Os cortes de Bolsonaro

José Horta Manzano

Em artigo de sábado, o Estadão expõe os cortes feitos por Bolsonaro nas áreas da Educação e da Saúde Pública. A razão da poda é desviar recursos para alimentar o orçamento secreto, nebuloso sistema de distribuição de verbas a parlamentares, sem critério de transparência – daí o nome de “secreto”.

Percebe-se que a restrição de recursos é direcionada às áreas que o capitão odeia com maior furor.

De fato, a Saúde Pública é seu espantalho, como seu comportamento ao longo da pandemia revelou. Recluso num universo paralelo, Bolsonaro cultiva o negacionismo em seu esplendor. Nega-se obstinadamente a reconhecer a fragilidade do ser humano e as agruras do sofrimento alheio. Em sua lógica, o brasileiro deve enfrentar, peito aberto, todos os riscos à saúde. Afinal, este não pode ser um país de maricas! Que os fracos sejam varridos do mapa! Vacina? Tratamento? Remédio? Consulta? Pra quê? Tome cloroquina, que passa.

Ao lado da Saúde, a Instrução Pública é seu outro saco de pancada. Visto que ele não aprendeu grande coisa na vida, acabou atraindo uma coorte de brutos e ignorantes – o que é lógico e natural. Estendendo o raciocínio, ele não vê necessidade de oferecer os benefícios de uma educação de qualidade à população. Talvez pressinta que, se os eleitores tivessem aprendido a pensar, ele jamais teria sido eleito. Não serviria nem para síndico de condomínio.


Cortes de orçamento programados para 2023
– um florilégio –

Farmácia Popular
É programa que beneficia mais de 21 milhões de brasileiros. Sofrerá amputação de 59%. Ítens cortados: 13 diferentes princípios ativos. Entre eles, tratamentos usados contra diabetes, hipertensão, asma. A tesoura atingiu até fraldas geriátricas.

Prevenção e controle do câncer
O câncer é a segunda doença mais mortal no país. A verba destinada a prevenção e controle dessa enfermidade foi reduzida em 45%.

Aids
Programa que distribui remédios para tratar aids, hepatite viral e outras IST (infecções sexualmente transmissíveis) sofreu uma tesourada de R$ 407 milhões.

Merenda escolar
O governo de Bolsonaro vetou o reajuste, com correção pela inflação, da verba para a merenda escolar, que já não era reajustada havia 5 anos. Aluninhos vão continuar tendo de estender o dedinho pra receber um carimbo que indicará que já foram servidos e não podem repetir o prato. E vão continuar a dividir um ovo entre quatro crianças. Para muitos deles, a merenda é refeição mais nutritiva do dia – quando não é a única.

Outras áreas
Há outras áreas penalizadas pelos cortes. A Educação é a que mais vai sofrer. O programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) é outra destinação visada pelo bloqueio bolsonárico. A pasta de Ciência e Tecnologia e a de Desenvolvimento Regional também vão receber recursos minguados. Há outras áreas, mas é bom parar por aqui, que é pra evitar ficar mais deprimido.

Quem achar que isso é uma beleza e que está muito bom assim, que vote no capitão. Só que tem uma coisa: depois não vale dizer que não sabia.

Passa ser

José Horta Manzano

Não acredito que a pisada na bola seja consequência da intromissão do Bolsonaro no Enem; se bem que, pensando bem, tem um pouco a ver, sim senhor.

Não é de hoje que a Instrução Pública vem sendo mandada pra escanteio “nesse país”, como diria nosso guia. Mas há que reconhecer que, com os personagens peculiares que escolheu para chefiar o Ministério da Educação, o capitão está dando sequência ao que outros já vêm fazendo faz tempo. Tem se esmerado mais que os anteriores, é verdade, mas a linha de conduta é a mesma. O intuito de todos eles é desinformar. Afinal, povo desinformado é mais facilmente manipulado. Ou não?

Aos ouvidos de quem não está acostumado a ler, a expressão “passa a ser”, pode ser entendida como “passa ser”. O escorregão na chamada da Folha não decorre de falta de atenção; é falta de conhecimento mesmo. Os que escrevem “passa ser” são os mesmos que escreveriam “vai começar chover”.

Falta instrução, que só viria com mais leitura. Falta leitura, que teria de ser incentivada pela escola. Falta escola, que teria de ser implantada pelo governo. Falta governo, que teria de ser eleito por um povo instruído. Falta povo instruído… e o círculo vicioso se fecha. Será que um dia vai se romper?

Formação insuficiente

José Horta Manzano

Dia 14 de julho, o Painel (coluna de Folha de São Paulo) relatou que:

“Documentos enviados à CPI da Covid mostram que, em setembro de 2020, a consultoria jurídica do Ministério da Saúde foi solicitada a se manifestar sobre o consórcio Covax Facility e disse que o fato de a documentação estar em inglês dificultou a análise porque os servidores não tinham “conhecimento suficiente de tal língua estrangeira a ponto de emitir manifestação conclusiva.”

Para completar a cativante informação, é bom lembrar que o Brasil ainda esperou seis meses para aderir ao consórcio. Só o fez em março de 2021.

Há aí dois graves problemas. O primeiro, nós todos sabemos, é Bolsonaro na Presidência. Que os técnicos do Ministério da Saúde sejam ilustrados ou iletrados não faz diferença nenhuma quando quem dá a palavra final é um psicopata mal-intencionado. Ainda que o pessoal da Saúde fosse bamba em inglês e tivesse conseguido ler a papelada, a adesão ao Consórcio Covax teria sido de qualquer modo barrada pelo capitão.

O outro problema, que salta aos olhos neste caso, é o baixo nível de instrução da população. Como é possível que a equipe técnica da consultoria jurídica de um ministério da República seja formada por indivíduos monoglotas, deficientes em inglês, a lingua franca internacional? Admito que o nível da Instrução Pública nacional deixe a desejar, mas recuso-me a acreditar que não existam, disponíveis no mercado, candidatos de nível adequado. Se eles existem mas não foram contratados, o problema tem nome conhecido: chama-se nepotismo, aquela prática nefasta que leva a escolher funcionários, não pelo grau de conhecimento, mas pelo grau de parentesco. De sangue ou de bolso.

O caso desses documentos que ninguém conseguiu decifrar vai expondo as profundas falhas na Educação Nacional, falhas estas que resultam em distorções no topo da pirâmide. Lula e Bolsonaro são exemplos sintomáticos. Um eleitorado pouco instruído e ingênuo se enamorou pelo ex-metalúrgico, o que nos levou ao desastre de 13 anos de petismo no poder – uma tragédia. Depois disso, tão desgostoso estava o eleitorado, que acabou elegendo o capitão – outra tragédia.

A Instrução Pública, do jeito que tem sido maltratada pelo atormentado governo atual, não vai subir de nível tão cedo. Ainda vamos assistir a muitas rateadas no andar de cima. Episódios como esse da documentação que ninguém conseguia ler não são apenas cômicos. Custam vidas.

Sete de Setembro

José Horta Manzano

Pra quem não conhece, vamos começar do começo. Por estrada de rodagem, a distância entre Santos e São Paulo é de mais ou menos 70km. Dizendo assim, parece pouco, mas o desnível faz toda a diferença. Santos fica à beira-mar, enquanto SP se encontra num platô, a uma altitude de mais de 700 metros. Hoje, viajando num carro confortável, sobre quatro rodas de borracha girando no asfalto, a gente nem se dá conta de que subiu a serra. Duzentos anos atrás, eram outros quinhentos.

Dia 7 de setembro de 1822, o filho do rei fez a viagem de subida. Não se sabe como estava o tempo, se fazia sol, se chovia, se estava fresquinho ou quente como o diabo. Aliás, não se sabe grande coisa. Certo é que a viagem era laboriosa, cheia de perigos e imprevistos. Caminhava-se com as próprias pernas, quiçá agarrando em árvores. Cavalo não subia a serra. A tarefa de portar as bagagens era entregue a mulas. Nenhum viajante estava ao abrigo de um temporal, de um deslizamento de terreno ou de uma onça faminta que atacasse um infeliz que tivesse se apartado por via de uma necessidade urgente.

O príncipe, cujo caráter não era dócil, há de ter chegado ao planalto exausto e de maus bofes. Dizem que, naquele dia, estava com dor de barriga, o que só fazia piorar a situação. Na escola, aprendemos que um mensageiro o alcançou. Falando em mensageiro, não sei de onde terá saído esse personagem. Vinha do litoral ou de São Paulo? A história diz que a mensagem vinha do Rio. Dado que, naquele tempo, não havia estrada de ferro nem de rodagem, o moço terá vindo necessariamente pelo mesmo caminho que o príncipe. Portanto, também terá subido a serra. Como é que ele fez pra alcançar o príncipe às margens do Ipiranga, já às portas de SP? Subiu às carreiras? Enfim, isso não tem muita importância.

O magrinho e bem-comportado Riacho Ipiranga, São Paulo. Ao fundo, o Monumento da Independência.

O fato é que Dom Pedro não apreciou continuar a ser teleguiado desde Lisboa. Aconselhado por assessores, entrou na onda da independência das colônias americanas. A febre de movimentos independentistas tinha começado com as colônias inglesas da América do Norte, em 1776. A partir daí, os territórios castelhanos já se haviam despedaçado em quase duas dezenas de países. As colônias portuguesas estavam até atrasadas, situação que ajudou o filho do rei a tomar sua decisão (antes que algum aventureiro o fizesse).

Festejamos o Sete de Setembro como se dia de glória fosse. Fico um tanto pensativo. Gosto de examinar as coisas pelo avesso, fazendo a pergunta: “E se não tivesse acontecido?”. É puro exercício intelectual, que ninguém muda o passado. Mas como teria sido se Dom Pedro, cansado e com fome, tivesse decidido guardar a mensagem no bolso pra ler mais tarde, e tivesse tocado a mula pra chegar a São Paulo antes do anoitecer?

Neste ponto, pra continuar no exercício de futurologia-do-que-não-foi, é preciso admitir que nenhum movimento posterior tivesse conseguido a independência do Brasil. Os territórios lusos da América do Sul fariam parte do Império Português até hoje. Para nós, os brasileiros do século 21, isso seria um drama?

Não acredito. O Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves seria um império rico e importante. Seria, de longe, a nação mais populosa da Europa, bem mais que a Alemanha. Não haveria essa incômoda distinção entre europeus e americanos, dicotomia que, em geral, nos humilha. Assim como a Guiana Francesa faz parte da França, nós faríamos parte da União Europeia – uma vantagem e tanto.

Quanto ao desenvolvimento do Brasil, não acredito que tivesse sido muito melhor nem muito pior. Não há relação direta entre o desenvolvimento e o fato de o país ser independente. Canadá, Austrália e Nova Zelândia, que estão entre os países mais avançados, fazem parte do Commonwealth e reconhecem a rainha da Inglaterra como soberana, numa situação de semidependência.

Poderíamos ficar até amanhã neste exercício de futurologia-do-que-não-foi. De qualquer maneira, toda comprovação será impossível. Acredito que, muito mais do que comemorar bobamente uma independência que não mudou grande coisa no país, deveríamos escolher outros heróis. Mais vale festejar os que trabalharam para melhorar a Instrução Pública e a Saúde Pública. A abertura de um posto de saúde vale tanto quanto ou mais que um grito de independência, ainda que saído da boca de um príncipe.

Bom sujeito não é?

José Horta Manzano

Acaba de ser nomeado o novo ministro da Educação, o quarto nome em ano e meio de governo Bolsonaro. Em vez de discorrer sobre sua experiência como educador, a mídia ressalta que o nomeado é prelado numa organização religiosa de tipo evangélico. O que isso tem a ver com a Instrução Pública, ninguém explicou.

Não se deve condenar sem julgar, mas o ministro já dá a partida com uma penalidade: quem foi escolhido por doutor Bolsonaro – e aceitou! – atrelou sua imagem a uma engrenagem de risco.

by Suélen Becker, desenhista carioca

Só fica no posto se se mantiver calado, inativo, apagado, sem fazer sombra ao chefe – uma mancha no currículo. Será demitido ao menor sinal de pensamento independente ou de popularidade superior à do chefe – se assim for, levará pra casa vergonha dupla: ter sido ministro de Bolsonaro e ter sido despedido.

Não há escapatória.

Ondas perdidas

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 30 maio 2020.

Nestes tempos de epidemia, a história se precipita. Da noite para o dia, o ritmo acelerado dos acontecimentos envelhece as notícias. Casos da semana passada já estão no arquivo morto; coisas de três meses atrás já estão entrando no livro de história. Faz quatro meses, Paulo Guedes visitou o Fórum Econômico Mundial, em Davos, onde recebeu, na ausência do presidente, as honras devidas ao Brasil. Sua fala passou quase despercebida. É verdade que ele não fez nenhuma revelação acachapante. Referindo-se a nosso país, filosofou: “Perdemos a grande onda da globalização e da inovação, então essa mudança vai levar um tempo, mas estamos a caminho”.

O ministro não foi o primeiro a passar recibo da lentidão de reação de nosso país. Cem anos atrás, o estadista francês Georges Clémenceau (1841-1929) já havia se dado conta disso. Quando lhe contaram que o Brasil era o país do futuro, replicou ferino: “e há de continuar assim por muito tempo”. Tinha razão. Um século depois, o futuro radioso ainda não se vê. Toda vez que a gente pensa que a hora boa chegou, a realidade se encarrega de nos desenganar. Perdemos não só a onda da globalização e da inovação, sublinhada pelo ministro, mas muitas outras. Chegassem todas juntas, formariam um tsunami. Nossa maré baixa já vem de longe.

Perdeu-se a memória do Brasil imperial, defunto há mais de 130 anos. Nenhum vivente sabe mais, de experiência própria, como era então a vida. Mas a história ensina que, em terras onde o chefe de Estado é permanente e desprovido de poder real, a estabilidade política é superior. Entra governo, sai governo, a figura do patriarca vitalício é garantia de segurança. Essa onda da estabilidade política, que a República não soube compensar, perdemos.

A grande onda de Kanagawa
by Katsushika Hokusai (1760-1849), artista japonês

O ensino foi sempre tratado com pouco caso. A primeira universidade das Américas foi fundada nos anos 1530; a abertura da Escola de Cirurgia da Bahia – primeiro curso superior do Brasil – só ocorreria 250 anos mais tarde. Já demos a largada com dois séculos e meio de atraso. O desdém para com o estudo se reflete até nossos dias. Na virada do século 19 para o 20, dois em cada três brasileiros maiores de 15 anos eram analfabetos. Em 1950, metade da população ainda não sabia ler nem escrever. Foi só nestes últimos 70 anos que os números começaram a sorrir – sorriso tímido, visto que o analfabetismo resiste e ainda condena 7% dos brasileiros à ignorância. Como pode a sociedade aceitar que 1 compatriota em cada 15 viva na escuridão? A onda da Instrução Pública, perdida, continua a nos desafiar.

O Brasil rateou também na hora de decidir sobre mobilidade. Sucumbindo a interesses poderosos, elegeu o transporte rodoviário como solução única, relegando a estrada de ferro ao ferro-velho. Na mesma fieira, não soube prever que a supremacia absoluta do transporte de superfície em detrimento do metrô geraria entupimento permanente nas grandes cidades.

Na Saúde Pública, perdura uma surpreendente jabuticaba – bizarrice que não parece comover ninguém. Longe da contenção de gastos recomendada a todo país pobre, boa parte dos assalariados brasileiros são compulsoriamente afiliados a dois sistemas de saúde redundantes. O sistema nacional (SUS) e uma rede de convênios privados correm em paralelo. Um dos dois sistemas será sempre supérfluo, dado que cada ato médico só poderá ser ministrado uma vez. O cliente passa a vida pagando dobrado. Quando se pensa na dificuldade que o Brasil tem para suprir necessidades básicas de seus filhos, esse contingente de cidadãos sobreassegurados é tremendo desperdício. A pandemia de covid-19 tem mostrado que, apesar do sistema duplo, o circuito hospitalar segue assoberbado, próximo do colapso. Está aí um problema que, visto o atual descaso com a Saúde, só deverá ser enfrentado por um próximo governo.

A fala do ministro em Davos mostra que, além de não resolver problemas passados, continuamos a adicionar ondas perdidas à contabilidade nacional. Enquanto não encararmos essa realidade pra valer, seguiremos dando razão ao velho Clémenceau: estamos condenados a ser eternamente o país do futuro.

Motor lento

José Horta Manzano

Atiçar a paranoia presidencial é mau negócio. Weintraub, ministro da Educação, parece ser lento no aprendizado. Já andava meio assim assim, balança mas não cai, como bêbado tentando caminhar no meio-fio. Descabeçado, provocou de novo o iracundo chefe. Pisou-lhe bem no calo que dói. E com força! Fez o que não devia: repercutiu a seus seguidores um tuíte alheio que tratava o presidente de traidor. Nem mais nem menos – traidor! Com isso, não só assegurou que concordava com a afirmação, como também ajudou a propagar a difamação.

Apagou depois, em tentativa de jogar a sujeira pra debaixo do tapete. Mas o estrago estava feito. O que as modernas tecnologias têm de efêmero têm também de indelével. Parece paradoxal ser descartável e eterno ao mesmo tempo, mas assim é. Antigamente, para apagar um escrito, bastava jogar a folha de papel no lixo. Hoje mudou. Cada letrinha que se escreve fica gravada para sempre. Tudo estará estocado nalgum banco de dados ultrassecurizado em Utah ou nas redondezas. E lá permanecerá até o dia do Juízo Final.

Weitraub, que não passa de peixinho, está assustado com o peixe graúdo que o nomeou ministro. Tem um medo danado de perder a boquinha. Tratou de dar explicação para mitigar a ofensa feita ao chefe. Disse que está num navio e, sacumé, fica horas sem internet. Pergunto eu: que tem uma coisa a ver com a outra? Caso houvesse internet o tempo todo, Sua Excelência teria se comportado de modo diferente? Essa é muito boa. Atribuir os próprios erros à falta de internet… Só faltava.

Vamos supor que, para economizar, Weintraub tenha dispensado o avião para embarcar num navio cargueiro em direção a Miami, aonde deve chegar daqui a uns 15 dias, se tudo correr bem. Numa embarcação dessas, internet realmente funciona piscando feito vagalume. Mas ninguém acredita que ele esteja num cargueiro filipino. Olhe, minha gente: pra encontrar navio sem internet, hoje em dia, precisa procurar muito. Ou alguém imagina que aqueles imponentes palácios flutuantes que carregam milhares de turistas em cruzeiro pelo Caribe não dispõem de internet?

Mentira tem perna curta. Tenho a impressão de que senhor Weintraub não vai esquentar cadeira no ministério da Educação por mais muito tempo. Quem sabe a Instrução Pública tem agora uma pequena chance de entrar nos trilhos? Não tenho muita esperança, mas tudo é possível. O tempo dirá.

Não fui eu, foi ele!

José Horta Manzano

Doutor Bolsonaro pode dormir tranquilo. Nos dias em que ele estiver cansado de dizer besteira, tem um substituto à altura: é Abraham Weintraub. Olha ele aí de novo, gente! Na competição de asneiras emanadas do Planalto, os dois são astros de primeiríssima grandeza.

Nosso peculiar ministro da Educação é daquelas figuras meteóricas, surgidas de repente não se sabe de onde. Cochilava nas trevas plácidas de alguma pendanga. Chamado por doutor Bolsonaro, há de ter sentido vibrar a fibra messiânica. Despertou, sacudiu a poeira e, desde então, quem se sacode é a nação. Não se passa dia sem que o povo heroico se escandalize com mais uma constrangedora falta de recato que se poderia associar a quem fosse, menos ao guardião da Instrução Pública nacional.

Assim como surgiu sem aviso, como raio em céu azul, há de voltar rapidinho à toca de onde nunca deveria ter saído. Para o bem de todos e júbilo da nação. Enquanto esse dia não vem, senhor Weintraub faz a alegria de jornalistas, comentaristas e analistas. O personagem é fonte inesgotável de asneiras.

A mais nova façanha do homem veio a público ontem, terça-feira. (A menos que algum novo horror já não tenha eclipsado o anerior.) Senhor Weintraub, com a displicência de quem não tem nada a ver com o peixe, já tratou de anunciar que o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), cujo relatório deverá ser anunciado mês que vem, deve classificar o Brasil em último lugar na América Latina. Em último lugar, foi o que ele disse!

Quem tinha esperança de ver nosso país subir na classificação PISA já desistiu há anos. Não é com belos discursos que a Instrução Pública subirá de patamar. Do bolsinho do colete, doutor Weintraub, naturalmente, tira o papelzinho com o nome do culpado: “governos esquerdistas” que vieram ante dele. Não fui eu, foi ele!

Sem querer ser ave agourenta, posso afirmar o que deve ser uma evidência a qualquer cidadão pensante: não é entregando o ministério da Educação a personagens primitivos, grosseiros, toscos e ressentidos como senhor Weintraub que daremos um passo à frente. Estamos acostumados com as profundezas da classificação PISA, elas nos pertencem. E de lá ninguém nos tira. Que diabos!

Segunda língua

José Horta Manzano

Fiquei sabendo estes dias que senhor Abraham Weintraub, nosso peculiar ministro encarregado da Instrução Pública, lançou crítica pesada contra um certo programa Idiomas sem Fronteiras, lançado em 2014 e destinado a permitir a universitários a aquisição de uma língua estrangeira.

Confesso que, até ontem, desconhecia a existência desse programa. A mídia informa que o ministro determinou a descontinuação do projeto por estar ele sendo usado principalmente para «pagar o Teste de Inglês como Língua Estrangeira». Não entendi bem. Certas noções me superam. Devo estar ficando velho. Será que esse teste é tão caro que precisa de um programa governamental pra financiá-lo? Certamente entendi mal.

Pouco importa. Uma coisa entendi: no Brasil, a expressão língua estrangeira é sinônimo de inglês. Não parece haver ninguém se inscrevendo no programa pra «pagar o teste» de alemão, de francês ou de russo, pois não? Nesse ponto, o Brasil me lembra a China. Lá também o inglês é A língua estrangeira. Todos os chineses acreditam que, dominando a língua inglesa, estarão aptos a comunicar-se com o mundo todo. Ficam visivelmente desnorteados quando encontram um estrangeiro que não entende inglês.

Entendi outra coisa também. E esta é mais grave. Entendi que centenas de milhares de jovens – universitários! – precisam de um programa para aprender a primeira língua estrangeira. Isso significa que, no Brasil, a juventude chega à maioridade mergulhada na pobreza do monolinguismo. Será que isso quer dizer que, nestes tempos de internet, viagens internacionais superfacilitadas, intercâmbios accessíveis, companhias aéreas de baixo custo, telefone internacional gratuito (e com imagens!), os brasileirinhos estão condenados a viver dentro dos limites da língua pátria?

É destino cruel e excludente. Reforça a desigualdade social ao permitir que somente os bem-nascidos tenham direito a desabrochar num horizonte multilíngue, aberto para o mundo. Só quem tem dinheiro pode suprir o que a escola não dá. O populacho está irremediavelmente condenado a passar a vinda assistindo a filme dublado ou legendado, a viajar em grupo com direito a intérprete, a não entender nem jornal, nem gibi, nem mesmo letreiro de loja escrito em «estrangeiro». Que horizonte afunilado!

Aprendizado de língua estrangeira deveria ser intensivo e começar nos primeiros anos de escola. Nos tempos de antigamente, quando este blogueiro frequentava as carteiras escolares, aprendíamos latim, francês e inglês. Em escola pública, frise-se. O ensino do latim e do francês começava no primeiro ano de ginásio, que corresponde ao quinto ano de estudos. O inglês era dado a partir do ano seguinte. Dependendo do ano, eram duas, três ou quatro aulas semanais de cada uma dessas línguas. A gente chegava à maioridade, se não dominando o inglês e o francês, pelo menos com muito bons conhecimentos. Por que será que não é mais assim?

Um Lula, uma Dilma e um Bolsonaro são produtos do monolinguismo. Vivem imersos num mundinho fechado, sem abertura para o resto do planeta. Dependem de intérprete pra todas a situações. Sozinhos no estrangeiro, não encontram nem o caminho do banheiro. Se tivessem tido a chance de aprender na escola uma segunda língua, o Brasil seria um país diferente. Pena que não foi assim. Quem sabe, um dia, a coisa muda?

Ispiquingri?

José Horta Manzano

Fosse doutor Bolsonaro dotado de sagacidade em matéria política, a gente até acreditaria ser balão de ensaio, daqueles que a gente solta só pra ver que efeito faz. Mas não. Nosso presidente passou longe da fila da sutileza logo antes de descer à terra no bico da cegonha. Com ele, não há balão de ensaio. O que diz é o que pensa, vem cru e sem tempero. O problema, como bem frisa o Conselheiro Acácio, é que as consequências costumam vir depois. E olhe que vêm mesmo.

A mais recente tirada estapafúrdia do presidente foi o anúncio de sua intenção de nomear um dos bolsonarinhos para chefiar a embaixada do Brasil em Washington. Não é balão de ensaio, acreditem. É o que doutor Bolsonaro pensa, o que ele acha melhor para ele, logo, para o Brasil. Escolheu o filho que, eleito deputado federal em outubro passado, com monumental votação, não tem sido a figura mais assídua do hemiciclo.

Mas os brasileiros podem dormir tranquilos porque, antes de assumir o posto, o bolsonarinho deverá passar pelo crivo do Senado da República. Por pior que sejam os parlamentares da Câmara Alta – e não são tão ruins assim – não deixarão passar esse disparate.

Cego guiando cego
by Frits Ahlefeldt, desenhista dinamarquês

O filho do presidente não é diplomata. Nunca chefiou embaixada, nem consulado. Não foi sequer atendente de guichê de entrega de passaporte. É lícito pensar que não passaria no exame de entrada no Instituto Rio Branco. No de saída, então, nem em sonho. Nossos diplomatas são numerosos e estão entre os profissionais mais bem formados do país. Não faz sentido introduzir um estranho no ninho. Em festa de inhambu, jacu não entra.

A escolha do rebento presidencial para o mais alto posto de nossa diplomacia passa incontestável atestado da falência da Instrução Pública no país e dá prova escancarada do constrangedor monolinguismo nacional: o rapaz conhece bem inglês. Ah, se o rapaz conhece bem inglês, então está em condições de assumir o cargo – é o que imagina doutor Bolsonaro.

Ora, ora… Vejam, senhores: a ignorância nacional em matéria de conhecimento de línguas estrangeiras é tão monumental que o fato de um cidadão arranhar seu inglesinho já lhe dá currículo suficiente pra ser titular da mais importante embaixada que o Brasil mantém.

In terra caecorum monoculus rex.
Em terra de cegos, quem tem um olho é rei.

A que ponto chegamos!

Prisão aos 13 anos

José Horta Manzano

Desde sempre, a legislação francesa tem sido vaga e pantanosa no trato de delinquentes juvenis. Um decreto de 1945, ainda em vigor apesar de inúmeras alterações, proíbe que um jovem infrator seja submetido à justiça dos adultos. Menores de idade serão sempre julgados por tribunal especial e, em caso de condenação, não serão encarcerados em companhia de condenados adultos. Serão objeto de medidas de proteção, de educação ou de reforma.

O decreto de 1945 é vago e impreciso, permitindo que o jovem delinquente seja efetivamente preso em estabelecimento dedicado à juventude. Para coibir abusos, a ministra da Justiça acaba de anunciar novo projeto de lei a ser apresentado pelo governo daqui a dois meses.

A ideia principal é fixar uma idade mínima, abaixo da qual o jovem será considerado inimputável. A idade proposta é de 13 anos. Portanto, caso seja aprovada a nova lei, crianças com menos de 13 anos só poderão ser julgadas (e eventualmente condenadas) com autorização especial emitida pelo Juiz de Menores.

Para delinquentes a partir de 13 anos de idade, nada muda: continuarão a ser enquadrados pela justiça de menores. Não sei se os ativistas do ‘politicamente correto’ já baniram a expressão que estou para usar. Seja como for, uso assim mesmo: eles, que são brancos, que se entendam.

Essa historinha francesa merece ser comparada com a situação brasileira. Enquanto nós discutimos o adiantamento da maioridade penal de 18 para 16 anos, eles propõem que se deixe de julgar menores de 13 anos.

No fundo, adiantar ou atrasar a maioridade penal não resolve o problema da criminalidade. No Brasil, o santo remédio está assentado em dois pilares: a instrução dos cidadãos e a diminuição da desigualdade social. Fora disso, toda reforma será apenas cosmética.

Pacto oligárquico

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José Horta Manzano

O distinto leitor que costuma passear por este modesto blogue por certo entende a frase do ministro. Mas não é o caso de meio Brasil. Metade de nossos conterrâneos, ainda que fizessem o esforço de consultar dicionário pra descobrir o significado de cada palavra, dificilmente conseguiriam captar a concatenação.

Recorde-se que o «exame da Ordem», que todo bacharel em Direito tem de enfrentar se quiser obter o brevê de advogado, expõe a catástrofe da Instrução Pública no país: em média, nove entre dez candidatos são reprovados. Triste Brasil.

Após treze anos de domínio absoluto do lulopetismo ‒ capitaneado por aquele partido que prometia a redenção nacional ‒, o que é que temos? Um terço da população dependendo da bolsa família para sobreviver ‒ e sem perspectiva de sair da miséria. Diplomados da faculdade sendo reprovados no exame de entrada na profissão que escolheram. Sessenta mil homicídios por ano, taxa superior a qualquer país em guerra. A mais profunda recessão que o país já conheceu.

Chega. Não vou repetir aqui a procissão de misérias que nos assolam. Vale apenas constatar que os que nos governaram desde 2002 não entregaram o que haviam prometido. No mínimo, são tratantes. Mas fizeram pior. Além de nos terem vendido gato por lebre, deram forte contribuição para engrossar o tal «pacto oligárquico».

Do grego olígos (pouco) e archía (autoridade, supremacia), a oligarquia designa o domínio exercido por um pequeno grupo. É termo perfeito para exprimir o Estado brasileiro. Pensar que nascimento, vida e morte de duzentos milhões de almas são regulados por um reduzido número de integrantes de nossa nomenklatura! É de dar arrepio!

O ministro mencionou «agentes públicos e privados». Com isso, quis sublinhar que o grupinho oligarca inclui não só políticos, mas grandes empresários. Todos se beneficiam do sistema. A Lava a Jato desmascarou os mais importantes, mas ainda há muita poeira debaixo do tapete.

O sistema é relativamente simples. A oligarquia tem o domínio sobre os cofres públicos. O grosso da população não se dá conta de que aquele tesouro pertence a todos nós. Os poucos que percebem a realidade gritam no deserto ‒ ninguém lhes dá ouvidos. Em consequência, o grupelho lá de cima se sente à vontade pra se servir do tesouro que é de nós todos.

O grão-mestre, que dirigiu a orquestra dos oligarcas durante 13 anos, não foi (nem será) julgado pelo estrago que infligiu aos brasileiros. Como o sanguinário Al Capone, que só pôde ser sentenciado por evasão fiscal, nosso demiurgo foi condenado por uma sombria história de propina materializada por um apartamento. Uma ninharia perto das artes que o homem fez.

Agora, com medo da cadeia, esperneia. Vendo-o condenado por dois tribunais, o brasileiro de bem achou que era o fim da viagem. Só que… agora entra em cena a nomenklatura, a oligarquia. Lá no andar de cima, estão todos incomodados. O acusado é um deles, faz parte do grupo. Se ele cair, os demais estarão em perigo. Uma providência precisa ser tomada.

A decisão que o STF tomará amanhã se anuncia apertada. Nenhuma sondagem de boca de urna é capaz de predizer, neste momento, o resultado. Conseguirá a oligarquia preservar seu domínio? Ou vai abrir-se a brecha que anuncia o esvaziamento da nomenklatura atual?

Seja como for, visto o nível de instrução do brasileiro médio, a oligarquia ainda tem muita lenha pra queimar. Ainda que alguns integrantes caiam em desgraça, logo serão substituídos. E a vida vai seguir.

Consciência Negra

José Horta Manzano

Era uma vez uma cidadezinha que vivia em pé de guerra. Sua população se dividia em três diferentes etnias: havia os vermelhos, os amarelos e os azuis. Cada grupo detestava os outros dois. A repulsa criava um clima de tensão permanente que impossibilitava todo entendimento. Algo tinha de ser feito pra trazer harmonia ao lugar, mas.. o quê?

Um dia, os chefes de cada comunidade se reuniram para debater. Conversa vai, conversa vem, decidiram reunir a população inteira numa praça e, todos juntos, fazer uma oração ao Altíssimo pedindo iluminação. No dia marcado, todos estavam lá. Rezaram juntos.

Ao cabo de alguns minutos, o milagre se fez. Ouviu-se um estrondo, seguido de um nevoeiro espesso que, por um instante, ocultou a luz do sol. Dissipada a neblina, os habitantes se entreolharam espantados: tinham-se tornado todos verdes.

Passado o primeiro momento de estupor, ouviu-se a voz enérgica de um respeitado cidadão: «Vamos, gente! Os verdes-claros deste lado, os verdes-escuros do outro!».

Sob aparência ingênua, essa fábula encerra uma realidade universal: o sentimento de pertencimento a determinada categoria. Toda sociedade tem seu saco de pancada. A discriminação pode se exprimir por razão de raça, de religião, de nacionalidade, de convicção política, de orientação sexual.

Nenhum agrupamento humano, em nenhuma época, escapa a esse vezo. Poloneses não gostam de judeus. Chineses desconfiam de japoneses. Norte-irlandeses católicos e protestantes se estranham. Italianos do norte olham torto para italianos do sul. Homossexuais são reprimidos no Irã. Muçulmanos são perseguidos na Birmânia. Cristãos são atacados no Egito. Catalães independentistas e unionistas não se falam mais. E assim vai a vida.

Neste 20 de novembro, muitos municípios brasileiros param de trabalhar para celebrar o Dia da Consciência Negra, feriado instituído em data relativamente recente. O (louvável) propósito do legislador foi de sacudir os espíritos e esfregar-lhes na cara a realidade brasileira: pretos, mulatos, pardos, cafuzos e outros não-brancos tendem a ser discriminados. A intenção foi boa, mas duvido que dê o resultado esperado.

Para começar, acredito que a discriminação no Brasil seja muito mais sócio-econômica que racial. A prova é que um negro abastado e culto tende a ser mais bem aceito que um branco maltrapilho e ignorante. Está aí doutor Joaquim Barbosa para não me deixar mentir.

Para concluir, parece-me que, em vez de propor um dia de folga ‒ que pouco contribui para elevar o nível de consciência da população ‒, melhor seria calcular o PIB gerado nesse dia e investi-lo inteiramente no aprimoramento da Instrução Pública. O melhor antídoto contra a intolerância entre grupos sociais é a cultura.

Reforma da Previdência

José Horta Manzano

O grau de avanço de uma sociedade se mede pela proteção que ela oferece a seus membros mais frágeis. É tarefa de Estados organizados patrocinar serviços básicos. Cabe ao Estado proporcionar instrução pública, formação profissional, saúde pública, defesa do território, segurança pública. A lista não é exaustiva. Todas essas atribuições são, naturalmente, financiadas pela contribuição de todos através dos impostos.

Oferecer proteção aos que já não têm condições de ganhar o pão quotidiano pelos próprios meios é conceito relativamente recente. De fato, quando a grande maioria da população vivia da agricultura, o problema praticamente não existia. Na sociedade rural, famílias eram grandes, com duas ou três gerações debaixo do mesmo teto. A solidariedade familiar supria a incapacidade de sustento dos membros inválidos. Toda família tinha «agregados», «filhos de criação» e outras figuras hoje raras. Eram parentes ou conhecidos sem meios de sobrevivência.

A industrialização do país e a urbanização da população redistribuíram as cartas. Famílias diminuíram de tamanho. A solidariedade para com chegados e agregados se esgarçou. O Estado viu-se na obrigação de garantir amparo aos que, em virtude de idade avançada ou de saúde debilitada, já não podem prover ao próprio sustento.

Nas décadas de 1930 e 1940, grande parte dos países puseram de pé um sistema de arrimo para cidadãos que chegassem à velhice. O Brasil não foi exceção. Refletindo a sociedade da época, nossas regras levaram em conta que a expectativa de vida do cidadão girava por volta de 50 anos. Nos últimos 75 anos, muita coisa mudou. Avanços na medicina e nos cuidados alongaram a expectativa de vida. Projeções indicam que a humanidade tende a ter vida cada vez mais longa. Apesar das transformações, nenhum governo teve a ousadia de meter a mão nesse vespeiro. Nossas regras de aposentadoria não foram alteradas. Cada um empurrou a batata quente para o seguinte. Estacionamos num mundo simpático, mas distante da realidade.

Pirâmide etária do Brasil ‒ 1980, 2020, 2050
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A diminuição do número de jovens e o aumento de cidadãos idosos contribuem para a defasagem do sistema. Os problemas de financiamento foram se avolumando e chegaram a um ponto crítico. A continuar do jeito que está, o país perderá toda capacidade de investimento: a totalidade do dinheiro disponível será destinada a cobrir o rombo da Previdência.

O governo atual, com um presidente sem intenção de se recandidatar, decidiu peitar profunda reforma na Previdência. A atitude é louvável e necessária. Dado que o problema não foi enfrentado durante décadas, o salto é muito grande e tem assustado o povo e seus representantes.

A resistência da sociedade é forte, no entanto, queira-se ou não, o sistema terá de ser atualizado. Se não for agora, será no mês que vem ou no ano próximo. Não se pode mais esperar, que a situação é grave. Mais razoável seria fixar a meta que se quer atingir e, em seguida, escalonar as etapas, paulatinamente, sobre, digamos, um decênio. De chofre, como se está propondo, é paralelepípedo duro de engolir. Com ou sem apoio de base aliada, com ou sem apoio de oposição, alguma reforma, ainda que mínima, tem de ser feita. Melhor começar logo.

Aviso aos senhores deputados e senadores
Só entram para a história os que têm a coragem de enfrentar desafios. Os acomodados acabam tragados pelo esquecimento.

Os limites do sistema

José Horta Manzano

Quando foi instituído, o sistema dito «de cotas» para admissão em escola de ensino «superior» veio com roupagem de justiça social. Mesmo travestida de obra de reparação de iniquidades seculares, a introdução do sistema ratificou o fracasso da Instrução Pública elementar e média.

Alfabeto 3No meu entender, forçar o acesso de estudantes à faculdade não é a melhor solução. A ênfase tem de ser dada ao ensino básico. Lacunas de aprendizado escolar não serão colmatadas no ciclo universitário. Quem chega ao curso superior sem base suficiente enfrentará dificuldades praticamente insuperáveis.

Escolas básicas, há. Algumas são públicas (sustentadas com o dinheiro de todos os contribuintes) e outras, particulares (sustentadas diretamente pelos frequentadores). O divisor de águas, a diferença mais notável entre as duas é a qualidade do ensino. Esse é o desnível que tem de ser corrigido.

Financiada pelo erário, a escola pública tem, em teoria, recursos financeiros mais amplos que as particulares. A Pátria Educadora trazia ares de ser um bom começo. Pena que não tenha passado de slogan ‒ bombástico mas vazio, como tantos outros.

AnalfabetoSe o nível de ensino nos estabelecimentos públicos é sofrível a ponto de não habilitar os que a frequentam a enfrentar ensino mais avançado, a culpa não se há de atribuir à «raça» dos aluninhos, mas ao desleixo com que autoridades tratam da Educação Nacional.

O sistema começa a dar mostras de esgotamento. Por absurdo que possa parecer, o futuro aponta para o dia, que está para chegar, em que se terá de fixar teto para alunos cotistas. De fato, os «cotistas» já são a maioria dos matriculados nas 63 universidades federais. De cada dois estudantes, um é cotista. E a porcentagem tende a crescer. Todos concordam que não faz sentido manter cotas para a maioria dos estudantes.

A continuar assim, a prática logo terá de ser invertida. Cotas mínimas terão de ser reservadas para loiros de olhos azuis & assemelhados, atualmente excluídos de contingentes raciais e de ações afirmativas. Artigo do Estadão mostra os limites do sistema atual.

Frase do dia — 313

«A política educacional só tomará o rumo necessário se o populismo for abandonado e a qualidade, revalorizada. Perdeu-se tempo alargando as portas de ingresso em faculdades, enquanto se desprezava a boa formação fundamental e média.

A exigência de boa formação em linguagem, matemática e ciências foi rotulada como preconceito elitista, como se nos países mais capazes de competir e de gerar bons empregos a educação fosse tratada com populismo e descuido. A recriação de um país próspero vai dar muito mais trabalho que a mera reativação da economia.»

Rolf Kuntz, jornalista, em artigo publicado pelo Estadão, 14 ago 2016.

Curso superior

José Horta Manzano

Um jovem deputado federal pelo Estado de Tocantins apresentou uma PEC ‒ Proposta de Emenda à Constituição. O moço, cuja mãe foi ministra de dona Dilma, propõe que cidadãos sem diploma universitário sejam proibidos de se candidatar a cargo político eletivo. Dito assim, o anseio soa exótico e dá que pensar. Como sói acontecer, a proposta tem um lado positivo e outro menos. Vamos analisar.

Em teoria, o novo dispositivo eliminaria candidaturas extravagantes de gente que, embora popular, pode não dispor da instrução mínima que cargo público requer. Palhaços, estilistas, bispos e outros perfis incomuns seriam eliminados da vida política. O próprio Lula nunca teria abandonado o ofício de orador profissional de porta de fábrica. Nesse particular, talvez até tivesse sido bom para o país. Infelizmente, não se refaz a História.

Estudante 3Por seu lado, a exigência de diploma de curso superior traria de volta relentos de um passado que temos procurado modificar. Nos tempos do império, só podiam votar e ser eleitos cidadãos que atingissem determinado nível de renda. Era o que se chamava voto censitário. Barreira entre universitários e os demais se aparenta perigosamente com o ultrapassado antagonismo entre endinheirados e remediados. Não passa de atualização da oposição «nós & eles», negação gritante do espírito republicano.

A meu ver, a PEC do deputado enfrenta o estigma da ignorância com armas inadequadas. Investir em Instrução Pública de qualidade é o caminho mais apropriado. O cidadão instruído e bem formado terá melhores condições de discernir entre os bons e os maus candidatos. Diploma não é garantia de probidade, de inteligência, de cultura nem de boas intenções.

Proibir candidaturas por critério de escolaridade é aplicar emplastro em perna de pau. Quem vota são os cidadãos, portanto, mais vale trabalhar para elevar o nível de discernimento dos que elegem.

Interligne 18c

Estudante 1Observação
Como é costume, o deputado junta à proposta de emenda um arrazoado com as justificativas do projeto. Engana-se quem imagina que o nível universitário do parlamentar seja garantia de boa escrita. Veja este trecho:

«Hoje, verificamos que muitos membros do Poder Legislativo possuem(1), inclusive(2), dificuldade de leitura, o que impede que os membros(3) atuem de modo efetivo nas(4) suas funções constitucionais, na medida em que(5) o exercício de tais funções(6) torna-se cada vez mais complexo e dependente de conhecimentos específicos.»

(1) O verbo possuir não é intercambiável com o verbo ter em todos os casos. Pode-se possuir um bem ou um objeto, mas não se pode «possuir dificuldade». Tem-se dificuldade.

(2) O inclusive sobra. Sem essa palavra, a frase fica mais leve e dá a mesma mensagem.

(3) Recomenda-se evitar a repetição de termos na mesma frase. Essa segunda menção a os membros é inútil e supérflua.

(4) Atuar de modo efetivo é volteio longo e desnecessário. O verbo cumprir substitui com vantagem.

(5) A locução é na medida que, sem o em.

(6) De novo, uma repetição desnecessária. De tais funções sobra.

Beca 1Reescrevendo, fica assim:
«Hoje, verificamos que muitos membros do Poder Legislativo têm dificuldade de leitura, o que impede que cumpram suas funções constitucionais, visto que o exercício se torna cada vez mais complexo e dependente de conhecimentos específicos.»

Como dizem os franceses, «il faut d’abord balayer devant sa porte» ‒ precisa primeiro varrer a própria calçada. Temos um ditado equivalente: quem tem telhado de vidro não atira pedra no do vizinho

Os avaliadores

José Horta Manzano

O Estadão noticiou que a correção das provas de redação da última edição do Enem ― Exame Nacional do Ensino Médio ― pôs em evidência a incompetência de alguns avaliadores. Eram gente que já tinha sido aprovada em primeira instância.

«Alguns avaliadores» é eufemismo meu. Foram 845(!) indivíduos de um total de 7121. Parece pouco? Pois são 12% dos contratados. Ainda parece pouco? Pois vale dizer que um em cada oito corretores é incompetente.

Estudante 2Segundo a reportagem, os contratados são submetidos a reavaliação permanente, razão pela qual tem sido possível separar o joio do trigo e, assim, apontar e eliminar os incapazes.

Como diz o outro, o buraco é bem mais profundo. A detecção de revisores ineptos não deveria ser confiada a processo permanente de reavaliação. A correta avaliação é incumbência dos selecionadores ― é lá que se situa a falha. Não é aceitável que, em oito corretores admitidos, um seja incapaz. Isso prova que a peneira está furada.

Para o concursando mal avaliado, as consequências podem ser graves. Maus corretores tanto podem reprovar bons candidatos, quanto podem deixar passar ― como já aconteceu ― gente que insere na redação receita de macarrão instantâneo ou hino de clube de futebol.

A retribuição de 3,61 reais por redação não permite ao corretor dedicar mais que uns poucos minutos a cada texto. Barbaridades tendem a passar despercebidas ― é inevitável.

ExameUma amiga minha, professora de uma faculdade cujo nome prefiro não citar, contava-me outro dia que já foi convidada a ser avaliadora da prova de redação do exame vestibular. Dona de grande honestidade intelectual, a moça preferiu declinar da oferta por não ser especialista no ramo. Ficou sabendo depois que a paga proposta aos corretores era de 1 real (unzinho só!) por prova.

Muitos aceitaram. Entre eles, houve que ficasse sem comer e ser dormir a fim de sapecar seu jamegão no maior número possível de textos. O distinto leitor fará, por si mesmo, ideia da qualidade do trabalho de avaliação. Assim como o demagógico «Mais Médicos» não resolveu o problema da Saúde Pública, nem um hipotético «Mais Escolas» ou, sabe-se lá, um «Mais Avaliadores» resolveriam, sozinhos, o problema da Instrução Nacional.

Só uma ação conjunta, planejada, bem arquitetada, bem executada, abrangente, lenta, gradual, segura e definitiva poderá tirar o Brasil do atraso cultural em que se encontra há 500 anos. Depende de cada um de nós e… dos que vierem depois.

#Tevecopa

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 4 jul° 2014

Teve Copa, sim, senhores. Contradizendo pessimistas, o megaevento fez sucesso estrondoso. Como escrevo antes das quartas de final, não sei se a Seleção terá avançado ou tropeçado. De todo modo, o que interessa mesmo são os efeitos colaterais e o legado. Nossas autoridades, quando aceitaram organizar o campeonato, tinham objetivo ambicioso e múltiplo.

No plano interno, o torneio congregaria duzentos milhões em ação num só brado: «pra frente, Brasil, salve a Seleção». Seria a prova maior da concórdia e do contentamento do povo brasileiro ― a consagração lógica e brilhante destes anos de obstinado marketing. A magnificência do espetáculo havia de satisfazer aos apetites mais exigentes. O crédito de simpatia do mandarinato só poderia crescer.

No plano externo, a fabulosa exposição midiática seria o vetor da afirmação do Brasil-potência. Alto e bom som, ecoaria no planeta a prova da inserção definitiva de nosso país no restrito clube do Primeiro Mundo. Membro de carimbo e carteirinha, faz favor!

Teve Copa, sim, senhores. E foi um sucesso! Por irrisórios 25 bilhões, temos agora uma dúzia de soberbos estádios de futebol, dois deles estrategicamente plantados na Amazônia Legal. É inacreditável relembrar que o País tinha chegado ao século 21 sem essas imprescindíveis «arenas». O espírito visionário de nossos dirigentes preencheu a lacuna.

Bandeira Brasil 1É verdade que a Copa poderia ter servido de incentivo ao aprendizado de línguas. Afinal, centenas de milhares de turistas forasteiros foram recebidos por um povo monoglota. É pena ninguém ter pensado em planejar esse detalhe. Tem nada, não. Fica pra próxima. Não se pode cuidar de tudo ao mesmo tempo.

É verdade que nosso padrão de Instrução Pública continua baixo. Nos grotões, o ensino é ministrado em condições africanas. Mas isso é ninharia. Não se pode cuidar de tudo ao mesmo tempo. Dispositivo impressionante foi preparado para cuidar da saúde de atletas. Equipes médicas paramentadas, macas padrão Fifa, helicópteros para emergências. Os esportistas socorridos encontraram atendimento de primeira linha, rápido, eficaz.

É verdade que nossos hospitais públicos ainda não atingiram tal grau de excelência. Mas isso é mixaria, problema antigo que pode esperar. Não dá pra resolver tudo ao mesmo tempo.

Até linhas aéreas se esforçaram. Não houve greve. Atrasos estiveram abaixo do habitual. Atletas boquiabertos cruzaram os céus sem um pio de reclamação.

Crédito: Guilherme Bandeira www.olhaquemaneiro.com.br

Crédito: Guilherme Bandeira
http://www.olhaquemaneiro.com.br

É verdade que o transporte urbano dos brasileiros comuns continua caótico, caro, raro, desconfortável, lento, inseguro. Diante da grandiosidade da organização da Copa, porém, isso é bagatela. Metrô? Pura babaquice.

Last but not least, a projeção do País no exterior. Nas muitas décadas que tenho vivido expatriado, posso garantir que jamais o Brasil tinha sido alvo de exposição midiática de tal magnitude.

Até nos rincões da Mongólia e da Birmânia, sabe-se hoje que nosso país tem estádios magníficos. Sabe-se também que nossa terra tem sol e calor. Muitos se arrependem de não ter planejado uma viagem ao Brasil durante a Copa. Agora é tarde.

Visitar o País depois? Visitar o quê? A novidade mostrada foram só os estádios. Fora isso, a exposição midiática serviu para reforçar conhecidos clichês. Repórteres repisaram os horrores de sempre: prisões superlotadas, violência urbana, desigualdade social, gente hospitalizada em corredores, prostituição, carestia. Coisa de frear os ímpetos do turista ajuizado.

Uma detalhe pouco divulgado: teve Copa, sim, mas não para todos os brasileiros. Cerca de um milhão de conterrâneos ainda não dispõem de energia elétrica. Como no século 19, vivem nas trevas ― no próprio e no figurado.

No exterior, muitos me perguntam por que a presidente do Brasil não assiste aos jogos nem mesmo quando chefes de Estado estrangeiros estão presentes. Nessas horas, desconverso.

Copa 14 logo 2Na conta de perdas e danos, o resultado da «Copa das Copas» terá sido neutro. O brasileiro agora tem estádios esplêndidos, mas as mazelas do dia a dia continuam como dantes. O resto do mundo encharcou-se de ouvir e ler sobre o Brasil, mas nossa imagem não mudou: Carnaval, malemolência, criminalidade, anarquia perduram no imaginário forasteiro. Nossa ineficiência ficou patente.

Perdemos excepcional ocasião de melhorar a vida dos habitantes e de soerguer a imagem do Brasil. Fica para quando der. E vamos torcer para que, na próxima Copa, a Fifa nos conceda os segundos que faltam para a execução decente do Hino Nacional. O povo brasileiro, desde já, agradece.

A causa e a consequência

José Horta Manzano

Inaugurar uma plataforma de petróleo inacabada é mais vistoso que implantar uma dúzia de escolas elementares. Se a plataforma vai funcionar amanhã, pouco importa ― ninguém vai conferir. O que fica são as imagens, os discursos, a impressão de grandiosidade. É o que conta.

Por uma dessas ironias armadas pelo acaso, a Folha de São Paulo online de 16 fev° 2014 estampou na primeira página, empilhadas, duas chamadas conflitantes. Eu disse conflitantes? Talvez seja melhor dizer que uma explica a outra.

Folha de SP - 16 fev° 2014

O primeiro artigo explica, com riqueza de números e porcentagens, que o governo tem gastado mais do que pode. Como dinheiro não é extensível, o que se gasta aqui vai fatalmente faltar ali. Mas disso já estávamos todos sabendo, não carecia escrever mais uma reportagem.

A novidade é a decisão que está pintando no horizonte: para cortar despesas, o orçamento da Instrução Pública será podado. A desvalida Educação nacional verá minguar suas alocações. Investir no ensino não dá frutos nem votos imediatos. Portanto, não resolve o problema de quem quer se perpetuar no poder. Quando o interesse pessoal de cada eleito passa à frente da responsabilidade que lhe foi confiada, não sobra alternativa: o resultado tem de ser aqui e agora. Toda a verba disponível será usada em empreendimentos de resultado rápido e ofuscante.

O segundo artigo é triste consequência do primeiro. Deixa claro o fracasso do programa Ciência sem Fronteiras, aliás, uma das raras boas iniciativas do atual governo no âmbito da Educação. A aplicação do programa, infelizmente, está-se revelando problemática pela notória falta de conhecimentos de língua inglesa que caracteriza nossos estudantes. E olhe que não estamos falando de crianças de escola primária, mas de universitários.

É desanimador constatar a que ponto nossos dirigentes são vesgos. Os bilhões enterrados na “Copa das copas” surtiriam efeitos muito mais úteis se tivessem sido investidos no aprimoramento da Instrução Pública. Não dariam votos, mas dariam futuro.

Como se sabe, o fruto não costuma cair muito longe da árvore. Dirigentes incultos não conseguem senão tomar decisões ignorantes. Quando a ganância, a má-fé e o imediatismo se somam à incompetência, aí então o resultado é desastroso.

Tão cedo, não tem jeito.