Türkiye

O presidente da Turquia em convescote com seus ministros

José Horta Manzano

Governante esperto sabe tomar a temperatura do país e adotar medidas que reconfortem o povo. Nosso país, atualmente presidido por um senhor estranho que se esforça em solapar os interesses nacionais, está desacostumado de ver no trono um governante normal.

Em 2021, a inflação turca atingiu o patamar de 36%, o mais alto dos últimos 20 anos. Como se sabe, inflação nesses níveis desorganiza a economia, e quem mais sofre com isso são as classes populares. A carestia não perdoa e deixa um rastro de descontentamento.

Recep Erdoğan, que se mantém no topo do poder turco há duas décadas, botou o termômetro e constatou que sua popularidade está baixando. Agora não perde ocasião de se mostrar antenado com os anseios do povo turco. Suas decisões podem até nem ser de grande utilidade para o dia a dia da população, mas são espetaculosas.

Em inglês, o nome da Turquia é Turkey. Acontece que, como contei em post de alguns dias atrás, essa palavra, em inglês, tem função dupla. Tanto serve para dar nome ao país quanto para designar o o peru (a ave). Que se saiba, essa particularidade nunca incomodou nenhum turco.

Aliás, observe-se que os turcos usam a palavra portakal (derivada de Portugal) para dizer laranja, fato que jamais comoveu nenhum português. Esses mesmos turcos chamam o mês de abril de Nisan (pronuncie Nissan), sem que nunca se tenha ouvido reclamação por parte da montadora japonesa.

Com intenção de melhorar sua popularidade, o presidente turco teve uma ideia. Mandou carta ao secretário-geral da ONU solicitando que seu país não mais fosse chamado de Turkey, mas sim de Türkiye, que é a forma original turca. A ONU, que deixa a cada país-membro a liberdade de ser chamado como preferir, aceitou imediatamente o pedido.

A partir de agora, em todos os documentos oficiais da organização, a Turquia passou a ser identificada como Türkiye. Com isso, o presidente do país espera ser reconhecido por seus súditos como o protetor da nação, aquele que cuida dos interesses do país e do povo.

Só tem uma coisa: a mudança de nome é só pró-forma. Na pronúncia, vai ficar tudo como antes. Ao deparar-se com a inabitual forma Türkiye, os de língua inglesa continuarão a pronunciar… Turkey.

Vamos ver se a popularidade interna do presidente turco melhora. Tenho cá minhas dúvidas. Quando a carestia aperta, esse tipo de mudança cosmética costuma ser inócua.

Em todo caso, ele pelo menos terá tentado. O nosso, nem tentar tenta.

O bicho de muitos nomes

José Horta Manzano

A história do peru é interessante. (Estou falando do peru de Natal, não do país vizinho.) O pássaro é endêmico na América do Norte. Aliás, foi o único bicho voador a ser domesticado na América pré-colombiana.

Os primeiros espanhóis levaram consigo, no regresso, casais dessa ave. Era uma época em que os navegantes não tinham certeza sobre a real localização das novas terras. Os primeiros exploradores acreditavam haver chegado às Índias – daí os nativos terem sido chamados de índios.

Chegando à Europa, a ave, que ainda não tinha nome, foi batizada conforme a lógica de cada país; só que nem todos seguiam a mesma lógica.

França
Os franceses foram provavelmente os mais rápidos a lhe dar nome. Certos de que as novas terras correspondiam à Índia, chamaram a ave de “poule d’Inde” (=galinha da Índia). O nome ficou até hoje. A primeira parte da expressão caiu (poule), mas a segunda ficou. O nome do peru hoje se escreve sem apóstrofo: “dinde”.

Espanha
Os espanhóis hão de ter nomeado o peru mais tardiamente, pois parece que já sabiam que as terras descobertas não eram a Índia. Deram ao bicho voador o nome de “pavo”, em contraposição a “pavo real”, que é o pavão, ave já conhecida.

Inglaterra
Quanto aos ingleses, a história é diferente. Décadas antes da descoberta da América, os portugueses haviam trazido da África um galináceo desconhecido na Europa: a galinha d’Angola. Seu comércio se alastrou pelo norte da África até chegar à Turquia.

Quando o peru apareceu, já fazia tempo que os ingleses conheciam as angolinhas “da Turquia”. Ao ver a nova ave, pensaram que fosse uma variedade de galinha turca. Deram-lhe o nome de “Turkey hen” (galinha da Turquia), posteriormente abreviado para o atual “Turkey”.

Alemanha
Os alemães, provavelmente fascinados pela novidade, não se preocuparam tanto com a origem do animal. Encantaram-se com o som que ela emitia, especialmente quando queria chamar os pintinhos. Aos ouvidos germânicos, o som soou como “put, put”.

Até hoje, usam a forma onomatopaica “Pute” – forma que, para nós, soa francamente bizarra. O animal também é conhecido pelo nome “Truthenne” (=galinha “trut”), sendo que “trut” também é onomatopeia do grito do peru.

Os fãs da Índia
Diversos povos europeus se deixaram levar pela influência francesa. Deram ao peru um nome lembrando a suposta origem. Assim, temos: polonês “indyk”, russo “indeika”, turco “hindi”. Todos eles apostaram numa espécie de galinha proveniente da Índia.

Os mais rigorosos
Alguns procuraram ser ainda mais precisos. Não se contentaram em dar como origem a imensa Índia, mas especificaram a suposta região de origem do bicho.

Com variantes gráficas que refletem as convenções de cada língua, o termo “kalkun” vigora na Holanda e na Escandinávia. Atrás dessa estranha palavra, esconde-se uma região imprecisa, que tanto pode ser Calicute como Calcutá.

Para o europeu da época, tratava-se de uma única cidade. Hoje sabemos que são duas, bem diferentes, situadas a 1.500 km uma da outra, ambas na Índia.

Portugal
Quando os primeiros exemplares da ave foram levados a Portugal, as parcas informações de que se dispunha à época não permitiam identificar exatamente a origem. (No fundo, acredito que ninguém, exceto os importadores, estava muito interessado em saber o caminho e o trajeto da mercadoria.)

O galináceo acabou recebendo o nome do lugar de sua suposta origem: o Peru. Há que lembrar que, naqueles tempos recuados, “Peru” era um nome mágico, designando uma imensa e riquíssima região situada nalgum impreciso lugar da América do Sul.

É curioso notar que a imagem de um lugar fabuloso e abarrotado de ouro e prata persiste numa expressão francesa utilizada até hoje. No francês  coloquial, a exclamação “Ce n’est pas le Pérou!” (= Não é o Peru!) é utilizada quando se quer dizer que algo não é extremamente caro ou valioso.

Pra você ver que o nome daquele riquíssimo país marcou a memória coletiva. Pra nós, é nome de ave. Mas, pelo preço que andam cobrando, faz jus à imagem de riqueza que os antigos lhe atribuíam.

Rainha Isabel

José Horta Manzano

O aportuguesamento de nomes e sobrenomes era comum nos antigamentes. Todas as línguas procediam exatamente da mesma maneira. Há exemplos a dar com pau.

No original italiano, Cristóvão Colombo era Cristòforo Colombo. Em inglês, ficou Christopher Columbus; em espanhol, Cristóbal Colón; em francês, Christophe Colomb; em alemão, Christoph Kolumbus.

O português Fernão de Magalhães virou Fernand de Magellan em francês, Ferdinando Magellano em italiano, Fernando de Magallanes em espanhol.

Em nossa língua, o polonês Mikołaj Kopernik transformou-se em Nicolau Copérnico. Ingleses e alemães conhecem nosso D. Pedro II como Peter II, enquanto italianos dizem Pietro II e franceses preferem Pierre II.

Os espanhóis, até hoje, traduzem o nome dos membros da realeza estrangeira. Quando se referem à família real inglesa, é divertido ouvir falarem da rainha Isabel e dos príncipes Carlos, Guillermo, Henrique e Jorge. A gente precisa retraduzir mentalmente pra saber de quem estão falando.

No Brasil, hoje em dia, é raro ver nome estrangeiro traduzido ou adaptado. Mas de vez em quando escapa um. Foi o que fez o estagiário do Estadão, ao mencionar o nome daquele que (parece que) acaba de ser eleito para o cargo de presidente do Peru: Castillo virou Castilho.

Mas vamos ser justos: foi sem intenção. Na hora de escrever, o automatismo falou mais alto e os dedinhos correram soltos.

Terremoto – 2

José Horta Manzano

Em nosso país, os terremotos mais frequentes são de natureza política – esses estouram dia sim, outro também. Tremores de terra no sentido original, daqueles que derrubam gentes e prédios, são fenômeno bem mais raro. Ocorrem, às vezes, mas em geral em zonas de escassa habitação, o que suaviza o problema. A gente só fica sabendo quando algum sismógrafo ultrassensível, montado a milhares de quilômetros dali, registra e publica o acontecido. Já nossos hermanos do Peru, do Chile, do Equador, da Colômbia estão muito mais expostos a esse tipo de ocorrência. Quando violentos, os terremotos podem causar perda de muitas vidas além de grande estrago material.

Terremoto de 26 maio 2019

No domingo 26 de maio, forte sismo de magnitude estimada em 7,5 graus na Escala Richter sacudiu a região do Alto Amazonas, no Peru. Foi sentido no país inteiro e até nos vizinhos Equador e Colômbia. É mais que provável que pudesse ter sido sentido também no Brasil, no oeste do Amazonas e no Acre, se essas regiões fossem mais densamente povoadas. Como há pouca gente por ali, só ficamos sabendo porque os sismógrafos peruanos registraram.

Em nota discreta, a notícia foi dada pela mídia brasileira. Como acontece a cada vez, escorregaram na hora de dar os detalhes. O Estadão, por exemplo, escreveu que o epicentro do tremor foi registrado a uma profundidade de 141km. Bobeou. Já falei nisso antes mas, como o erro se repete, repito eu também.

Estadão, 26 maio 2019

Epicentro é o ponto da superfície (da terra ou do mar) situado exatamente acima do lugar onde teve origem a ruptura que causou o terremoto. Portanto, é incorreto dizer que o epicentro está situado a tal profundidade. Está sempre na superfície. A palavra epicentro utiliza o prefixo grego epi = acima, na superfície. O hipocentro é o ponto onde se produziu a ruptura. Esse, sim, está sempre na profundidade.

O escorregão se explica. Pra terremoto político, estamos escolados. Já tremor de terra não é nossa praia. Cada qual com sua especialidade, ué.

Castigo

José Horta Manzano

Huancavelica é uma pequena cidade peruana, capital da região de mesmo nome. A vida não é fácil naquelas alturas. A mais de 3.500 metros de altitude, o clima é rigoroso. No mês mais quente do ano, a temperatura máxima raramente chega a 20 graus. Neve e gelo são ocorrências corriqueiras. Terremotos são registrados com espantosa frequência.

Como em toda parte, em Huancavelica também há jovens descabeçados. Numa fria madrugada de outubro passado, Jhonatan Michael(sic) e Michael Jordan(sic), rapazes de pouco mais de 20 anos de idade, tiveram a péssima ideia de assaltar um cidadão que, sentado num banco da praça, telefonava para a namorada. Roubaram-lhe o celular.

Indignado, o cidadão deu queixa, e os ladrões acabaram descobertos e presos. Levados a julgamento, receberam pena de 4 anos em regime fechado. No entanto, magnânima, a juiza ofereceu-lhes uma alternativa pra escapar da cadeia. Se aceitarem, terão de cumprir regras de conduta rigorosas. Não poderão frequentar discotecas nem bares de reputação duvidosa. Terão de retomar estudos universitários. E, cereja em cima do bolo, estão obrigados a ler o livro O Alquimista, de Paulo Coelho. A leitura de outro livro, escrito por autor americano, também faz parte das obrigações impostas. As duas obras deverão ser lidas no prazo de um ano.

Portal RPP, Peru

A mídia peruana está elogiando a bondade da juíza. Não é todos os dias que se assiste a uma conversão de pena tão generosa. Quanto a mim, concordo que cadeia em regime fechado pode não ser a pena adequada a todos os casos. No entanto, não acho que a juíza tenha sido tão bondosa assim. Retomar estudos, evitar lugares duvidosos, cumprir regras de conduta – ainda vá lá. Mas ler Paulo Coelho? Cruzes! É cruel demais! A juíza revelou seu lado sádico.

Se o distinto leitor não leu, recomendo dar uma espiada no texto que publiquei no ano passado sobre o livro O Alquimista. É uma análise, feita por J. Milton Gonçalves, que ressalta os erros gramaticais cometidos por senhor Coelho. É impressionante constatar a que ponto esse senhor trata a língua a bofetões. Imagino – e espero – que a tradução para o espanhol tenha corrigido os escorregões do autor. Sorte de nossos ladrões de celular, que lerão a obra num castelhano castiço e expurgado de pedregulhos.

Clube latino-americano

José Horta Manzano

Quando viu baterem à porta de casa os policiais que o vinham prender, señor Alan García ‒ que foi duas vezes presidente do Peru ‒ pressentiu o frio das algemas e o peso da humilhação. Preferiu não enfrentar. Suicidou-se.

Para bordar o assunto, a mídia compôs listas de dirigentes que, nos últimos cem anos, decidiram, seja por que razão for, tirar a própria vida. Não são poucos. Entre eles, aparece Getúlio Vargas, que mandou no Brasil por 19 anos. A lista inclui ainda Adolf Hitler e o chileno Salvador Allende(1).

O elenco mais impressionante é o de ex-presidentes latino-americanos presos ou investigados por corrupção. A gente imagina que o caso de Lula da Silva seja único, mas não é bem assim. O clube dos corruptos, que perpetua secular tradição em nosso continente, tem muitos membros.

O Peru aparece em boa posição, com seus cinco últimos presidentes na lista. Além do recém-falecido Alan García, aparecem Alberto Fujimori, Ollanta Humala, Alejandro Toledo, Pedro Pablo Kuczynski. Todos eles já passaram algum tempo atrás das grades ou estão envolvidos em processo por corrupção. Os três últimos citados foram regados pelo propinodutro internacional patrocinado pela brasileira Odebrecht ‒ nossa maior exportadora de corrupção.

O clube dos presidentes corruptos tem mais gente fina. Está lá a argentina Cristina Fernández de Kirchner, que só escapou da cadeia até agora em razão de sua imunidade parlamentar. Outra figurinha carimbada é Rafael Correa, ex-presidente do Equador. Está sendo processado por “delinquência organizada” no caso Odebrecht. A América Central não está ausente. A representá-la, estão o panamenho Martinelli, o hondurenho Callejas, os guatemaltecos Pérez Molina e Álvaro Colom, todos ex-presidentes. Os representantes brasileiros nessa exemplar confraria são, como é sabido de todos, Lula da Silva e Michel Temer.

Li hoje entrevista concedida por um jornalista que trabalhou para O Pasquim nos anos 1970. Ele pondera que o fato de Lula da Silva estar preso é prova de vigor da democracia. Sem dúvida. Mais vigorosa seria a democracia, no entanto, se nenhum dirigente tivesse de ir pra cadeia por crime de corrupção.

(1) Dizem uns que Salvador Allende se suicidou, enquanto outros asseveram que «foi suicidado». Passado quase meio século sem conclusão confiável, a controvérsia tende a se perpetuar.

A solução peruana

José Horta Manzano

A corrupção no mundo político é uma praga tão mais intensa quanto maior for a desigualdade social do país. É fenômeno marginal em sociedades igualitárias como os países escandinavos, a Alemanha, a Holanda, a Suíça. É mato rasteiro alastrante em países da África, da Ásia do Sul, da América Latina.

No Brasil, cuja sociedade é irremediavelmente desigual, a corrupção habita nas vísceras do tecido social. Até outro dia, o mal parecia incurável, e o país, em estado terminal. A Operação Lava a Jato trouxe uma luzinha de esperança. Tem feito muito. No entanto, ainda que continue caçando ladrões pelas próximas décadas, será difícil que chegue a incomodar o cidadão que dá gorjeta ao guarda na esquina, naquele ponto em que corrupção é sinônimo de jeitinho.

O Peru, nosso vizinho, tem estrutura social semelhante à nossa. A corrupção na área política é lá tão grande ou maior que aqui. Só pra dar uma ideia, os cinco últimos presidentes da República estão enrolados com a Justiça. Um deles, doutor Kuczynski, foi obrigado a renunciar no bojo do escândalo Odebrecht/Peru. Outro, doutor Fujimori, foi condenado a 32 anos de prisão. Outro ainda tentou estes dias, sem sucesso, obter asilo na embaixada do Uruguai.

O presidente atual, doutor Martín Vizcarra, tem dado mostra de estar bem-intencionado. Decidiu fazer meia dúzia de reformas constitucionais. Em princípio, bastaria o voto do Congresso. No entanto, desconfiado (não sem razão) do comportamento dos eleitos, preferiu recorrer ao mecanismo do plebiscito. Uma das mudanças propostas era importante: a proibição de reeleição de parlamentares. Por avassaladora maioria de 85%, o povo aprovou a novidade. Assim, a assembleia que sairá das urnas em 2021 será constituída inteiramente de novatos, dado que nenhum dos atuais eleitos poderá se recandidatar.

Não há dúvida de que a medida é radical. Radical até demais. Equivale a guilhotinar paciente pra eliminar dor de cabeça. Assim mesmo, tem um lado atraente. Imagina-se que um mandato único não dê tempo pra deputado armar conluio com empreiteiras a fim de sugarem dinheiro do erário.

No entanto, há que convir que a bandidagem é agil e acaba se adaptando a condições novas. É de acreditar que, no novo desenho, os novatos sejam «enquadrados» pelos pagadores de propina desde os primeiros dias de mandato. E que a punção aos cofres do Estado continue, exatamente como sempre foi.

A novidade peruana tem, além disso, um lado negativo. Parlamentares honestos e competentes serão compulsoriamente afastados da função, ainda que tenham feito bom trabalho. É um desperdício.

Acho um exagero jogar o bebê com a água do banho. Acredito que uma solução como a da Lava a Jato, com perseguição tenaz a toda bandidagem do andar de cima, ainda seja mais bem adaptada a nossa realidade.

Para ver navios

José Horta Manzano

No último quartel do século XIX, as fronteiras entre os países sul-americanos ainda não estavam totalmente consolidadas. A região desértica que constitui a tríplice fronteira entre Chile, Peru e Bolívia fazia parte dessa nebulosa. Por ali, quem gritasse mais alto, levava.

Por um punhado de motivos ‒ ambições territoriais, interesses comerciais, diferendos fiscais ‒ estourou uma guerra em 1879. De um lado, estava o Chile; de outro, os aliados Bolívia e Peru. Quatro anos e várias batalhas depois, o Chile saiu grande vencedor. Como troféu de guerra, apoderou-se de bom pedaço de território antes reivindicado pelos adversários.

Em 1883, um tratado foi assinado entre Chile e Peru. No ano seguinte, outro acordo pôs fim à disputa entre Chile e Bolívia. O Peru se resignou com a perda de terras que, afinal, não eram habitadas por peruanos nem eram estratégicas. Já o caso da Bolívia foi mais crucial. O território perdido era justamente sua saída para o mar. Terminada a guerra e firmados os tratados, o país tornou-se encravado no continente, rodeado de terra, obrigado a pedir licença aos vizinhos ao importar ou exportar mercadoria. Uma dependência incômoda e irritante.

Nestes quase 150 anos, governos bolivianos tentaram esporadicamente convencer o Chile a abrir mão de um naco de seu território a fim de conceder à Bolívia um acesso ao mar. Amparado pelos tratados firmados, o Chile sempre permaneceu inflexível. A situação continuou morna até que chegou Evo Morales, primeiro presidente indígena do país.

Corte Internacional de Justiça, Haia

Há mais de doze anos no poder, señor Morales está no terceiro mandato. A Constituição lhe proíbe candidatar-se a um quarto. Mas ele bem que gostaria de modificar a Constituição pra poder continuar no poder. Como fazer? O jeito é conseguir uma aura de pai da pátria, o que lhe granjearia apoio unânime. Veio-lhe a ideia de obter para a Bolívia uma saída para o mar, velho anseio nacional. Faz 5 anos, numa jogada que mirava ao futuro, Morales decidiu agir.

Entrou com interpelação junto à Corte Internacional de Justiça, sediada em Haia (Holanda), pedindo que obrigasse Santiago a negociar com La Paz novo acordo outorgando à Bolívia «um acesso pleno e soberano ao Oceano Pacífico». Depois de deliberar por cinco anos, o tribunal informou que a decisão seria anunciada neste 1° de outubro. Señor Morales se abalou até Haia para assistir, sentado na primeira fila, ao bafejo da glória.

Na hora da sentença, veio a ducha de água gelada: o tribunal considera que nada obriga o Chile a sentar-se à mesa para negociar novo tratado. Desenxabido, señor Morales ficou a ver navios. “Ver navios” é, naturalmente, força de expressão. Na dura verdade, a Bolívia vai continuar, por muitíssimos anos, sem saída para o mar, vendo navios só em pintura.

Produto de exportação

Eliane Cantanhêde (*)

E foi nessa simbiose entre Lula e as empreiteiras que o Brasil virou um exportador de corrupção para América Latina, Caribe, África e Europa. Começou na Venezuela de Hugo Chávez e se expandiu para Peru, Colômbia, Equador, Angola… com régios financiamentos do nosso BNDES e uma cereja do bolo: os marqueteiros de Lula incluídos no pacote.

(*) Eliane Cantanhêde é jornalista.

Vexame internacional

José Horta Manzano

Não sei se o distinto leitor ficou abalado com o doloroso espetáculo protagonizado ontem por dois ministros do STF. Eu fiquei. É verdade que quem está fora do país enxerga com outros olhos. A mídia brasileira descreveu o acontecido como «bate-boca». A expressão é condescendente, suave demais.

Em 24 de janeiro, eu tinha assistido ao julgamento, pelo TRF4 de Porto Alegre, da apelação do Lula. A sessão deixou excelente impressão. Sóbrios, técnicos, solenes e incisivos, os juízes se mostraram à altura do cargo que exercem. Há que lembrar a velha história da mulher de César que, além de ser séria, tem também de parecer séria. O tribunal gaúcho seguiu o conselho à risca.

Já a troca de insultos havida ontem na corte maior foi aflitiva. Nem «bate-boca», nem refrega, nem altercação, nem desavença descrevem a cena com força suficiente. Uma expressão popular retrata o atrito com precisão: foi um barraco. Se a cena já teria caído mal numa reunião de condôminos, num tribunal superior é coisa nunca vista, verdadeiro atentado contra o povo brasileiro.

Pouco importa o que estivesse em discussão. Cada um dos ministros tem o direito de expressar a própria opinião ‒ é por isso que os julgamentos são pronunciados de forma colegiada. Outra coisa é a maneira. Esquecidas da solenidade do honroso cargo que ocupam, as excelências ofenderam os que lhes pagam o salário. Diminuíram a corte a um nível abaixo do de uma república de bananas.

Assim que me inteirei do que tinha acontecido, corri pra dar uma olhada na repercussão internacional. Conferi os principais órgãos da mídia de diferentes horizontes. Com alívio, me dei conta de que o escarcéu não se tinha propagado.

Supremo Tribunal Federal, Brasília

A mídia anglo-saxã, demais ocupada com o escândalo do vazamento de dados de 50 milhões de usuários do Facebook, não deu importância.

Na França, não se fala em outra coisa senão no indiciamento do ex-presidente Nicolas Sarkozy, acusado de ter aceitado doação do governo líbio para a campanha presidencial de 2007.

Já a imprensa de língua espanhola deu grande destaque à renúncia do presidente do Peru, caído por razão de corrupção ligada a nossa conhecida Odebrecht, velha de guerra.

Com o país privado de participação na Copa, a mídia italiana anda vidrada em assuntos de futebol. Não fala do Brasil senão para evocar jogos presentes e futuros, presença de tal jogador, ausência daquele outro, coisas assim.

Ufa! ‒ pensei ‒ desta vez escapamos do vexame internacional. Pode ser, mas a vergonha nacional está aí, não há como esconder. A cada novo episódio angustiante levado ao ar por nossas excelências togadas, vai-se firmando a impressão de que algo está muito errado com o Judiciário brasileiro.

Numa futura revisão constitucional, acredito e espero que o legislador dê especial atenção à arquitetura do sistema, especialmente no que tange ao STF. Inúmeros pontos terão de ser reavaliados, tais como:

* modo de escolha dos ministros

* número de membros do colegiado

* mandato limitado no tempo ou vitalício?

* instauração de órgão de controle externo

* convém o STF acumular as funções de tribunal de cassação e de corte constitucional? Parece muita carga pra ministro pouco.

Por enquanto, não há grande coisa a fazer. É torcer pra que as excelências mais exaltadas tomem um chazinho de maracujá antes de subir ao palco das vaidades. Parece que, pra abrandar insultos, é tiro e queda.

Golpe de Estado bolivariano

José Horta Manzano

Mui acertadamente, o Itamaraty, quando da gestão de senhor Serra no Ministério das Relações Exteriores, mostrou os músculos, deu um murro na mesa e, na prática, suspendeu a Venezuela do Mercosul. Impediu assim que Caracas assumisse a presidência rotativa do grupo econômico. Bem haja, senhor chanceler!

Nosso vizinho petulante, habituado a contar com a boa vontade da companheirada, imaginou que tudo não passasse de jogo de cena. Em ofensa explícita ao Itamaraty, chamou a atitude brasileira de golpe e tentou forçar a entrada. Não deu certo. Encontrou portas e janelas fechadas.

Dois dias atrás, o tiranete venezuelano mandou fechar o Congresso de seu país. Ao eliminar um dos três poderes da república bolivariana, deu um golpe de Estado. Contando com a fidelidade canina de um Judiciário cooptado, señor Maduro tornou-se ditador de facto do país.

A Venezuela não é um país relevante na política nem na economia do planeta. O que se passa por lá não comove a humanidade, e as notícias não vão além de nota de rodapé. Vai daí, a atitude truculenta do brutamontes de Caracas não mereceu atenção planetária. Se o golpe tivesse acontecido no Zimbábue, o efeito não teria sido muito diferente.

Quanto ao Brasil, é outra coisa. Afinal, somos vizinhos de parede e sócios do mesmo clube. O Peru, que não é fronteiriço da Venezuela nem membro do Mercosul, chamou de volta seu embaixador em Caracas ‒ sinal de profundo desagrado, pelos sutis códigos diplomáticos. Já Brasília se contentou de um protesto mole, brando, protocolar, como mãezona que ralhasse com o filho: «Não faça mais isso, filhinho, senão a mamãe fica triste.»

A reação brasileira não está à altura da situação. Nosso protesto tem de ser enérgico, claro e ameaçador. Nosso embaixador tem de ser retirado imediatamente. Faz anos que o sofrido povo venezuelano vem vivendo um calvário inimaginável. Nem que seja por razões humanitárias, temos de dar uma mão ao vizinho. O melhor favor que podemos fazer a eles é forçar a queda do ditador. A solução do problema venezuelano passa obrigatoriamente por aí. Caído o mandatário e restabelecida a ordem constitucional, fica aberto o caminho para o país voltar aos trilhos.

Em outros tempos, podia-se esperar por uma intervenção dos EUA. Todavia, Mister Trump já deixou claro que esse tempo passou. O homem provavelmente nem sabe onde fica a Vene.. Vene… o que mesmo? O Brasil tem de assumir seu papel de membro mais importante do Mercosul. Vamos, senhores Michel Temer e Aloysio Nunes, coragem! Ou vamos nos conformar com uma ditadura colada à nossa fronteira amazônica?

Frase do dia — 326

«Se depois das revelações da Odebrecht o ex-presidente do Peru Alejandro Toledo está com o pé na cadeia e o atual da Colômbia, Juan Manuel Santos, está sendo investigado, imaginem como anda a ansiedade no Brasil…»

Eliane Cantanhêde, em sua coluna do Estadão, 12 fev° 2017.

Ferrovia bioceânica

Train 4José Horta Manzano

Nossos manuais de História ensinam que, em 1822, o Brasil se liberou do «jugo» do rei português D. João VI e o substituiu pela dominação do filho, o também português D. Pedro I.

Fomos todos ensinados a ver aí um marco divisório a assinalar a transição de um Brasil dependente a um Brasil novo, independente, dono de seu destino. Despachados os «opressores», tudo o que andava entravado havia enfim de prosperar.

Não sei se os poucos letrados da então Lusitânia tropical encararam o momento como linha de largada para progresso e desenvolvimento. Gostaria de imaginar que sim, mas tenho dúvidas. Posto a andar com as próprias pernas, o Brasil trilhou um caminho de progresso pra lá de lento. Enquanto outras antigas colônias americanas foram capazes de entender que o futuro exigia mangas arregaçadas e trabalho, nossa elite continuou adepta do ócio, amparada pelo cômodo sistema escravagista.

DiligenciaNos mesmos anos 1820 que viram a ascensão de Dom Pedro I, os brasileiros continuavam sacolejando em carro de boi enquanto os cidadãos das antigas colônias britânicas da América do Norte já inauguravam suas primeiras estradas de ferro. É que eles haviam entendido que a coesão nacional e o avanço têm de se assentar em rapidez e facilidade de comunicação ‒ noções que só chegaram a nosso país muitas décadas depois.

Depois de mil peripécias e muito trabalho, a estrada de ferro transcontinental norte-americana foi inaugurada em 1869. A distância de quase cinco mil quilômetros entre a costa Atlântica e o Pacífico, que se percorria em um mês em diligência, passou a ser coberta em uma semana. Ainda hoje, passado século e meio, essa espinha dorsal contribui para a integração daquela região.

As primeiras ferrovias dignas desse nome só foram inauguradas no Brasil nos anos 1860, quando a América do Norte já estava coalhada de linhas férreas. Foi preciso esperar até 1877 para ver o Rio de Janeiro, então capital do país, conectado à cidade de São Paulo.

Estes últimos tempos, está sendo ressuscitado velho projeto de ligação transcontinental, por estrada de ferro, na América do Sul. A intenção é unir a costa atlântica brasileira ao Pacífico, atravessando o Peru. A China, no intuito de encurtar o percurso de suas trocas comerciais com nossa região, está muito interessada em bancar a construção da que agora leva o nome de Ferrovia Bioceânica.

Crédito infografia: Folha de São Paulo

Crédito infografia: Folha de São Paulo

Dada a precariedade de nossa malha ferroviária, o trabalho será imenso. Pelos cálculos elaborados por um consórcio chinês, a estrada levará nove anos para ser construída. Começará em Goiás, atual ponto final das estradas de ferro brasileiras. Daí, cruzará o Mato Grosso, Rondônia, o Acre e ‒ trecho mais problemático ‒ os Andes peruanos. Cinco mil quilômetros deverão ser implantados, o que não é coisa pouca.

Quem conhece nosso país ‒ com sua instabilidade crônica, suas contradições, seus vaivéns ‒ sabe que nove anos é prazo tipo Papai Noel: só acredita quem quiser. Nossa Ferrovia Norte-Sul, um percurso bem mais modesto cuja construção começou trinta anos atrás, ainda está longe de ser terminada.

Se ‒ e insisto no se ‒ a construção dessa ‘bioceânica’ for realmente contratada, dificilmente o distinto leitor verá a estrada concluída.

Anistia & indulto

José Horta Manzano

Apareceram estes dias várias manchetes anunciando que señor Kuczynski(*), presidente recém-eleito do vizinho Peru, não tinha intenção de «dar anistia» a Alberto Fujimori.

Chamada O Globo, 10 junho 2016

Chamada O Globo, 10 junho 2016

Señor Fujimori, como se recordarão meus distintos e cultos leitores, foi presidente de seu país durante dez anos. Depois de aprontar umas e outras, acabou fugindo. Para não ser preso, valeu-se de sua dupla cidadania e asilou-se no Japão.

Após alguns anos, imprudente, tentou voltar ao Peru passando pelo Chile. Deu-se mal. Foi apanhado, preso e extraditado para Lima. Julgado e condenado, está na cadeia até hoje cumprindo pena de 25 anos. Por corrupção entre outros crimes. E tudo isso sem Lava a Jato, pasmem!

Chamada Veja, 10 junho 2016

Chamada Veja, 10 junho 2016

Anistia, palavra bonita, não se aplica, infelizmente, ao caso em questão. Diz-se anistia da abolição de um crime. Explico melhor. Durante nosso mais recente regime militar, opor-se à cartilha oficial era considerado crime. Portanto, criminosos eram todos os que ousassem enfrentar.

Nos estertores do regime, foi decretada a anistia. Não foi ato nominal incluindo fulano e excluindo beltrano. Anistia implica a extinção do crime. Não havendo crime, hão pode haver criminosos. Assim, todos os que se tinham oposto ao moribundo regime deixavam de ser criminosos. Estavam anistiados.

Chamada Folha de São Paulo, 10 junho 2016

Chamada Folha de São Paulo, 10 junho 2016

A manchete sobre o presidente peruano deveria ter dito que señor Kuczynski não tem intenção de conceder indulto a Alberto Fujimori. Os crimes cometidos pelo presidente ora encarcerado continuam sendo crimes. No entanto, fazendo uso da graça presidencial ‒ garantida pela Constituição ‒ o novo presidente tem o poder de comutar parcial ou totalmente a pena do condenado. É decisão presidencial autocrática.

Em visão rigorosa, a anistia age sobre a lei penal e extingue o crime, enquanto o indulto perdoa o criminoso sem tocar na lei. Há juristas que consideram ambos os termos equivalentes. Data venia, discordo.

Interligne 18c(*) Kuczynski
Nome de família é imposição da qual é difícil escapar. Quando escritos à moda polonesa, como Kuczynski, são verdadeiro quebra-cabeça para não iniciados.

Varsóvia já nos brindou com coisa mais difícil, como Włodzimierz Cimoszewicz, chefe de governo no fim dos anos 90. Ou Czesław Kiszczak, que atuou em 1989. Perto desses aí, nosso Juscelino Kubitschek até que era simples. Pronunciar era fácil ‒ difícil mesmo era acertar a grafia.

Juca Chaves 1Curiosidade
O cantor e compositor Juca Chaves, cujas modinhas irreverentes e melodiosas fizeram sucesso nos anos 60, vinha de uma daquelas famílias de sobrenome impronunciável. Para prevenir torção de língua, o original Czaczkes foi aportuguesado para Chaves.

Eleição eletrizante

José Horta Manzano

Urna 5Você, que achou que a diferença de votos entre Dilma e Aécio no segundo turno da última eleição foi apertada, ficaria excitadíssimo com o que está acontecendo no Peru. A coisa por lá anda eletrizante.

Já faz alguns anos que o país vizinho, à semelhança do Brasil, instituiu o sistema de dois turnos de votação para escolher o presidente do Executivo. A excelente lição vinda da França foi adotada em boa hora.

Domingo passado, realizou-se o segundo turno. Pois imagine que, até a noite de terça-feira, contabilizados 99,1% dos votos, ainda não era possível afirmar qual dos dois candidatos era o vencedor. Diferença de pouco mais de 50 mil votos os separava. Aritmeticamente, nenhum deles podia se proclamar ganhador.

2016-0608-01 La RepublicaFalta ainda apurar o voto dos peruanos do estrangeiro. Aparentemente transportados em canoa a remo, os boletins só devem chegar a Lima pelo fim desta semana. Vai ser necessário contar até a última cédula para para ter certeza. De todo modo, voto no papel é mais confiável que voto virtual, que vigora no Brasil. Caso haja dúvida, é sempre possível recontar.

A vitória será apertada. O desenlace vai deixar marcas e exigirá, do vencedor, gestos concretos de apaziguamento. Sem ser especialista em política peruana, fiquei reconfortado com a declaração de um dos candidatos ‒ Pedro Pablo Kuczynski, PPK para os íntimos. Por sinal, é considerado pelos institutos de pesquisa como virtual vencedor.

Lima, Peru

Lima, Peru

Em declaração reproduzida pelo periódico El Comercio, señor Kuczynski foi incisivo: «Nuestra posición sobre Venezuela es absolutamente categórica. Ha habido una elección que la ganó el partido de oposición y ahora el gobierno está usando artimañas para invalidar el voto popular» ‒ Nossa posição sobre a Venezuela é absolutamente categórica. O partido de oposição ganhou a eleição, e agora o governo está usando artimanhas para invalidar o voto popular.

Nem o Itamaraty de Serra, que tenta desamarrar a política externa indigente herdada do finado governo, chegou a ser tão claro, tão visceral e tão contundente com relação à truculência imposta por señor Maduro a seu castigado povo.

As boas intenções do quase presidente do Peru, por si, não serão suficientes para inflectir o desvario dos mandatários de Caracas. Mas darão contribuição certeira para trazer de volta a civilização ao continente.

Além da fronteira ‒ 2

José Horta Manzano

Tsunami 2Quando foi deflagrada a Operação Lava a Jato, muitos imaginaram que não passaria de solavanco passageiro, uma marolinha. Presumiu-se que seria respeitada a arraigada tradição nacional de inocentar criminosos de colarinho branco.

Para espanto do cidadão comum ‒ e para «estarrecimento» de figurões, não foi o que aconteceu. Gente graúda começou a ser molestada. Pencas de acusados, alguns de fina estirpe, foram parar no xadrez. Para angústia de muitos, a marolinha converteu-se em tsunami.

O território nacional é vasto. O problema é que, assim como fronteiras não detêm revoada de Aedes aegypti, tampouco barram tsunamis. Vagas ameaçadoras já estão transbordando.

O diário Perú21, um dos mais importantes do país vizinho, traz informação alarmante. O nome do presidente da república andina, Ollanta Humala, é citado nada menos que dez vezes en documentos exumados pela Lava a Jato.

Chamada do jornal Perú21, 24 fev° 2016

Chamada do jornal Perú21, 24 fev° 2016

Seu nome aparece em investigação de irregularidades perpetradas em obras de infraestrutura de bilhões de dólares levadas a cabo no Peru pela brasileira Odebrecht. A suspeita é de que desvios tenham gerado propinas milionárias, distribuídas naquele país.

Embaraçado e inquieto, o presidente convocou, às 11h da noite, o embaixador do Brasil em Lima. A transcrição da conversa não foi publicada, mas tudo indica que señor Humala está à cata de esclarecimentos.

Tsunami 1O braço da PF brasileira, por mais longo que seja, não alcança além-fronteira. Portanto, o «japonês da Federal» não periga algemar o medalhão. Assim mesmo, pode-se apostar que, se as suspeitas forem investigadas como se deve, estará aberta uma caixinha de surpresas.

O Peru pode ser só o começo. Mais está por vir.

Frase do dia — 253

«No nos metemos en ese tipo de porquerías.»

Ollanta Humala, presidente da República do Peru, ao negar veementemente, diante das câmeras da rede RPP Noticias, toda e qualquer corrupção em seu governo. O mandatário contesta rumores de conluio entre funcionários seus e representantes de empreiteiras brasileiras que, associados, estão construindo rodovia binacional dita interoceânica.

Rapidinha 28

José Horta Manzano

EuromercosulDar a mão a quem precisa
Jornais do mundo inteiro noticiaram que o Brasil apoia a Argentina, enredada no segundo calote em menos de 15 anos.

Vale a pergunta:
«Apoiar», neste caso, quer dizer o quê? O Brasil vai pagar a dívida do país hermano? Ou a retumbante declaração é apenas retórica?

Interligne 28aReforma política
O jornal indiano Business Standard e a agência de notícias chinesa Xinhua ― assim como toda a mídia do planeta ― repercutiram as palavras de dona Dilma, segundo a qual o Brasil precisa de reforma política e de modernização.

Vale a pergunta:
O que é que a presidente está esperando para propor as reformas que preconiza? Ela e seu partido estão no poder há doze anos e dispõem de um Congresso servil. É de crer que dormiram até agora e que acabam de acordar.

Interligne 28aEuromercosulMercosul
O site americano Bloomberg, especializado em finança, acompanha a evolução da paridade entre as 16 principais moedas. Constatou que, entre elas, a brasileira foi a que mais sofreu com o calote argentino. Perdeu 0,8% em um dia, acumulando 2,2% de declínio mensal, o mais acentuado desde novembro do ano passado.

Vale a pergunta:
Faz sentido continuar participando de uma sociedade que nos mais emperra do que favorece nosso comércio exterior? O Brasil já tem, por si só, problemas suficientes. Não precisamos adotar problema alheio.

Interligne 28aSalve-se quem puder
O jornal argelino Liberté constata que a iniciativa do Equador de chamar de volta, para consultas, seu embaixador em Israel fez escola. O Brasil, o Chile e o Peru seguiram o exemplo. Por mais que queira, a Bolívia não pode acompanhar o movimento por estar já de relações cortadas com Israel.

Vale a pergunta:
Alguém reparou que, tirando o Brasil, nenhum dos protestatários faz parte do Mercosul? Para que serve uma associação regional que entrava o comércio e baralha a diplomacia?

Frase do dia — 98

«De um lado, estão os países que administram bem seus recursos naturais: Peru, Colômbia e, especialmente, Chile – que, quando o cobre dispara, deposita o lucro num fundo de estabilidade. Do outro lado, estão os países de abundância, gigantes pela própria natureza e apequenados pela cultura política nanica.»

Mac Margolis, em sua coluna publicada no Estadão, 2 fev° 2014.

O cofrinho rachou

José Horta Manzano

Suponhamos que você tenha um dinheirinho para guardar. Pode até nem ser muito, mas é o que você tem. Se guardar em casa, corre dois riscos: o ladrão e a inflação. Se o primeiro não levar, a segunda vai carcomer. Você decide então, por prudência, investir ou, mais simples, depositar nalgum banco.

Como é que você vai escolher esse banco? Seu dinheiro, fruto de esforço e trabalho, não caiu do céu. Não faz sentido entregá-lo na mão de qualquer um. Entre um banco que lhe pareça sólido, confiável, bem afamado, e um outro meio duvidoso, não há que hesitar: você ficará com a segurança.

Cofrinho magro

Cofrinho magrinho

O exemplo que acabo de dar vale para você e para mim, para pequenos e grandes capitais, para investidores privados e institucionais. É lógica elementar, cristalina. Só destrambelhados poriam seu dinheiro na mão de gente imprevisível.

Para confirmar o que digo, lembre-se de que o messias de Garanhuns só foi eleito ― e o Brasil só recebeu aquela avalanche de aplicações ― na sequência da Carta aos Brasileiros, elaborada pouco antes das eleições presidenciais de 2002. As promessas contidas no documento ― e confirmadas pelos primeiros meses de governo, durante os quais foi mantido ambiente econômico tranquilo e acolhedor ― afastaram todo temor de aplicadores estrangeiros.

Interligne 34
Em dois artigos publicados no Estadão (aqui e aqui), Luiz Guilherme Gerbelli nos dá conta de que a confiança do investidor estrangeiro vem caindo desde o segundo semestre de 2011. Pode parecer mentira, mas grandes capitais se desviam do Brasil e se dirigem ao Chile, ao Peru, até à perigosa Colômbia! Onde foi parar nossa pujança, cantada em prosa e verso desde que nosso presidente milagreiro e sua corte inventaram o Brasil em 2003?

O mundo gira e as coisas mudam. Investidores levam em conta não somente o momento presente, mas também, naturalmente, as perspectivas de evolução. A partir de 2011, nosso País passou a contar com dois presidentes: uma titular e um emérito, uma que mostrava a cara e outro que mexia os pauzinhos, uma titular e um adjunto. Os observadores estrangeiros botaram um pé atrás. Foi um primeiro aviso. Aquele governo bicéfalo poderia não dar certo. De fato, a partir do segundo semestre de 2011, a avaliação do Brasil começou a perder fôlego na comparação com os vizinhos latino-americanos.

Tem mais. Todos se lembrarão que, um ano atrás, o parlamento paraguaio decidiu ― dentro de seus preceitos constitucionais ― destituir o presidente do país. Está ainda na memória de todos o papelão protagonizado pela presidente do Brasil e por sua homóloga Argentina que atropelaram o pequeno Paraguai e, num ato prepotente de traição e desonestidade explícita, admitiram a Venezuela no clube ideológico em que transformaram o Mercosul.

Cavalo de Troia

Cavalo de Troia

Essa agitação não passou em branco no exterior. Uma luz vermelha se acendeu nas instâncias que coordenam a movimentação de capitais. A simples menção da palavra socialismo afugenta qualquer investidor, o que não é difícil entender. Pois a entrada da Venezuela, qual um cavalo de troia, introduzia um germe perigoso no clube sul-americano. «El socialismo del siglo veintiuno» é de assustar qualquer um. Ou não?

Os que mandam em nossa economia estão surpresos de constatar que nosso País já não exerce a atração de anos atrás. Parecem não entender que investidores analisam muitos parâmetros antes de aplicar seus capitais. A economia é apenas um deles. A política tem peso importante.

Haverá outros fatores para o escasseamento de aplicações. Mas, convenhamos, um deles é evidente: eu não entregaria minha poupança a um clube de cuja diretoria faz parte a Venezuela bolivariana e socialista. E você?