Palacio Quemado

José Horta Manzano

Não é qualquer país que tem o governo funcionando num palacete chamado “Palacio Quemado”. Pois é o caso de La Paz, Bolivia – cidade que não tem feito jus ao nome, nestes dias de tumulto. Paz não há. Desconheço a origem do nome do palácio. À primeira vista, trata-se de edifício que já foi vítima, no passado, de incêndio. Pelo histórico do país hermano, não espantaria que a queima do edifício não tenha sido acidental, mas provocada.

Os incêndios continuam. Residências de dignitários de alto coturno vêm sendo queimadas. Francamente, a destruição pelo fogo parece fixação nacional. Pressionados pelos eventos, pelas manifestações e, principalmente, pela deserção do exército e da polícia, o governo acabou caindo. Acuados, os dirigentes tinham subido ao telhado quando, espertamente, as forças armadas e a população descontente retiraram a escada. Não houve jeito. Tiveram de pedir arrego e arreglo.

Chegou o capítulo final da longa novela que ali se desenrola há quase 14 anos, desde a eleição de Morales, ainda nos tempos de nosso jurássico mensalão. Imagine o distinto leitor que, quando señor Evo Morales foi eleito pela primeira vez, Chávez ainda encantava Lula da Silva com a lorota dos dólares do petróleo. Foi quando um Morales recém-eleito nacionalizou uma usina da brasileira Petrobrás, cujo maior acionista é o governo brasileiro. Um aparvalhado Lula deixou por isso mesmo.

Evo Morales
by Darío Castillejos, desenhista mexicano

O presidente da Bolívia é um recordista de longevidade. Nos 26 anos que correm de 1980 a 2006, ano de sua primeira eleição, nada menos que 19 presidentes governaram o país, boa parte deles ditadores militares. Isso dá média de um ano e quatro meses para cada mandato. Desde os tempos de Simón Bolívar (que, além de dar nome ao país, presidiu-o por 139 dias), nunca se havia visto presidência tão longa.

Señor Evo Morales um dia teve apoio e ajuda de Cuba, Venezuela, Equador, Nicarágua, Argentina e, mais que todos, do imenso Brasil do PT. Sem o Brasil, a Bolívia é país economicamente inviável. Quem compraria o gaz, de que o país é flatuloso?

Como é fácil de imaginar, Cuba, Venezuela, Argentina e Rússia – cada um por motivo próprio – protestaram contra a renúncia de Morales, que classificam como golpe de Estado. Pode até ser. Mas não há que passar em branco as manobras pouco republicanas que o resiliente presidente boliviano empreendeu para agarrar-se ao Palacio Quemado. Se há golpe hoje contra ele, golpes já houve de autoria do próprio. A coisa vai, um dia a coisa volta.

Mais pragmático, o governo mexicano oferece asilo tanto a Evo quanto aos que lhe são chegados. Boas-vindas ao novo governo do país hermano, que é o vizinho com o qual o Brasil tem, de longe, sua mais longa fronteira: quase 3500km. Vamos torcer para que, desta vez, consiga presidir civilizadamente o país. Ah, e que nenhuma propriedade brasileira seja encampada!

Vexame internacional

José Horta Manzano

Não sei se o distinto leitor ficou abalado com o doloroso espetáculo protagonizado ontem por dois ministros do STF. Eu fiquei. É verdade que quem está fora do país enxerga com outros olhos. A mídia brasileira descreveu o acontecido como «bate-boca». A expressão é condescendente, suave demais.

Em 24 de janeiro, eu tinha assistido ao julgamento, pelo TRF4 de Porto Alegre, da apelação do Lula. A sessão deixou excelente impressão. Sóbrios, técnicos, solenes e incisivos, os juízes se mostraram à altura do cargo que exercem. Há que lembrar a velha história da mulher de César que, além de ser séria, tem também de parecer séria. O tribunal gaúcho seguiu o conselho à risca.

Já a troca de insultos havida ontem na corte maior foi aflitiva. Nem «bate-boca», nem refrega, nem altercação, nem desavença descrevem a cena com força suficiente. Uma expressão popular retrata o atrito com precisão: foi um barraco. Se a cena já teria caído mal numa reunião de condôminos, num tribunal superior é coisa nunca vista, verdadeiro atentado contra o povo brasileiro.

Pouco importa o que estivesse em discussão. Cada um dos ministros tem o direito de expressar a própria opinião ‒ é por isso que os julgamentos são pronunciados de forma colegiada. Outra coisa é a maneira. Esquecidas da solenidade do honroso cargo que ocupam, as excelências ofenderam os que lhes pagam o salário. Diminuíram a corte a um nível abaixo do de uma república de bananas.

Assim que me inteirei do que tinha acontecido, corri pra dar uma olhada na repercussão internacional. Conferi os principais órgãos da mídia de diferentes horizontes. Com alívio, me dei conta de que o escarcéu não se tinha propagado.

Supremo Tribunal Federal, Brasília

A mídia anglo-saxã, demais ocupada com o escândalo do vazamento de dados de 50 milhões de usuários do Facebook, não deu importância.

Na França, não se fala em outra coisa senão no indiciamento do ex-presidente Nicolas Sarkozy, acusado de ter aceitado doação do governo líbio para a campanha presidencial de 2007.

Já a imprensa de língua espanhola deu grande destaque à renúncia do presidente do Peru, caído por razão de corrupção ligada a nossa conhecida Odebrecht, velha de guerra.

Com o país privado de participação na Copa, a mídia italiana anda vidrada em assuntos de futebol. Não fala do Brasil senão para evocar jogos presentes e futuros, presença de tal jogador, ausência daquele outro, coisas assim.

Ufa! ‒ pensei ‒ desta vez escapamos do vexame internacional. Pode ser, mas a vergonha nacional está aí, não há como esconder. A cada novo episódio angustiante levado ao ar por nossas excelências togadas, vai-se firmando a impressão de que algo está muito errado com o Judiciário brasileiro.

Numa futura revisão constitucional, acredito e espero que o legislador dê especial atenção à arquitetura do sistema, especialmente no que tange ao STF. Inúmeros pontos terão de ser reavaliados, tais como:

* modo de escolha dos ministros

* número de membros do colegiado

* mandato limitado no tempo ou vitalício?

* instauração de órgão de controle externo

* convém o STF acumular as funções de tribunal de cassação e de corte constitucional? Parece muita carga pra ministro pouco.

Por enquanto, não há grande coisa a fazer. É torcer pra que as excelências mais exaltadas tomem um chazinho de maracujá antes de subir ao palco das vaidades. Parece que, pra abrandar insultos, é tiro e queda.

Perguntar não ofende ‒ 4

José Horta Manzano

O mais recente escândalo que sacode o país, protagonizado por doutor Temer e um senhor de sobrenome pio(*) e nome simplório, tem dado que falar. Cai o presidente? Renuncia? Permanece? É apeado?

Enquanto todas as atenções se voltam para a tormenta que desaba sobre o presidente em exercício, o bilionário de nome esquisito passa dias tranquilos passeando em Nova York.

Foto: Adriana Spaca

Especialistas estão periciando a gravação que serviu de salvo-conduto ao moço de nome bizarro e lhe valeu permanecer em liberdade apesar de ter subornado centenas de parlamentares.

Agora vem a pergunta. Caso venha a ser comprovado que o corruptor manipulou e falseou a gravação, como fica o acordo de leniência? O favorecido continuará leve, livre e solto apesar da trapaça? A Justiça não reagirá ao engodo, anulando imediatamente o acordo e expedindo ordem de prisão contra o defraudador?

Nos EUA, com ordem de captura expedida pela Interpol, o moço não irá muito longe. Por mim, podem até julgá-lo e encarcerá-lo por lá mesmo. Já temos meliantes suficientes em território nacional.

(*) Batista e seus correlatos (batismo, batizar e outros) descendem da raiz grega baptízein (= báptein), que significa imergir, mergulhar. O termo foi escolhido para designar os que se submetiam à cerimônia de batismo por imersão total na água, prática adotada em determinadas religiões.

Inferno bolivariano

José Horta Manzano

Señor Maduro, (ainda) presidente da sofrida Venezuela, está pulando na corda bamba. Sua base congressual, composta por não mais que 1/3 dos parlamentares, é amplamente minoritária. O povo passa fome. O país, que pouco ou nada exporta além de petróleo bruto, não tem mais onde encontrar dinheiro. Pra piorar, o preço do petróleo caiu muito estes últimos anos. Fator agravante é a inflação, que deve fechar este ano por volta de 800% ‒ nível que os brasileiros com menos de 30 anos não têm ideia do que possa ser.

venezuela-6Não se sabe bem por que, o governo decidiu abruptamente tirar de circulação a nota de 100 bolívares, a de maior valor e também a mais utilizada no país(*). Note-se que seu valor é de 7 centavos de dólar. Sim, a maior nota do país vale em torno de 20 centavos de real! Pra fazer compras, desde que haja o que comprar, o cidadão tem de carregar uma sacola de dinheiro. Com o banimento da maior nota, o povo ficou sem meios de pagamento. Resultado: este fim de semana, mercadões e mercadinhos foram invadidos e saqueados. O exército foi chamado a intervir.

As fronteiras rodoviárias do país estão fechadas. No oficial, a medida foi tomada para impedir a passagem de «máfias», como se mafioso costumasse atravessar fronteira de ônibus, passaporte na mão. No paralelo, a medida foi tomada para impedir o esvaziamento do país. Se bobearem, metade da população periga abandonar a terra natal, criando um problemão com os vizinhos.

Nas condições atuais, não tem mais jeito: señor Maduro tem de cair e levar consigo todos os auxiliares, assessores, milicianos e apaniguados. O sistema esgotou-se. Raspado o fundo das gavetas, não há mais de onde tirar dinheiro. Nem o lulopetismo, que poderia usar nosso dinheiro pra dar uma mão a Maduro, vai poder ajudar. Embora muitos dos bilhões roubados de nossos impostos ainda devam estar vagando por aí, os rapinadores, acuados, estão mais preocupados em guardá-los para remunerar batalhões de advogados. Ninguém está ligando para «hermanos» necessitados.

venezuela-7Saídas há, embora todas as opções sejam traumáticas. A mais suave seria que Maduro renunciasse, um governo provisório assumisse, novas eleições fossem convocadas. Maduro não se candidataria. Logo após a renúncia, se mudaria para Cuba e sairia de cena. Infelizmente, é pouco provável que as coisas caminhem assim. Ditadores, como se sabe, perdem o contacto com a realidade. Até o último minuto, acreditam que ganharão a partida. Hajam vista Hitler, Ceaușescu & congêneres.

Outra opção, tipicamente hispano-americana, é o golpe de Estado. A única instituição capaz de fazê-lo com boa chance de dar certo é o exército. Chávez tinha sido militar de formação. Maduro, que passou ao largo das casernas e fez a vida como motorista de ônibus, não inspira reverência dos militares.

Se falharem os dois primeiros caminhos, só resta um tenebroso fim: a guerra civil. É a pior das saídas. A da Espanha (anos 1930), a do Líbano (anos 1970-1980), a da antiga Iugoslávia (anos 1990) e todas as outras deixaram um rastro de desolação e de feridas abertas que, décadas depois, ainda não cicatrizaram completamente. Esperemos que os infelizes «hermanos» não tenham de seguir por essa vereda.

venezuela-8

(*) Talvez não tenha nada que ver, mas o súbito desaparecimento da moeda faz lembrar o que Fernando Collor fez ao assumir a presidência do Brasil. Naquela ocasião, a intenção do confisco da poupança dos brasileiros era frear a inflação. O plano fracassou rapidamente. Se não deu certo aqui, não dará ali. Espero que não seja esse o projeto do paranoico señor Maduro. Se bem que…

Titubeação

José Horta Manzano

Janio 2O passo original foi dado mais de 50 anos atrás pelo então presidente da República, o pranteado Jânio da Silva Quadros. Ficou na história como símbolo de vacilação e de irresolução. A aventura do presidente, por sinal, não durou muito: logo renunciou ao mandato. Na sequência, foi despachado rapidinho pra Londres e, durante décadas, não se ouviu falar do homem. Ah, tempos beatos em que anjos caídos se calavam!

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

Numa inspirada charge, o desenhista Roque Sponholz comparou o espírito confuso e desnorteado de Jânio à insegurança de dona Dilma. Cada um a seu tempo, foram ambos obrigados a enfrentar terrível situação de cego em tiroteio. A história dirá se a solução do problema da atual mandatária terá de passar, obrigatoriamente, pela renúncia.

Dilma MerkelEstes dias, Frau Merkel veio de visita a dona Dilma. Vendo as duas assim, sorridentes e coloridas, a gente até poderia imaginar que disputassem um concurso de elegância à la garçonne. A um olhar mais atento, a conclusão se impõe: nossa mandatária ensina à chanceler alemã a maneira correta de demonstrar vacilação.

A la garçonneQuanto a renunciar, Frau Merkel não corre esse risco. Muito pelo contrário: é ela quem acaba de constringir o primeiro-ministro da Grécia à renúncia.

A pose esboçada diante de dona Dilma tem o mesmo valor que os três passos de dança dados pelo Príncipe de Gales, tempos atrás, numa quadra de escola de samba. É só pra contentar fotógrafo.

Depois do caos

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 2 mai 2015

Mês passado, neste espaço, sugeri a Dilma Rousseff convocar um plebiscito. Matéria para consulta popular há de sobra, fato que deixaria a presidente à vontade para escolher a que lhe conviesse. O ponto crucial, a não descurar sob hipótese alguma, seria deixar bem claro que sua permanência no cargo estaria vinculada ao resultado da consulta popular. Pisar em ovosApoiada pelos brasileiros, levaria o mandato até o fim, e não se falaria mais nisso – afinal, não se pode chamar eleitores às urnas a cada semana. Se, no entanto, os votantes se atrevessem a rejeitar a proposta, ela renunciaria, pura e simplesmente, ao mandato. Fiel a seu estilo, sairia de cabeça erguida, por decisão pessoal. Ficaria patente que valoriza o nobre sentimento da honra.

Assoberbada de trabalho e sobrecarregada de preocupações, a mandatária não há de ter tido tempo de avaliar a sugestão. Ou talvez, desacostumada a seguir conselhos, tenha decidido manter-se inabalada e inabalável. Cada um é que sabe onde lhe aperta o sapato.

A vida (não só a da presidente) anda um bocado complicada, convenhamos. A insegurança assusta, incertezas atulham o horizonte. A gente às vezes se sente mergulhado numa autêntica casa de mãe joana, uma espelunca onde todos gritam e ninguém tem razão. Paira no ar a impressão de que conquistas e avanços, que acreditávamos consolidados, andam evaporando num processo inexorável de dissolução.

Dilma ministerio 1Ministro que entra, ministro que sai; mandatária-mor em palpos de aranha e visivelmente isolada; antigos presidentes dando palpites sobre tudo e sobre todos, como se em roda de botequim estivessem; congressistas desacreditados; revelação diária de detalhes novos de roubalheiras antigas. Arre! Tudo contribui para aumentar a desagradável sensação de que o coreto bagunçou de vez. Aos cidadãos comuns que somos, restam o desencanto e, mais que tudo, a certeza de que nos caberá pagar a conta.

Nós, brasileiros, temos tendência a exagerar os aspectos negativos de todo acontecimento. Acentuamos de tal modo a face ruim, que acabamos incapazes de enxergar o lado positivo. Alguns asseguram que essa curiosa peculiaridade está inscrita no tema astral do País. Dizem que assim são as coisas e que é impossível contrariar o carma nacional. Como não sou do ramo, prefiro dar de barato e não comprar essa briga.

OmeletteNão se faz omelete sem partir ovos. Não se constrói o novo sem demolir o antigo. Não se ganha guerra sem travar batalha. O brado da sabedoria popular é incontestável: todo avanço, todo progresso, toda conquista pressupõe a falência da estrutura antiga. Exige mudança. Provoca crise. Abre um túnel que temos de atravessar para chegar à luz do outro lado.

Erramos ao dar exagerada importância à crise, que é passageira. Convém fazer das tripas coração e considerar que o atual momento conturbado é passagem obrigatória que conduz à transformação do modelo exaurido.

Quando se sacode a árvore, os frutos podres se esborracham no chão. É o que está acontecendo. Alguns sinais já sorriem no horizonte. Semana passada, antiga proposta de voto distrital foi aprovada no Senado. Tímido, o projeto restringe a prática a alguns poucos municípios. Mas é passo na boa direção.

Discussão 3«Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar» – sentenciou Nélson Rodrigues. Durante doze anos, afagados pela brisa leve da bonança econômica, estivemos anestesiados. Pouco se nos dava que o comportamento de medalhões fosse tortuoso: tinham todos direito ao apoio negligente e (quase) unânime da nação distraída.

Dissensões pipocam hoje na classe política. A presidente colide com o Senado, que abalroa a Câmara, que esbarra em líderes partidários, que estranham o STF. Não é motivo pra se deixar abater, distinto leitor! Ao contrário, esse cafarnaum é pra lá de salutar. A presença de vulto todo-poderoso na chefia do Executivo, como ocorreu nos últimos anos, empalidece os outros poderes, desequilibra o conjunto e distorce o espírito republicano.

Faixa presidencialA todo presidente com baixa aprovação popular, corresponde um Congresso revigorado. Parlamento fortalecido e voto distrital são notícias auspiciosas. Afinal, se a presidente foi eleita com o voto de metade dos eleitores, o Congresso representa a totalidade dos brasileiros.

Não nos deixemos abater pelas nuvens escuras que encobrem o sol neste momento. Que desabem, que se precipitem e que se dissipem. Bom marinheiro ensina que, depois da tempestade, é garantido: vem bom tempo.

Malhação e aleluia

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 4 abr 2015

Que tenham sido um ou dois milhões nas ruas, dia 15 de março, tanto faz. A conta pouco conta. Que ministros deem as costas e se ponham a renunciar pode surpreender, mas tampouco é capital. Que assessores e porta-vozes se contradigam, que deixem o dito pelo não dito, que troquem os pés pelas mãos também não é o fim do mundo.

Cabo de guerra 1

Cabo de guerra

Que antigo presidente ameace soltar nas ruas exército paralelo, à imagem das milícias de Hitler e de Mussolini que impunham lei particular na valentona, não é plausível. Ainda que o Brasil esteja «esticando a corda», como confessou um ministro recentemente, o cabo de guerra não há de rebentar tão já.

Que o Congresso e a presidente andem às turras, que se mordam reciprocamente as excelsas orelhas, que se assestem mútuas pedradas é coisa de somenos. Que subam o dólar e a inflação, que baixem os reservatórios e a credibilidade do País são coisas da vida. Sobreviveremos.

Milicia 1

Milícia de Mussolini

Nossa presidente tem couraça rija, daquelas que não cedem a pressõezinhas. Forjada no enfrentamento, já passou por outras e não é de se assustar com miudezas.

No entanto, tudo tem limite. Cada um tem seu calcanhar de aquiles. Presidentes podem, peito aberto, dispensar louvor de áulicos, prescindir de ministros e até encarar congressistas. Um único pilar lhes é vital e imperativo: o apoio do povo que os elegeu.

Não há que se diga: o fator maior de desestabilização de Dilma Rousseff é sua vertiginosa queda no barômetro de popularidade, aferida por pesquisa recente. O que era apenas percepção tornou-se fato.

A presidente pode (dizem as más línguas que costuma) oferecer demorados chás de cadeira a assessores e outros visitantes. Pode humilhar publicamente, como de fato já fez, embaixador estrangeiro. Pode desconsiderar, como tem feito, críticas e alertas trombeteados pela mídia daqui e de fora. Existe algo, no entanto, que ela não pode fazer sem correr perigo funesto: passar por cima do descontentamento e da reprovação daqueles que nela depositaram confiança e que ora se sentem defraudados.

Há quem aposte em eventual destituição da mandatária pelo Congresso. Hipotética e traumática, a solução seria sobretudo desastrosa – deixaria sombras e amargor por muitos anos. Quem tem mais de 30 anos já assistiu a esse filme, verdadeiro traumatismo ainda vivo na memória.

ba Claudius Ceccon, desenhista gaúcho

by Claudius Ceccon, desenhista gaúcho

Sejamos objetivos. Dois fatores conjugados foram necessários para alçar Dilma à presidência. Por um lado, ao registrar candidatura, ela mostrou a decisão de dirigir a República. Por outro, ela se submeteu ao voto popular, universal e direto para obter o posto. Por coerência, eventual quebra de mandato tem de ser produto da interação dos mesmos fatores que a içaram ao cargo maior: vontade popular e decisão da interessada.

Nos dias de hoje, destituí-la por decisão de parlamentares pega mal. Ainda que tenham sido eleitos pelo povo, nossos congressistas têm feito tantas artes que são percebidos como descompromissados com o bem comum. Decidido pelo Congresso, eventual impedimento da presidente pode até ser tachado de conluio. Não convém seguir essa via.

Magnânima, a história guarda exemplos de como fazer. Uns casos são mais edificantes que outros. Entre os marcantes, está a despedida de De Gaulle, em 1969. Passada a enxurrada de protestos do ano anterior, o general sentiu-se desprestigiado. Começou a dar-se conta de sua desconexão com a nova realidade.

De Gaulle 1

Charles De Gaulle

Antes que o despedissem, afronta insuportável para velho leão, ele encontrou a parada: convocou um plebiscito – um mero subterfúgio. Na teoria, os cidadãos deveriam referendar uma reforma administrativa. Na prática, De Gaulle queria certificar-se de que o povo ainda o queria como presidente. Foi logo avisando que, caso a reforma fosse rejeitada, renunciaria ao mandato. Dito e feito. Derrotado pelo voto popular, o presidente deixou o cargo no dia seguinte.

Em outras ocasiões, dona Dilma já acariciou a ideia de plebiscito, sem nunca ter chegado aos finalmentes. Pois a hora é agora. Que escolha um pretexto qualquer, que o submeta à decisão popular e que deixe bem claro que, em caso de rejeição, renunciará ao que lhe resta de mandato.

Se for derrotada, sairá de cabeça erguida: terá saído porque quis e não por bilhete azul dado pelo Congresso. Se for respaldada, terá recebido a confirmação de que os brasileiros desejam sua permanência. Seja qual for o resultado, desonra não haverá.

Malhação do judas by Jean-Baptiste Debret (1768-1848), artista francês

Malhação do judas
by Jean-Baptiste Debret (1768-1848), artista francês

Hoje, malha-se o judas. Possa o domingo de Páscoa serenar ânimos e perenizar a aleluia. Ninguém merece este clima por mais quatro anos.

Forças ocultas

by Antônio Gabriel Nássara (1910-1996) caricaturista carioca

by Antônio Gabriel Nássara (1910-1996)
caricaturista carioca

Antigo ministro e embaixador, José Aparecido de Oliveira aceitou debater com estudantes, nos anos 80, sobre os acontecimentos de 1961, quando o presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo depois de tê-lo exercido por sete meses. Aparecido tinha sido secretário de Jânio.

Um rapaz muito agressivo e com a arrogância própria da idade criticou o gesto do antigo presidente – atribuído a “forças ocultas” – e declarou:

– Eu nunca teria feito isso!

Aparecido não perdeu a chance:

– Meu filho, você pode até estar certo, mas esse problema você nunca vai ter de enfrentar.

Interligne 18c

Reprodução do original publicado pelo jornalista Cláudio Humberto in Diário do Poder,

Nota deste blogueiro
Apesar do que acreditam muitos, a carta renúncia de Jânio Quadros não mencionava “forças ocultas”, mas “forças terríveis”.

Corajoso até o fim

José Horta Manzano

Acabou de sair a notícia: preso há quase 20 dias, Genoino renunciou a seu mandato de deputado. Que não se iluda quem vir algum heroísmo na atitude do nobre (e agora ex) deputado. Se ele se decidiu por esse caminho, faltando cinco para a meia-noite, foi simplesmente para safar-se de uma certeira cassação de mandato.

Dizem que o velho guerrilheiro ― que, afinal não é nenhum ancião ― chorou sentidas lágrimas ao se ver confinado entre quatro paredes de uma cela da Papuda. Não é exatamente a reação que seria de esperar de um cidadão que diz já ter pegado em armas para defender os interesses de seu grupo. No entanto, sacumé, a velhice torna os sentimentos mais macios. Com um pequeno esforço, dá até para entender a emoção de alguém que já se tinha acostumado a ser temido e respeitado.

Genoino: braço dobrado

Genoino: renúncia ao mandato

Já a renúncia ao mandato é outra coisa bem diferente. Aí já não estamos mais no campo da ternura nem da comoção. Foi atravessada a linha que separa o sentimento espontâneo do cálculo frio. Aquele que diz ter um dia, peito aberto, enfrentado chuva, trovão e brucutu não é mais aquele. Aderiu ao bando dos malandros e dos espertos.

Essa renúncia desvela o cerne da personalidade do ex-deputado. Vai ficando mais fácil entender por que a guerrilha não deu certo. Dizem que cada um costuma procurar sua turma. É natural. Preferimos todos conviver com pessoas com as quais temos maior afinidade e junto às quais nos sentimos mais à vontade.

Portanto, é lícito inferir que o espírito coletivo da turma de guerilheiros era semelhante ao do senhor Genoino. Agora fica claro que a causa que defendiam não tinha como prosperar. Na hora do oba-oba, vamos todos juntos, pra frente Brasil, o futuro é nosso! Já na hora do vamos ver, espirra cada um para um lado, cada um cuida de si e seja o que Deus quiser. Não pode. Não é com esse espírito que se derruba um regime.

O Lula já confessou que, quando ainda vivia no andar de baixo e fazia greve de fome em sinal de protesto, guardava sempre no bolso uma provisão de balas bem açucaradas para comer escondido. Afinal, ninguém é de ferro.

O Dirceu já deixou público que, ao voltar de Cuba sob identidade falsa, casou-se e não revelou nem à própria esposa que não era aquele que ela pensava que fosse.

E agora, chegou a vez do Genoino de fazer papelão.

E pensar que esses três estão, gostemos ou não, no topo da zelite de nosso País. Costuma-se dizer que o exemplo vem de cima. Com gente dessa estatura moral lá em cima, não admira que o País continue empacado.

Yes, you can!

José Horta Manzano

Não sou fã ardoroso dessas gracinhas que circulam pela internet e que nos atulham a caixa postal. Em geral, vão para a lata de lixo sem ser lidas. De vez em quando, aparece alguma realmente espirituosa. Foi o caso hoje. Vai aqui abaixo. Se alguém não apreciar, peço desculpas antecipadas.

Yes you can