Tem boi na linha

José Horta Manzano

Lá pelo fim dos anos 1950, foi lançado o filme nacional “Tem boi na linha”, estrelado por Zé Trindade. Era uma chanchada – comédia leve e despretensiosa filmada em estúdio sem cenas externas, produzida com orçamento modesto.

Perto de minha escola, havia um cinema. Pela janela escancarada, dava pra ver o que estava passando: “Tem boi na linha”. Na fachada, o letreiro em letras enormes. Ao ler o nome do filme, nosso professor de Português, um mestre rigorista, escandalizou-se. Não entendia como tinham ousado pôr no título um linguajar tão vulgar. No seu entendimento, tinha de ser “Há boi na linha”. Outros tempos.

Lembrei do caso estes dias ao ler a notícia de caranguejos que atravessaram a pista do aeroporto de Vitória do Espírito Santo e causaram momentânea interrupção de pousos e decolagens. Primeiro, um avião avisou à torre que “um monte” de caranguejos estavam na pista. Ato contínuo, a torre deu ordem de arremeter a um aparelho prestes a pousar.

Inspecionada a pista, descobriu-se que havia um só caranguejo. O crustáceo foi retirado e a movimentação de aviões pôde reiniciar. No avião que teve de arremeter, os passageiros foram informados do que tinha acontecido e riram muito, achando a situação engraçadíssima.

A Prefeitura de Vitória informou que o aeroporto se encontra próximo a um manguezal, o que propicia o aparecimento de algum “intruso” na pista. A meu ver, a informação foi dada pelo avesso. O manguezal já estava lá havia milênios quando o aeroporto foi construído. Os intrusos, portanto, são os humanos, não os crustáceos. Foram os homens que invadiram território alheio sem pedir licença.

A Prefeitura esclareceu ainda que estamos no período de reprodução dos caranguejos – época chamada “andada”. É quando, seguindo o próprio instinto, se deslocam todos na mesma direção, para copular no lugar adequado. Se o Brasil já tivesse chegado a um bom nível de consciência ecológica, a reação dos passageiros não teria sido tão hilária. O fato de ter sobrado só um caranguejo na pista pode indicar que o grosso da colônia já tinha atravessado.

Não tenho condições técnicas de aconselhar os responsáveis pelo aeroporto, mas acredito ser possível abrir uma passagem para os caranguejos. Por cima da pista não se pode, mas por debaixo, um túnel, quem sabe. Não custa dar uma mãozinha para perpetuar a espécie e evitar acidentes na pista.

No mundo todo, pistas asfaltadas e linhas de trem formam barreira intransponível para a passagem de animais (grandes e pequenos). Para evitar mortandade pelas estradas, cada ponto crítico vem recebendo solução adequada.

 

Passagem para ursos sobre via espressa
Alberta, Canadá

 

 

Passagem para tartarugas sob estrada de ferro
Kobe, Japão

 

 

Passagem para caranguejos sobre estrada de rodagem
Christmas Island, Austrália

 

 

Passagem para cervos sobre via expressa
Picardia, França

 

 

#naovaitergolpe – 2

José Horta Manzano

Se alguém espera que parlamentares bolsonaristas recém-eleitos se abalem pra “salvar” o capitão ou pra apoiar um golpe de Estado, pode tirar o cavalinho da chuva. Isso não periga acontecer. Por quê?

A razão é simples. Eles todos, que eram desconhecidos até anteontem, subiram agarrados no elevador bolsonarista. Surfaram a onda e assim foram eleitos. Agora, que estão lá, não querem nem ouvir falar de golpe. Nem por brincadeira.

A primeira consequência de todo golpe que se preza é o fechamento do Congresso. Parlamentares são todos postos de molho por tempo indefinido. Em seguida, vêm as cassações de mandato. “Quem garante que o meu não será cassado?” – é o que se pergunta o deputado ajuizado.

Melhor deixar como está. Deputados estão com cargo, salário, jetons, apartamento funcional, mordomias e principalmente imunidade parlamentar garantidos por quatro anos. No caso dos senadores, são oito anos. Quem vai fomentar golpe e arriscar perder tudo isso? Ninguém é besta.

Parlamentares bolsonaristas estão agindo rápido para reconhecer a derrota de Seu Mestre. Entre os primeiros, estão: Sergio Moro, Carla Zambelli, Zé Trovão, Ricardo Salles, Tereza Cristina, Arthur Lira, Nikolas Ferreira, Damares Alves. Esta última, apesar de residir no DF, pediu que um apartamento funcional seja posto a sua disposição.

Quem é que trocaria essa moleza por um temerário golpe só pra “salvar” um desequilibrado?

Savoir-vivre

José Horta Manzano

Savoir-vivre é expressão que a língua francesa criou 600 anos atrás e exportou para o mundo todo. “Savoir” é saber; “vivre” é viver. Em teoria e ao pé da letra, a tradução seria “saber viver”. Na prática, é um pouco mais que isso.

Em busca de boa definição, consultei diversos dicionários, tanto franceses quanto brasileiros. A formulação proposta pelo Houaiss, embora simples, me pareceu adequada.


Savoir-vivre é o conhecimento e prática dos usos e costumes da vida social.


Sem códigos e regras de comportamento, a vida em sociedade não seria viável. Quando alguém pergunta: “Olá, tudo bem?”, não está realmente interessado em saber se o interlocutor está bem ou não. Está apenas usando um código de polidez. Poderia, em vez disso, dizer somente: “Ô, você aí!”, mas o efeito não seria o mesmo. Seria um começo de conversa torto.

O savoir-vivre designa o conhecimento – e uso – dos códigos que permitem uma convivência civilizada e sem conflitos. O savoir-vivre de um indivíduo mede o domínio que ele tem (ou não) desses códigos e dessas regras de civilidade.

O contraexemplo foi dado menos de 6 meses atrás pelo presidente da República do Brasil. Ainda está na memória de todos a escancarada falta de civilidade demonstrada por nosso capitão quando Joe Biden venceu as eleições para a Presidência dos EUA.

Decepcionado pela derrota de Trump, seu ídolo, Bolsonaro levou 38 dias para reconhecer a vitória de Biden e 73 dias para dar-lhe os parabéns. Tamanha demonstração de falta de savoir-vivre, convenhamos, não é comum. Não se deve esquecer que o chefe de Estado é o porta-voz de facto da população inteira. Suas incivilidades nos envergonham. No caso da eleição americana, foi como se todos os brasileiros tivessem posto em dúvida a lisura do sistema deles. Uma enormidade.

Faz dois dias, Emmanuel Macron venceu as eleições e foi reeleito para mais cinco anos na Presidência da França. Desta vez, nosso capitão foi menos lento. É verdade que não correu para o Tweeter para mandar suas congratulações, permitindo que outros dirigentes lhe passassem à frente.

Vinte e quatro horas depois da reeleição, o governo brasileiro emitiu comunicado. O texto é bastante banal, limitando-se a reafirmar a “disposição de trabalhar pelo aprofundamento dos laços históricos que unem os dois países”. É uma das versões daquele conhecido discurso que, com pequenas adaptações, serve para todas as ocasiões.

Curiosamente, das dezenas de mensagens de congratulações que consultei, a mais calorosa veio de Moscou.

Antes de ler a mensagem, é bom ter em mente que um dos argumentos mais fortes de Macron durante a campanha eleitoral foi a acusação feita a Marine Le Pen de que “Putin é o seu banqueiro!”. Macron disse isso referindo-se ao fato de a campanha de Madame ter sido financiada por um empréstimo concedido por um banco russo cujo dono é amigão de Putin.

Essa promiscuidade pegou mal. Uma presidente da França que deve favores a Putin? Impensável. Ao tomar conhecimento disso, muitos eleitores desistiram de votar nela.

No entanto, na hora de cumprimentar Macron pela vitória, Vladímir Putin mostrou saber que, apesar dos pesares, certas regras de savoir-vivre devem ser respeitadas. Sua mensagem chegou rápido. Vinha na primeira pessoa e dizia: “Eu espero sinceramente que o senhor tenha sucesso em sua ação pública, assim como boa saúde.”

Moral da história
Uns matam bombardeando um povo irmão, outros preferem matar sonegando vacina para o próprio povo. São farinha do mesmo saco. A única diferença parece estar no nível de savoir-vivre de cada um.

O seleto clube dos negacionistas

José Horta Manzano

No momento em que escrevo, nosso Itamaraty – momentaneamente entregue aos delírios persecutórios de um embaixador júnior – ainda não reconheceu a vitória de Joseph Biden nas eleições presidenciais americanas. O clube dos renitentes está cada dia mais seleto.

Agora que a China, meio acanhada, deu os parabéns ao vencedor, ficamos na companhia de: Eslovênia, Rússia, Hungria, México e Coreia do Norte. Não tenho notícias da Mongólia nem da Quirguízia mas, salvo erro ou omissão, todos os demais já levaram a maçã para a professora.

Cada retardatário arrasta o chinelo por um motivo diferente. Vamos ver um por um.

Eslovênia
Eles estão fazendo papelão por motivo fútil, que combina mais com concurso de Miss Universo do que com relações internacionais. Neste pequeno país de 2 milhões de habitantes e área equivalente à de Sergipe, não acontece grande coisa. Um dia, uma modelo internacional natural do país casou-se com um multimilionário americano. O sonho da moça de origem simples ecoou no país inteiro. Pouco tempo depois, o maridão se tornou presidente. Desde esse dia, o pequeno país anda em cima de uma nuvem. É compreensível hesitarem em reconhecer que o sonho acabou.

Rússia e Hungria
Razões diferentes levam os dois países a almejarem o enfraquecimento da União Europeia. Para a Rússia, uma Europa fraca é desejável, pois alavanca o projeto de poder de Moscou. Para a Hungria, cujo governo atual tende para a direita extrema, o raciocínio é ideológico: uma Europa fraca – se possível esquartejada – liberaria seus Estados membros; nesse caso, alguns poderiam até juntar-se à Hungria e reforçar o clube de dirigentes extremistas autoritários. Aos olhos de russos e húngaros, a permanência de Trump no trono de Washington é a melhor receita para despedaçar a Europa.

México
Este caso também é transparente. Depois das promessas de Trump de construir um muro na fronteira entre os dois países, o relacionamento azedou. É compreensível. Por um lado, é humilhante ver um vizinho dizer por aí que vai levantar muro no quintal dele para se proteger de você. Por outro, caso a passagem entre os dois países ficasse realmente vedada, o México teria de hospedar todos os migrantes oriundos da miséria centro-americana.

Coreia do Norte
Bom, essa é fácil de entender. Faz alguns meses, um planeta estupefato viu imagens inimagináveis: um alaranjado Trump a cumprimentar o rechonchudo herdeiro da dinastia que há 75 anos domina a Coreia do Norte. Encantado com as perspectivas que começavam a se abrir para seu país, Kim Jong-Un reluta em aceitar a partida de Trump.

E o Brasil, nesse clube, que pito toca?

Diferentemente da Eslovênia, não temos primeira-dama brasileiro-americana. Aliás, o Brasil costuma mostrar indiferença quanto ao destino de conterrâneos que vivam além-fronteiras. Sei de muita gente que, vivendo no estrangeiro, tem ou teve relativo sucesso nas letras, nas artes ou nas ciências; gente que, no entanto, é desconhecida no Brasil.

Diferentemente da Rússia e da Hungria, não temos interesse em desmontar a União Europeia. Os projetos de poder do Brasil costumam estender-se ao relacionamento com a vizinhança. Aliás, no atual governo, até com os vizinhos andamos emburrados.

Diferentemente do México, não temos ressentimento contra o grande irmão do norte. O desvario de Trump não chegou ao ponto de imaginar construir muro em nossas fronteiras.

Pode parecer curioso, mas nossa motivação para a ausência de parabéns a Biden tem afinidade com a Coreia do Norte.

Para a galeria, a explicação é ideológica: Mr. Trump representa a defesa dos tradicionais valores ocidentais e cristãos. Mas isso é fachada. No duro, a explicação é mais terra a terra.

Não temos (ainda) nenhuma dinastia despótica no poder, mas o clã aboletado momentaneamente no Planalto é candidato forte. Iludidos com a pseudoideologia de Trump, esperavam que o apoio incondicional e servil dado ao americano pudesse servir de rampa de lançamento para se tornarem donos do Brasil pelas próximas décadas.

Apostaram todas as fichas. Perderam. E ficaram sem ficha.

O comandado

José Horta Manzano

Por mais que a seleção brasileira de futebol conte com estrelas de renome planetário, quem seleciona e convoca jogadores é o técnico. Cabe a ele, pelo menos em princípio, orientar a equipe, formular a estratégia de cada partida, incentivar a turma.

O técnico, sobre o qual pesa enorme responsabilidade, se esforça para exercer comando sobre a Seleção.

Chamada do Estadão, 11 nov° 2016

Chamada do Estadão, 11 nov° 2016

Como todos os demais jornais, o Estadão publicou artigo sobre o clássico Brasil x Argentina, disputado ontem no Mineirão. No entanto, o subtítulo desorienta o leitor. Dá recado trocado. Diz o contrário do que tencionava dizer.

De fato, informa que o festejado técnico está sendo comandado pela equipe. Estranha situação. Levada a sério, a frase conta que quem dá as ordens é a Seleção e que o orientador está sob seu comando. Trocaram os pés pelas mãos.

Deveria estar escrito que o «técnico emplaca cinco vitórias no comando». Pelo menos, é o que se imagina.

Vitória de Pirro

José Horta Manzano

Você sabia?

Continuo aplaudindo de pé a equipe responsável pela atribuição de nome às diferentes fases da Operação Lava a Jato. Vitória de Pirro… esta de hoje é mesmo de pasmar.

A expressão já era usada pelos romanos há dois milênios. Faz referência a Pirro I (318-272 a.C.), que reinava sobre a região de Épiro, na Grécia antiga. Era época de expansão. A Grécia havia fundado colônias na orla do Mediterrâneo ‒ Itália, França, Norte da África.

O crescente poderio do Império Romano, no entanto, começava a ameaçar a expansão grega. Enfrentamentos militares foram-se tornando inevitáveis.

Rei Pirro I

Rei Pirro I

Rei Pirro I havia estabelecido uma colônia no sul da Itália, chamada Heracleia. A “invasão” irritou os romanos, que decidiram expulsar os forasteiros. Uma batalha foi travada entre os autóctones e as tropas do rei Pirro. O exército grego venceu a batalha, mas suas tropas sofreram danos irreparáveis. A aparente vitória militar acabou revelando-se contraproducente por ter resultado em derrota a longo prazo.

Desde então, toda vitória que se transforma em fracasso costuma ser chamada de «Vitória de Pirro». A história guarda uma alentada lista de batalhas que entram nessa categoria. Feitos não militares às vezes costumam ser batizados com o mesmo epíteto. É justamente o caso da mais recente fase da Lava a Jato.

Terra do cruz-credo

José Horta Manzano

Você sabia?

Assalto 2Como faz a cada ano, o respeitado instituto mexicano Seguridad, Justicia y Paz publicou estudo que mede a criminalidade urbana no planeta. Divulgou a lista das 50 cidades mais violentas do mundo – pelo critério de número de homicídios em relação à população.

O país campeão estourado em matéria de violência urbana – o distinto leitor já deve desconfiar – é nossa amada Terra de Santa Cruz. Que digo? Santa Cruz? Está mais para cruz-credo!

A lista de 2013 trazia 16 cidades brasileiras entre as 50 mais violentas do mundo. A edição 2014 não só confirma a presença das mesmas dezesseis como também acrescenta três: são agora 19. Em números redondos, quatro entre as dez cidades mais violentas – considerados todos os continentes e todos os países – se encontram no Brasil. Nosso País segue firme na vanguarda do crime. Nossa dianteira é de tal importância que dificilmente poderemos ser alcançados. Somos imbatíveis.

Crime 1Contrastando com as autoridades das outras 18 cidades brasileiras mencionadas no estudo, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás não gostou de ver a capital do Estado mais uma vez na lista da vergonha.

Aderindo a estratégia muito em voga no Brasil atual, tentou menosprezar a mensagem e «desconstruir» o mensageiro. Criticou o instituto mexicano, sua metodologia e seus dados. Tentou desqualificar e desmerecer o estudo. Disse que estavam errados, que não era bem assim, que, no fundo, não se matava tanto em Goiânia.

Charge publicada no site Seguridad, Justicia y Paz

Charge publicada no site
Seguridad, Justicia y Paz

Mexeram em vespeiro. Tiveram direito a uma longa resposta, com números, fontes e tabelas, assinada pelo presidente do instituto. O artigo está em destaque no site da ong, exposto a quem quiser ler. As autoridades goianas atiraram no estafeta e acertaram o próprio pé. Para coroar, ganharam a charge que vai reproduzida aqui acima.

As 19 cidades brasileiras constantes da lista das 50 mais violentas do mundo em 2014 são as seguintes:

Posição   Cidade             Taxa(1)
———————————————————————————————————
04        João Pessoa        79,41
06        Maceió             72,91
08        Fortaleza          66,55
10        São Luís           64,71
11        Natal              63,68
15        Vitória            57,00
16        Cuiabá             56,46
17        Salvador           54,31
18        Belém              53,06
20        Teresina           49,49
23        Goiânia            44,82
29        Recife             39,05
30        Campina Grande     37,97
33        Manaus             37,07
37        Porto Alegre       34,65
39        Aracaju            34,19
42        Belo Horizonte     33,39
44        Curitiba           31,48
46        Macapá             25,45

(1) Homicídios intencionais por 100 mil habitantes

Para efeito de comparação, note-se que a taxa global brasileira beira 25 homicídios intencionais por 100 mil habitantes, número altíssimo.

Assalto 1É verdade que estamos numa situação menos sinistra que a infeliz Venezuela (45 por 100 mil). No entanto, estamos bem longe de uma Alemanha (0,8), de um Japão (0,4) ou de uma pacífica Hong Kong (0,2). Ainda temos longo caminho a percorrer. Será trabalho para as próximas gerações. Com sorte, os netos de nossos netos conhecerão um país mais civilizado.

Obs:
Quem quiser consultar o estudo completo do instituto, pode descarregá-lo, em língua portuguesa e em formato pdf, aqui.

A presidente reeleita e a bandeira brasileira

Jorge Béja (*)

Pode parecer bobagem, pode parecer intransigência ou apego exagerado, mas não é não. Também é certo que Dilma e todo o seu staff palaciano-presidencial-eleitoral não agiram com malícia, nem com intenção ou ausência de civismo. O que aconteceu foi mesmo a mais completa falta de conhecimento. Foi ignorância – que não se apaga mais e que mostra a falta de cultura tanto dos que assessoram a presidente quanto da própria Dilma Rousseff.

O Brasil inteiro viu e ouviu o discurso de Dilma, após proclamada sua reeleição pelo TSE. De uma tacada só, às 8 da noite de domingo passado, o tribunal divulgou perto de 100% da apuração para presidente que, sigilosamente, ocorria desde as 5 da tarde, seguindo os fusos horários. Dilma venceu e ponto final. Roma locuta, causa finita.

Então, de uma tribuna, montada em um palanque e cercada do pessoal que lhe é mais próximo, Dilma agradeceu aos eleitores e fez promessas “aos brasileiros e brasileiras” para este segundo mandato presidencial. Falou em reconciliação e até no empenho pessoal que, doravante, terá para apurar as denúncias de corrupção que atingem a Petrobras. “Doa a quem doer”. Pelo que disse e prometeu, parece que teremos uma outra Dilma a governar o Brasil até o final de 2018. Tomara que seja verdade. A foto da fala de Dilma correu o mundo.

Dilma vitoria 2Mas poucos, poucos mesmo (ou ninguém) perceberam que naquele cenário (palanque e tribuna) a presidente reeleita, sem malícia, sem intenção ou falta de civismo, estava cometendo contravenção penal, sujeitando-se, portanto, a receber voz de prisão em flagrante de parte de qualquer um. Isso porque a tribuna do palanque de onde Dilma discursava estava revestida com a bandeira nacional. Se foi decidido usar a bandeira brasileira para aquela ocasião, o que era perfeitamente normal e recomendável, ela somente poderia estar hasteada. Revestindo a tribuna, como apareceu, jamais.

Dilma 1Um presidente da República e todos os que integram a presidência devem ser os primeiros a cumprir as leis do país. Deles parte o exemplo. Ao lado do hino, das Armas e do Selo Nacional, a bandeira nacional integra os símbolos nacionais aos quais todos devemos respeito cego, em obediência à lei que os disciplina – a Lei n° 5700, de 1971, revisada em 1992 e complementada pela Lei n° 8421.

O artigo 31 é imperativo, não dando margem à menor dúvida. Não admite atenuante. Diz: “São consideradas manifestações de desrespeito à bandeira nacional, e portanto, proibidas: (…) Usá-la como roupagem, reposteiro, pano de boca, guarnição de mesa, revestimento de tribuna, ou como cobertura de placas, retratos, painés ou monumentos a inaugurar“. O processo a que se submete o infrator “obedecerá ao rito previsto para as contravenções penais”.

(*) Este texto é excerto de artigo de Jorge Béja, advogado carioca. A versão integral está aqui.

Carta aberta à Senhora Presidente

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 1° nov° 2014

Prezada Senhora Dilma Rousseff,

Carta 1Antes de mais nada, quero dar-lhe parabéns pela vitória. Ainda que a franja de votos que a separa do adversário tenha sido menor do que a de quatro anos atrás, o triunfo, desta vez, tem mérito maior. Os votos que a elegeram em 2010 eram herança de seu antecessor. Já os de agora refletem o julgamento de seus quatro anos de governo. Felicitações!

Nada me obriga a fazê-lo, mas opto por eliminar toda ambiguidade: não lhe dei meu voto. Razões várias me levaram a supor que seu adversário reunia condições de dar ao Brasil orientação adequada. No entanto, o destino, cabeçudo, decidiu a seu modo. Não saberemos jamais como teria sido… o que não foi.

Campanha e debates, ataques e defesas, altivezas e baixezas – toda essa tralha faz parte do passado. Viremos a página. Nossa Constituição manda que o vencedor da corrida seja sagrado presidente. Coube à senhora o lugar mais alto no pódio. Que se cumpra a lei. Saudemos a presidente de todos os brasileiros.

Os primeiros dias são melindrosos. O calor da disputa pode demorar para arrefecer. Alguns relutam em catar os cacos, colá-los e recompor o vaso. Deixe estar, que o tempo é remédio para amores e dores.

Dizem que a senhora é autoritária. Ligue não. Churchill e De Gaulle – autocráticos, rígidos e voluntariosos – deixaram rasto de glória e de admiração.

Envelope 3Somos da mesma geração, presidente: nasci pouco mais de um ano antes da senhora. Crescemos num mesmo Brasil e sonhamos os mesmos sonhos. O País está hoje melhor, mas resta um bocado por fazer. É obra coletiva, que compete a cada cidadão. Alguns, como a senhora, dispõem de trunfos mais robustos. Eis por que lhe escrevo.

Meu primeiro pedido é, de todos, o mais importante. A divisão do povo brasileiro em duas categorias nebulosas – «nós e eles» – é semente de males doídos e duradouros. Garantido. Essa cisão tem sido instigada estes últimos anos. Nosso País está em processo acelerado de cisma.

Por favor, presidente, leve em consideração o alerta deste compatriota que já rodou mundo: determine a seus auxiliares que se abstenham de alargar brechas entre classes de cidadãos. Pretos e brancos, ricos e pobres, nortistas e sulistas, religiosos e descrentes são antagonismos que não vale a pena exacerbar. Fiquemos somente com o «nós» e deixemos o «eles» pra lá.

by Lailson de Holanda Cavalcanti, desenhista pernambucano

by Lailson de Holanda Cavalcanti, desenhista pernambucano

Gostei do seu discurso de vitória. A senhora já reparou, presidente, que seus pronunciamentos espontâneos são bem mais joviais que textos engessados? Digo-lhe sem ironia: está aí a prova de que o que lhe vai dentro é maior e melhor do que o papel que marqueteiros e assessores a instigam a representar. Procure dar mais valor ao bom senso e menos a assessores cujo objetivo nem sempre coincide com o seu.

Nossa Constituição veda, a titulares do Executivo, um terceiro mandato. A senhora está, assim, liberta de amarras que emperraram seu primeiro mandato. Não caia na tentação de impor sucessor. Deixe a missão para especialistas, que os há.

Na hora de escolher assessores, não se restrinja aos que pertencem a sua família política. Há gente pra lá de capaz na outra borda. Não hesite em convocá-los, que não é desonroso. Busque a competência onde estiver.

Presidentes galeriaOs atuais programas de transferência de renda são positivos. Seriam ainda mais benéficos e eficientes se fossem acompanhados de incentivos. Que tal encorajar beneficiários com microcrédito, formação técnica e ensino profissionalizante? A meta maior de seu quadriênio bem poderia ser a extinção gradual de programas assistenciais por… se terem tornado supérfluos. Já imaginou?

Outra coisa importante, presidente. O Congresso virou um balaio de gatos. O divórcio entre povo e eleitos é real. Um mês depois do voto, boa parte dos eleitores já esqueceu em quem votou. A solução é uma só: voto distrital. Divida-se o País em 513 distritos de população equivalente. Cada distrito elegerá, em dois turnos, seu deputado. Somente assim se criará o vínculo entre eleitor e eleito, atualmente inexistente.

Daqui a cinquenta anos, presidente, não estaremos mais aqui. Nem a senhora, nem eu. Quanto a mim, na melhor das hipóteses, terei direito a uma lápide com um nome e duas datas. A senhora estará nos livros de História.

Ucrania 1Suas decisões nestes próximos quatro anos determinarão se sua memória será louvada ou execrada. Para quem, como a senhora, exerceu o cargo maior, mais valerá ser lembrada como conciliadora do que como responsável pela ucranização do Brasil.

Receba meu respeito e minha esperança. Que Deus a ilumine.

Vai dar trabalho

José Horta Manzano

O discurso de união nacional da presidente reeleita ficou bonito no papel. Era o que se esperava. Faltou avisar à militância, que não parece estar sintonizada com os novos tempos.

Como prova eloquente, veja esta foto da alegre manifestação que se seguiu à notícia da reeleição. Foi tirada na avenida Paulista, São Paulo, na noite de 26 out° 2014.

Dilma vitoria 1

Alguém distingue alguma bandeira brasileira?