Pittsburgh e o planeta; Brasília e o Brasil

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Há alguns dias, Donald Trump postou-se em frente às câmeras e, como de hábito, inflou o peito de orgulho para anunciar diante de uma plateia embasbacada que os Estados Unidos estavam se retirando do Acordo do Clima de Paris. Sem parecer se dar conta das consequências de seu ato, cometeu simultaneamente um ato falho e ilustrou como raciocinam pacientes psiquiátricos acometidos por um distúrbio em que se toma a parte pelo todo ou o todo pela parte.

Jactando-se de sua capacidade de fazer valer delirantes promessas de campanha, justificou sua decisão afirmando ter sido eleito para representar os eleitores de Pittsburgh e não os de Paris. Parece ainda não lhe ter caído a ficha de que sua inesperada (até para ele mesmo) façanha eleitoral o colocou no centro do palco para representar a totalidade dos cidadãos norte-americanos, não importando na prática se eles são oriundos de Pittsburgh, Nova Iorque ou Baltimore, se de fato votaram nele, nem se acreditam nas evidências de que o aquecimento global é um preocupante fenômeno real ou se apostam, como seu patrono, que tudo não passa de mais um embuste dos chineses.

Na sequência, na ânsia de repisar seu bordão favorito “America First”, atropelou a lógica, passando lépido e fagueiro por cima do fato de que o Acordo de Paris não representa apenas os interesses dos eleitores da capital francesa, mas é um desejo comum manifesto por mais de 190 países signatários. Pateticamente, comportou-se mais uma vez como se tivesse sido não só proclamado presidente, mas coroado imperador do universo, estando exclusivamente em suas mãos o poder de decidir o que é melhor para o futuro do planeta.

Ainda um pouquinho pior, se é que é possível, demonstrou continuar acreditando que aos demais líderes mundiais cabe apenas curvar a cabeça e dobrar-se impotentes a seus decretos. A realidade, felizmente, foi-lhe esfregada na cara poucos minutos depois, a começar pela própria cidade de Pittsburgh.

Essas considerações me ocorrem enquanto eu acompanho o julgamento da chapa vitoriosa em 2014 pelo TSE e reflito sobre os desdobramentos da eterna crise da democracia brasileira. Lá como cá, a questão da representatividade não está clara para aqueles que teoricamente nos representam. É como se todos se sentissem guindados a posições de poder não por livre escolha da população, mas por direito divino ou inteligência superior ao comum dos mortais. Mais grave, permanecem indistintos na mente da esmagadora maioria de nossos homens públicos – e, infelizmente, também de uma parte da população – os conceitos de interesses do Estado e interesses do governo de plantão.

A patológica negação dos limites da realidade domina a cena também em nossos tristes trópicos. Se já não bastassem os parlamentares e integrantes do executivo a ignorar o clamor das ruas, agora são magistrados a admitir, sem qualquer espécie de pudor, que estão a serviço da manutenção da governabilidade e não da faxina ética que a população vem perseguindo.

Retraçar através de uma decisão digna da corte eleitoral os limites jurídicos e constitucionais entre a coisa pública e a privada? Nem pensar. O TSE não se sente imbuído dessa missão. Avisa que não há tempo, nem “clima” para ponderar sobre essas minudências agora.

E lá vai a Pátria Educadora enviando a mesma velha mensagem às futuras gerações: em certas situações emergenciais, mande os escrúpulos às favas e permita-se pequenos desvios de trajeto. Quando o tempo de vacas gordas voltar, haverá tempo e motivação suficientes para dar uma bela limpada no chiqueiro e livrar-se da lama que possa ter respingado aqui e ali.

Como questionaria Mané Garrincha, será que a estratégia de jogo já foi combinada com os adversários, isto é, com a população? Pensando bem, eu diria que, a julgar pelo andar da carruagem, logo estaremos assumindo a liderança mundial no campeonato de implementação de um inovador conceito de filosofia política: a democracia sem povo. Afinal, para que serve o povo?

Já não basta estar assegurado o direito de votar para que o regime continue a ser chamado de democrático? Ora bolas, chega de hipocrisia e de discursos paternalistas inflamados para inglês ver. Está mais do que na hora de nos conscientizarmos de que o povo sempre foi um penduricalho incômodo no organograma nacional desde que a primeira caravela portuguesa aportou em território brasileiro. “O povo não sabe votar”, “o povo é só um detalhe”, lembram-nos continuamente tantos iluminados de nossa história recente.

Sem querer parecer arrogante, tenho um só conselho a dar a todos esses senhores: quando o resultado do jogo for finalmente anunciado, comecem a redigir suas cartas-testamentos, explicando à nação porque foi inevitável abrir mão da honra e da história para cair de vez na vida. Se escolherem as palavras certas, pode ser que alguns clientes ainda se deixem sensibilizar e se mostrem sôfregos para contratar novamente seus serviços de zeladoria.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Os limites do sistema

José Horta Manzano

Quando foi instituído, o sistema dito «de cotas» para admissão em escola de ensino «superior» veio com roupagem de justiça social. Mesmo travestida de obra de reparação de iniquidades seculares, a introdução do sistema ratificou o fracasso da Instrução Pública elementar e média.

Alfabeto 3No meu entender, forçar o acesso de estudantes à faculdade não é a melhor solução. A ênfase tem de ser dada ao ensino básico. Lacunas de aprendizado escolar não serão colmatadas no ciclo universitário. Quem chega ao curso superior sem base suficiente enfrentará dificuldades praticamente insuperáveis.

Escolas básicas, há. Algumas são públicas (sustentadas com o dinheiro de todos os contribuintes) e outras, particulares (sustentadas diretamente pelos frequentadores). O divisor de águas, a diferença mais notável entre as duas é a qualidade do ensino. Esse é o desnível que tem de ser corrigido.

Financiada pelo erário, a escola pública tem, em teoria, recursos financeiros mais amplos que as particulares. A Pátria Educadora trazia ares de ser um bom começo. Pena que não tenha passado de slogan ‒ bombástico mas vazio, como tantos outros.

AnalfabetoSe o nível de ensino nos estabelecimentos públicos é sofrível a ponto de não habilitar os que a frequentam a enfrentar ensino mais avançado, a culpa não se há de atribuir à «raça» dos aluninhos, mas ao desleixo com que autoridades tratam da Educação Nacional.

O sistema começa a dar mostras de esgotamento. Por absurdo que possa parecer, o futuro aponta para o dia, que está para chegar, em que se terá de fixar teto para alunos cotistas. De fato, os «cotistas» já são a maioria dos matriculados nas 63 universidades federais. De cada dois estudantes, um é cotista. E a porcentagem tende a crescer. Todos concordam que não faz sentido manter cotas para a maioria dos estudantes.

A continuar assim, a prática logo terá de ser invertida. Cotas mínimas terão de ser reservadas para loiros de olhos azuis & assemelhados, atualmente excluídos de contingentes raciais e de ações afirmativas. Artigo do Estadão mostra os limites do sistema atual.

Jogo dos sete erros

José Horta Manzano

Segunda-feira de Carnaval. Na redação do jornal, saíram todos: chefe, subchefe, vice-chefe, auxiliar do chefe. Nem o pretendente a chefe ficou. Sobrou para os estagiários.

Jacques, gaúcho trilegal e leitor fiel do blogue, costuma prestar atenção ao que lê na mídia. Ficou ‘estarrecido’ ‒ como costuma dizer aquela em quem vocês estão pensando ‒ com o que encontrou. A edição gaúcha do G1 traz uma coleção de fazer inveja.

Alguns são modismos, outros são imprecisões, outros, ainda, erros primários. A Pátria Educadora continua arreganhando os dentes. Cariados.

Interligne 28a

2016-0208-04 G1 RSEstado (da Federação) pede letra maiúscula.

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2016-0208-03 G1 RSFazer foto? Soa esquisito. Este blogueiro é do tempo em que ninguém “fazia” foto. Foto se tirava.

Interligne 28a2016-0208-02 G1 RSÉ irritante ver o verbo seguir usado como sinônimo de continuar. Seguir sugere algum movimento: seguir em frente, seguir alguém, seguir um desfile. No presente caso, o barco está imóvel debaixo d’água há dez dias. Seguir não serve. Substitua-se por continua, permanece, está, perdura, mantém-se.

Interligne 28a2016-0208-07 G1 RSComo todo nome próprio, Carnaval, que é nome de festa, pede inicial maiúscula.

Interligne 28a2016-0208-01 G1 RSNão contente com o sumiço do til, o escriba transformou o feriado numa ferida. Uma grande ferida. Um feridão!

Interligne 28a2016-0208-05 G1 RSNuma curta chamada, três reparos.
Primeiro: não se ateia fogo em, ateia-se fogo a.
Segundo: o cobrador não foi ferido após o assalto, mas no assalto.
Terceiro: dizer que o suspeito fugiu com o dinheiro é exagerar no politicamente correto. Não se pode dizer assaltante? Ou será que tem de esperar que o processo transite em julgado?

Interligne 28a2016-0208-06 G1 RSPronto, aqui está a cereja em cima do bolo. O termo óculos, redução da expressão par de óculos, é plural. Sempre. Os linguistas chamam a esse fenômeno pluralia tantum. Não se assuste. Diga os óculos, meus óculos, seus óculos. Vai acertar.

Interligne 28a

Intercâmbio prejudicado

José Horta Manzano

Ninguém gosta de pagar imposto. A gente só paga porque não tem outro jeito. Por sinal, mais e mais países adotam o sistema de retenção na fonte, modalidade em vigor no Brasil há muito tempo. É justamente para evitar ‘hesitação’ do contribuinte na hora de pagar.

Queiramos ou não, é assim que os países funcionam: o rendimento dos habitantes é puncionado, seja na fonte, seja mais tarde. Todos entendem que é mal necessário. Mas tudo tem limite. O que nos contraria não é tanto o desconto, mas o mau uso que eventualmente se faz do dinheiro recolhido.

Imposto 1A revelação das tenebrosas transações que correm à solta no Brasil nos deixa revoltados. Com que então, o fruto do meu suor vai parar no bolso de sanguessugas que ainda riem na minha cara? O sentimento de injustiça, de raiva e de impotência é insuportável.

Sabemos que a conjugação de ladroagem com incapacidade e ignorância tem feito nosso país retroceder na escala da civilização. Anos de malandragem e roubalheira levaram as contas públicas ao fundo do poço.

Interligne 18h

Desde o começo deste ano, valendo-se de uma imprecisão na legislação fiscal, a Receita Federal instituiu novo imposto. Toda remessa para o exterior está sendo tributada. O tapa não foi dado de mão morta: a alíquota é de 25 por cento. E tem mais: toda remessa legal é, por definição, constituída de dinheiro já tributado pelo Imposto de Renda. Estamos falando de dupla tributação.

O imposto não atinge, naturalmente, os milhões subtraídos ilegalmente e depositados em paraísos fiscais. Esse tipo de operação, intermediada por doleiros e acobertada por gente graúda, zomba das leis e goza de isenção. Os prejudicados são cidadãos do andar de baixo, aqueles que ganham a vida com o próprio trabalho.

Imposto 2As principais vítimas são brasileiros que aderiram a programa de intercâmbio. Os que batalham pós-graduação, mestrado e doutorado no estrangeiro também entram na dança. A vertiginosa desvalorização do real combinada com o confisco de 25% tornam a permanência de muitos estudantes inviável.

Além de ser confiscatória, a intolerável medida pouco contribuirá para elevar o nível do erário dilapidado. Pior que isso, essa tributação cerceia os jovens que se aperfeiçoam no estrangeiro ‒ exatamente os que poderiam contribuir para a elevação do nível cultural do Brasil de amanhã.

É mais uma vez a Pátria Educadora garantindo o atraso.

Roubos & roubos

José Horta Manzano

Data venia, vou tomar emprestado um dos bordões em que dona Dilma mais se apoia: estou estarrecido! Logo mais, digo por quê.

O Enem, exame nacional unificado nos moldes em que hoje é organizado, não existia quando terminei a escola média. Merenda escolar tampouco havia. E a ninguém viria a ideia de chamar a professora de tia. Os códigos de urbanidade exigiam demonstração de apreço.

Estudante 2Das três diferenças que mencionei, uma foi negativa mas duas assinalam avanço. Não sei se as regras do politicamente correto ensinam a chamar professora de tia. Seja como for, ressinto como familiaridade exagerada ou até como falta de respeito. As outras duas mudanças ‒ Enem e merenda escolar ‒ me parecem passos na boa direção.

Outro dia saíram os resultados da prova de redação do Enem 2015. Mais de cinquenta mil candidatos levaram nota zero. Pronto, chegou a hora de empregar o mote de nossa presidente: é de estarrecer! São dezenas de milhares de postulantes que, ao cabo de uma dúzia de anos de estudo, não conseguem se exprimir por escrito na língua oficial. E tem mais: o total divulgado não inclui os que, embora tenham comparecido, devolveram uma folha em branco.

Estudante 4As copiosas roubalheiras que nos vêm empobrecendo têm, em teoria, solução. Controles mais severos do dinheiro que passa de mão em mão tendem a cercear a malandragem. O iletrismo ‒ pra não dizer analfabetismo ‒ de jovens que chegam às portas do ensino superior é muitíssimo mais grave.

Para complementar a informação, constato que 75% dos candidatos ‒ três em cada quatro ‒ não passou de 60% de aproveitamento. Refiro-me aos que obtiveram menos de 600 pontos, marca sofrível.

Assalto à Petrobás e a outras estatais rouba dinheiro, mas dinheiro se repõe. Já o miserável nível de ensino rouba o futuro de muita gente. É irremediável, não dá pra repor. A Pátria Educadora ainda não está mostrando resultados.

Façam de conta que não estou aqui

José Horta Manzano

Cameron 1Nas sociedades pequenas e nas tribos, o chefe reúne todos os membros, sobe numa pedra ou num pedestal qualquer, e fala a seu povo. Olha todos de frente, dirige-lhes a palavra, dá as instruções, distribui eventuais elogios ou admoestações. E, em certas ocasiões, recebe apupos ‒ faz parte dos riscos do ofício.

Com o crescimento das sociedades, reunir todos os componentes foi-se tornando problemático. O chefe viu-se obrigado a viajar para dirigir-se a pequenos grupos em cada parada.

Putin 1Cem anos atrás, a popularização do rádio esboçou a solução. A voz, ouvida em receptores e amplificada por alto-falantes, compensava a ausência física do personagem. De Winston Churchill a Getúlio Vargas, de Josef Stalin a Juan Domingo Perón, todos os grandes dirigentes recorreram ao rádio para falar ao povo.

O advento da televisão melhorou o grau de comunicação. Além da voz, a imagem do chefe passou a chegar a cada cidadão. É como se o personagem estivesse ali, na sua frente, numa conversa entre quatro olhos.

Merkel 2Faz meio século que todos os chefes de Estado ou de governo entenderam o alcance da palavra oral associada à imagem. Garante a presença e pode operar milagres. Fotos e vídeos circulam diariamente, mas não são eles a impressionar. Há momentos simbólicos em que pronunciamento solene se impõe. O período das festas de fim de ano é um deles.

Valendo-se da ocasião, os principais dirigentes do planeta falaram a seus eleitores. Olho no olho, prestaram contas do ano que se termina e esboçaram as perspectivas para o que entra.

Hollande 4No Reino Unido, David Cameron fixou o olho na câmera e dirigiu-se a cada britânico. O mesmo fez Vladimir Putin na Rússia. Direto de Berlim, Angela Merkel seguiu o mesmo caminho. De Paris, François Hollande também deu seu show televisivo. Matteo Renzi, chefe do governo italiano, foi mais longe: convocou coletiva de imprensa. O fundo da verdade é que nenhum deles deixou passar a ocasião de mostrar quem é o capitão do navio.

Interligne 18h

Enquanto isso, no Brasil…
Ah, já vão longe os tempos do «Trabalhadoooores do Brasil!» radiofônico do velho Getúlio. Por medo de panelaço ou de tropeços na elocução, nossa chefe-mor não apareceu na tevê. Nem mesmo o rádio transmitiu sua voz. A dirigenta limitou-se a assinar um texto escrito sabe-se lá por quem. Está no site do Planalto.

Patria Educadora 1Vivemos num país onde o slogan «Pátria Educadora» ainda não se transformou em realidade. Há, entre nós, milhões de semiletrados incapazes de compreender fala formal ‒ muito menos se for escrita. Nossa sociedade vegeta imantada pela imagem televisiva. Ao deixar publicar em seu nome longo texto de 2 páginas, 5665 toques e 876 palavras, a intenção da presidente ficou clara: «Me esqueçam! Façam de conta que não existo!»

No fundo, tem razão dona Dilma. Quando nada se tem a dizer, mais vale recolher-se à própria insignificância.

Pra frente é que se anda

José Horta Manzano

No tempo em que o Brasil ainda era um país atrasado, éramos a pátria do futebol.

Futebol 10Depois, um certo 7 x 1 passou pelo caminho. E tudo mudou.

Futebol 11Hoje, progredimos um bocado. Somos agora a pátria do surfe! Coisa mais chique, não?

Chamada do Estadão, 18 dez° 2015

Chamada do Estadão, 18 dez° 2015

É a Patria Educadora mostrando a que veio. Agora, vai!

Pátria educadora – 2

Cláudio Humberto (*)

Beca 1A Universidade Federal do Paraná abriu 60 vagas no curso de Direito especialmente reservadas para os “beneficiários do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária”.

Se dinheiro sobra para financiamento de estudo dos sem-terra, falta para o Ministério da Educação. Com a crise financeira, o governo cortou R$ 1 bilhão no orçamento do seu ministério “mais importante”.

(*) Cláudio Humberto, bem informado jornalista, publica coluna diária no Diário do Poder.

Alfabetização

José Horta Manzano

Artigo do Estadão deste 11 jul° 2015.

Estadão, 11 jul° 2015

Estadão, 11 jul° 2015

Estamos voltando aos tempos do Jeca Tatu em marcha acelerada. É a Pátria Educadora em ação.

A galega

José Horta Manzano

Você sabia?

Gaita 2Se alguém lhe perguntasse qual foi o primeiro instrumento musical estrangeiro a chegar ao Brasil depois do descobrimento, que é que você responderia? A guitarra? A flauta? A trombeta? Que nada, tá gelado!

Muitos distintos leitores hão de se surpreender com o que vem agora. O primeiro instrumento – que veio já na esquadrilha de Pedro Álvares Cabral – não foi nenhum dos que mencionei acima. Foi a gaita. Quando digo gaita, refiro-me à gaita de foles ou gaita galega, não à gaita de boca. Agora vem a prova:

Gaita 3«Passou-se então além do rio Diogo Dias, almoxarife que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita

Fragmento da carta que Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra de Cabral, enviou a El-Rey D. Manuel I para dar a boa-nova do achamento de novas terras.

Gaita 4As origens desse instrumento de sopro se perdem na poeira do tempo. Indícios de sua existência já foram encontrados até junto à tumba de faraós que viveram cinco mil anos atrás.

Ao longo dos séculos, surgiram dezenas de variedades de gaita, engenhoso instrumento de sopro. Diferentemente de seus congêneres, que dependem do sopro direto do executante, a gaita de foles dispõe de uma bolsa onde o ar fica armazenado.

Portanto, o esforço do músico para encher a bexiga não corresponde necessariamente à saída do fluxo de ar. A vantagem é que a gaita de foles é capaz de produzir som contínuo, independentemente do ritmo de respiração do instrumentista. Nenhum outro instrumento de sopro permite essa façanha.

Gaita 1Desde a Antiguidade, cada região da Europa conheceu sua versão de gaita. Hoje em dia, ela está praticamente esquecida na maioria dos países. Ainda é cultuada no mundo celta: Escócia, País de Gales, Irlanda, Bretanha (França), Galiza (Espanha), norte de Portugal.

Gaita 5O portal La Voz de Galicia dá informação curiosa. O Brasil tem uma única fábrica de gaita de foles. Ela se encontra nos arrabaldes de São Paulo e produz meia dúzia de modelos diferentes. O fabricante, artesão que conta apenas com a ajuda da esposa, é autodidata.

Construir gaita dá trabalho e leva tempo. Quem estiver interessado, tem de entrar numa lista de espera de 6 meses. Robles Luques, o artesão, sonha com o dia em que o primeiro instrumento chegado ao País se popularizará.

O momento atual assenta como luva: com a “Pátria Educadora” em ação, Robles encontrará com facilidade o encorajamento e o financiamento que lhe fazem falta. Que os anjos digam amém.

Três sustos

José Horta Manzano

Você sabia?

Troglodita 3Primeiro susto
Se alguém, na França, lhe propuser visitar uma maison troglodyte – casa troglodita, não deve o distinto leitor se assustar. Não imagine que o cicerone vá conduzi-lo a lugar não recomendável a pessoas de boa família.

A língua francesa de hoje reserva o adjetivo troglodita para construções – em geral habitáveis, mas não necessariamente – que têm a particularidade de serem escavadas no flanco de parede rochosa. É o que, na Espanha, chamam cuevas.

Troglodita 2Troglodita 1Ideal para os sem-teto medievais, abrigos desse tipo vêm sendo aproveitados para acolher turistas em busca de alojamento fora do corriqueiro. Quando bem ajeitadas, as casas trogloditas pode exibir charme incomum.

Na Idade Média, até castelos trogloditas foram construídos. Em vales estreitos, o aproveitamento da parede rochosa fazia ganhar espaço. Os fundos do imóvel já estavam prontos, só faltava a frente. Duro mesmo devia ser a escavação no muque.

Interligne 18gSegundo susto
Ainda na França, se um conhecido se apresentar como personne ordinaire – pessoa ordinária, não tome isso como confissão de criminoso. No francês atual, ordinário é o contrário de extraordinário. Aplica-se a tudo o que é comum, corriqueiro, usual. Seu amigo está simplesmente afirmando que é pessoa comum, sem atributos especiais.

Croissant 1Se você entrar numa boulangerie e pedir um croissant, virá a pergunta obrigatória: beurre ou ordinaire? – de manteiga ou comum? Encomende o que lhe apetecer. No entanto, gordura por gordura, mais vale ficar com o de manteiga. Já que vai engordar, que seja com mais gosto.

Interligne 18gLeão 1Terceiro susto
Le lion est le roi des animaux significa o leão é o rei dos animais. Muitos e muitos anos atrás, no tempo em que a escola brasileira dava aulas de francês, esse era um dos provérbios mais apreciados por estudantes engraçadinhos. (Falando nisso, acabo de cometer pleonasmo: todo estudante é engraçadinho por natureza.)

Como a pronúncia soa «leliôn é lerruá dezanimô», a gente costumava dizer que o leão ia urrar, desanimou. Brincadeira de criança antiga. Já faz tempo que deve ter perdido a graça.

A sizuda «Pátria Educadora», coisa séria pra valer, não tolera mais esse tipo de troça. A partir de agora, a escola se compromete a ensinar, e o aluno, a aprender.

Repita!

José Horta Manzano

Relógio 2Son las siete de la mañana, las seis en Canarias é o bordão que estações de rádio espanholas repetem escrupulosamente cada vez que o ponteiro dos minutos bate lá em cima. Dão sempre a hora nacional sem esquecer os que vivem sob fuso horário diferente do de Madri.

– São sete horas. – Repita! – São sete horas! Só não ouviu esse estribilho quem nunca passeou pelas estações brasileiras de rádio. É ladainha repisada todas as manhãs por uma das rádios mais sintonizadas do País. Está presente (e é captada) em todo o território nacional. Pelas artes da internet, até no exterior se pode ouvir.

Que a Rádio Clube de Xiririca do Fundão dê a hora local é compreensível: sua plateia vive no máximo a algumas léguas do lugarejo. Que uma das maiores emissoras do País, que conta com audiência do Oiapoque ao Chuí (como se dizia antigamente), faça a mesma coisa é frustrante.

Os 4300 quilômetros de largura do Brasil se estendem por quatro fusos horários. Quando a rádio que mencionei afirma e repete que são sete horas, noronhenses, mato-grossenses, acrianos, amazonenses e outros têm de recolher-se à sua insignificância. Cada um deles é obrigado a calcular mentalmente sua verdadeira hora.

Fusos horarios 3Quando o locutor apregoa que são sete horas, o noronhense sabe que, para ele, são já oito horas. O mato-grossense entende que, na sua província esquecida, ainda são seis da manhã. E o defasado acriano será obrigado a fazer continhas para deduzir que o galo ainda não cantou por lá: não passa das cinco da madrugada.

A estação de rádio à qual me refiro não é a única a agir assim. Todos fazem igual. Um ou outro, mais cuidadoso, explicita que está dando a hora de Brasília. É mal menor.

Sou incapaz de dizer de onde vem essa ideia de que o mundo começa no umbigo e termina um palmo adiante do nariz. Hesito entre descuido, ignorância, arrogância, preguiça mental. Levando em conta que costumam dar a temperatura de variados pontos do território nacional, prefiro acreditar que se trate de simples descuido conjugado com um tiquinho de arrogância.

Relógio 1Ah, tem mais. Aproveitando a onda da «Pátria Educadora», bem que podiam ser um pouco menos bruscos quando ordenam que o coadjuvante repita.

«Repita, por favor!» seria mais delicado e mais adequado. Fariam escola. Quem sabe um dia acordam.

Quem não se comunica se estrumbica

José Horta Manzano

Comunico à Casa o comunicado que recebi do chefe da Casa Civil comunicando a demissão do ministro da Educação.”

Comunicação comunicada pelo deputado Cunha, que comunicou o comunicado que lhe havia sido comunicado pela Casa Civil. A obra-prima de oratória foi comunicada por todos os jornais.

Interligne 18e

Tirando o cômico da cena, vamos aos fatos. O episódio escancara novo e flagrante exemplo de que a “Pátria Educadora” não passa de bordão vazio.

O cargo de ministro da Educação contém a palavra educação. Admite-se que, mortal, o titular da pasta carregue defeitos – como todos nós. Uma falha, no entanto, é inconcebível: que ele demonstre falta de educação. É o coxo zombando do perneta.

Faroeste 1Mais uma vez, fica patente que o Planalto tenta iludir a nação à custa de slogans. Esse da “Pátria Educadora” é apenas mais um, mera frase de efeito, inventada pra inglês ver.

Na hora do vamos ver, no momento crucial de escolher um ministro para a pasta estrategicamente mais importante da República – aquela que vai traçar o caminho das gerações futuras – quem é o agraciado? Um indivíduo tosco e mal-educado. Um indivíduo ao qual um papel secundário num filme de faroeste, ao lado de John Wayne, assentaria como luva. Já para encabeçar o Ministério da Educação, não serve.

O futuro das filhas do futebolista

José Horta Manzano

Bola futebolMaxwell Scherrer Cabelino Andrade, capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, é jogador de futebol. Por ter atuado desde jovem no exterior, é pouco conhecido no Brasil.

Aos 20 anos foi contratado pelo Ajax de Amsterdam e, desde então, seguiu carreira na Europa. Na sequência, foi contratado pelo Internazionale de Milão (Itália) e pelo Barcelona (Espanha). Faz três anos que o moço joga no Paris Saint-Germain.

Atualmente com 33 anos, o jogador vê aproximar-se a hora de pendurar as chuteiras. Em entrevista ao portal francês Goal, abriu-se e gerou a manchete: «Maxwell ne veut plus rentrer au Brésil» – «Maxwell não quer mais voltar para o Brasil».

É sabido que todo futebolista brasileiro em fim de carreira arruma um contratozinho em terra tupiniquim. Um ou outro vai para os EUA, mas a maioria prefere mesmo a terra tropical. Por que será que esse defensor do PSG pensa diferente? Na entrevista, ele mesmo conta.

Maxwell confessa ter sucumbido aos encantos de Paris. O que mais o deixa maravilhado é a oferta histórico-cultural da cidade. Museus estão por toda parte. O jogador considera que, para suas filhas, é uma grande sorte poder continuar vivendo na França. Crescendo naquele ambiente, elas terão oportunidades muito maiores do que se estivessem no Brasil.

Futebol Maxwell«Estou feliz de poder dar a elas algo que eu não recebi quando criança» – acrescenta o esportista. E completa: «A coisa mais preciosa que posso deixar a minhas filhas é a educação. Acredito que voltar ao Brasil hoje não seria a melhor solução para elas».

Como as coisas mudam, distinto leitor! Até dez ou vinte anos atrás, o sonho maior de todo brasileiro que tivesse vivido no exterior era voltar um dia para a terra natal. Praia, coqueiro, rede, sombra e água de coco falavam mais alto. Hoje, já não é mais sistematicamente assim.

Se bem que, com a Pátria Educadora… quem sabe as coisas mudam? Parece que agora vai.

Pátria educadora

Carlos Brickmann (*)

Sim, Dilma disse num dia que o lema de seu governo seria: “Brasil, pátria educadora”. E, na mesma semana, houve cortes no orçamento federal. Os maiores cortes atingiram o Ministério da Educação.

Mas a pátria educadora não é apenas a educação: é também a cultura. E o Museu Nacional, com 196 anos de história, maior instituição latino-americana de antropologia e história natural, fechou as portas ao público.

"Que notas são estas?" by Emmanuel Chaunu, desenhista francês

“Que notas são estas?”
by Emmanuel Chaunu, desenhista francês

Motivo: há três meses a Universidade Federal do Rio de Janeiro não paga as empresas terceirizadas de limpeza e segurança. Os serviços foram paralisados e o museu não podia mesmo receber visitantes.

Por que a UFRJ, subordinada ao Ministério da Educação, parou de pagar? Porque o governo federal parou de repassar as verbas para esses serviços. O salário de dezembro dos funcionários não saiu, nem o vale-transporte. E os 4 milhões que prometeram liberar nesta semana não resolvem o problema.

É a pátria educadora em ação.

(*) Carlos Brickmann é jornalista, consultor de comunicação. Publica a Coluna Carlos Brickmann em numerosos jornais.