentes desses escravos.

Sem escala

José Horta Manzano

Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro eram para ser a cereja em cima do bolo, a consagração do Estado Novo reencarnado. Deviam cobrir de louros a cabeça de nosso guia genial simbolizando o ápice de sua estupenda carreira. Deviam gravar, no mármore do panteão nacional, a memória imorredoura do admirável líder-mor.

Mas a vida é cruel. O Mensalão, o Petrolão, a Lava a Jato, o vexame dos 7 x 1, as delações, as condenações, o espectro da Papuda, a catástrofe econômica, a inflação paralisante, a fuga de cérebros, a humilhação imposta por agências de notação, a aproximação de Cuba com os EUA, a desaceleração da China contribuíram para o desmoronamento do projeto.

Televisão Suíça ‒ captura de tela

Televisão Suíça ‒ captura de tela

As Olimpíadas passaram a segundo plano. A cereja que devia enfeitar o bolo está podre. O golpe de graça está sendo assestado pelo vírus Zika. Em todas as línguas, o mundo está sendo alertado para o perigo. A mídia internacional desaconselha fortemente toda visita à América do Sul, em especial ao Brasil. A advertência é imperativa para grávidas.

No Brasil, há quem pressinta que estamos em meio a uma década perdida. Guardando as devidas proporções, a situação atual chega a evocar um panorama que não se observava havia mais de um século.

Televisão Suíça ‒ captura de tela

Televisão Suíça ‒ captura de tela

Na virada do século XIX para o século XX, o Rio de Janeiro era uma cidade suja, infestada de focos de doenças tropicais ‒ malária e febre amarela principalmente. Antes do saneamento orquestrado por Oswaldo Cruz e apoiado pelo presidente Rodrigues Alves, europeus evitavam visitar a cidade.

Revolta da Vacina, 1904

Revolta da Vacina, 1904

Companhias italianas de navegação tranquilizavam os passageiros ‒ imigrantes que se dirigiam à Argentina ‒ garantindo que a viagem seria direta, «senza scalo a Rio de Janeiro», sem escala no Rio.

Mais cedo ou mais tarde, a epidemia de febre zika há de ser refreada. A endemia de violência e criminalidade, infelizmente, ainda vai afugentar visitantes por algum tempo.

Alguns alertas:
Televisão Pública, Suíça
Sydney Morning Herald, Austrália
La Repubblica, Itália
Portal Yle, Suécia

Porta aberta

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 5 dez° 2015

Vicente CelestinoNo longínquo ano de 1946, com vozeirão potente que caracterizava cantores da era anterior à chegada do microfone, Vicente Celestino lançou a toada Porta Aberta. Fez sucesso retumbante. Falava da porta de uma igreja que, simbolicamente, se abria para acolher de volta uma ovelha desgarrada, um vivente abandonado pela sorte.

Toda casa costuma ter porta. À discrição do dono, visitas são recebidas ou rechaçadas. A porta se abre para os bem-vindos, cheguem eles para visita de médico, para algumas horas ou até para pousar. Quanto aos indesejados, que procurem outra freguesia. Dono não é obrigado a permitir entrada a quem não lhe convém.

Porta 1Assim como igrejas e casas, país soberano também tem porta. Virtual, ela não está presa por gonzos a nenhum batente. Os nacionais, que têm franqueada a saída do país e a volta a ele, quase não se dão conta da sutil barreira. É que não lhes faz falta nenhuma autorização especial, o que não ocorre com estrangeiros.

Afora casos especiais em que a livre passagem tenha sido sacramentada por tratados – como acontece entre alguns países da União Europeia –, não se entra em terra estrangeira como se adentra o botequim da esquina. Nem todos os viajantes são iguais perante inspetor de alfândega e polícia de fronteiras.

Trafic 4Caso o viajante seja titular de passaporte emitido por país com o qual foi assinado acordo de liberação de visto, terá direito a entrar como turista, por período limitado, sem exercer atividade remunerada. No Brasil e na maior parte do mundo, a permanência padrão é de 90 dias. Na hipótese de o estrangeiro vir a trabalho ou estar planejando longa estada, é imperativo ter obtido previamente visto específico emitido por representação consular brasileira.

Visando a regrar a exigência de documentos, o Brasil – nação soberana e responsável – assinou, ao longo dos anos, convenções com a quase totalidade dos países. Esses acordos, fruto de tratativas cuidadosas, respondem a interesses mútuos. Cidadãos de numerosos países estão dispensados de visto para visita turística de até 90 dias a nosso país. Por razões ligadas à segurança do território e dos habitantes, o Estado brasileiro decidiu não conceder a mesma facilidade a todos. Cidadãos de determinados países só pisarão nosso chão se estiverem munidos de visto obtido no estrangeiro.

Não é segredo para ninguém que a política econômica dos últimos anos deixou o país em estado calamitoso. Rapinagem crônica e gestão arrevesada esvaziaram as burras. Para remediar, nosso governo anda no sufoco, raspando fundo de gaveta e matando cachorro a grito. Na esperança de incrementar o número de turistas que acudirão aos JOs 2016, mentes iluminadas imaginaram suspender a exigência de visto de entrada… para cidadãos de todos os países!

Passaporte 2Sancionada por dona Dilma, a lei já está em vigor. Vale até setembro do ano que vem. Abriu-se um hiato de dez meses durante os quais nosso país virou casa de mãe joana: entra quem quiser. O Brasil abre mão de um dos atributos maiores da soberania tão cara a nosso governo popular: o direito de filtrar a entrada do território. Durante quase um ano, passa qualquer um. Entre sem bater, minha gente, que a boca é livre!

Num mundo assolado por atentados, ataques terroristas e migrações de proporções bíblicas, a decisão é, no mínimo, temerária. Os caraminguás que um hipotético acréscimo de turistas trará não compensam a amplificação dos riscos. Um atentado perpetrado durante os JOs sairá bem mais caro que os dólares adicionais.

Passaporte 1A outra ameaça evidente é a de um acréscimo descontrolado da imigração ilegal. Sem a triagem do visto prévio, qualquer um vai poder se achegar. Ninguém é capaz de predizer o volume desse afluxo. Não é impossível que, daqui a um ano, tenhamos recebido milhões de estrangeiros aos quais, em circunstâncias normais, teria sido negado o visto. É lícito supor que centenas de milhares de viventes abandonados pela sorte – como cantava Vicente Celestino – aproveitem a porta aberta, entrem e não queiram mais sair. Estará armada uma sinuca de bico.

Um quarto de século atrás, o socialista Michel Rocard, então primeiro-ministro da França, pronunciou frase célebre: «La France ne peut pas accueillir toute la misère du monde» – a França não pode acolher toda a miséria do mundo. O Brasil tampouco. No intuito de vestir um santo, estamos despindo outro. Com todos os problemas que já temos, não precisamos correr atrás de mais um. Arrombada a porta, minha gente, será tarde pra botar tranca.

Brasil longe do terror

José Horta Manzano

No fim de semana passado, quando participava de reunião multinacional na Turquia, dona Dilma foi questionada sobre o risco de ataque terrorista ao Brasil durante os Jogos Olímpicos de 2016. A pergunta fazia sentido, dado que Paris acabava de sofrer mortífero atentado.

Dilma 1Dilma respondeu um tanto evasivamente, sem muita convicção, como se a pergunta a tivesse irritado: «não estamos muito preocupados com a possibilidade de atos terroristas no Brasil, uma vez que estamos muito longe». Soou distante e não convenceu.

Dias mais tarde, ao dar-se conta de que a afirmação da presidente não havia tranquilizado ninguém, o Planalto incumbiu o ministro da Justiça de serenar a plateia. Com cara de sério, ele cumpriu o contrato. Não sei se todos acreditaram. Em todo caso, o mui oficial portal Cuba Debate – aquele que publica as Reflexiones de Fidel – repercutiu a fala do ministro. Segundo o figurão, o Brasil «está totalmente preparado para garantir a segurança nos Jogos Olímpicos».

Menos romântico e mais próximo da realidade, o jornal O Globo trouxe, no sábado 21 de novembro, interessante artigo sobre ataques terroristas recenseados de 1970 até nossos dias. Uma análise mais atenta indica que o Brasil não está assim tão “longe” como imagina dona Dilma.

Ataques terroristas de 2000 a 2014 Crédito: Jornal O Globo

Ataques terroristas de 2000 a 2014
Crédito: Jornal O Globo

Entre 2000 e 2014, nosso país registrou nada menos que 17 ações terroristas, mais de uma por ano. É verdade que estamos longe do impressionante total de quinze mil atentados ocorridos no Iraque ou dos dez mil do Paquistão. Assim mesmo, constatamos que o Brasil foi alvo de mais atentados do que países teoricamente mais expostos como: Marrocos (12), Croácia (11), Sérvia (11), Portugal (2), Romênia (1) e Polônia (1).

Assalto 5Se, a esses atos reconhecidamente terroristas, acrescentarmos nossos costumeiros arrastões, sequestros-relâmpago, assaltos à mão armada & companhia, ultrapassamos Afeganistão e Paquistão com um pé nas costas. Sem contar os «malfeitos» do andar de cima naturalmente.

Brasil… longe do terror?

Não dá mais tempo

José Horta Manzano

Não se pode dizer que nosso guia tenha subido na vida trabalhando duro. Antes de atingir a idade de 40 anos, já tinha deixado de bater ponto. Daí pra diante, dedicou-se a deitar falatório enquanto os companheiros cuidaram do resto. E que resto!

Tempos Modernos (1936), Charles Chaplin

Tempos Modernos (1936), Charles Chaplin

Esse percurso peculiar há de lhe ter dado a impressão de que o mundo funciona na base da força do pensamento. Basta desejar – e vociferar quando necessário – para moldar presente e futuro. Insistindo em sofismas, nosso guia tentou mudar até o passado, um assombro! Por um momento, houve gente que chegou a acreditar.

Esporte 2Hoje, tudo isso acabou. Afinal, nenhum mal é eterno. Alguns anos atrás, no entanto, quando «fez o diabo» para conseguir que os Jogos Olímpicos de 2016 fossem atribuídos à cidade do Rio de Janeiro, nosso demiurgo ainda vivia num mundo de fantasia.

Há de ter acreditado que bastava um sopro seu para garantir o sucesso dos atletas brasileiros. A designação do Rio de Janeiro foi considerada um fim em si, uma conquista, uma glória, o coroamento de admirável percurso político pessoal.

Esporte 3Desmancha-prazeres, o destino ousou contrariar o que parecia ser favas contadas. O vergonhoso desempenho da seleção nacional de futebol no Campeonato Mundial de 2014 despejou um balde de água gelada em muitas esperanças. Mensalão, petrolão e generalizada incompetência governamental lavaram a jato a glória pré-contabilizada.

O resultado é que os JOs 2016 perderam o encanto antes mesmo de começar. Faltando menos de um ano, pouco se fala neles. A julgar pelos resultados do Campeonato Mundial de Atletismo – que se desenrola estes dias em Pequim – dos duzentos e tantos milhões de habitantes de que dispõe, o Brasil não conseguiu espremer um número expressivo de atletas.

Esporte 1Com amor-próprio mais enraizado que o nosso, a China – país de pouco peso no esporte até então – trabalhou duro para brilhar nas Olimpíadas de Pequim, em 2008. E brilhou. No quadro de medalhas, apareceu em primeiro lugar, à frente de mastodontes como os EUA e a Rússia. Das 302 medalhas de ouro possíveis, abocanharam 51, uma façanha.

Em relato desta semana, o portal esportivo da televisão pública francesa apregoa em manchete: «Le Brésil sans relief à Pékin un an avant les Jeux Olympiques de Rio»o Brasil irrelevante em Pequim um ano antes dos Jogos Olímpicos do Rio.

JO 2016Do jeito que vão as coisas, podemos ir-nos preparando para mais um vexame transmitido ao vivo em escala planetária. É pena. Quem sabe um dia aprendem que, para as coisas funcionarem, não basta desejar: há que trabalhar.

Amigos do alheio e Força Pública

José Horta Manzano

Assalto 1Quarta-feira, importante jornal de Paris fez análise da violência e da criminalidade que se impõem como regra de vida no Brasil. O quotidiano Libération, de orientação socialista, preocupa-se com o que está por vir daqui a um ano, quando o Rio hospedará os Jogos Olímpicos de verão.

A reportagem começa relatando o ataque de que foi vítima, faz algumas semanas, um ciclista francês de 19 anos na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas, justamente onde se disputarão algumas provas dos JOs.

JO 2016Menciona, em seguida, menino de 14 anos esfaqueado mês passado por uma malta de jovens que lhe surrupiaram a bicicleta. Também lembra as facadas desfechadas domingo passado numa turista vietnamita cuja única culpa era ter atravessado meio mundo para apreciar a Cidade Maravilhosa.

O caso mais recente fecha a lista macabra. Trata-se do cardiologista assassinado na orla da lagoa por ogros imbecis interessados em subtrair-lhe a bicicleta. O artigo traz declaração de figurões, prefeito, governador. Cada um tem solução pronta na algibeira: adiantamento da idade da maioridade penal, intensificação do policiamento, luta contra desigualdades sociais, instalação de unidades ditas ‘pacificadoras’ em favelas.

Rio de Janeiro 2Conjecturo. Não tenho estatísticas criminais de cinquenta anos atrás. Mas posso assegurar meus leitores mais jovens que, meio século atrás, não nos invadia o sentimento de insegurança hoje onipresente.

Crimes passionais, sempre houve. Faziam a euforia de jornais populares. Na época, quem quisesse se informar só tinha o rádio e a imprensa. Brincando com coisa séria, a gente dizia que, se aqueles jornais sensacionalistas fossem espremidos, sairia sangue.

Ladrão 3Latrocínio era acontecimento relativamente raro. Furtos eram bem mais frequentes que roubos. «Amigos do alheio» – como eram chamados os ladrões – tinham comportamento refinado. Para começar, não costumavam andar armados. Bater carteiras era técnica requintada: finório, o punguista profissional aliviava a vítima de seus pertences sem ser notado por ninguém. De tirar o chapéu.

Policiamento sempre houve – nem mais nem menos que hoje. Os soldados da Força Pública, como dizíamos, não nos pareciam mais numerosos que os policiais atuais. A desigualdade social acho que era até mais acentuada que hoje: pobre era pobre, rico era rico, sem nada no meio.

O que terá mudado então? Por que é que o sentimento de vulnerabilidade é mais agudo hoje? Não tenho a resposta na algibeira. A meu ver, o problema vem de longe e, do jeito que as coisas vão, tende a agravar-se.

Goste-se ou não, parece-me evidente: a grande culpada é a sociedade brasileira, tomada como um todo. O relaxamento que começou, tímido, na efervescência dos anos 1970, não foi detectado a tempo pelos que seguram as rédeas da nação. As novas gerações foram abandonadas ao deus-dará. Medidas de formação e de orientação, que deveriam ter sido implementadas desde os bancos escolares, não o foram. O relaxamento gerou a permissividade, que descambou para a leniência. Estamos com um pé no «liberou geral».

JO 2016 2Aumentar o número de policiais, adiantar a maioridade penal, construir cadeias suplementares – nenhuma dessas medidas, isoladamente, vai adiantar. O sentimento de pertencimento a uma sociedade tem de ser incutido no povo brasileiro. Não é tarefa simples nem rápida. Mas toda longa caminhada começa com o primeiro passo.

Não há outra saída. A perdurar o atual vale-tudo, a sociedade brasileira não sobreviverá. Faz tempo que a saúva deixou de ser a maior ameaça. País onde criminosos condenados são louvados como «heróis do povo» e contraventores são eleitos ministros da Suprema Corte encaminha-se, célere, para a anomia. Ou bagunça total, se preferirem.

Coringão

José Horta Manzano

Você sabia?

Corinthians 4O nome dos times de futebol mais famosos do Brasil não é inusitado nem surpreende. Botafogo, Coritiba, Santos, Flamengo, Bahia, Internacional são de origem geográfica, a categoria mais comum. Vasco da Gama, Portuguesa, XV de Novembro homenageiam personagens, comunidades, fatos históricos. Palmeiras, Cruzeiro, Atlético, Operário, Juventude são nomes fáceis de entender, que combinam com o ambiente.

Ruínas de Corinto, Grécia

Ruínas de Corinto, Grécia

Mas… Corinthians? O nome de uma das mais tradicionais equipes do esporte nacional destoa. Qual seria a origem de denominação tão fora de contexto?

Uma rápida visita ao site do clube esclarece: a inspiração veio de uma equipe inglesa da época. Os cracks do Corinthian-Casuals Foot-ball Club excursionavam pelo Brasil naquele longínquo 1910. Fascinado pelo desempenho dos visitantes, um grupo de amigos decidiu montar uma equipe.

Futebol 5O nome se inspirava no movimento esportivo renascido com os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, disputados em 1896. O foot-ball, esporte novo, se inscrevia na efervescência do momento. Corinto – Kórinthos no original – era cidade da Grécia antiga. Importante na antiguidade, a localidade continua de pé, embora não passe hoje de pequeno burgo pouco expressivo.

Corinthians 3O nome do time inglês dava a medida do espírito informal do grupo. Corinthian-Casuals pode-se traduzir por «Corintianos Despreocupados» ou «Corintianos Informais». Os discípulos nacionais guardaram a referência olímpica, mas preferiram dispensar o qualificativo. Não se consideravam, certo, tão despretensiosos assim.

Nos primeiros anos, guardou-se o costume de dizer que aquela era a equipe dos corinthianos, como poderia ser dos atenienses, dos espartanos, dos romanos, dos cartagineses. Ao referir-se à esquadra, a imprensa mencionava «os Corinthians», sempre no plural. Mas durou pouco. Com o crescimento, o nome do clube logo caiu na boca do povo como palavra singular.

Corinthians 2A notícia de bestial carnificina da qual foram vítimas, este fim de semana, torcedores do clube repercutiu na imprensa internacional. A brutalidade deu-me a ocasião de constatar que, no exterior, o nome do time ainda é entendido como queriam os idealizadores de um século atrás. O portal do grupo RTL, por exemplo, refere-se aos “supporters des Corinthians” – torcedores dos Corinthians.

É pena que, como lembrança de 1910, só o nome tenha permanecido. O ambiente ingênuo, despreocupado e festivo foi-se.

Novo sufoco vem aí

José Horta Manzano

O portal RFI (Radio France International ― conglomerado estatal da mídia francesa) publicou, neste 6 de agosto, artigo sobre o atraso nas obras para os Jogos Olímpicos de 2016. Segundo a reportagem, John Coates, vice-presidente do CIO (Comitê Internacional Olímpico) criticou abertamente os preparativos, qualificando-os de “os piores” que havia visto em 40 anos de carreira.

Faltando apenas dois anos para o evento, somente 70% das obras previstas foram iniciadas. Isso significa que 30% delas se encontram ainda em estado de projeto. Não nos esqueçamos de que o Rio acolherá 15 mil atletas oriundos de 200 países. Sem contar as delegações e cerca de 8 milhões de turistas.

Um trecho do artigo é especialmente marcante. Transcrevo abaixo no original. Traduzo em seguida.

JO 2016Interligne vertical 9La baie de Rio où auront lieu les épreuves de voile toujours pas dépolluée

Une régate de voile a eu lieu ces derniers jours dans la baie de Rio de Janeiro, une épreuve test pour les autorités. L’occasion pour les sportifs de voir l’avancée de cette dépollution. Leur constat est amer. «Si les Jeux olympiques avaient lieu demain, nous aurions réellement un problème», c’est ce qu’a affirmé l’Australien, Mathew Belcher, médaillé d’or olympique de 2012 à Londres.

Les navigateurs ont été confrontés à l’extrême pollution de la Baie de Rio. Elle est tellement contaminée qu’il est interdit de s’y baigner. Certaines zones sont même devenues des égoûts à ciel ouvert. Car à l’heure actuelle, la moitié des eaux usées de la ville sont rejetées dans la baie sans être traitées. La ville s’est engagée auprès du Comité international olympique (CIO) à ce que 80% des eaux usées soit retraité d’ici les Jeux olympiques, mais les associations de protections de l’environnement n’y croient tout simplement pas.

Même si la Mairie de Rio affirme qu’il n’y aura aucun danger pour la santé des athlètes, il vaudra mieux que ces derniers ne tombent pas par-dessus bord. La situation à Rio de Janeiro reste extrêmement préoccupante, voire choquante.

JO 2016 2

Interligne vertical 9Baía de Guanabara, que acolherá as competições de vela, ainda não foi despoluída

Faz poucos dias, realizou-se uma regata à vela na baía do Rio de Janeiro, um teste para as autoridades. Era momento propício para os esportistas verificarem o andamento das obras de despoluição. A constatação é amarga. «Se os JOs tivessem de começar amanhã, teríamos um problema de verdade», afirmou o australiano Mathew Belcher, ganhador de ouro olímpico em Londres 2012.

Os navegadores viram de perto a poluição extrema da baía. O nível de contaminação é tal que é proibido entrar n’água. Algumas zonas são, de verdade, esgoto a céu aberto. Atualmente, metade do esgoto urbano é lançado, sem tratamento, na baía. A municipalidade prometeu ao CIO (Comitê Internacional Olímpico) que, antes da abertura dos JOs, 80% do esgoto da cidade já estará sendo tratado. As associações de proteção do meio ambiente simplesmente não acreditam.

Apesar de a prefeitura do Rio tranquilizar os espíritos garantindo que não há risco para a saúde dos atletas, será melhor que ninguém despenque do barco e caia na água. A situação no Rio de Janeiro permanece extremamente preocupante, pra não dizer chocante.

Interligne 18b

Preparem-se. O sufoco tende a se acentuar daqui a 2016.

O sabor está nos detalhes

José Horta Manzano

Em seu blogue Olimpílulas, alojado no Estadão, o jornalista Demétrio Vecchioli traz uma panorâmica da desastrosa situação do País em matéria de preparação para os Jogos Olímpicos de 2016.

Falta de interesse das confederações, parques aquáticos e outros ginásios fechados para reforma, indiferença geral por parte de autoridades, falta de estímulo à população estão minando o caminho de um Brasil que aspirava a tornar-se potência esportiva.

Para alcançar nível elevado, seja ele nos esportes, nas artes ou nas ciências, simples esperanças não bastam. É necessário muito trabalho, muito investimento e muita paciência. Sem esforço, com investimento parco e, ainda por cima, de afogadilho, não se chega lá. É indiscutível.

O artigo é afligente. Chega-se ao final com sentimento de desalento. Ainda que se comece a leitura com espírito de combatente optimista, termina-se com ânimo de vira-lata. Garantido.

As coisas são assim, que remédio? Nós outros, distantes dos centros de poder e de decisão, pouco ou nada podemos fazer. Mas nem tudo está perdido. Sobra uma consolação. Como diz o outro, rir é a melhor solução.

No final do texto, aparecem os comentários. Um leitor, que se assina Carlos Moura, desvenda, em tom irônico e bem-humorado, as raízes do mal.

Comentário de um leitor do Estadão

Comentário de um leitor do Estadão

Transcrevo:

Interligne vertical 12«Somos campeões mundiais em diversas modalidades (em moralidade perdemos todas!). Não temos concorrentes em desvios orçamentais, assalto com farra, arremesso de impostos, mil mensaleiros livres, trampolim político sincronizado, micha atlética, lançamento de dano, helicoptatlo, assalto à distância, badminton, camuflagem, EBX, concurso completo de indicação, tiro perdido, tiro com arco 51, e até corredor de helicópteros… Tudo com as bênção dos deuses do Eulimpo! Por último, o sigla que avança a olhos vistos, malvistos e não vistos, e o outro COI ― Começão Olímpica de Impostos. Uma pena. A criatividade deveria estar sempre a serviço do bem.»

Pra frente, Brasil!

Por que será?

José Horta Manzano

Faz menos de uma semana, vazou um relatório interno do CIO (Comitê Internacional Olímpico) sobre o andamento das obras em vista dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. O correspondente do Estadão na Suíça conseguiu uma cópia e desvelou a seus leitores o conteúdo ― terrivelmente constrangedor para as autoridades brasileiras encarregadas de preparar o evento. Falei disso no post Cheia de encantos mil, de 2 setembro 2013.

Jogos Olímpicos 2020 Tóquio, cidade candidata

Jogos Olímpicos 2020
Tóquio, cidade candidata

Ontem, sábado, o mandarinato olímpico estava em peso em Buenos Aires para revelar, em cerimônia solene e retransmitida ao vivo para o mundo inteiro, o nome da cidade escolhida para suceder ao Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos.

Para o verão de 2020, havia três candidatas: Madrid, Istambul e Tóquio. Longe de mim suspeitar que o voto dos figurões seja um jogo de cartas marcadas. Cruz-credo! O CIO, assim como a Fifa, o Congresso brasileiro e outras elevadas instâncias vêm confirmando, ao longo dos anos, sua ilibada reputação de total isenção. São organismos comprovadamente imaculados.

O fato é que todos esperavam Madrid. É a capital de um país simpático, bem-visto pela maioria. Vivem época de penúria, mas tinham-se comprometido a mostrar ao mundo que é possível organizar um grande evento gastando pouco.

Se não desse Madrid, havia de dar Istambul. A Turquia anda um pouco magoada com os europeus que não dão sinal de aceitá-la como membro da União Europeia. Conceder-lhe a honra de sediar as Olimpíadas seria uma maneira de apaziguar os ânimos, assim como quem dá uma chupetinha à criança que choraminga. E tem mais: se a diretoria do CIO fosse venal ― digo bem: se fosse, probabilidade mais que remota! ― poderia exigir dos turcos um mimo mais consistente do que de espanhois empobrecidos ou de japoneses pudicos.

Ao final, para espanto da galeria, não deu nem uma nem a outra. Deu Tóquio, aquela que ninguém esperava. Das três cidades, é justamente a que já sediou Jogos Olímpicos no passado, em 1964. Das três, é a que mais deveria ter assustado os decididores: uma simples menção às inquietantes consequências do acidente nuclear de Fukushima é de afugentar qualquer um.

JO 2020 ― Tóquio by Shizuo Kambayashi

JO 2020 ― Tóquio
by Shizuo Kambayashi

Por que, diabos, escolheram Tóquio? Tenho minha ideiazinha. Acredito que o CIO esteja se comportando como gato escaldado, aquele que tem medo de água fria, percebe? Depois do sufoco pelo qual estão passando com a enxurrada de problemas que os Jogos do Rio lhes estão causando, preferiram a segurança.

Nem o sol garantido e os 40 graus madrilenhos, nem o cosmopolitismo da imensa Istambul ― única capital do planeta assentada sobre dois continentes ― adiantaram. O comitê, escaldado, optou pela cautela. Aprenderam.

Absoluto e relativo

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 4 agosto 2012

Tudo é relativo. Está aí uma daquelas frases feitas que todos usamos regularmente. De fato, números e quantidades não têm valor intrínseco. Se lhe perguntarem, assim de chofre, sem preâmbulos: oito é muito? Qualquer resposta sua será puro chute. Oito o quê? Oito pessoas num elevador com capacidade máxima para quatro é muito, evidentemente. Oito assistentes num teatro lírico previsto para mil espectadores é, claro, pouquíssimo.

Assim mesmo, grandes quantidades e grandes números impressionam, ainda que só tenham existência no papel e estejam fora da cogitação de mortais comuns. As pessoas mais abastadas possuem fortunas estimadas em dezenas de bilhões. Bilhões em qualquer moeda, tanto faz. Muito poucos, ainda que espremamos as meninges, seremos capazes de imaginar a diferença entre possuir 30 bilhões e ser dono de 50 bilhões. É a mesma coisa. No entanto, mesmo sem conceber exatamente o que significam esses números, tendemos a respeitá-los.

Nós, brasileiros, somos propensos a admirar grandes números absolutos sem nos perguntar se, no frigir dos ovos, são tão significativos quanto parecem. Acontece com frequência que, relativizados e trocados em miúdos, certos números impressionantes deixem de ser tão grandes como pareciam.

Tenho visto muita gente, peito inflado, afirmar que somos a sexta economia do planeta. Dito assim, sem referencial, parece deveras impressionante.Mas o que geralmente se omite (ou não se sabe) é que nosso país ocupa o quinto lugar em população. Logo, nossa economia deveria ser a quinta, não a sexta. Se ainda lá não chegamos, não há razão para ufanismo. No dia em que nossa economia for não a sexta, nem a quinta, mas a quarta, aí sim! Será chegada a hora de abrir aquele champanhe que jaz no fundo da geladeira há anos.

Vivemos estes dias os Jogos Olímpicos. O mundo está impressionado com o número de medalhas obtidas pela China. Mas relativizemos, caro leitor, relativizemos. Com a população que tem, o país asiático teria de obter 4,3 vezes a quantidade de galardões obtidos pelos EUA. E mais de nove vezes as medalhas russas. E mais de 20 vezes as francesas. Dificilmente alcançará tal excelência.

Falando em Olimpíadas, cá entre nós, quem podia bem fazer um esforçozinho é nosso País. Principalmente em vista dos próximos jogos, no Rio. Nosso melhor desempenho olímpico até hoje — pelo critério de classificação com relação ao número de habitantes — deu-se nos Jogos de Pequim, de 2008, quando ocupamos o 68° lugar entre 88 países medalhados. Em 2004 tínhamos ficado em 67° lugar entre as 74 nações condecoradas. Pouca coisa, não?Absoluto e relativo image

Mas nem tudo é negativo, há que ser otimista, que faz bem ao fígado. Há pouco realizou-se a Eurocopa 2012, uma espécie de Copa do Mundo sem Brasil e Argentina. A Polônia e a Ucrânia foram encarregadas da organização. Antes do torneio, muita gente estava preocupada. Diziam que nenhum dos dois países estava preparado para empresa tão importante. Temia-se o caos. No final, o que é que se viu? Os milhões de telespectadores nada viram além de filmes de propaganda turística, olas, vistas espetaculares dos diferentes estádios tomadas de helicóptero. E, naturalmente, as partidas, que era o que realmente interessava. Será que a organização estava perfeita? Será que os visitantes conseguiram se locomover em trens decentes e em aviões pontuais? Será que a fluência em inglês dos garçons de restaurante deixou a desejar? Ninguém falou nisso. Ninguém ficou sabendo. O que ficou na memória foi o essencial: os jogos e seus resultados.

No Brasil, muitos andam preocupadíssimos com a imagem que o país vai dar daqui a dois anos, quando do próximo Campeonato Mundial de Futebol. Preocupação boba. Assim como ocorreu na Polônia e na Ucrânia, os bilhões de telespectadores que acompanharão os embates não verão senão filmes de propaganda turística, olas, vistas espetaculares dos diferentes estádios tomadas de helicóptero. E, naturalmente, as partidas. As agruras — se houver — ficarão circunscritas à memória individual daquela meia dúzia de visitantes que ousarão vir ver as coisas in loco.

Longe de mim a intenção pérfida de incentivar os responsáveis pela organização da Copa 2014 a fazer corpo mais mole do que já estão fazendo. Continuemos a trabalhar como se nos preparássemos para um julgamento severo. Mesmo se, no fundo, sabemos que não será assim. O marketing atual faz milagres. Ao mundo, só as maravilhas serão mostradas. Quem tiver de ganhar dinheiro ganhará. Como sabemos todos, o Brasil é uma festa.