O limite das leis

José Horta Manzano

A vida nos reserva surpresas a cada esquina. Volta e meia, esbarra-se em situação rara, inusitada e não prevista pela legislação.

Condenado por matricídio tem direito a saída da prisão no Dia das Mães?
A lei não previu o caso.

Encarcerado pode continuar exercendo cargo público?
A lei não previu o caso.

Presidente da Câmara que, na ausência do presidente da República, assumir temporariamente a presidência rompe o período de abstinência chamado “desincompatibilização”?
A lei não previu o caso.

Estes dias, apareceu mais uma pérola pra garnir a (vasta) coleção de casos não previstos pela lei. Por determinação de um juiz de primeira instância, Lula da Silva foi privado dos assessores, motoristas e seguranças a que tem direito como ex-presidente. Até o carro oficial lhe foi retirado. O condenado não gostou e mandou sua tropa de advogados espernear.

O problema é cabeludo. Todo indivíduo de bom senso há de conceder que é bizarro um presidiário ter o gozo de oito assessores mais carro oficial. Além de supérfluos, esses penduricalhos ‒ pagos por nós ‒ atentam contra a moralidade. No entanto…

No entanto, são de lei. Nem em pesadelo o legislador teria podido imaginar que um ex-presidente viesse a ser condenado. Se a lei silencia sobre cassação de regalias a ex-presidente encarcerado, não cabe a um juiz, de sua iniciativa, acrescentar-lhe um artigo.

Como ser pensante, concordo que a concessão de tais regalias a quem está atrás das grades é ilógica, bizarra e imoral. Mas discordo da iniciativa do juiz. Se for permitido a cada um dos milhares de magistrados do país acrescentar artigos a leis, estará aberta a temporada da ilegalidade legalizada.

Quem faz as leis é o Poder Legislativo. Somente a ele cabe fazê-las, modificá-las e revogá-las. Juiz limita-se a aplicar a lei.

Nosso problema é mais amplo. Vivemos tempos estanhos, como já diagnosticou, aliás, doutor Gilmar Mendes. Comportamentos estranhos estão roçando o limite das leis. A corda anda esticada. Corda esticada demais, como se sabe, acaba arrebentando.

Lula es inocente!

José Horta Manzano

É de lei. Todo ex-presidente da República ‒ ainda que tenha sido apeado do cargo ‒ tem direito a polpuda aposentadoria. E não é tudo. Dispõe ainda de automóvel com combustível e manutenção pagos, mais oito assessores cedidos pelo Planalto. Oito assessores! E tudo sustentado com o dinheiro dos contribuintes. Não precisava nem dizer mas, dizendo, fica mais claro.

A meu ver, presidente destituído por crime de responsabilidade não deveria ser contemplado com esses mimos. Mas é de lei, que fazer? Doutora Dilma tem aproveitado ao máximo essa excrescência da legislação. Tem viajado mundo afora, sempre em assento de primeira classe, para contar a lorota de que seu impeachment foi golpe de Estado. Faz dois anos e meio que a doutora insiste na pregação.

A mais recente viagem foi a Madrid, onde desembarcou faz dois dias. Viajou na primeira classe de avião da Iberia. Ao chegar ao aeroporto de Barajas, madame foi apanhar a mala de rodinhas, guardada no bagageiro acima do assento. Perdida como sempre, havia esquecido onde estava a mala. Levou bom tempo para encontrar. Não sabia mais nem de que lado procurar. Chegou a abrir uns quatro compartimentos. Um passageiro imortalizou a impagável cena em vídeo de um minuto e meio.

Ontem, na madrilenha Casa de América, a doutora deu conferência sobre a crise política no Brasil. Renovou a cantilena de que foi destituída ilegalmente na esteira de um complô parlamentar. Um vídeo de um minuto mostra o trecho em que madame, num portunhol pedregoso, explica que está em curso, na América Latina, um novo tipo de golpe armado em conjunto por parlamentares, pela mídia, pelo Judiciário e pelo mercado. Senhor, haja conspiração! Pra fechar a fala, a doutora lembra do padrinho e, en passant, reitera sua convicção de que o Lula é inocente.

O distinto leitor pode até balançar a cabeça e sorrir. Mas fique sabendo que, nas Orópias, muita gente acredita nisso. Afinal, é a palavra de uma antiga chefe de Estado! Não é habitual ver gente que exerceu cargo tão elevado sair contando balela por aí. O CV da palestrante empresta um quê de fidelidade à narrativa, o que é desastroso para o Brasil.

Resumo da história
Faz dois anos e meio que doutora Dilma faz incessantes viagens ao exterior e profere palestras com o intuito de denegrir as instituições brasileiras e consolidar, no espírito dos estrangeiros, a imagem de que a nossa é uma republiqueta de bananas. Faz isso com nosso dinheiro.

Chegou a hora de algum parlamentar apresentar um projeto de lei que iniba esse tipo de palhaçada. Afinal, congressistas são pagos pra legiferar em favor do país. Ou não?