Putin & Maduro

José Horta Manzano

Semana passada, o auê em torno da vistosa excursão de Bolsonaro à Rússia foi tamanho, que um fato inquietante acabou relegado para segundo plano. Exatamente nos dias em que o capitão esteve na capital russa, com uma revoada de jornalistas brasileiros vasculhando todos os montes de neve das esquinas moscovitas atrás do capitão, algo acontecia aqui, bem mais perto de nossas fronteiras.

Foi em Caracas, Venezuela. Putin não veio pessoalmente – nem podia, visto que estava trocando figurinhas com Bolsonaro. Não veio, mas mandou Yuri Borisov, seu vice-primeiro ministro. O figurão encontrou-se com Nicolás Maduro, autocrata de nosso país vizinho.

Neste ponto, é bom lembrar que, talvez sob conselho de Donald Trump, o governo brasileiro desqualificou Maduro, anos atrás, como governante legítimo da Venezuela. Preferiu reconhecer Juan Guaidó como presidente do país. Desde então, a relação entre Maduro e Bolsonaro, que já não era lá essas coisas, azedou de vez.

Maduro, que é tão malcriado como seu par brasileiro, já tratou o presidente do Brasil de farsante, imbecil, neonazista e palhaço. Vê-se que, considerado o nível do vocabulário de cada um, os dois se equivalem.

Logo no dia da chegada do vice-premier russo a Caracas, foi publicada a razão da visita. O emissário de Putin veio assinar um acordo de cooperação militar com a Venezuela. Quem botou a boca no trombone foi o próprio Maduro, por meio de um tuíte. (Aparentemente, ele não privilegia o Telegram, a rede preferida pelo seguidores de Trump.)

Essa desabrida implantação russa em nossa fronteira deixa a impressão de estarmos de volta aos anos 1950-1960, quando a Guerra Fria opunha os bons aos malvados, obrigando cada país a escolher seu campo.

Com a rede de satélites espiões que orbitam atualmente, é inimaginável que a Rússia repita a façanha de 1962, ano em que foi apanhada com a boca na botija quando se preparava a instalar uma base de mísseis em Cuba, a 160km das costas americanas. Além do que, quem se prepara a enfrentar uma empreitada dessa envergadura não costuma anunciar nas redes sociais.

Assim mesmo, a “parceria” entre o belicoso Putin e o animoso Maduro é pra deixar qualquer governo de prontidão. Especialmente quando o consórcio cheira a enxofre e funciona na esquina de casa.

O voto no exterior

José Horta Manzano

A visão que os expatriados lançam sobre a política brasileira nem sempre emparelha o padrão seguido pelos residentes no território nacional. O resultado do voto do exterior neste primeiro turno é significativo. Não nos esqueçamos de que, dado que os expatriados não contam com deputados nem com senadores para representá-los, votam unicamente para presidente.

Apuradas as urnas, as autoridades eleitorais publicaram uma lista com os votos de 134 cidades ao redor do planeta. Uma rápida análise mostra resultados às vezes curiosos.

Na soma das 134 cidades, Bolsonaro aparece em primeiro lugar, com folgados 59% dos votos. Diferentemente do que ocorreu em território nacional, o segundo colocado é Ciro Gomes, com 15%. Haddad só vem em terceiro, com magros 10%. Atropelando Alckmin, Amoedo é o quarto, com 7%, numa votação surpreendente.

Se dependesse dos votos do exterior, doutor Bolsonaro teria levado no primeiro turno com o apoio de seis em cada dez eleitores. O candidato venceu em 116 das 134 cidades, sendo que em nove delas arrebatou mais de 70% dos votos.

Doutor Ciro Gomes, por seu lado, sagrou-se primeirão em 12 cidades importantes, entre as quais estão Paris, Berlim, Pequim, Estocolmo, Copenhague e Varsóvia. Já na Rússia e em Gana, empatou com doutor Bolsonaro.

Infográfico de O Globo

Para fechar a estatística, doutor Haddad ganhou em apenas seis cidades. Entre elas, em Havana (faz sentido) e em três localidades africanas. Completam a lista duas cidades árabes, uma na Jordânia e outra na Palestina. Observe-se que a família do doutor é originária dessa região do Oriente Médio e que boa parte dos brasileiros que lá residem tem dupla nacionalidade.

Mais uma observação. Nas eleições presidenciais de 2014, eu tinha constatado manifestação de boca de urna junto ao local de votação instalado no palácio de convenções de Genebra. Ainda que pareça surpreendente, é verdade, não estou fantasiando. Bem à porta do prédio, estava um animado grupo de uma dezena de militantes. Vestidos a caráter, camiseta e boné vermelhos, bandeiras ondulando, abordavam quem chegava para oferecer santinhos.

Desta vez, curioso, procurei pelos operadores de boca de urna. Não havia ninguém. Nem um gato pingado. Para mim, ficou claro que a exportação de militância não era obra de um partido político, mas patrocinada diretamente pelo Planalto. (À época, o PT de Dilma ocupava o espaço.) Visto que, hoje, o acesso aos cofres públicos está mais restrito, nada de boca de urna tipo exportação. Pra você ver onde vão parar nossos impostos.

PS: Em Caracas (Venezuela), quem venceu foi doutor Bolsonaro.

A dura semeadura

José Horta Manzano

Em artigo publicado esta semana, o diário espanhol El Pais deu conta do terrível calvário que o povo venezuelano está sofrendo em decorrência da corrupção generalizada que assola o país. A situação é inimaginável. A vida de nossos infelizes vizinhos do norte se está dissolvendo numa implacável geleia geral.

Um caminhão que percorre os 800km que vão de Táchira a Caracas com uma carga de 3000kg de bananas chega ao destino com 300kg a menos. É a regra e já faz parte da rotina. Postos de polícia cobram «pedágio» de todos os caminhões que trafegam. Todos têm de pagar o dízimo.

Um mês atrás, produtores de queijo do Estado de Apure passaram duas noites num cárcere por se terem recusado a entregar dez por cento da carga que levavam. O confisco generalizado conta com o apoio de policiais e de prefeitos municipais, todos alinhados com o tiranete Maduro. A mercadoria sequestrada será vendida no mercado negro a peso de ouro.

by Darío Castillejos, desenhista mexicano

A situação, grave e revoltante, desanima os agricultores. Os que costumavam cultivar para vender desistem e acabam plantando para sobreviver. A produção encolhe a olhos vistos. Faltam sementes. Faltam insumos. O assalto generalizado gera escassez e provoca violenta subida dos preços, alimentando a já descontrolada inflação.

Quinze anos atrás, a produção agrícola da Venezuela cobria 70% das necessidades da população. Em 2017, a produção nacional mal deu pra suprir 25% do consumo.

A vida no Brasil, ainda que nos pareça dura, é verdadeiro paraíso aos olhos de um venezuelano. Nossa corrupção, que corrói o fruto do trabalho de todos, é menos visível. Na Venezuela, esse tipo de criminalidade é escancarado, onipresente. O baque é mais violento. Como se sabe, violência gera violência, num círculo infernal.

Os infelizes vizinhos que fogem do país para refugiar-se em Roraima têm fome. Por maiores que sejam nossos problemas, passar fome, para nós outros, é inconcebível.

Quando se assiste a esse drama, dá um tremendo alívio. Se não tivéssemos afastado do governo o lulopetismo ‒ cujo chefe chegou a dizer um dia que «a Venezuela tem democracia em excesso» ‒, poderíamos estar na mesma situação.

Escapamos! Deus é brasileiro.

Os sem-passaporte

José Horta Manzano

Quando a situação se torna insustentável a ponto de o cidadão não ver outra saída senão abandonar a terra natal, surge a dúvida: para onde ir? Por razões culturais, políticas, linguísticas ou histórico-geográficas, cada povo tem preferências que lhe são próprias.

A maioria dos brasileiros, independentemente de origem étnica ou posição social, tende a olhar direto para os Estados Unidos. Faz um século que é assim. Por mais que Mr. Trump se aplique a desconstruir a imagem do país, os EUA continuam a ser vistos como terra prometida. Descendentes de japoneses, por seu lado, costumam ver na terra dos ancestrais um porto seguro. Há também conterrâneos nossos que se espalham por Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Portugal e tantos outros destinos.

Não é segredo para ninguém que a Venezuela atravessa o pior momento de sua história. Tirando a franja ligada à ditadura, a população pula miudinho. Ricos e pobres pelejam contra inflação de quatro algarismos, falta de alimentos e de remédios, altíssima taxa de desemprego, criminalidade. À vista de ingredientes tão explosivos, não espanta que haja mães entregando filhos a quem se dispuser a alimentá-los. Coisa de deixar de cabelo em pé.

Venezuelanos também sentem atração pelos Estados Unidos, mas não só. Por razões históricas e linguísticas, enxergam a Espanha e a América hispânica com simpatia. As estimativas atuais dão conta de que 250 mil deles elegeram a Espanha como lugar para iniciar vida nova. A América de fala espanhola tem a preferência de quase 800 mil venezuelanos, dos quais meio milhão se encontram na vizinha Colômbia. O total de expatriados beira 5% da população. É como se dez milhões de brasileiros tivessem optado pela emigração, uma enormidade.

Para acentuar o calvário de nossos vizinhos do norte, várias máfias se jogam sobre os infelizes como urubus sobre carniça. Uma das mais ativas é a que controla a emissão de passaportes. Agem de forma covarde e pra lá de maldosa. Para deixar o país, precisa ter passaporte, não é? Pois então, vamos assaltar os que buscam obter o documento ‒ pensam eles.

No serviço de emissão de passaportes situado na região leste de Caracas, age uma quadrilha de funcionários corruptos que extorquem milhares de dólares dos candidatos a obter o ansiado documento. Num país falido, o negócio é altamente rentável. Quem não quiser pagar, simplesmente não vai conseguir o documento. Pela via oficial, seu passaporte vai demorar mais de ano pra ficar pronto. Se vier um dia.

Coisa parecida acontece com venezuelanos residentes no exterior. Quando se dirigem ao consulado para renovar o passaporte, recebem a terrível notícia: a renovação é impossível. Por quê? As desculpas variam: pode ser por falta de papel, por falta de tinta, por falta de vontade, por falta de vergonha.

Desconfia-se que señor Maduro tenha dado ordem para impedir que expatriados retornem ao país. Cidadãos que vivem no exterior, menos expostos à demagogia oficial, tendem a se posicionar contra a ditadura vigente. Se dispuserem de passaporte, perigam voltar à pátria e votar contra o tiranete nas eleições que devem ocorrer em breve. Melhor mantê-los longe.

Ao fim e ao cabo, com passaporte vencido, os venezuelanos expatriados se veem em situação delicada. Ainda que se encontrem em situação regular no país em que vivem, a falta do documento lhes causa problemas no dia a dia. Ficam impedidos, por exemplo, de renovar visto de permanência, de encontrar emprego, de conseguir casa pra morar. Vê-se que, em ditaduras, o povo não passa de massa de manobra a serviço da nomenklatura.

Tinha razão o Lula presidente quando, ao assinar acordo entre a Petrobrás e a estatal venezuelana de petróleo, declarou que a Venezuela tinha «democracia em excesso». Sábias palavras de um visionário.

Venezuela, a barata tonta

José Horta Manzano

«Embaixador brasileiro em Caracas considerado ‘persona non grata’ pelo governo venezuelano.»

«Itamaraty não tem previsão de enviar outro embaixador à Venezuela.»

Entre ontem e hoje, a mídia estampou essas duas manchetes. Uma sequência radicalmente fora de esquadro. Espero que a segunda manchete não passe de cochilo do estagiário de plantão nesta véspera de Natal. Mostra total desconhecimento dos sutis códigos que se utilizam na comunicação internacional.

A linguagem diplomática, de aparência aveludada, pode revelar-se contundente, violenta até. Declarar um embaixador persona non grata, é dar um tapa na cara do país que ele representa. Não é a pessoa física do diplomata que está sendo ofendida, mas o Brasil inteiro. É sinal claro de repulsa, de ‘chega pra lá’, de ‘põe-te daqui pra fora’, de ‘não queremos conversa com vocês’.

Previsão de enviar outro embaixador? O estagiário devia estar no primeiro dia de trabalho. Repito, para que fique claro: não é doutor Pereira, o embaixador, quem está sendo rejeitado. Caracas não quer conversa é com o Brasil. Portanto, enviar novo embaixador está fora de questão.

Unha e carne com señor Maduro, Delcy Rodríguez é presidente da Assembleia Constituinte. Coube a ela expulsar nosso embaixador.

Daqui pra frente, a questão subiu de patamar. Cogita-se sobre o rompimento de relações diplomáticas com o infeliz vizinho do norte. A ruptura é ato político que exige avaliação dos prós e dos contras. Embora, de supetão, a reação epidérmica seja cortar imediatamente todo contacto com aquele regime selvagem, o Itamaraty terá a sabedoria de tomar a decisão adequada. Pelo menos, assim espero.

A iniciativa de Caracas não se sustenta. Expulsaram o embaixador do Canadá sob a alegação de que aquele país se imiscui em assuntos internos da Venezuela. Ao mesmo tempo, expulsaram nosso embaixador argumentando que nosso governo é fruto de golpe de Estado, portanto, ilegítimo.

Não é possível ser e não ser ao mesmo tempo. Se, por um lado, repreendem o Canadá pela intromissão em assuntos internos venezuelanos, não faz sentido se intrometerem, por outro lado, em assuntos internos brasileiros. Se foi «gópi» ou não, o problema é nosso. A Venezuela não tem de meter o bedelho.

Feito barata tonta, os dirigentes de Caracas andam atirando em todas as direções e serrando o galho onde se assentam. Com o país em estado de indigência, melhor fariam se baixassem a crista e procurassem aproximação com quem ainda lhes pode dar uma mão. Por incompetência, estão construindo uma cintura de vácuo em torno de si próprios. Quando se derem conta de que já não conseguem sobreviver sozinhos, talvez seja tarde demais.

Se liberan a sí mismos

José Horta Manzano

Señor Antonio Ledezma é advogado e homem público venezuelano. Na política desde os tempos de estudante, já foi deputado, governador, senador e prefeito da capital do país ‒ um currículo sólido. Há muitos anos, faz parte da importante franja de políticos que se opõem ao desmonte da nação instaurado pelo regime «bolivariano» de Hugo Chávez e reconduzido por Nicolás Maduro.

Dado que a Justiça do país se encontra dominada pelo Executivo, prevalece sempre a vontade do príncipe. Em 2015, o príncipe agiu como de costume quando alguém lhe pisa os calos: ordenou que señor Ledezma fosse encarcerado. Desde então, o prefeito foi mantido em prisão domiciliar. A acusação? Um pretenso e nebuloso complô para derrubar Maduro ‒ alegação sem consistência e impossível de ser comprovada.

Caracas – Cúcuta: trajeto de 900km
imagem Google

Instalou-se, desde então, uma rotina. Todos os dias, a polícia bolivariana batia à porta de Antonio Ledezma às oito da manhã e às oito da noite. Vinha constatar a presença do prisioneiro. Como prova, os guardas levavam as impressões digitais do encarcerado para mostrá-las aos superiores. Rígido nos primeiros meses, o ritual foi-se afrouxando. Os policiais acabaram rareando a visita noturna. Davam expediente só pela manhã. Afinal, quase 1000 dias já se tinham passado sem nenhum incidente.

Durante várias semanas, o preso preparou um plano de fuga. Contou ‒ é certeza ‒ com uma rede subterrânea de cúmplices. Por razões de segurança, o nome dos colaboradores não foi nem será publicado. No dia acertado, logo após a passagem matinal dos agentes de Maduro, Ledezma embarcou num automóvel para uma longa viagem de 900km até a fronteira colombiana. O trajeto levou 15 horas. Vinte e nove postos de controle foram enfrentados sem o menor problema, num sinal de que cumplicidade havia.

Um rio marca a fronteira entre Venezuela e Colômbia. Do lado colombiano está a cidade de Cúcuta. A mídia não menciona, mas é plausível que o fugitivo já estivesse sendo ali aguardado para ser transportado a Bogotá, a capital do país. De lá, tomou um avião de carreira com destino a Madrid, onde desembarcou neste sábado de manhã. Ao chegar, foi acolhido pela esposa e pelas filhas, que já vivem na capital espanhola há tempos.

Tirando a rainha da Inglaterra, nenhum viajante intercontinental costuma embarcar sem passaporte. Dado que seu documento de viagem havia sido confiscado por Maduro, como é possível que Ledezma tenha podido viajar? Esse detalhe não foi (nem deverá ser) esclarecido.

No aeroporto de Madrid, uma multidão de repórteres, microfone em punho, aguardava pelo político. Perguntas choveram. De repente, o recém-chegado se surpreendeu ao ouvir que «estava fugindo» da Venezuela. Na lata, retrucou: «Los presos políticos no se fugan, se liberan a sí mismos» ‒ presos políticos não fogem, libertam-se.

Adicionando a massa de refugiados que escapam diariamente em direção à Colômbia e ao Brasil, os mais afortunados que já se foram para Miami e os políticos que se libertam, a Venezuela está chegando ao ponto em que vale a máxima: «Que o último a sair apague a luz».

Fim da boquinha

José Horta Manzano

AQUI
Mostrando poder sem limites, outro dia o STF interveio no calendário. Ao dar-se conta de que um feriado caía num sábado, sua presidente tomou a decisão de transferi-lo para a sexta-feira da semana seguinte. O Brasil deu de ombros e não viu nada de errado.

É sabido que parlamentares federais não costumam aparecer na segunda nem na sexta-feira. Quando um feriado cai numa quarta-feira, então, é comum enforcar a semana inteira. O Brasil dá de ombros e não vê nada de errado.

ALI
Em agosto de 2013, uma diplomata de carreira foi nomeada para o posto de embaixadora da Suíça na Venezuela. Acompanhada do marido, transferiu residência para Caracas. Sua missão durou pouco mais de dois anos, até o fim de 2015, quando foi chamada de volta a Berna.

Uma auditoria de rotina havia revelado que, nos anos de 2013 e 2014, a diplomata havia tirado 69 dias de férias a mais do que devia. Com salário pleno, evidentemente. Um inquérito administrativo foi aberto.

Além de confirmar o excesso de férias, a investigação revelou outros abusos. Descobriu-se que, quando de suas viagens entre a Suíça e a Venezuela, a diplomata aproveitava para fazer escalas prolongadas em outros países. Acompanhada do marido e sem motivos profissionais. E as despesas, pagas com cartão corporativo, eram cobertas pelos cofres públicos.

A embaixadora foi imediatamente suspensa de suas funções e tornou-se ré de processo por improbidade administrativa. Na Suíça, considera-se que seus atos não somente contrariaram a relação entre empregado e empregador, mas foram desrespeitosos para com o interesse público.

A sentença do Tribunal Administrativo Federal acaba de sair. A acusada foi condenada à perda do emprego por justa causa, efetiva desde o dia em que foi suspensa. Sua carreira diplomática está encerrada.

AQUI E ALI
No Brasil, a lei concede benefícios extraordinários a ex-presidentes. Dá-lhes direito a pensão vitalícia, automóvel, motorista, guarda-costas, secretários. Ao conceder a aposentadoria, o legislador levou em consideração a dificuldade que um ex-presidente teria em encontrar novo emprego, o que parece justo. Já os demais penduricalhos foram acrescentados com o passar do tempo.

Embora os benefícios pareçam exagerados, vamos admitir que sejam normais. O que não me parece normal é que nossa ex-presidente destituída saia pelo mundo acompanhada do séquito ‒ viajando à nossa custa ‒ para dar palestras nas quais diz, entre outros horrores, que foi apeada por «golpe de Estado».

Coreia do Norte e Venezuela

José Horta Manzano

Duas maneiras de lidar com a paranoia

Coreia do Norte e Venezuela são países com vários pontos em comum. Têm população comparável: 25 milhões para o primeiro, 30 milhões para o segundo. Têm ambos a economia em frangalhos, com o povo passando fome enquanto a nomenklatura se farta de champanhe e caviar. Os dois países são atormentados por uma ditadura ‒ a da Coreia é hereditária e a da Venezuela segue adiante com sucessor designado.

Talvez a semelhança maior entre as duas nações seja a ignorância manifesta da classe dirigente, que parece viver num outro planeta, à margem da civilização. É certo que ambas as cliques vivem numa situação de paranoia permanente. Com ou sem razão, acreditam estar prestes a ser atacados por forças militares estrangeiras. Os tuítes estrambóticos do atual inquilino da Casa Branca não fazem senão reforçar esse sentimento. O folclórico personagem já ameaçou os coreanos com «fogo e furor» e não excluiu intervenção armada no nosso vizinho do norte.

Kim Jong-un, ditador da Coreia do Norte

Agora falemos das diferenças. A Coreia do Norte não foi agraciada pelos deuses na hora da distribuição das riquezas. O solo é pobre, as reservas minerais não são significativas. Como o país não fornece estatísticas oficiais, é difícil conhecer a economia no detalhe. Estima-se um baixíssimo PIB per capita, entre 1000 e 1500 dólares por ano. Para comparação, o do Brasil é dez vezes mais elevado.

Já a Venezuela passou três vezes na fila da distribuição de riquezas. Tem petróleo a dar com o pau ‒ a maior reserva do mundo. O solo é rico e o sol, generoso. Se tivesse lá aportado, Pero Vaz de Caminha não hesitaria em afirmar: «em se plantando, dar-se-á nela tudo». No entanto… o povo passa fome. Um paradoxo.

Ambos os países são governados por gente ignorante e paranoica, disso já sabemos. Mas há sensível diferença na maneira que cada qual encontrou pra lidar com essa sensação de iminente ataque externo.

A Coreia do Norte investiu (e continua investindo) o pouco que tem em armamento dissuasivo. E tem tido sucesso. Os testes balísticos destes últimos meses nem de longe têm intenção de atingir o Japão, nem Guam, nem quem quer que seja. Servem apenas de advertência: «Não brinquem conosco, que temos como nos defender». E olhe que tem funcionado. Alguém ousaria atacar o país?

Nicolás Maduro, ditador da Venezuela

Já a Venezuela, ai, santa ignorância! Como já fazia seu finado mentor, señor Maduro tem se contentado em subir o nível das bravatas. Incapaz de alimentar o povo, com o país expulso de facto do Mercosul, abandonado pelas companhias aéreas e impossibilitado de importar a não ser que pague adiantado, o bobão veio ontem com a enésima fanfarronice. Prometeu enviar «ajuda humanitária» de cinco milhões de dólares para as vítimas das enchentes de Houston.

O mandachuva de um país cujos cidadãos fogem aos milhares por falta do que comer não tem o direito de cometer tamanho escárnio. Os estragos causados pelas inundações no Texas são estimados, por alto, em 100 bilhões de dólares. Os cinco milhões doados por Caracas não vão além de 0,005% do total. Francamente, melhor faria señor Maduro se destinasse a bolada a comprar esparadrapo para seus hospitais.

Em resumo: a ditadura dinástica coreana está garantida por muitos anos. Quanto à Venezuela, ninguém apostaria um vintém furado na permanência do hermano bigodudo e paspalhão à frente da anacrônica ditadura.

História em três tempos

José Horta Manzano

A decepção
Confesso que a notícia do afastamento do chanceler Serra, por motivo de saúde, me deixou consternado. Compreendo que o ministro não se sinta mais à altura de exercer o cargo extenuante de chefe das Relações Exteriores. Além de completar 75 anos semana que vem, o político passou por cirurgia na coluna vertebral em dezembro. Operação da espinha, sacumé, costuma deixar sequelas. Teve de pendurar as chuteiras.

Fiquei com muita pena. Depois de 13 anos de trevas, de chanceleres mambembes e de identificação com tiranetes e ditadores, o Brasil redescobria as virtudes de uma política externa altiva, realista, condizente com o peso econômico do país. Com a aposentadoria do titular, tudo parecia voltar à estaca zero.

O insulto
Dia 18 de junho de 2015, uma comitiva de oito senadores brasileiros ‒ encabeçada por Aloysio Nunes Ferreira, presidente da Comissão de Relações Exteriores ‒ abalou-se para a Venezuela com a intenção de encontrar-se com opositores do bolivarianismo e de mostrar solidariedade aos presos políticos e aos oprimidos pelo regime rastaquera.

À época, a doutora ainda ocupava o trono no Planalto. Obedecendo, tudo indica, a ordens emanadas de Brasília, nosso embaixador em Caracas recebeu os senadores no aeroporto, cumprimentou-os e desapareceu deixando o grupo sem cicerone(*).

Ao descer do avião da FAB, os senadores brasileiros foram hostilizados, aos gritos, por grupos de militantes paramentados. «Fora! Fora!» e «Chávez não morreu, multiplicou-se!» eram as palavras de ordem. Objetos e frutas foram arremessados em direção ao micro-ônibus dos visitantes. Nenhum gesto foi esboçado para proteger os senadores.

O objetivo do regime venezuelano era impedir que a comitiva cumprisse o programa traçado. Para engarrafar a via de acesso do aeroporto ao centro da cidade, um túnel foi fechado para limpeza, caminhões miraculosamente enguiçaram pelo caminho, obras bloquearam a avenida da noite pro dia. Resultado: prisioneiros da balbúrdia, os brasileiros não conseguiram sair do aeroporto. Desenxabidos, não tiveram outro jeito senão embarcar no avião e voltar a Brasília. No Palácio Miraflores e no do Planalto, os orquestradores do triste espetáculo hão de ter esfregado as mãos, felizes com o sucesso da esperteza.

Quando figurões da República são ofendidos em terra estrangeira, convém encenar um gesto de reclamação. O governo da doutora se contentou de um protesto mole e protocolar, mandado por via diplomática. A coisa ficou por isso mesmo.

O ricochete
O mundo dá voltas. Para substituir o chanceler Serra, doutor Temer teve a iluminação de designar o senador Aloysio Nunes Ferreira, justamente o chefe dos visitantes enxotados da Venezuela ano e meio antes. O Brasil, país desmemoriado, já havia esquecido o gravíssimo incidente de Caracas. O novo chanceler, na qualidade de vítima principal, guarda memória viva.

Logo nos primeiros dias na nova função, o chanceler mostrou a que veio. Em entrevista ao Estadão, subiu o tom já demonstrado por Serra. Declarou que a Venezuela «já desbordou a normalidade democrática», ou seja, que o vizinho ‘bolivariano’ já amarga regime ditatorial. Disse mais. Ressaltou a «pouca importância» da chanceler da Venezuela, dado que, no país dela, «o importante são os carcereiros». Essa deve ter doído.

Para Caracas, a porta de entrada no Mercosul fechou-se de vez. Desta vez, nem pela janela vão entrar.

Moral da história
Quem ‘gospe’ pra cima periga receber uma ‘guspida’ na cabeça.

(*) Cicerone
Segundo alguns estudiosos, o étimo tem origem no nome do tribuno romano Cicero, famoso pelo dom da retórica. Contam que o homem tinha uma verruga em forma de grão-de-bico bem na ponta do nariz. Em latim, essa leguminosa se diz cicer ‒ cece em italiano, pois chiche em francês. A atual acepção do termo ‒ guia turístico ou acompanhante de visitantes ‒ deriva da facilidade oratória de Cicero. Não há consenso quanto à origem. Assim mesmo, essa explicação do grão-de-bico, se não for verdadeira, é um achado.

Visto de cá, visto de lá

José Horta Manzano

PoteauVisto de cá
Nossos conterrâneos roraimenses vivem no único Estado da Federação apartado da rede elétrica nacional. Por motivos que vêm de longe, um convênio entre Brasília e Caracas prevê que as necessidades elétricas de Roraima sejam supridas pela Venezuela.

O acerto funcionou enquanto certa normalidade reinava no país vizinho. As necessidades energéticas roraimenses não sendo enormes, o fornecimento não costumava gerar problema para os venezuelanos.

Desde que o viés populista ‒ dito «bolivarianismo» ‒ passou a dar as cartas no país caribenho, a situação começou a desandar. Desvios de recursos e sucateamento da infraestrutura provocaram desorganização geral. A energia elétrica destinada a Roraima não escapou dos efeitos do desmonte.

O portal Ecoamazônia nos informa sobre o aperto por que vem passando o meio milhão de habitantes do Estado do Norte brasileiro. Transformaram-se em reféns da crise venezuelana. Estão submetidos ao mesmo racionamento que castiga os hermanos.

Monte Roraima

Monte Roraima

Residências, escritórios, fábricas, cinemas, sorveterias, lavanderias e todos os que dependem da energia elétrica estão contabilizando dores de cabeça e perdas financeiras. Enquanto tudo funcionava, ninguém se preocupou. Agora que os apagões se multiplicam, fica evidente a falta de visão dos que tomaram a decisão de se submeter à dependência estrangeira.

Rede de distribuição não se constrói em 24 horas. Por um bom tempo, nossos conterrâneos ainda hão de sentir os efeitos daninhos de uma escolha pela qual não são responsáveis. Ainda que Roraima não seja um Estado de excepcional importância econômica na União, seus habitantes merecem, como todos os outros, ser bem tratados. Chegou a hora de investir na interligação com a rede nacional.

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Roraima 2Visto de lá
Artigo deste 8 de maio do diário venezuelano El Impulso grita: «Venezuela regala a Brasil electricidad de venezolanos». Na visão de nossos vizinhos, a eletricidade que lhes falta está sendo «dada de presente» ao Brasil.

Reclamam que, enquanto vende energia ao Brasil por preço irrisório, a Venezuela compra eletricidade da Colômbia pelo dobro do valor. Não sou especialista no assunto. No entanto, entendo que trato é trato. Se o preço combinado foi esse, combinado está. Aliás, se alguém não está cumprindo a obrigação no presente caso é justamente a Venezuela.

Viva o bolivarianismo!

Tenemos que salvar a Brasil

José Horta Manzano

Dilma e EvoA degringolada do regime instalado no Planalto enche de esperança oito em dez brasileiros. Se, para vencer, bastasse torcer, o jogo estaria jogado.

Naturalmente, o surgimento de vencedores pressupõe a existência de perdedores. De cabelo em pé, políticos, apadrinhados, apaniguados & congêneres têm perdido o sono com a perspectiva de orfandade iminente e inexorável.

Preocupados que estamos com os acontecimentos nacionais, nem sempre nos damos conta de que a onda de choque atravessa fronteiras. Do outro lado da cerca, nossos vizinhos nos observam com especial atenção. Exatamente como ocorre quando elefante visita loja de porcelana, uma mexida “del gigante de Latinoamérica” faz tremer todo o continente.

Nosso hermanos, surpresos com a evolução acelerada da crise brasileira, têm reações contrastadas. Enquanto Argentina e Chile mantêm atitude reservada, outros governos são mais explícitos.

Dilma e MaduroSeñor Mujica, antigo presidente do Uruguai, acredita «que Lula é inocente e que o querem castigar». Evo Morales, aquele que gostaria de se eternizar na presidência da Bolívia, requereu que a organização Unasur realize com urgência uma reunião de cúpula para «defender la democracia en Brasil, para defender a Dilma, para defender la paz, para defender al compañero Lula y a todos los trabajadores».

Señor Maduro, caudilho da Venezuela, é o mais preocupado de todos. Não bastasse estar sendo acossado por um povo cansado, empobrecido e desiludido, ainda tem de conviver com o irremediável afastamento de Cuba, a antiga ilha compañera, atraída irresistivelmente por Obama.

Lula e ChavezNa assembleia de Caracas, o (enfraquecido) bloco chavista denuncia o «golpe de Estado» que se prepara no Brasil e dá apoio a Dilma e a Lula. Como de costume, estão convencidos de que os imperialistas norte-americanos, inimigos de sempre, estão por detrás dessa trama.

A políticos bem-intencionados, como o uruguaio Mujica, pode-se conceder a escusa de não estar a par dos meandros do que acontece no Brasil. Por seu lado, figurões como Morales e Maduro têm outra motivação. Abalados por percalços e derrotas recentes, veem com desespero o desmoronamento do regime lulopetista. Sabem que serão atingidos pelas ondas de nosso tsunami nacional. E que dificilmente sobreviverão.

O recado está dado

José Horta Manzano

Antes de tomar uma ação incisiva, daquelas que não deixam possibilidade de retorno, a gente costuma soltar um balão de ensaio. É como na hora de atravessar um riacho ‒ a gente pisa cada pedra com cuidado, até encontrar o caminho seguro, o caminho das pedras.

Nas recentes eleições gerais, o povo venezuelano deixou clara sua preferência. De cada três eleitores, dois deram seu voto a candidato antichavista. Isso foi algumas semanas atrás. Se votassem de novo hoje, vista a vertiginosa degradação da economia, era bem capaz de a derrota do regime ser mais acachapante.

Congresso venezuelano, Caracas

Congresso venezuelano, Caracas

Apesar dos esperneios e das firulas de señor Maduro e seus áulicos, a nova maioria sente-se cada dia mais forte. Sabe que tem respaldo popular. O regime bolivariano está com os dias contados. Fruta podre não se aguenta muito tempo no galho ‒ mais dia, menos dia, acaba no chão.

A nova assembleia de Caracas ‒ que não convém mais chamar de oposição, tão alentado é o número de deputados ‒ tem como objetivo encerrar os considerandos e partir para os finalmentes.

Antes de agir, estão consultando, como se deve. Não há que temer desagradar ao governo de países adiantados. Europa e EUA verão com bons olhos a saída de cena dos compañeros bolivarianos. Quanto aos vizinhos, não se imagina que Colômbia, Peru, Chile ou Argentina se incomodem com o afastamento de Maduro & companhia.

Mas… ai, ai, ai… falta o Brasil. Maior economia da região e apoiador desabrido do populismo instaurado por Chávez, o Planalto pode se vexar. Risco de guerra atômica não há, mas o bom senso recomenda concórdia e paz entre vizinhos. Como reagirá Brasília a uma reviravolta em Caracas?

Chamada do jornal uruguaio El Pais

Chamada do jornal uruguaio El Pais

Na minha opinião, dona Dilma e todos os que a cercam estão mais é preocupados em esquivar acusações e afastar o risco de ser levados algemados. Os deputados antichavistas sabem disso, mas, assim mesmo, decidiram lançar um balão de ensaio.

Comunicaram oficialmente ao Executivo e ao Legislativo brasileiros a decisão de “pôr fim proximamente” ao governo de Nicolás Maduro. É o jornal uruguaio El Pais que dá a notícia. Caso nenhuma reação venha do Planalto nos próximos dias, o silêncio será considerado como sinal verde.

Ficamos aqui na torcida organizada.

Arma secreta

José Horta Manzano

Heroi 1Todo país guarda memória de algum dirigente excepcional, daqueles que só aparecem uma vez por século. Refiro-me a gente da estirpe de um Winston Churchill, de um Otto von Bismarck, de um Abraham Lincoln ou de um Charles de Gaulle. O Canadá também teve o seu. Foi o Primeiro-Ministro Pierre Elliott Trudeau (1919-2000).

Dotado de grande simpatia e de espírito vivo, Trudeau segurou as rédeas de seu país em duas ocasiões, totalizando 15 anos. São de sua lavra algumas pérolas oratórias. Certa ocasião, em discurso no Clube de Imprensa de Washington, soltou uma preciosidade curta, grossa e irretocável. Referindo-se aos Estados Unidos, disse:

Interligne vertical 3Interligne vertical 3«Living next to you is in some ways like sleeping with an elephant. No matter how friendly and even-tempered is the beast, one is affected by every twitch and grunt.»

Ser vizinho seu é como dormir com um elefante. Por mais amistoso e manso que seja o animal, a gente sente cada movimento e cada grunhido.

Fazia alusão, naturalmente, ao descomunal peso demográfico, econômico, militar e político do vizinho. Os dois países são separados (ou unidos, como queira) por quase 9000km de linha demarcatória, a mais longa fronteira do planeta entre duas nações.

Fronteira 1Embora a gente nem sempre se dê conta, o Brasil assume, na América do Sul, o papel do elefante. Com população e peso econômico equivalente ao de todos os hermanos reunidos, nosso país é observado com crescente atenção pelos vizinhos. Nossos sobressaltos nacionais extrapolam fronteiras.

A edição online deste domingo do espanhol El País aponta exatamente para essa influência que, o mais das vezes, nos passa despercebida. Se mensalões, petrolões e recessões nos deixam apreensivos, o mesmo sentimento de insegurança atravessa cerrados, pampas, pantanais e florestas para incomodar outros povos.

by Fernando de Castro Lopes, desenhista carioca

by Fernando de Castro Lopes, desenhista carioca

Nossos vizinhos – uns menos, outros mais – sentem inquietação. Para a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, as trocas comerciais com o Brasil são de importância vital. Se bambearem, eles estarão em apuros.

Nossos vizinhos de inclinação autocrática e populista – ou «bolivariana», como eles preferem – andam angustiados com os desdobramentos da Lava a Jato. La Paz, Caracas e Quito sabem que o regime que vêm tentando implantar há anos não sobreviverá a uma guinada brasileira em direção à civilização. Se o Brasil conseguir aperfeiçoar sua democracia, o regime autoritário de alguns vizinhos definhará.

Manif 3A marca deixada pelo presidente americano Richard Nixon (1913-1994) não é positiva. No entanto, em pelo menos uma ocasião, o chefe de Estado pronunciou palavras proféticas. Em 1971, já vislumbrava a crescente e inevitável influência de nosso País quando disse que «para onde for o Brasil, irá a América Latina».

Está aí, companheiros! Não estamos sós! Além-fronteiras, também se repete a partição entre «nós & eles». De um lado, há os que torcem pelo soerguimento da economia brasileira, objetivo que só pode ser atingido depois de varrida a bandalheira que nos tem martirizado. De outro lado, há os que rezam para que nada mude, pois são beneficiários diretos do statu quo.

Quanto aos de fora, que torçam, que rezem, que façam novena ou trezena, de pouco adiantará. O futuro do Brasil está contido na arma que só se concede aos nacionais: o voto.

Governo concordou

Cláudio Humberto (*)

O governo Dilma soube com antecedência dos planos do governo venezuelano de destacar um grupo de militares à paisana, passando por manifestantes, para hostilizar os senadores que foram a Caracas visitar presos políticos. Também a embaixada brasileira demonstrou saber da operação de intimidação: diplomatas tinham ordem para não acompanhar os senadores na van que seria alvo dos milicianos.

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

O embaixador brasileiro Ruy Pereira entrou no avião dos senadores antes que desembarcassem, cumprimentou-os e “vazou”.

Os pilotos da FAB que conduziram os senadores foram avisados pelas autoridades venezuelanas para preparar o voo de volta imediatamente.

Após o desembarque dos senadores em Caracas, os pilotos da FAB foram de novo abordados e aconselhados a “nem almoçar” na cidade.

O grupo de senadores de oposição foi a Caracas visitar presos políticos venezuelanos, mas mal conseguiu sair do aeroporto.

(*) Cláudio Humberto, bem informado jornalista, publica coluna diária no Diário do Poder.

Ói ele aí de novo, gente!

«A mentira no debate político é recurso habitual dos líderes do Foro de São Paulo, clube bolivariano do qual o senhor Garcia é sócio-fundador. Ele tem o título de Assessor Internacional da Presidência. De fato, é ele, e não a presidente, quem conduz a diplomacia brasileira: daí a relevância do embuste.»

Aloysio Nunes Ferreira, presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado da República. A declaração, publicada pelo Estadão, foi dada na esteira da humilhação assestada aos parlamentares brasileiros que se deslocaram a Caracas dois dias atrás. O senador refere-se a Marco Aurélio «top-top» Garcia.

Imbecilidade

José Horta Manzano

Señor Cabello, um dos bambambãs da hierarquia política venezuelana, esteve de visita ao Brasil dez dias atrás. Foi acolhido pelo Lula – chegaram a posar juntos, sorridentes, em fotos que saíram em todos os jornais. Embora a visita não tivesse caráter oficial, o estrangeiro foi assim mesmo recebido pela presidente da República. Dona Dilma abriu um espaço na agenda para honrar o ilustre braço direito do bondoso companheiro Maduro.

Agência Xinhua, China

Agência Xinhua, China

Oito senadores de nossa República embarcaram em avião da Força Aérea Brasileira para visitar presos políticos na Venezuela. Foram recebidos a pedradas por milicianos, convenientemente vestidos de vermelho, a soldo do governo do país hermano. A visita teve de ser interrompida.

Quando incapazes assumem funções de governo, tudo pode acontecer. É o que se tem verificado no Brasil e, em grau mais elevado, na sofrida Venezuela. Temendo que a visita de parlamentares estrangeiros pudesse servir de amplificador para o drama dos presos políticos, os brutamontes aboletados no Palacio Miraflores, de Caracas, raciocinaram de modo primitivo: sabotaram a visita.

Venezuela 2O tiro saiu pela culatra. Deu tudo errado. Tivessem os senadores visitado os presos, a notícia sairia na segunda página de jornais brasileiros. E mais nada. A ação de brucutu das autoridades venezuelanas fez o efeito exatamente oposto.

Jornais, rádios, tevês, portais, blogues do mundo inteiro repercutiram a notícia. Se alguém não sabia que houvesse presos políticos naquele país, agora sabe. Mais ainda: meteram dona Dilma numa saia justa ainda mais apertada do que a que ela anda vestindo. Um desastre.

É nisso que dá confiar responsabilidade a imbecis. Aqui está um florilégio do eco planetário suscitado pelas mazelas de um país atrasado.

The San Diego Union Tribune (EUA)
«Brazilian senators fail to meet with Venezuela opposition»

Latina Press (internacional)
«Venezuela: Chavistas greifen Senatsausschuss aus Brasilien an»

BBC (Reino Unido)
«Brazil senators flee Venezuela attack»

Agência Reuters (internacional)
«Venezuela gives landing permission for Brazil senators»

Deutsche Welle (Alemanha)
«Brazil senators blocked in Venezuela en route for visit to jailed opposition leader»

Venezuela al Día (Venezuela)
«Congreso de Brasil aprueba moción de repudio contra gobierno venezolano por agresión a senadores»

Entorno Inteligente (internacional)
«Después de las agresiones chavistas, los senadores brasileños se ven obligados a irse de Caracas»

Martí Noticias (EUA)
«Llegan a Caracas senadores brasileños en apoyo a presos políticos»

Abruzzo 24 ore (Itália)
«Venezuela: Accolgono a sassate delegazione di parlamentari brasiliani»

Venezuela al Día
«¡Que lo sepa el mundo! Senador Neves: “No nos queda duda de que en Venezuela no hay democracia”»

La Jornada (México)
«Condena Brasil ‘actos hostiles’ contra sus senadores en Venezuela»

Clarín (Argentina)
«Senadores brasileños van a Caracas y piden por los presos políticos»

Agência Xinhua (China)
«Líder de oposición brasileña critica que Venezuela no dio garantías de seguridad a comisión de senadores»

ABC Color (Paraguai)
«Senadores brasileños denuncian ataque y bloqueo en Venezuela»

Últimas Noticias (Venezuela)
«Gobierno de Brasil calificó de “inaceptable” lo ocurrido con senadores»

Os de fora ‒ 1

José Horta Manzano

Nós, de fora, também temos obrigação de votar. É só meio voto, mas já é melhor que nada. Por que meio voto? Porque só nos obrigam a escolher o presidente, chefe do Executivo. Quanto a nossos representantes no parlamento, aqueles que levam nossa voz até lá, não os temos. Do ponto de vista da representação democrática, somos cidadãos de segunda linha.

Voto inteiro ou meio voto, o fato é que mais 350 mil conterrâneos que vivem fora das fronteiras estavam inscritos e habilitados a votar. Muitos, desse contingente, se dirigiram àquela maquineta esquisita e despositaram ali crença e esperança.

2014 Exterior Turno 1É compreensível que a taxa de abstenção dos que votam no exterior seja elevada. Diferentemente dos que residem em terras de Santa Cruz, a urna mais próxima não está ali na esquina: pode estar a centenas de quilômetros de distância. Nem todos têm tempo, dinheiro e paciência para fazer o trajeto.

Assim mesmo, formamos contingente de eleitores maior que o do Estado de Roraima. Visto sob o aspecto eleitoral, os brasileiros do exterior constituem a 28a. unidade federativa da República.

Por definição, vivemos todos mergulhados num universo diferente da pátria-mãe. Não fomos bombardeados com propaganda eleitoral. Nenhum de nós recebe bolsa isto ou bolsa aquilo. Nem cesta básica. Isso nos confere certa isenção na hora de votar. Se a gente vota neste ou naquele candidato, será mais por acreditar que levará o País a bom porto, e menos por algum interesse pessoal.

Acredito que a esmagadora maioria dos expatriados brasileiros esteja feliz com os resultados vindos do exterior. Dona Dilma foi a preferida de apenas 18,3% de nós. Dona Marina foi sufragada por 26,1% dos expatriados. E Aécio levou a parte do leão: 49,5%. Por um trisquinho, não teria sido eleito no primeiro turno!

Andei examinando o voto dos brasileiros ao redor do mundo. Salvo alguma discrepância notável, a tendência foi a mesma: Aécio em primeiro, bem distanciado. Marina em segundo. E, na rabeira, dona Dilma.

Discrepâncias, há. Duas são mais gritantes.

Entre os brasileiros residentes em Havana (Cuba), dona Dilma sugou 84% dos votos – um espanto! Eu disse espanto? Nem tanto assim. Pensando bem, Cuba não é exatamente o paraíso sonhado de todo candidato à emigração. Em sua esmagadora maioria, os gatos pingados que vivem na capital cubana hão de ser gente ligada a interesses diferentes do dia a dia do comum dos mortais: Porto de Mariel, pessoal diplomático, pessoal das empreiteiras, espiões, olheiros, lobistas. O voto faz sentido.

Colégio Eleitoral de Caracas, Venezuela

Colégio Eleitoral de Caracas, Venezuela

A surpresa grande está em outro lugar: na velha, boa e muy bolivariana cidade de Caracas (Venezuela). Naquele reduto controlado com o braço armado de um certo señor Maduro, os eleitores puseram Aécio Neves na cabeça. Com 50,75% dos votos, seria eleito no primeiro turno! Sei não. Nossos compatriotas estabelecidos no paraíso moldado por Chávez não dão a impressão de estar muito felizes com a situação.

Miscelânea 10

José Horta Manzano

Idiota 3Mensalão
O que mais vai-se ler hoje são análises ― serenas ou inflamadas ― do mais recente episódio do mensalão, de seus comos e de seus porquês. Não vou-lhes dar mais do mesmo. De toda maneira, o que está feito, feito está.

A meu ver, o julgamento do mensalão, que termine ou não com gente na cadeia, terá sido um divisor de águas nas práticas judiciárias brasileiras. E é isso que a História guardará. Passemos a outro assunto.

Interligne 18b

La vie en rose
Na Suíça, como em qualquer parte do mundo, autoridades penitenciárias têm, vez por outra, de usar a força para acalmar prisioneiros mais exaltados. Os suíços mandaram fazer estudos para encontrar método melhor que a tradicional camisa de força para sossegar os que surtam. Especialistas recomendaram que se encerrassem os mais atacados em celas cor-de-rosa durante um certo tempo, até que serenassem.

Cela calmante, Suíça

Cela calmante, Suíça

Na Suíça alemã, já chegaram à conclusão que 2 horas são suficientes para acalmar qualquer um. Já na Suíça francesa, não se sabe se por displicência ou vingança, chegam a «esquecer» o preso durante 5 dias nesse mundo unicolor. Os encarcerados reclamam, não tanto da cor, mas principalmente da humilhação.

Interligne 18b

Caros celulares
O roubo de celulares está-se tornando calamitoso na Guatemala. Por um telefonezinho de bolso, assaltantes são capazes até de cometer o irreparável. Diante disso, o Congresso resolveu legislar. Acabam de aprovar uma lei que pune ladrão de celular com até 15 anos de prisão mais multa de, no mínimo, 25 mil dólares.

A nova lei não admite embargos infringentes.

Interligne 18b

Idiota 4Gelo para quem pode
A crise financeira que começou em 2008 com a quebra do Banco Lehman Brothers arruinou muita gente. No entanto, é sabido que a balança tem dois pratos. Para que um desça, é preciso que o outro suba. Se muita gente perdeu dinheiro, outros ganharam fortunas. Dizem até que há hoje mais milionários do que antes da crise.

Algumas firmas, de olho nessa clientela abastada e composta em maioria por novos-ricos, não se tem privado de oferecer o que o mercado pede. Uma empresa americana está fazendo sucesso vendendo… gelo! Ah, mas não é um gelo qualquer, quá! É gelo para ricos. Vêm sob forma de cubinhos ou de bolinhas.

Feita de água duplamente destilada, essa nova maravilha é isenta de sais minerais que lhe possam alterar o gosto. Em compensação, o preço é salgado. Uma embalagem de 50 cubinhos sai por 325 dólares, o que dá 6.50 dólares por cubo. Uma boa notícia: o valor do despacho no interior do território americano está incluído no preço. Compradores de outros países pagarão um acréscimo para cobrir o frete.

Quem foi mesmo que disse que a estupidez humana não tem limites?

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Idiota 1Ladrão que rouba ladrão
A cadeia da cidade de Pavia, na Itália, foi assaltada. Os ladrões vinham de fora do estabelecimento. Levaram o cofre-forte onde era conservado, entre outros pertences, o dinheiro pessoal dos detentos ― uma espécie de caixa econômica interna. As economias de cada um estavam lá. A quantia roubada situa-se, segundo a fonte, entre 5000 e 6000 euros.

Além de força muscular, os assaltantes deviam ter conhecimento perfeito daquelas paragens. Penetraram no estabelecimento, atravessaram subterrâneos, abriram portas, carregaram o cofre, desapareceram, e ninguém se deu conta. Estão sendo procurados.

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Sob pressão, não!
O senhor Assange, aquele que está asilado na embaixada equatoriana em Londres, andava meio esquecido. Pressentindo que, do jeito que as coisas vão, periga passar o resto da vida na prisão onde se encurralou voluntariamente, resolveu fazer alguma coisa para ressurgir no noticiário. Aproveitando a deixa que lhe deu dona Dilma, fez declaração à Folha de São Paulo, por email. Aplaudiu a decisão da presidente de cancelar sua visita de Estado aos EUA.

Valeu-se da mesma ocasião para dar um conselho a nossa voluntariosa presidente. Declarou que o cancelamento da visita não é suficiente. Falta ainda dar asilo tropical a uma jornalista britânica que se encontra atualmente em degredo na Rússia.Idiota 2

O senhor Assange provavelmente ignora que não tem chance nenhuma de ser atendido. Nós todos, escolados, sabemos que dona Dilma nunca decide sob pressão. A não ser que a pressão venha de La Paz. Ou do Lula. Ou das ruas. Ou de Buenos Aires. Ou de Havana. Ou de Caracas.

Senhor Assange, se me lê, guarde bem: Mrs. Rousseff never makes any decision under pressure. Nunca mesmo.

Panem et circenses

José Horta Manzano

No primeiro século da Era Cristã, o poeta satírico latino Decimus Junius Juvenalis, que passou para a História como Juvenal, deu fama à antiga expressão panem et circenses(1). Não foi o inventor da locução, que já existia séculos antes dele. O que Juvenal fez, com sua pluma feroz, foi conferir-lhe um sentido diferente do habitual.

Depois que o poeta analisou com lente impiedosa os costumes declinantes da Roma de seu tempo, a expressão passou a ser usada para denunciar a cooptação a que recorrem governantes e poderosos para atrair simpatia popular.

Pão crocante

Pão crocante

Já naquela época, mandachuvas tinham se dado conta de que a ineficiência ― assim como também a inexorável decadência ― de qualquer regime pode ser dissimulada com políticas populistas que distraiam o bom povo. Para tal, nada melhor que alimento e diversões. Isso não impedirá o fim do regime, seja ele qual fôr, porque tudo tem um fim. Mas é estratagema que pode prolongar a sobrevida do sistema.

A América Latina tem conhecido estes últimos anos um florilégio de regimes populistas. Brasil, Argentina, Venezuela, Nicarágua, Equador, Bolívia fazem parte dessa lista. O grau de desfaçatez de cada governo está na razão inversa do nível cultural de seu povo. Quanto mais instruída for a população, menor será a margem de manobra de governantes oportunistas.

Dentre os países citados, o Brasil talvez seja aquele onde o autoritarismo do governo é o menos acentuado. Será porque boa parcela de nossa população já tem instrução suficiente para discernir se o que lhe estão vendendo é lebre ou gato. No Brasil, os candidatos a cargos executivos não costumam ser eleitos com votações stalinianas de 90% ou 95%. Ponto para nós.

Já os venezuelanos, nossos sofridos hermanos do norte, não têm tido a mesma sorte. Anestesiados pelas migalhas que lhes vêm sendo distribuídas, ainda não se deram conta de que sua pátria-mãe está sendo subtraída em tenebrosas transações(2). Continuam prestando honras ao defunto caudilho e, de tabela, aos que se apresentam, gratia Dei(3), como seus sucessores.

Coliseu ― Circo romano

Coliseu ― Circo romano

Estes dias, aprontaram mais uma boa, curiosamente pouco noticiada no Brasil. De Caracas nos chega a espantosa informação de que o Premio Nacional de Periodismo 2013 (nós diríamos jornalismo), conferido pela fundação de mesmo nome, foi atribuído em caráter póstumo a… Hugo Chávez. A honraria lhe foi outorgada, por unanimidade do júri, em virtude «do impulso que deu à mídia pública e popular do país». Não sorria. É a razão oficial!

Segundo o filósofo ítalo-venezuelano Antonio Pasquali (1929-), o líder máximo da Revolução Bolivariana, no intuito de garantir sua permanência no mando supremo, fechou dezenas de emissoras de rádio e um canal de televisão muito crítico (RCTV). Dar a esse personagem um prêmio de excelência em jornalismo equivale a homenagear a raposa como defensora maior das galinhas.

A história é simplesmente inacreditável. Antes que me acusem de insanidade mental, apresso-me a citar as fontes onde bebi.

Granma, o sítio oficial (e único) do Partido Comunista de Cuba babou de contentamento.

El Universal, um corajoso diário de Caracas, ousou criticar, embora por via indireta. Ateve-se a citar a declaração desagradada do CNP ― Colegio Nacional de Periodistas.

El Nuevo Herald, jornal editado em Miami e crítico feroz do regime bolivariano, não deixou de dar sua visão.

Por fim, O Globo, do Rio de Janeiro,  limitou-se a dar a notícia em poucas linhas, sem julgamento de valor.Interligne 36

Algumas explicações:

(1) Panem et circenses = pão e divertimentos circenses. Mais concisamente, pão e circo.

(2) Uma piscadela ao Sanatório Geral de Chico Buarque, cuja letra é um achado.

(3) Gratia Dei = pela graça de Deus, de droit divin