Recordar é viver ― 8

José Horta Manzano

Dez anos atrás, em artigo publicado na edição de 21 maio 2009, a britânica The Economist descrevia nosso Supremo Tribunal Federal da seguinte maneira:

«Brazil’s Supreme Federal Tribunal is the most overburdened court in the world, thanks to a plethora of rights and privileges entrenched in the country’s 1988 constitution. (…) The result is a court that is overstretched to the point of mutiny.»

«O STF brasileiro é o tribunal mais sobrecarregado do mundo, em virtude da superabundância de direitos e privilégios enxertados na Constituição de 1988. (…) O stress exagerado gera ambiente próximo do amotinamento.»

by John Collins (1917-2007), desenhista canadense

Dez anos se passaram. Em vez de acalmar, o ambiente esquentou. Comparadas com os insultos que se ouvem no STF atual, as alfinetadas mútuas que se aplicavam Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes dão saudade. Pareciam crianças mostrando a língua.

País incomum

José Horta Manzano

O Brasil é um país incomum. Já começou quando a terra descoberta por Cabral foi recortada em mal definidos pedaços de território doados aos amigos do rei. Pecado não é, mas não deixa de ser curioso, um curioso começo.

A proclamação da independência reforçou o desvio da norma. Quem mandou a metrópole às favas e se sentou no trono da colônia tornada país foi… o próprio filho do rei, um golpe em família. Não é comum que um Estado comece sua vida independente dessa maneira. Pecado não é, mas não deixa de ser curioso.

A destituição de nosso imperador e a introdução ‒ à força ‒ do regime republicano foi protagonizada por um general do Exército conhecido por… suas ideias monárquicas. Não é comum. Pecado não é, mas não deixa de ser curioso.

E assim, de curiosidade em curiosidade, chegamos aos dias de hoje. Baciadas de contradições poderiam ser mencionadas, que nossa história está repleta de esquisitices. Mas vamos nos focalizar na disputa eleitoral que se aproxima.

Mais especificamente, gostaria de citar doutor Joaquim Barbosa, aquele que, embora jure que ainda está refletindo, é sabidamente candidatíssimo à presidência da República. O rosto do jurista que já presidiu o STF é conhecido. Forte exposição na época do mensalão se encarregou de cristalizar na população a imagem pouco comum de um homem negro circulando pelas altas esferas da República.

Se lhe conhecem o rosto, no entanto, os brasileiros não lhe conhecem as propostas. Pouco importa: pesquisas de intenção de voto já dão como certo que estará no segundo turno. Mencionei ontem uma que lhe garante a vitória final! Como é possível declarar voto num (suposto) candidato cujas ideias são desconhecidas?

Acho que sei como é possível. Fato é que os brasileiros, exaustos de ver seus impostos sendo rapinados, estão prontos a dar o voto ao primeiro que aparecer, desde que o candidato pareça honesto.

A honestidade, sem dúvida, é qualidade essencial. Mas não é a única. É temerário escolher candidato por esse único critério. Só pra refrescar a memória, o lulopetismo chegou ao poder justamente com o discurso da honestidade e a promessa de não mexer no que estava dando certo, não foi? Pois deu no que deu.

O Brasil é um país incomum, sem dúvida, mas votar num candidato sem conhecer suas intenções é um bocado arriscado. Não precisa exagerar.

Programa vazio

José Horta Manzano

Fico impressionado com a desenvoltura com que cidadãos se apresentam como candidatos ao mais alto cargo do Executivo. Não passa uma semana sem que novo nome venha se juntar à lista de «presidenciáveis». Justiça seja feita, alguns nomes são lançados ao vento à revelia do interessado principal. É o caso do juiz Sergio Moro. Embora o homem já tenha declarado que não se candidatará, seu nome continua aparecendo em dez em cada dez pesquisas.

Entre os possíveis candidatos, estão as incontornáveis velhas raposas da política coronelista, um antigo ministro do STF, um apresentador de tevê, um militar reformado, um antigo presidente da República, um governador de estado, um prefeito de capital, sem contar deputados e senadores pouco expressivos. Alguns juram de pés juntos que não se apresentarão. Outros preferem não confirmar nem negar, muito pelo contrário.

O que me deixa perplexo é que nenhum deles trouxe a público um programa de governo completo e coerente. Como sabe o distinto leitor, em nossa República, o presidente tem atribuição dupla: é, ao mesmo tempo, chefe de Estado e chefe do governo. Entre suas atribuições está, portanto, imprimir as diretivas mestras à condução da política nacional. O rumo do país depende, em larga medida, de sua visão.

Dirigir os destinos de duzentos milhões de compatriotas não é algo que se improvise. É atividade que demanda preparação minuciosa, planos apurados, projetos bem estruturados. No entanto, não é o que se vê entre os pré-candidatos. Passam o tempo a criticar-se mutuamente. Juntam-se todos para atirar pedras no governante atual. Essa é a parte fácil. Do mais difícil, que é mostrar seu programa de governo, esquivam-se todos. Lançam uma ideia aqui, outra acolá, mas não passa disso.

by Angel Boligán Corbo (1965-), desenhista cubano

Nas pesquisas, ouve-se que doutor Joaquim Barbosa subiu, que doutor Luciano Huck tem chances, que doutor Ciro Gomes isso, que o Lula aquilo, que doutora Marina sei lá mais o quê. São apenas palavras jogadas no ventilador. Qual é o programa de cada um desses personagens? Caso sejam eleitos, que pretendem fazer? Quando tiverem tomado posse do trono, qual será o passo seguinte?

Enquanto presidentes e outros dirigentes continuarem a ser eleitos sem programa claro e definido, apoiados apenas por marketing e slogans, não há esperança de escolhermos gente séria, competente e bem-intencionada.

Consciência Negra

José Horta Manzano

Era uma vez uma cidadezinha que vivia em pé de guerra. Sua população se dividia em três diferentes etnias: havia os vermelhos, os amarelos e os azuis. Cada grupo detestava os outros dois. A repulsa criava um clima de tensão permanente que impossibilitava todo entendimento. Algo tinha de ser feito pra trazer harmonia ao lugar, mas.. o quê?

Um dia, os chefes de cada comunidade se reuniram para debater. Conversa vai, conversa vem, decidiram reunir a população inteira numa praça e, todos juntos, fazer uma oração ao Altíssimo pedindo iluminação. No dia marcado, todos estavam lá. Rezaram juntos.

Ao cabo de alguns minutos, o milagre se fez. Ouviu-se um estrondo, seguido de um nevoeiro espesso que, por um instante, ocultou a luz do sol. Dissipada a neblina, os habitantes se entreolharam espantados: tinham-se tornado todos verdes.

Passado o primeiro momento de estupor, ouviu-se a voz enérgica de um respeitado cidadão: «Vamos, gente! Os verdes-claros deste lado, os verdes-escuros do outro!».

Sob aparência ingênua, essa fábula encerra uma realidade universal: o sentimento de pertencimento a determinada categoria. Toda sociedade tem seu saco de pancada. A discriminação pode se exprimir por razão de raça, de religião, de nacionalidade, de convicção política, de orientação sexual.

Nenhum agrupamento humano, em nenhuma época, escapa a esse vezo. Poloneses não gostam de judeus. Chineses desconfiam de japoneses. Norte-irlandeses católicos e protestantes se estranham. Italianos do norte olham torto para italianos do sul. Homossexuais são reprimidos no Irã. Muçulmanos são perseguidos na Birmânia. Cristãos são atacados no Egito. Catalães independentistas e unionistas não se falam mais. E assim vai a vida.

Neste 20 de novembro, muitos municípios brasileiros param de trabalhar para celebrar o Dia da Consciência Negra, feriado instituído em data relativamente recente. O (louvável) propósito do legislador foi de sacudir os espíritos e esfregar-lhes na cara a realidade brasileira: pretos, mulatos, pardos, cafuzos e outros não-brancos tendem a ser discriminados. A intenção foi boa, mas duvido que dê o resultado esperado.

Para começar, acredito que a discriminação no Brasil seja muito mais sócio-econômica que racial. A prova é que um negro abastado e culto tende a ser mais bem aceito que um branco maltrapilho e ignorante. Está aí doutor Joaquim Barbosa para não me deixar mentir.

Para concluir, parece-me que, em vez de propor um dia de folga ‒ que pouco contribui para elevar o nível de consciência da população ‒, melhor seria calcular o PIB gerado nesse dia e investi-lo inteiramente no aprimoramento da Instrução Pública. O melhor antídoto contra a intolerância entre grupos sociais é a cultura.

Blá-blá-blá ‒ 2

José Horta Manzano

Chamada da Folha de São Paulo, 1° dez° 2016

Chamada da Folha de São Paulo, 1° dez° 2016

«Prophète de malheur» ‒ profeta de infelicidade, dizem os franceses quando alguém se põe a predizer acontecimentos funestos. Sua Excelência o ministro Barbosa, que já presidiu o STF e é poliglota, deve conhecer a expressão.

Perdeu excelente ocasião de ficar calado. O homem já fez o que devia fazer, já deu sua contribuição. Foi-se embora porque quis, era direito seu. Agora, chega. Se quiser dizer algo de construtivo, que o faça. Para bancar o urubu, não precisamos de ninguém.

O atual governo federal está longe de ser o melhor que já tivemos, mas… é o que temos. Mais vale evitar sabotá-lo.

Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Meu Deus! Devo estar ficando louca! Não há como considerar normal que uma pessoa consiga compreender e lançar olhar compassivo aos dois lados de uma disputa, sem se posicionar automaticamente em cima do muro ou como defensora enrustida e hipócrita de uma das partes.

Vejo como verdadeiras certas afirmações de Dilma e de integrantes de seu partido, de sua base aliada e de seu governo, assim como constato que muitas pessoas engajadas na luta para derrubá-los estão também dizendo a verdade. É verdade que o golpe militar de 64 começou com uma passeata de 100 mil pessoas protestando contra o caos e a corrupção. Também é verdade que ela pagou um preço alto por ter participado da luta pela reconstrução democrática, mas isso não serve – ou não deveria servir – de salvo-conduto para isentá-la de punição por eventuais transgressões. A bem da verdade, dói-me que políticos que já militaram em grupos de esquerda apoiem medidas insanas ao chegar ao poder, como o controle social da mídia ou o sequestro da poupança nacional, como tentou Dilma e o fez Zélia, apenas porque sentem que já pagaram “pedágio” a governos autoritários. Não fui torturada nos porões do regime, mas talvez meus ouvidos o estejam sendo agora, e de forma mais insidiosa, por me saber livre para pensar e chegar a conclusões próprias.

Zélia Cardoso de Mello & Dilma Vana Rousseff

Zélia Cardoso de Mello & Dilma Vana Rousseff

Reprovo certas atitudes espetaculosas de Moro, da mesma forma que me sinto profundamente desconfortável com a desfaçatez e a pretensa superioridade moral de Gilmar Mendes, de Teori e de Rodrigo Janot. A coragem de Joaquim Barbosa para dar nome aos bois me fascinava, ainda que me incomodasse por sua rispidez, da mesma forma que me inquieta sobremaneira a leveza e despreocupação ética do atual presidente do STF.

Acho legítimo que a Globo, que sabidamente apoiou a ditadura militar e distorceu informes jornalísticos para ocultar sua conivência com ela, mude historicamente de posição e utilize agora seu vasto poderio de comunicação para divulgar os sucessivos escândalos políticos, como de resto o fazem todos os demais órgãos de imprensa, com um grau semelhante tanto de imparcialidade quanto de espetacularização.

Marcha da Família com Deus pela Liberdade São Paulo, 19 março 1964

Marcha da Família com Deus pela Liberdade
São Paulo, 19 março 1964

Solidarizo-me com quem se sente enganado, traído por seus governantes, exausto de ser espoliado e sai às ruas clamando por transformação urgente, sem que forçosamente tenha de chamá-los de fascistas ou sugerir que eles aceitam servir gostosa e irracionalmente de massa de manobra para golpes contra a democracia. Acolho em meu peito a raiva e a frustração das pessoas que vêm militando há décadas ao lado do partido governante para implementar certos avanços sociais, sem me sentir obrigada a tachá-las de cegas, canalhas, corruptas ou inimigas do povo brasileiro.

Condeno veemente as manobras de Cunha, tanto para acelerar o processo de impeachment de Dilma quanto para evitar sua própria cassação. Não aceito que Renan se faça de desentendido, repetindo o discurso de Dilma sem se dar sequer ao trabalho de disfarçar o desejo de salvar a própria pele. Considero vergonhoso e humilhante que políticos enlameados até a raiz dos cabelos, como Maluf e Collor, posem de estadistas e ganhem assento na comissão que vai julgar o atual desgoverno. Jamais apoiaria um governo Temer construído à revelia dos anseios da população, em aliança com o PSDB ou outros partidos oportunistas de oposição, simplesmente por achar que ele seria um mal menor.

Não entendo, por mais que me esforce, o que significa ser de esquerda ou de direita no mundo atual, que dirá no Brasil. Não posso acreditar que uma seja detentora da verdadeira consciência social e outra composta só por uma elite nojenta, desprovida de valores éticos, já que suas práticas de governo se têm mostrado indistinguíveis. Não sei o que é ser elite, nem o que é ser povo, quando se empresta apressada e generalizadamente a ambos o caráter de alienação.

Fernando Collor de Mello & Paulo Salim Maluf

Fernando Collor de Mello & Paulo Salim Maluf

Também não compreendo porque artistas do peso de um Chico Buarque, Caetano Veloso ou Gilberto Gil devam ser xingados, perseguidos e difamados simplesmente porque ousam manifestar suas crenças livremente, mesmo que anteriormente tenham se manifestado a favor de ditadores ou da censura a biografias não autorizadas. Posso lamentar, talvez, que sua sensibilidade poética não tenha se espraiado para uma visão de mundo mais de acordo com a minha ou a dos que protestam nas ruas, mas me parece impossível negar sua capacidade de discernimento.

Sou mulher, profissional liberal aposentada, de terceira idade. Nunca me senti representada por Dilma só porque ela também é mulher. Embora tenha acreditado lá atrás no tempo que as mulheres fossem portadoras de maior capacidade de gerir, servir, cuidar e amar, não foi isso que constatei ao analisar a vida e o governo de Indira Gandhi, Margareth Thatcher ou Cristina Kirchner. Não me parece lógico, portanto, me aliar irrefletidamente a qualquer uma que prometa um mundo mais igualitário, generoso e includente só por ter dois cromossomos X.

Da mesma forma, abri as portas de minha carreira profissional, enfrentando um mundo masculino organizado, poderoso e discriminador. Nunca me senti menos inteligente, menos capaz de suportar pressões nem menos sensível às demandas da realidade. Nunca busquei proteção ou defesa em meus chefes e colegas masculinos quando acusada de estar exagerando ou emocionalmente desequilibrada por estar sujeita à flutuação hormonal típica do gênero feminino, assim como não fui chorar no banheiro nessas ocasiões.

Indira Gandhi & Margaret Thatcher

Indira Gandhi & Margaret Thatcher

Respirei fundo quando fui excluída do mercado de trabalho por causa de minha idade, por compreender que a reciclagem da mão de obra é natural e desejável. Reuni as forças que me sobravam para encontrar um trabalho que ainda pudesse ser considerado útil pelas empresas e capaz de acrescentar um pouco mais de dignidade à minha vida de aposentada.

Sou exceção? Talvez. Numa curva estatística de distribuição normal, devo ser. Mas, se o critério for o de condições intelectuais, psicológicas ou morais para assumir que em casa onde falta pão todo mundo grita e ninguém tem razão, devo estar absolutamente dentro da média da população. Tenho dito.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

O cabinho de pera

José Horta Manzano

Pera 1Quando querem dizer que um indivíduo “se acha”, os franceses dizem que ele «ne se prend pas pour la queue d’une poire» – não se considera um cabinho de pera. É expressão coloquial, a utilizar com moderação. Não pega bem em fala formal.

Numa certa altura dos acontecimentos, vozes chegaram a se levantar para incentivar o doutor Joaquim Barbosa, antigo membro e presidente do STF, a candidatar-se à presidência da República. Afastado dos holofotes, o ex-ministro está hoje menos visível. Longe dos olhos, longe do coração.

Mesmo assim, quando provocado, não nega fogo. Ainda estes dias, indagado sobre eventual processo de impedimento contra a presidente, Barbosa lançou, sem se preocupar com o efeito que pudesse causar, a seguinte pérola: «Não acredito no Tribunal de Contas da União como órgão sério desencadeador de um processo de tal gravidade. O Tribunal de Contas é um playground de políticos fracassados.»

Joaquim BarbosaFrase pesada, não? Tivesse saído da boca de nosso guia ou de certas figurinhas carimbadas do Congresso, não teria grande importância, que grande parte daquela gente é primitiva. Mas vindo de antigo presidente do STF, francamente…

Há opiniões que o distinto leitor e eu podemos até emitir, em conversa informal, de preferência numa roda de amigos. Já uma figura da estatura do ex-ministro teria de manter recato. O decoro na escolha dos termos faz parte da liturgia do alto posto ocupado.

Playground 2Não tenho antipatia por esse senhor. Afinal, o Brasil deve a ele a quebra do antigo tabu que determinava que gente importante não vai pra cadeia. Nesse particular, nossa história recente se divide entre o antes e o depois do Mensalão. Agradecidos ficamos todos.

O fato de ter prestado bons serviços à nação, contudo, não lhe dá blindagem para pairar acima do bem e do mal. A arrogância carcome a imagem daquele que, um dia, foi grande. A modéstia daria frutos mais saborosos.

Playground 1No fundo, o destino costuma fazer bem as coisas. O ministro estava no lugar certo na hora adequada. Prestou serviços inestimáveis a seus conterrâneos. Todos lhe somos gratos. Foi-se embora porque quis. Agora, basta.

Se lhe pudesse dar uma sugestão, diria ao doutor Barbosa que deixasse a soberba de lado. Que não arruine a extraordinária imagem que deixou.

AQUILA NON CAPTAT MUSCAS
A águia não caça moscas
Seres superiores não devem se preocupar com ninharias

Do contra

José Horta Manzano

Condecorações são marcas de distinção que o Estado – ou uma de suas instituições – outorga àqueles cuja obra seja considerada relevante num campo específico. É honraria grande. Como em outras esferas, a raridade confere importância. Quanto menor for o número de condecorados, tanto maior será o valor da homenagem.

No Brasil, principalmente estes últimos anos, condecorações têm sido concedidas por atacado, nem sempre a cidadãos que tenham feito por merecê-las. Emblemática foi a atribuição da Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco, a mais destacada honraria do Itamaraty, a quatro senhoras cuja contribuição às relações exteriores do Brasil ainda está por ser revelada.

Medalha 5Dia 20 abril 2010, em cerimônia pra lá de surreal, foram agraciadas com a grã-cruz: dona Erenice Guerra, de triste memória, então chefe da Casa Civil; dona Ana Maria Amorim, esposa de Celso Amorim; dona Mariza Campos, esposa do então vice-presidente, José Alencar; dona Marisa Letícia da Silva, mulher do Lula.

A mais recente safra de insígnias foi concedida dia 10 junho 2015, pouco mais de um mês atrás. Desta vez, foi a medalha da Ordem do Mérito da Defesa. A distribuição a granel incluiu: Eduardo Cunha, presidente da Câmara; Jacques Wagner, ministro da Defesa; Ricardo Lewandowski, presidente do STF.

Medalha 6É interessante notar que, salvo erro ou omissão, o ministro Joaquim Barbosa, que também presidiu o STF, não teve direito à honraria. Nem durante o exercício de suas funções, muito menos depois.

Os nomes mencionados neste artigo hão de despertar, no distinto leitor, a pergunta da qual não se pode fugir: quais terão sido os relevantes serviços prestados por essa gente à diplomacia ou à defesa do País? Por que estão sendo agraciados? A resposta fica por conta da convicção íntima de cada um.

Medalha 7O leitor mais atento talvez tenha notado um detalhe picante nas fotos que reproduzo. Todos os condecorados com a Ordem do Mérito da Defesa portam a faixa com as cores verde, branca e azul na ordem correta, de baixo para cima. Um deles, sabe-se lá por que, veste a faixa pelo avesso.

É senhor Lewandowski, presidente do Poder Judiciário, vejam só. De lá a deduzir que esse senhor age na contramão do espírito do tempo, basta dar um passo. Alguns já deram.

Frase do dia — 156

«Se é verdadeira a informação segundo a qual a doutora Dilma pretende anunciar o nome do substituto de Joaquim Barbosa no STF depois da eleição de outubro, há alguém com parafuso solto no Planalto.

É seu direito preenchê-la logo. Caso não seja reeleita, ofenderia o país se nomeasse um ministro do Supremo em fim de governo, a caminho de casa.»

Elio Gaspari, em sua coluna na Folha de São Paulo de 6 jul° 2014.

Indigente

Interligne vertical 12Em seu blogue, o jornalista Fernão Lara Mesquita externou sua visão sobre um decreto publicado esta semana no Diário Oficial da União. A nova norma legal, de aspecto anódino mas de conteúdo tenebroso, assesta um golpe de graça na democracia brasileira. Se vingar, o caminho estará aberto e pavimentado para a implantação de um regime de corporações.

Dou-lhes abaixo amplos trechos do artigo do jornalista. Ao pé da página, vai o link para quem quiser ler o texto integral.

Democracia brasileira é enterrada como indigente
(Excertos)

Fernão Lara Mesquita (*)

A democracia brasileira morreu no dia 23 de maio próximo passado e quase ninguém percebeu.

Poderá eventualmente ressuscitar com tratamento de choque e injeções de adrenalina constitucional no coração que parou de bater, mas a decisão de aplicar ou não esse tratamento está, agora, nas mãos do doutor Ricardo Lewandowski e do que mais sobrou dentro do STF depois da saída do ministro Joaquim Barbosa.

Sem nenhuma «participação social» e sem perguntar nada a ninguém na sua solitária decisão, a presidente Dilma assinou naquela data o Decreto n° 8.243, publicado no Diário Oficial de 26 de maio. Institui a «Política Nacional de Participação Social». Determina que, doravante, «todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta estejam obrigados a usar a participação social para a execução das suas políticas». Pedro Pontual, diretor de Participação Social da Secretaria-Geral da Presidência, explica que esse expediente vai «transformar os instrumentos criados para este fim em um método de governo, oficializando suas relações com os novos setores organizados e as redes sociais».

De ministérios a agências reguladoras, portanto, tudo estará de agora em diante submetido a esses «novos setores organizados». A «relação oficial» com eles se dará mediante convocações dirigidas aos nove conselhos que a augusta presidenta houve por bem criar. Suas rotinas de trabalho (não remunerado) e o método de escolha de seus integrantes serão definidos por meras portarias editadas pela Secretaria-Geral da Presidência da República, do ministro Gilberto Carvalho.

Pelo decreto de Sua Augusta Majestade, os nove “conselhos” serão os seguintes:

Interligne vertical 141) conselho de políticas públicas
2) comissão de políticas públicas (sic)
3) conferência nacional (sic)
4) ouvidoria pública federal
5) mesa de diálogo (sic)
6) fórum interconselhos (sic)
7) audiência pública
8) consulta pública
9) ambiente virtual de participação social

O decreto não explica o que será feito do Poder Legislativo eleito por todos nós para cumprir exatamente essa função, nem tampouco do Poder Judiciário e de seus órgãos auxiliares tais como tribunais de contas e agências setoriais. Mantida essa aberração como está, é fácil inferir.

A lógica da coisa, mesmo vazada na linguagem quase sempre incompreensível de dona Dilma e seus auxiliares, é absolutamente transparente e evidente. Se depender deles, ninguém reclamará o corpo: a democracia brasileira será enterrada como indigente.

(*) Fernão Lara Mesquita é jornalista. Edita o site http://vespeiro.com/

Link para o texto integral do jornalista
Link para o texto do Decreto n° 8243

O lado podre

José Horta Manzano

Dia 3 de fevereiro passado, o então obscuro vice-presidente da Câmara conquistou súbita notoriedade nacional. Conseguiu essa façanha ao levantar o braço esquerdo e exibir punho cerrado em plena cerimônia de abertura do ano legislativo.

Teve a desarrazoada ideia de cometer o gesto na presença de Joaquim Barbosa, presidente de um dos poderes da República. É de crer que tenha agido assim de caso pensado. Não nos esqueçamos que, pelo ordenamento de nossa Constituição, o posto ocupado pelo doutor Barbosa é equiparado à presidência da República.

Naquele momento, o deputado Vargas não estava na sala de visitas de sua casa. Encontrava-se em solenidade oficial, mirado pelas câmeras de tevê. Desacatou a figura máxima do Judiciário brasileiro, personagem hierarquicamente superior a ele. Se fez o que fez, foi porque quis.

Crédito: Folhapress

Crédito: Folhapress

Seu primitivismo incomodou muita gente. Escandalizou gregos, persas, troianos e cartagineses. Fez lembrar a dança da pizza, obra daquela parlamentar que a poeira do tempo se encarregou de varrer. Foi daquelas atitudes que projetam seu autor à estratosfera da popularidade para, em seguida, atirá-lo rapidinho ao lixo da humilhação e do esquecimento.

Mais que ofensivo, seu gesto foi suicidário. Nestes tempos em que o gigante adormecido anda ensaiando entreabrir um olho, não convém mostrar a face torpe do Congresso. O Poder Legislativo anda já bastante alquebrado. Não interessa a nenhum parlamentar degradar ainda mais sua imagem junto à população. A última coisa que nossos parlamentares desejam é acentuar a a face escabrosa que já projetam.

Com a arrogância que só a ignorância permite, o deputado Vargas cutucou a onça com vara curta. Agasalhado na certeza da impunidade, o parlamentar foi dormir feliz como criança depois da mamadeira. O sono do herói não durou muito. Dois meses depois do desaforo, o mundo desabou sobre sua cabeça.

Sua íntima ligação com um doleiro vai levá-lo à ruína. A não ser que abandone seu mandato antes, será destituído por seus pares. E quer saber de uma coisa? Não escaparia nem que a votação ainda fosse secreta. A nenhum de seus colegas interessa atrair a atenção do distinto público para o lado podre daquela Casa.

O bumerangue voltou e atingiu em cheio o lançador bisonho. Quem tem telhado de vidro…

Frase do dia — 115

«Tendo a acreditar, como dizem alguns inconformados com as decisões da última semana, que no STF de hoje nem mesmo a denúncia do Ministério Público contra os mensaleiros seria aceita.»

Marcelo Coelho, em sua coluna da Folha de São Paulo, 5 mar 2014.

Natan Donadon disse tudo!

Fernão Lara Mesquita (*)

«O voto aberto vai fazer com que meus colegas votem contra o coração e a vontade deles»

E não é com isso que o Brasil sempre sonhou? Que eles votem SEMPRE contra o coração e a vontade deles e a favor da nossa? Democracia é exatamente isso ― nem mais, nem menos. Estas duas votações em menos de seis meses:

Interligne vertical 7Meio ano atrás: 233 votos pela cassação, 24 a menos que o necessário a 172 pela manutenção do mandato (mais abstenções)

Ontem: 467 pela cassação x 1 abstenção (de outro deputado presidiário)

É a prova do que se tem afirmado desde sempre aqui no Vespeiro: a civilização (que é o outro nome da democracia) não é muito mais que a presença da polícia.

O voto distrital com recall põe polícia na política. É a chegada do xerife a este nosso faroeste dominado pelos bandidos.

Não há povos piores nem povos melhores, «gentinha» nem gentona. O que há são os que já experimentaram e os que ainda não experimentaram. E mesmo entre os que já experimentaram, se tirar a polícia de cima, volta tudo pra trás. Até o Steve Jobs, o Leonardo da Vinci cibernético ― o «inventor da modernidade» ― se tiver certeza de que não vai pagar por isso, vira explorador de menores miseráveis na China.Biscoito surpresa

O voto distrital com recall arma a mão da polícia da política ― que é você ― para que ela possa exigir o cumprimento da lei. E o efeito é imediato e automático, como previa o anteontem ainda deputado e hoje só presidiário. E se é assim diante da simples perspectiva de ser identificado pelo eleitor, imagine o que seria se eles soubessem que o eleitor pode, a qualquer momento, sem manifestação de rua nem bagunça, retirar o voto que lhes garante o emprego.

O recall é isso. Divide-se o número de eleitores pelo número de deputados e cria-se um distrito eleitoral delimitado pela geografia com aquele número de eleitores. Cada candidato só pode pedir votos em um único distrito eleitoral. Se eleito, fica-se sabendo exatamente que eleitores ele representa. E se mijar fora do penico, qualquer eleitor daquele distrito tem direito de passar uma lista pedindo a confirmação do mandato do porcalhão. Se conseguir colher a assinatura de 5% dos eleitores da circunscrição, convoca-se uma nova votação unicamente naquele distrito. Caso o deputado não seja confirmado, seu mandato será cassado. E, se calhar, ele que vá se entender com o Joaquim sobre os direitos que lhe vão restar lá na Papuda.

Isso faz milagres! Muda a vida! Qualquer outra reforma fica fácil de arrancar com essa arma na mão.

Agora que estamos na bica de acabar com essa tapeação dos mascarados assalariados, todo o mundo sabe de quem, quebrando tudo por aí, taí uma boa razão pra você voltar pra rua.

Mas jogue fora o cartaz inútil, por mais engraçadinho que tenha sido o trocadilho usado na última vez. Espalhe esta convocação. Vamos todos pra rua com o mesmo cartaz. Vamos todos exigir a arma que temos direito de carregar pra construir um Brasil do jeito que a gente quer.

VOTO DISTRITAL COM RECALL, JÁ!

Para maiores informações sobre o funcionamento do recall, clique aqui.

(*) Fernão Lara Mesquita é jornalista. Edita o site http://vespeiro.com/

Tem bobo pra tudo

José Horta Manzano

Interligne vertical 14Tem alguém que é bobo de alguém, apesar do estudo
Está provado porque neste mundo tem bobo pra tudo.

Samba de Manoel Brigadeiro e João Correia da Silva, 1963

Não sei se terá saído de moda. É que as coisas andam mudando muito rápido. No meu tempo, se dizia bocó. Era quando a gente queria designar um bobão, daqueles que se dão ares de independência e superioridade ao mesmo tempo que seguem o rebanho. Aqueles que se acham o máximo, embora, sem se dar conta, ajam exatamente como os demais.

Tem bobo pra tudo

Tem bobo pra tudo

Assim como a fala e a escrita, o gestual deve primar pela clareza. O que é, é. O que não é, não é. Nada pode ser e não ser ao mesmo tempo. Cada um de nós, quer nos expressemos falando, escrevendo ou gesticulando, devemos deixar claro o sentido da mensagem. Ou corremos o risco de ser mal interpretados, com todas as consequências que isso possa acarretar.

Já falei em post anterior sobre a simbologia múltipla de certos gestos, mormente da «saudação de Lênin», usada como pau pra toda obra. Ao longo dos últimos 120 anos, tem sido usada por esquerdistas, direitistas, anarquistas, constestadores, revolucionários, separatistas, feministas, terroristas, socialistas, trabalhistas y otros más. É gesto polivalente. Donde, dúbio. Portanto, perigoso. Não deixa clara a mensagem que o autor gostaria de transmitir.

Nesta terça-feira, quis o acaso que doutor Barbosa, o presidente do STF, tomasse assento ao lado do vice-presidente da Câmara dos Deputados. Este último ― personalidade pouco expressiva e pouco conhecida ― decidiu aproveitar o momento de glória e de exposição às câmeras que a proximidade do doutor lhe proporcionava.

Ingênuo, fez exatamente o que não devia. Ensaiou o gesto dúbio, aquele que, de tão batido, não transmite mais mensagem nenhuma. Primeiro, levantou o braço esquerdo com o punho cerrado. Em seguida, não satisfeito, refez o gesto, desta feita com o braço direito. Para coroar, pôs-se a enviar mensagem por seu telefone de bolso. Estou falando do vice-presidente da Câmara, minha gente. Desde os tempos da Alemanha hitleriana, não me ocorre algum outro caso de autoridade levantando punho cerrado em plena assembleia.

Decoro
Está lá no dicionário para quem quiser ver. São quatro as acepções principais:

Interligne vertical 111. Recato no comportamento; decência.
2. Acatamento das normas morais; dignidade, honradez, pundonor.
3. Seriedade nas maneiras; compostura.
4. Postura requerida para exercer qualquer cargo ou função, pública ou não.

O gesto do senhor vice-presidente da Câmara Federal da República, consumado no recinto do parlamento, responde às quatro acepções. Atropela o decoro parlamentar. Agride o decoro tout court. Um certo senhor de nome Severino, que um dia teve assento privilegiado naquele mesmo recinto, tinha muitos defeitos. Mas não descia ao ridículo. O atual vice-presidente é o que a gente chamava de bocó de mola.

Tem bobo pra tudo Crédito: Sérgio Lima, Folhapress

Tem bobo pra tudo
Crédito: Sérgio Lima, Folhapress

Num país civilizado, essa demonstração de baixo nível seria punida com o desprezo dos eleitores acompanhado da exclusão imediata do parlamentar. Se nossas excelências deixarem passar essa afronta sem denunciá-la ao Conselho de Ética, é sinal de que o vale-tudo vale tudo.

Que se libere o bermudão e o chinelo de dedo.Interligne 16

PS: Para recordar o samba Tem bobo pra tudo, na voz de Alcides Gerardi, clique aqui.

Frase do dia — 93

«No Brasil, estamos assistindo à glorificação de pessoas condenadas por corrupção na medida que os jornais abrem suas páginas a essas pessoas como se fossem verdadeiros heróis»

Joaquim Barbosa, presidente do STF, em entrevista a Leandro Colon, da Folha de São Paulo.

Frase do dia — 58

«Negros que usam o chicote para bater em outros negros não são meus irmãos. O Joaquim Barbosa não é meu irmão.»

Edson Santos, deputado federal, ministro da Igualdade Racial do governo do Lula, em pronunciamento feito durante festa no Presídio da Papuda. O deputado deixou claro que até igualdade racial tem seus limites. Só vale para companheiros. In Folha de São Paulo, 20 dez° 2013.

Frase do dia — 52

«Que tal se no próximo Dia da Consciência Negra discutíssemos a obra de Nabuco nas escolas, nos jornais, nas empresas, nas redes sociais? Se o fizessem, as pessoas descobririam que o movimento abolicionista nasceu na Inglaterra, primeira pátria do capitalismo. Existe uma conexão direta entre a liberdade pessoal e a liberdade de empreender. Comparar o comércio de produtos com o comércio de pessoas, como fazem os militantes contemporâneos, é uma falácia típica de diretório acadêmico.»

Paulo Briguet, jornalista e escritor. In Gazeta do Povo, de Curitiba, 2 dez° 2013.

Bye, bye, Paraguai

Fernão Lara Mesquita (*)

Outro dia foi a China que anunciou que está saindo de onde o PT quer entrar. Na semana passada, quem diria, quem passou por nós na contramão e dando adeus às Venezuelas e às Cubas dos sonhos do PT foi o Paraguai que, na quinta-feira 28, acabou com a imunidade parlamentar dos seus senadores ― ou melhor, com aquela parcela dela que é abusiva e antidemocrática ― depois de duas semanas de rebelião aberta contra a decisão anterior, do dia 14, quando 23 dos colegas do senador punido votaram a favor da sua permanência impune no Senado.

Victor Bogado, do Partido Colorado, tinha a babá de seus filhos ganhando dois salários ― um pela Câmara dos Deputados e outro pela Itaipu Binacional ― e foi um dos primeiros a ter seus podres publicados no novo site da internet criado pelo presidente Horácio Cartes, do seu próprio partido, para prestar contas sobre gastos públicos e dar transparência ao que se passa dentro do governo.

Pouco depois da votação espúria, um dos parlamentares que votou pela impunidade do senador alegando a imunidade parlamentar entrou numa pizzaria para jantar. Foi o estopim. Ele foi expulso sob vaias e palavrões e, por pouco, não foi agredido pelo público.

Daí por diante foi como uma epidemia. Restaurantes, bares, comércios, shopping centers e até estádios de futebol e hospitais (estes abrindo exceções só para emergências) começaram a pôr cartazes na porta anunciando «não atendemos ratos neste estabelecimento». A única exceção foi uma funerária que pôs anúncios nos jornais dizendo que receberia qualquer um dos traidores «com todo o prazer».

O povo montou uma vigília na frente do Congresso e um site foi aberto na internet com fotos dos 23 traíras e acompanhamento diário dos seus passos. Em duas semanas nova votação foi convocada, a imunidade do senador caiu e ele foi cassado.

Nesse meio tempo, Genoino ia para casa e José Dirceu passava a ganhar 20 mil reais por mês para conspirar contra a democracia brasileira do jeito a que já está acostumado, enquanto todos os partidos de algum peso fechavam as portas para a admissão de Joaquim Barbosa como candidato em 2014.

O Paraguai esteve 35 anos sob a ditadura de Alfredo Stroessner, 14 anos a mais que os nossos ditos «anos de chumbo». O país nunca experimentou nada que lembrasse remotamente uma democracia digna desse nome. E, no entanto, taí respirando ar fresco graças às novas condições de circulação da informação e à articulação da resistência civil.

E o Brasil?
Algo de muito semelhante ocorreu aqui no mês de junho deste ano. Mesmo com todo o marasmo em que vive a nossa política, bastou que alguém agitasse uma bandeira ― no caso o STF com as condenações do Mensalão ― e o povo se levantou com força suficiente para pôr o «Sistema» em pânico.

Mas nenhuma força organizada deu sequência ao movimento, o que ensejou que os profissionais do golpe armassem a sequência de quebra-quebras que tirou a gente séria das ruas.

Se tivesse havido uma única voz disposta a puxar a fila, ela teria seguido andando. Mas você pode virar e revirar os nossos 32 partidos «de esquerda», inclusive os «de oposição» e seus milhares de candidatos; pode ver e rever o horário eleitoral e não encontrará rigorosamente nada que escape daquela tapeação vergonhosa que conhecemos, ofensiva à nossa inteligência, de tão rasa e explícita.

Pior: você pode revirar todos os jornais, ouvir todas as rádios, ver todos os programas jornalísticos da TV, e nada que não seja esses mesmos candidatos e o que uns estão dizendo sobre os outros lhe será apresentado. Haverá até quem afirme gostar e quem afirme não gostar deste ou daquele. Mas sugestão nova, propostas, reportagens sobre modos diferentes de gerir a coisa pública ou informações sobre como os outros que dão certo estão fazendo, zero! Mesmo os acontecimentos do Paraguai tiveram uma cobertura menor que um reles desastre de trem em Nova York.

Não há exemplo histórico de processos como o brasileiro que tenham sido revertidos senão por dois tipos de expediente: uma iniciativa forte do Poder Judiciário ou a articulação de propostas novas e de campanhas, protagonizadas pela imprensa, para levá-las a efeito. Ou então essas duas coisas junto.

O voto distrital com recall foi uma das propostas que nasceram assim e têm currículo mais brilhante no rol das revoluções pacíficas da humanidade. Tem mudado mundos e fundos nos dois últimos séculos e está aí esperando quem a leve adiante para mudar o Brasil.

Mas, até agora, a única figura institucionalmente forte que vi pregar esse remédio no Brasil foi ― adivinhe! ― o ministro Joaquim Barbosa. Aquele que, pela primeira vez em nossa história, pôs essa bandidagem da porta da prisão para dentro, ainda que tenha sido impedido de trancá-la.

Aécio Neves, esse alegre candidato «de oposição» em busca de um discurso, é um que, se adotasse esta proposta, correria o sério risco de ter, pela primeira vez na vida, alguma coisa a dizer que valesse a pena ser ouvida.

(*) Fernão Lara Mesquita é jornalista. Edita o site http://vespeiro.com/

Tiradentes: novo julgamento

«OURO PRETO – Joaquim Barbosa, presidente do STF, anunciou que o tribunal acatará os embargos infringentes de Tiradentes, Judas e Antônio Conselheiro. “É preciso dar celeridade ao amplo direito de defesa dos réus condenados pela História”, revelou, enquanto debatia a validade da condenação de Zico pelo pênalti perdido na Copa de 1986(…)”.»

in The Piauí Herald, 12 set° 2013

Frase do dia – 25

«A cada gesto de intransigência, intolerância e autoritarismo, o ministro Joaquim Barbosa assenta um tijolo no mausoléu de sua suposta candidatura presidencial.»

José Roberto de Toledo, in Estadão 19 ago 2013