Os problemas argentinos

Carlos Brickmann (*)

Tenho uma opinião firmada sobre os problemas argentinos. Um dos países mais ricos do mundo, com analfabetismo próximo de zero, autossuficiente em carne, trigo e petróleo, não resistiu à devastação peronista. Pior: a coisa foi tão longe que há peronistas de esquerda, de direita, extremistas.

É normal que as eleições envolvam disputas entre peronistas de um lado e de outro. Já vi eleições em que o hino peronista de direita louvava a segunda mulher de Perón (“Perón, Isabelita, la Patria peronista”) enquanto o peronismo de esquerda era favorável à primeira mulher de Perón (“Perón, Evita, la Patria socialista”). E Cristina Kirchner dificilmente poderia ser pior do que já é.

Juan Domingo Perón (1895-1974), político argentino

Bom, mas isso não significa que sejam verdadeiras as notícias sobre a vida na Argentina. A informação de que a pobreza atinge 40,9% da população argentina é falha. Pobreza, lá, significa receber menos de 45 mil pesos mensais (=R$ 3.300,00). E indigente é quem ganha abaixo de 18.500 pesos (=R$ 1.370,00).

Estão mal, mas há pelo menos um país vizinho que está bem pior.

(*) Carlos Brickmann é jornalista, consultor de comunicação e blogueiro.

Reeleição presidencial

José Horta Manzano

Costuma dizer-se que, em política, o brasileiro tem memória curta. No entanto, uma vista d’olhos à paisagem além-fronteiras ensina que esse traço de caráter não é exclusividade nacional. Em outras partes do mundo, dá-se o mesmo. O que pode variar é o intervalo que vai do fato ao esquecimento. Para casos comuns, um período de 15 a 30 anos é de bom tamanho. Passado esse tempo, o que aconteceu vai para o arquivo morto da memória.

Em momentos conturbados como o que o Brasil atravessa atualmente, o caudal de horrores produz duas consequências. Por um lado, o limite do aceitável se alarga, fazendo com que o indizível, antes obsceno, passe a ser dito em salões de respeito. Por outro, dado que a baciada de barbaridades é ininterrupta, seu volume age como fator suavizante – cada nova enormidade enterra a anterior.

Casos absolutamente fora do comum demandam mais tempo: as marcas da tragédia da Segunda Guerra, por exemplo, ainda são vivas na memória coletiva alemã, 75 anos depois do fim das hostilidades. E isso ainda periga durar um bom tempo.

A memória da presidência FHC, que terminou há 18 anos, já está encaixotada para arquivamento. Basta imaginar que os brasileiros de menos de 25 anos – quase metade da população – ainda não estavam em idade de compreender, quando o sociólogo deixou o trono. Há que ressalvar, é verdade, que os que lhe sucederam não economizaram esforços na tarefa de embaçar-lhe a imagem.

À beira dos 90 anos, FHC já chegou àquela idade em que o grosso da existência ficou para trás. Não vendo razão para continuar a dourar a pílula, comete um ou outro curioso sincericídio. A mídia costuma publicar artigos seus. O mais recente saiu no passado fim de semana.

Os mais velhos se lembrarão de que, antes de Fernando Henrique, a legislação política brasileira não previa a reeleição para cargos do Executivo. Tal como acontece ainda hoje no Chile, por exemplo, o presidente da República tinha direito a mandato de 4 anos, único e não renovável. Se quisesse voltar, tinha de entregar a faixa e esperar a eleição seguinte para se candidatar.

A emenda constitucional que abriu caminho para a reeleição foi votada no primeiro mandato de FHC. Levantando os braços aos céus, seus adversários denunciaram o escândalo: os votos para a vitória da PEC da reeleição teriam sido comprados! (Diga-se de passagem que, mais adiante, nenhum deles desdenharia o benefício desse dispositivo legal; mas essa já é outra história.)

Em seu último artigo, num sussurro e por linhas tortas, FHC admite que foi realmente assim. Surpreendentemente, confessa que errou. O erro não está em ter eventualmente cooptado parlamentares, mas em ter contribuído para enxertar na legislação política um instituto pernicioso. Tenho tendência a concordar com o ex-presidente.

A mim parece que, no universo político brasileiro, a possibilidade de reeleição, seja no nível que for, é péssima ideia; para a Presidência da República, é catástrofe anunciada. Todos já se deram conta de que doutor Bolsonaro, depois de cumprir ano e meio de mandato (dos quatro a que se comprometeu), entrou firme em campanha de reeleição. Não precisa ser futurólogo para adivinhar que, nos próximos dois anos, o fenômeno vai se acentuar. Se seu modo de governar já não era grande coisa, a perspectiva é de piora.

A possibilidade de reeleição inserida na legislação gera um quadro peculiar. Nos primeiros dois anos de mandato, o presidente tateia, sonda, vê ‘se dá pé’. Passado esse período, em vez de tomar as rédeas e executar seu programa de governo, põe-se a trabalhar para a reeleição. Vira presidente-boiadeiro, presidente-chapéu de couro, presidente-caiçara. Passeia pelo país, beija criancinhas, distribui benesses a parlamentares transformados em cabos eleitorais. Governar, que é bom, fica pra uma outra vez.

Caso seja reeleito (tanto o Lula quanto a doutora foram), já entra no segundo mandato sem ânimo. Terá gastado, no primeiro, toda a energia de que dispunha. Já que a lei não permite um terceiro mandato, pra que se esforçar?

Por essa razão, concordo com FHC em sua recusa (tardia, mas bem-vinda) do instituto da reeleição. No Brasil, enquanto o nível de consciência política não tiver se elevado, mais vale voltar ao sistema anterior, com mandato único e não renovável.

Se essa volta atrás for decidida um dia, é bom não esquecer de vedar a possibilidade de um parente do presidente pleitear o cargo. Que se exija um intervalo de pelo menos quatro anos entre o antigo dirigente e seu parente. Isso é pra evitar a implantação duma ‘dinastia familiar’ por rodízio, como fez o casal Kirchner na Argentina, alternância danosa que só foi quebrada com a morte de um dos atores.

Qui se ressemble – 2

José Horta Manzano

O Mercosul não foi criado pra ser clube ideológico. A intenção dos fundadores era mais elevada. Visavam a alcançar maior integração comercial entre os membros e, obedecendo ao princípio de que a união faz a força, dar impulso às exportações de todos. Infelizmente, o relacionamento entre os sócios andou constantemente emperrado. Uma crise aqui, uma recessão ali, um deslize acolá – foi como se as rodas da carroça estivessem sempre entravadas.

Na época em que o lulopetismo dominava o país e encontrava eco na Argentina dos Kirchners, no Uruguai de Mujica, na Bolívia de Evo e na Venezuela de Chávez, o Mercosul tornou-se definitivamente um clube ideológico. Chefes de Estado se reuniam de vez em quando para muita foto de família e pouca resolução. O projeto de poder de cada governante tornou-se bem mais importante do que os avanços comerciais do grupo.

Foram-se os lulopetistas, foram-se os Kirchners, foi-se Mujica, foi-se Chávez. (Evo ainda está aí, mas quietinho, parado no ar, na expectativa de saber o que lhe reserva o futuro.) Quando Macri e doutor Bolsonaro anunciaram que o acordo comercial com a União Europeia estava assinado, só faltando ser ratificado, muitos disseram ‘agora vai’. Inclusive este blogueiro.

Que desencanto! A euforia durou pouco. Confirmando o que já diziam as sondagens, o voto popular das ‘primárias’ presidenciais argentinas apontou para a (mais que provável) derrota de Macri, o atual titular. Foi a conta. A turma do Planalto mostrou que o clube está tão ideológico quanto costumava ser. Antes, como todos comungavam os mesmos ideais, a caixa de ressonância do grupo funcionava com harmonia. Agora, que Brasil e Argentina estão na iminência de enxergar o mundo com óculos diferentes, a caixa de ressonância começou a desafinar.

Doutor Paulo Guedes, ministro da Economia, já deixou claro que a dissonância ideológica entre Brasil e Argentina pode significar a dissolução do Mercosul. Veja a que ponto chegamos, distinto leitor: um grupo criado para promover a harmonia, o progresso e o bem-estar entre Estados periga desaparecer por motivo de divergência ideológica entre governos! Será que ninguém se dá conta de que governos são efêmeros, passam, enquanto Estados são permanentes, não se vão?

O provável futuro presidente da Argentina chama-se Alberto Fernández. Na mesma chapa, Cristina Kirchner disputará a vice-presidência. Portanto, se vencerem, señor Fernández será presidente, enquanto señora Kirchner será vice. Passando por cima dessas miudezas, doutor Guedes já inferiu que a Presidência será exercida de facto pela vice-presidente. E não se acanhou de referir-se a ela de forma debochada: «E se a Kirchner quiser fechar (o Mercosul pra acordos externos), a gente sai. E se quiser abrir, então vou dizer: ‘bem-vinda, moça, senta aí’»

Não precisa muito esforço de imaginação pra identificar a pesada marca de família nesse modo desrespeitoso de falar dos outros. Acertou, leitor! É assim que doutor Bolsonaro costuma se exprimir. Você e eu, que não somos figuras públicas, podemos nos permitir esse tipo de linguagem de botequim. Eles, não.

Que fazer? Como dizem os franceses, «qui se ressemble s’assemble – os semelhantes se atraem». Eta, nós! Estamos bem arrumados.

Warum einfach? ‒ 2

José Horta Manzano

Conhece a história daquele sujeito que, tendo encontrado a esposa no sofá da sala com o amante, quebrou o sofá? Pois é, coisas assim também ocorrem na vida real.

Em 2008, numa Venezuela que ainda funcionava, señor Hugo Chávez mandava e desmandava. Num Brasil pré-Lava a Jato, muita gente ainda aplaudia o Lula, então aboletado no Planalto. No intuito de tirar os EUA do dia a dia da América do Sul, os dois mandachuvas concretizaram um velho sonho do pessoal da ala situada mais à esquerda: implantaram a Unasul. A organização, irmã-gêmea da OEA (Organização dos Estados Americanos), congrega todos os países independentes da América do Sul continental. Com uma característica significativa: exclui os Estados Unidos.

Mas o mundo gira e, de lá pra cá, muita coisa mudou. Pra começar, não se tem notícia de que algum benefício gerado pela nova organização possa justificar os gastos de seu orçamento. No palco político, Chávez morreu, a Venezuela foi pro buraco, o Lula mudou-se para a cadeia, a argentina Cristina Kirchner está a um passo da penitenciária, o equatoriano Rafael Correia foi apeado do trono. A base ideológica de sustentação da Unasul entrou em colapso.

No Brasil, na sequência da eleição, um dos filhos do presidente ‒ aquele que é deputado federal ‒ deve presidir a Comissão de Relações Exteriores da Câmara. A ambição do jovem é brilhar no campo internacional. Vai fazer tabelinha com doutor Araújo, ministro da área.

Doutor Eduardo Bolsonaro é aquele que passeou nos EUA levando, enfiado na cabeça, um boné com os dizeres «Trump 2020» ‒ coisa fina. Doutor Araújo é aquele que sonha em transformar nosso país em trepadeira parasita, daquelas que grudam no tronco da árvore maior e sobrevivem sugando-lhe gotas de seiva. (A árvore, o distinto leitor entendeu, são os EUA.) Com os dois à frente de nossa diplomacia, estamos bem arranjados.

O primeiro-filho vai valer-se da força que lhe dá a Comissão de Relações Exteriores para bombardear a Unasul. Pelo que tem declarado, vai agir como o sujeito que quebrou o sofá. Está convencido de que a organização criada por Chávez e pelo Lula é um ninho de perigosos esquerdistas. Pra pôr remédio, não lhe passou pela cabeça recalibrar a contratação e redistribuir as tarefas do pessoal. Prefere desmontar a organização, mandar todos embora, fazer tábula rasa. Em seguida, será erguida nova organização, segundo moldes idênticos aos da atual. Só que, desta vez, sem esquerdistas.

Warum einfach wenn es auch kompliziert geht?
Por que fazer simples, se complicado também funciona?
Máxima alemã

O voto do Conselho de Segurança

José Horta Manzano

A ONU, fundada em 1945, é retrato do mundo político daquele momento. A antiga Sociedade das Nações, criada logo após o primeiro conflito mundial, não tinha sido capaz de evitar o segundo. A ONU foi pensada como anteparo a futuras guerras. Embora não tenha conseguido evitar todas, contribuiu para impedir a catástrofe nuclear que se temia nos tempos da Guerra Fria.

Quando da fundação, havia duas condições para fazer parte do clube. A primeira era ser Estado independente. A segunda, ter declarado guerra à Alemanha pelo menos três meses antes do fim do conflito. Os membros fundadores não foram muitos: resumiram-se a 51. Os perdedores da guerra só foram admitidos anos mais tarde, e não todos ao mesmo tempo. Hungria e Itália entraram em 1955. No ano seguinte, foi a vez do Japão. A Alemanha só se tornou membro em 1973.

ONU ‒ sede de Nova York

Prevendo que, em casa onde vive muita gente, todos falam e ninguém se entende, os idealizadores criaram o Conselho de Segurança, órgão que, de facto, toma as decisões importantes. O CS, como é conhecido, compõe-se de 15 membros. Cinco deles são permanentes e os demais, temporários.

Os membros permanentes são justamente os maiores e mais fortes aliados que haviam vencido a Segunda Guerra. Por acaso, todos eles acabaram se tornando potências nucleares, ainda que não o fossem em 1945. São eles: EUA, Rússia (antes URSS), China, Reino Unido e França. Os dez membros rotativos são eleitos com mandato de dois anos. A cada ano, renova-se metade das dez cadeiras.

Os não-permanentes são Estados distribuídos equitativamente pelos continentes. A América Latina tem direito a duas cadeiras. Entre os membros não-permanentes, o Japão é o que já foi eleito mais vezes: está cumprindo o 11° biênio. Em segundo lugar, vem o Brasil, que já ocupou uma cadeira no CS durante 10 biênios. Em seguida, está a Argentina, eleita 9 vezes. Por razões que a razão desconhece, o Brasil não se tem candidatado a uma vaga rotativa estes últimos anos. Pelo mecanismo de funcionamento da ONU, terá de esperar até 2022 ou 2023 para postular de novo.

Atualmente, o Uruguai (biênio 2016-2017) e a Bolívia (biênio 2017-2018) ocupam as cadeiras do CS reservadas para a América Latina. O Japão, membro ativo e assíduo, tem lugar garantido até o fim de 2017. As regras da ONU não permitem a eleição de um membro não-permanente para dois biênios consecutivos.

ONU ‒ sede de Genebra

Para ser bem sucedida, uma proposição submetida ao CS terá de ser aceita pela maioria simples dos 15 membros, ou seja, se obtiver 8 votos a favor, entra em vigor. Mas há um senão: o voto contrário de um dos membros permanentes tem valor de veto.

O bombardeio com armas químicas orquestrado pelo ditador da Síria contra um vilarejo, que matou dezenas de civis e horrorizou o mundo, foi objeto de pedido de resolução de reprovação apresentado ao CS por EUA, França e Reino Unido. Submetido ao voto, o pedido obteve 10 votos a favor, 3 abstenções e 2 votos contrários.

Embora a maioria dos membros tenha votado a favor, um dos que se opuseram era a Rússia, cujo voto contrário tem valor de veto. Assim, a resolução não pôde ser  adotada. Sabe o distinto leitor qual foi o país que acompanhou a Rússia? Pois foi nossa vizinha e hermana, a Bolívia.

Surpreendente, não? Nenhuma decisão governamental é inocente ‒ há sempre algum interesse por detrás, ainda que não seja claro à primeira vista. Não acredito em legames ideológicos entre a Bolívia e o sanguinário ditador sírio que justifiquem voto tão bizarro. O buraco é mais embaixo.

Com o “projeto criminoso de poder” fora de cena, o Brasil volta ao caminho da civilização. Banidos os Kirchner, a Argentina também se afasta da esfera bolivariana. A aproximação entre Cuba e EUA, inaugurada por Obama, tende a apartar a ilha caribenha da influência de Caracas. Por fim, a orientação bolivariana da própria Venezuela está em acelerada decomposição. O alinhamento da Bolívia à Rússia parece ser sinal desesperado de busca de apoio, de procura de novo padrinho, em virtude de crescente isolamento. Não acredito que Moscou se deixe enternecer pelo olhar langoroso de La Paz.

Rearranjo planetário

José Horta Manzano

As relações comerciais planetárias estão passando por uma revolução. Todos já se deram conta de que, sob inspiração do novo presidente, os Estados Unidos estão em plena guinada protecionista, numa curva fechada de cantar o pneu. Passado um primeiro momento de estupor, é chegada a hora de seguir as novas regras do jogo.

Aqui nas bandas do Mercosul, a saída da Venezuela, embora desejada por todos os que têm juízo, ainda não é oficial. Caracas, embora com a voz temporariamente neutralizada, ainda aparece oficialmente como membro do clube. Torçamos para que o galho apodrecido seja amputado quanto antes.

by Mark Knight (1960-), desenhista australiano

by Mark Knight (1960-), desenhista australiano

A mente embotada do novo dirigente da Casa Branca não lhe permite dar-se conta de que seus atos teatrais estão inaugurando nova era. Não sei quais possam ser as perspectivas para seus conterrâneos, tenham votado nele ou não. Pode ser que a vida melhore para alguns, talvez possa ser um desastre para outros. Quanto ao resto do mundo, a violência, os vaivéns, as meias verdades, o zanzar de barata tonta de Mister Trump espantam mas não empolgam.

Como diz o outro, não dá pra botar fé no indivíduo. Impetuoso, em menos de duas semanas de governo já mostrou a que veio. Feito de um bloco só, o novo presidente é como peça bruta que acabou de sair da fundição. Cheio de rebarbas cortantes, falto de facetas, o homem desconhece nuances. Lapidá-lo parece missão impossível. Tem 70 anos(*). Se não aprendeu até agora, é caso perdido.

Treze anos atrás, o Lula e señor Kirchner bombardearam a Alca ‒ um tratado de comércio que agruparia todas as Américas, do Canadá à Terra do Fogo. Preferiram jogar-se de cabeça num hipotético e folclórico mercado dito «Sul-Sul». Irã, Coreia do Norte, Venezuela, Cuba e ditaduras africanas se juntariam a nós para redirecionar o comércio mundial. Deu no que deu.

Agora que o mercado dos EUA está se tornando esquisito, não há que hesitar muito para reagir. Que ninguém se engane: o mundo todo está mexendo os pauzinhos para pôr ordem no desarranjo que Trump ameaça gerar. Não vamos deixar passar o momentum.

By Bill Day, desenhista americano

By Bill Day, desenhista americano

No Brasil, embora o governo atual seja visto como temporário ou “tampão”, não podemos nos conceder o luxo de esperar pelo próximo ocupante do Planalto. Afinal, faltam dois anos. O diálogo entre o Brasil e a Argentina, retomado pelas respectivas equipes econômicas esta semana em Brasília, é de excelente augúrio. É muito bom constatar que os governantes de ambos os países se deram conta de que está passando da hora de procurarmos bom porto.

Que se dialogue com a Aliança do Pacífico ‒ com ou sem os EUA. Que se relancem as tratativas com a União Europeia ‒ sem se preocupar com o Brexit. Que se expulse a Venezuela do Mercosul até que volte a ser uma democracia de pleno direito. Que se abrande a rigidez do Mercosul e que se dê liberdade a cada membro de concluir alianças comerciais por conta própria, segundo os interesses maiores de cada um.

Chega de ocasiões perdidas. Não vamos deixar passar este momento de reorganização de forças criado por um terremoto chamado Trump. É hora de enterrar de vez essa ingenuidade bolivariana e cair na real.

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(*) Uma curiosidade: o ano de 1946 é o único que deu três presidentes aos EUA. De fato, Bill Clinton, George Bush Jr. e Donald Trump são todos da mesma safra.

Lembrete

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Atenção, políticos, parlamentares, ministros e presidente da República, que estão tentando blindar o homem forte do atual governo:

Quem ignora as lições da história está fadado a repeti-la como farsa.

palhaco-3Pretendendo estar acima do bem e do mal e imaginando que a população os vê como últimos biscoitos do pacote, vocês acabam de se dar um comovente abraço de afogados.

Remember: Dilma, Delcídio, Mercadante, Lula, Dirceu, Genoino, Suplicy, Collor, Sarney, Cunha, Cabral, Garotinho, Maduro, Cristina Kirchner, Hillary Clinton, Margareth Thatcher, Sarkozy, Berlusconi, Gadafi, Ceausescu…

Não se esqueçam ainda que o povo também é humano (desculpem-me chocá-los com a revelação!) e, portanto, passível de errar ‒ e nem sempre disposto a persistir no erro.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Organização dos Estados Americanos

José Horta Manzano

Desde que os primeiros europeus aportaram no continente americano, começaram a surgir estabelecimentos estáveis e permanentes. Ingleses, franceses, portugueses, espanhóis, holandeses se fixaram ao longo da costa.

Com o passar do tempo, colônias inglesas, portuguesas e espanholas se mostraram mais vigorosas que as demais. À custa de muito enfrentamento e muita briga ‒ tudo temperado com boa pitada de vaidades pessoais ‒ as colônias primitivas foram-se sentindo cada dia mais fortes para pleitear independência da metrópole. Após pouco mais de três séculos de colonização, a maior parte do território tinha alcançado independência. Uma vintena de novos Estados havia surgido.

OEA 1A linha histórica comum a todos incentivou-os a criar um foro de encontro e discussão. A ideia, que já vinha das primeiras décadas do século 19, foi tomando corpo com os anos. A forma atual foi sacramentada com a adoção da Carta de 1948, quando todos os países americanos independentes aderiram à Organização dos Estados Americanos.

Por seu peso econômico e militar, os EUA sempre representaram papel importante no bloco. No entanto, tirando um ou outro esporádico atrito aqui e ali, essa situação não incomodou a maioria. Isso durou até o fim do século 20.

Os anos 2000 trouxeram mudanças significativas que viriam balançar o coreto. Governantes populistas e pseudonacionalistas pipocaram em diversos países do continente. Venezuela, Argentina, Brasil, Bolívia, Equador, Honduras, Nicarágua sofreram as agruras que esse tipo de medalhões costuma gerar. Pouco a pouco, os regimes vão caindo de podres. Mas as consequências da corrupção e da incompetência se farão sentir por muitos anos.

OEA 2No auge do movimento populista, dirigentes se mancomunaram na defesa de seus interesses. Como outros governantes autoritários registrados pela História, julgavam-se inamovíveis e definitivamente instalados. Nosso guia juntou-se aos pranteados Chávez e Kirchner para fundar uma nova organização. No fundo, funcionaria exatamente como a OEA, com uma grande diferença: os EUA não seriam admitidos no clube.

E assim foi feito. Criou-se a Unasur, que as más línguas apelidam de União dos Cucarachas. Lula, Chávez, Kirchner & companhia exultaram por ter mandado a OEA para escanteio. Enfim, livres dos imperialistas!

Interligne 18h

Estes dias, em desespero de causa, os advogados de dona Dilma estão queimando os gravetos de que ainda dispõem para alimentar fogareiro moribundo. Algum assessor, brilhante como os demais, teve a genial ideia de denunciar, pela milésima vez, o «golpe» desferido contra a (ainda) presidente.

Diabo 3Para obter maior eco internacional, foi escolhida naturalmente a Unasur, certo? Errado, distinto leitor. Engolindo cobras, lagartos e jacarés, apelaram para… a Organização dos Estados Americanos. Ai, ai, ai… Pedir socorro aos odiados «loiros de olhos azuis», que vergonha! Só faltava isso.

Nossa idolatrada líder declarou, um dia, que, nas eleições, «se faz o diabo». Agora fica claro que não é só nas eleições

Ocasiões perdidas

José Horta Manzano

Alca 1Estávamos no começo dos anos 1990. A queda do Muro de Berlim e o esfacelamento do Império Soviético marcavam o fim da Guerra Fria. Meio estonteado, o planeta se reorganizava militar e economicamente.

Tomando como espelho o sucesso da Comunidade Econômica Europeia, estrategistas de Washington imaginaram aplicar o mesmo princípio a todas as Américas. O objetivo da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) era derrubar paulatinamente barreiras alfandegárias e transformar o continente num enorme e poderoso mercado comum.

O intento era ambicioso, portanto, a adesão dos principais atores era crucial ‒ os países menores acompanhariam por inércia. O problema é que o plano colidia frontalmente com a ambição de alguns líderes populistas que despontavam na América Latina. Assim mesmo, a ideia progrediu, bem ou mal, até a desastrosa cúpula de Mar del Plata, realizada em 2005.

Cúpula de Mar del Plata, 1995

Cúpula de Mar del Plata, 2005

Naquela altura, a Venezuela já estava manietada por Chávez. Na Argentina, Kirchner já comandava o barco. Para completar o trio, o Brasil tinha o Lula na presidência. No posto de assessor de nosso guia, já estava o inoxidável Marco Aurélio «top-top» Garcia, exatamente aquele que, ressentido e rancoroso, estacionou nos anos 1970 e rumina, desde então, seu antiamericanismo primário.

Nenhum dos três ‒ nem Chávez, nem Kirchner, nem o Lula ‒ via com bons olhos a aliança de livre comércio. A seu modo, cada um deles tinha o objetivo de se tornar protagonista dos novos tempos. A parceria com os EUA atrapalhava os planos. Juntos, bombardearam a Alca e despacharam o projeto de aliança comercial para o espaço.

Nafta

Nafta

O México, mais ajuizado e mais realista, preferiu ignorar ideologias ultrapassadas. Aliou-se aos EUA e, junto com o Canadá, formaram a Nafta ‒ versão regional da natimorta Alca ‒ restrita aos três grandes países da América do Norte. O mercado comum norte-americano continua de pé. Vai de vento em popa, obrigado. Os três sócios estão satisfeitos.

Enquanto isso, na América do Sul, tudo deu errado. A baixa do preço do petróleo aliada ao desastre administrativo de Chávez e de seu sucessor rebaixaram a Venezuela a um patamar indigente. A roubalheira e a gestão calamitosa travaram o avanço do Brasil e da Argentina.

E quem é que acaba ganhando com isso? O México, minha gente, aquele que, dez anos atrás, fez a boa opção. Artigo publicado no diário El Financiero (equivalente mexicano de nosso Valor Econômico) leva título significativo: «As penas do Brasil seriam uma bênção para o México

Menção é feita ao recente rebaixamento da nota de risco do Brasil, fato que levará obrigatoriamente importantes fundos de investimento a livrar-se de títulos brasileiros. Calcula-se que muitos bilhões de dólares serão retirados de papéis brasileiros e tomarão rumos mais seguros. Não precisávamos de mais essa.

Boa parte dessa bolada será investida no México, única nação latino-americana cuja inflação está abaixo da meta. A economia do país deve crescer 2.5% este ano e 2.8% em 2016 ‒ que inveja! Este ano, o peso mexicano desvalorizou-se 13% com relação ao dólar, enquanto o real caiu assustadores 32%.

Assim é a vida ‒ nada sai de graça. Mais cedo ou mais tarde, opções obtusas acabam cobrando a conta. Estamos todos pagando pela ignorância e pela miopia de uns poucos. Qualquer dia, a casa cai.

América del Sur

José Horta Manzano

Faz 13 anos que nosso governo popular vem se esforçando para integrar o Brasil no clube das nações sul-americanas. É verdade que, desde que os primeiros portugueses aportaram, demos as costas para nossos vizinhos. Nunca nos identificamos com os hermanos. No nosso imaginário, nosso ideal sempre foi outro, situado a milhares de quilômetros daqui.

No entanto, analisando de mais perto e comparando nosso comportamento com o dos vizinhos, não há como escapar da conclusão: não somos tão diferentes assim.

A mentira, por exemplo, é defeito comum a todos os governantes da região, vício que costuma passar batido. Cuba é o arquétipo desse comportamento ‒ faz cinquenta anos que os Castros embalam seus concidadãos com inacreditáveis lorotas.

Ultimamente, o mau costume tem-se alastrado pelo subcontinente. Chávez, Kirchner, Correa, Evo, Maduro mantêm-se à custa de cascatas de falsidade e de muita conversa fiada. Sem mencionar nosso inefável Lula, naturalmente. Nosso guia adotou o mesmo caminho indigente.

A apropriação indébita da coisa pública é outro defeito. Em outras palavras, falo do roubo, em proveito próprio, daquilo que pertence a todos. Dizem as más línguas que a fortuna dos irmãos Castro, devidamente encafuada em lugar seguro, totaliza bilhões. Quanto aos outros, pouca gente conhece o montante exato da riqueza de cada um. Mas todos desconfiam.

O mais recente exemplo de assalto aos bens do contribuinte acaba de ser dado por doña Cristina, que deixou a presidência da Argentina faz alguns dias. A mandatária e seus áulicos deram um verdadeiro rapa. Sumiram computadores, móveis, eletrodomésticos, equipamentos. Para completar a herança maldita, deixaram veículos presidenciais com multas não pagas. Nem água quente havia na Casa Rosada quando Mauricio Macri assumiu.

Interessante será notar que a mídia argentina, ressabiada com possíveis represálias de correligionários da antiga presidente, não deu eco a esses «malfeitos». Quem noticiou foram jornais chilenos e espanhóis.

Essa rapina me fez recordar a declaração surpreendente dada em 2002 por Jorge Batlle, então presidente do Uruguai, sobre a honestidade de seus vizinhos. O homem declarou textualmente: «Los argentinos son una manga de ladrones, del primero hasta el último» ‒ os argentinos são um bando de ladrões, do primeiro ao último.

Foi sentença pesada, sô! Ofendeu um povo inteiro, sem deixar brecha pra exceção nenhuma. Nem nosso amado guia, em seus mais desatinados pronunciamentos, ousou ir tão longe.

Pra abrandar, há que jogar água nessa fervura. Melhor será dizer que muitos argentinos ‒ assim como muitos brasileiros, muitos uruguaios, muitos venezuelanos ‒ são desonestos. Mas não todos. Pelo menos, espero.

Os três mosqueteiros

José Horta Manzano

Señor Mauricio Macri toma hoje as rédeas do governo da Argentina. O peculiar país em que vivem nossos hermanos conheceu avanços sociais e econômicos bem antes dos vizinhos. Cem anos atrás, já exibia níveis europeus de desenvolvimento.

Bastão presidencial

Bastão presidencial

Mas… nada nem ninguém é perfeito. Ao lado da evolução precoce – ou talvez justamente em virtude dela – a Argentina guardou traços que contradizem o amadurecimento e combinam mais com adolescência e suas crises. Um exemplo acaba de ser dado.

Certa de que seu afilhado político venceria as eleições, doña Cristina Fernández de Kirchner sentiu-se pra lá de frustrada quando saiu o resultado: a vitória era do adversário. Acostumada a ganhar sempre, sentiu-se inconformada. Feito criança, recusou-se a entregar o bastão presidencial, símbolo do poder, ao sucessor.

Mas as picuinhas não terminam aí. Diferentemente do resto do mundo, onde o mandato de um termina no momento em que ele transmite o poder ao outro, na Argentina a missão presidencial tem dia, hora e minuto para acabar. Consultados, os juízes sentenciaram que o mandato terminaria às 24 horas do dia 9 de dezembro.

Nem com boa vontade, passa-se o bastão à meia-noite. Com má vontade, então, pior ainda. A fixação oficial do horário aliviou a presidenta. Passaria o poder por procuração, não pessoalmente.

Errare humanum est

Errare humanum est

Pouco antes da meia-noite do dia nove, doña Cristina pronunciou discurso de despedida numa espécie de comício. Pareceu descontraída quando, logo de entrada, advertiu: «Vejam que não posso falar muito porque à meia-noite me transformo em abóbora.»

Entre outras frases, a mandatária soltou uma pérola:

«Evo Morales, Hugo Chávez y – siempre digo que parece el tercero de los tres mosqueteros – el compañero Inácio Lula da Silva supieron ver que la historia de América del Sur merecía un camino diferente.»
«Evo Morales, Hugo Chávez e – sempre digo que parece o terceiro dos tres mosqueteiros – o companheiro Inácio Lula da Silva souberam perceber que a história da América do Sul merecia um caminho diferente.»

Latim 2Com Brasil, Venezuela e Argentina a debater-se numa sinuca provocada por má governança, é o caso de recorrer de novo ao latim:

Errare humanum est, perseverare diabolicum.
Errar é humano; persistir no erro é diabólico.

Interligne 18h

PS: Dia 10 de dezembro, de zero hora até a posse de Macri, o país é governado interinamente pelo presidente do Senado. Num gesto puramente protocolar, dona Dilma viaja hoje para assistir à entronização. Serão seis horas e meia de avião (ida e volta) para apenas duas horas e meia em solo argentino.

Fim de ciclo

José Horta Manzano

De uns dez dias pra cá, parece que os ventos mudaram de quadrante pelas bandas da América do Sul. Fazia já tanto tempo que a coisa andava degringolando, que a gente já estava ficando desesperançado. Agora parece que uma luzinha apareceu lá no fim do túnel. É tênue, mas alumia.

Brasil
Começou no Brasil dia 25 de novembro. Foi quando, em acontecimento extremamente raro nesta República, um senador – no exercício de seu mandato – foi parar na cadeia(*). Parece pouco? Não é. Há que lembrar que nosso país já nasceu dividido em castas. Entre elas, a dominante sempre foi integrada pelos abastados, pelo clero e pelos amigos do rei.

America do Sul 1Se clérigo não é, o líder do PT no senado, hoje encarcerado, é integrante de carteirinha da turma do andar de cima. É lícito também supor que esteja ‘bem de vida’, pra não dizer podre de rico. A prisão do figurão deu mais uma prova de que a lei se aplica também aos que dela, ainda não faz muito tempo, costumavam escapar.

Dias depois, a Câmara Federal, (ainda) presidida pelo folclórico senhor Cunha, acolheu pedido de destituição da mal-amada presidente da República. Um espanto! Que o voto final expulse ou mantenha a mandatária é de somenos. A notícia boa é que as instituições continuam funcionando. Figurões sentem-se hoje mais vigiados do que no passado.

Argentina – símbolos

Argentina – símbolos

Argentina
Domingo passado, a eleição de señor Macri ao «sillón de Rivadavia» (como é chamado o trono presidencial argentino) fez cair o pano final sobre a ópera-bufa encenada durante 12 anos pelo exótico casal Kirchner. Ponto para o mundo e especialmente para o Brasil!

Venezuela
Neste fim de semana, chegou outra notícia alvissareira. Mostrando haver despertado de longo torpor, os hermanos venezuelanos deixaram explícito seu repúdio ao modo «bolivarianista» de governar. Ao renovar a assembleia nacional, deram maioria a antichavistas.

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No mundo globalizado em que vivemos, governos que tentam sair dos trilhos encontram resistência no plano internacional. Precisam procurar aliados e juntar forças. Essa é justamente uma das principais razões pelas quais o Lula e seus aspones fecharam os olhos a iniquidades cometidas na Venezuela, em Cuba, na Argentina. Precisavam de aliados.

Tunel 1O que vemos hoje é prenúncio do fim de um ciclo. Brasil, Argentina e Venezuela – todos com a economia cambaleante – buscam horizontes mais arejados, livres do mofo de ideologias falecidas.

O estrago feito durante a última década é grande. Assim mesmo, chegaremos lá. O céu se está desanuviando.

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(*) Há um antecedente. Ocorreu em 1963, quando o senador Arnon de Mello (pai de Fernando Collor de Mello) trocou ofensas com um desafeto, sacou o revólver, atirou e… feriu mortalmente um suplente de senador que teve a infelicidade de estar no lugar errado na hora errada. O assassino ficou alguns meses preso para, em seguida, ser inocentado e solto. Não perdeu sequer o mandato.

Hermanos no muy amigos

José Horta Manzano

Tantas faz doña Cristina, tanto exige, tanto atravanca, que não deixa aos sócios outra saída senão a traição. Estou falando do Mercosul e de doña Cristina, presidente da vizinha Argentina.

by Vincent van Gogh (1853-1890), artista holandês

by Vincent van Gogh (1853-1890), artista holandês

Um drama como o que se desenrola estes dias na Grécia já aconteceu na Argentina, igualzinho, quinze anos atrás. Um coquetel explosivo à base de corrupção, incapacidade e má gestão gerou caos nas contas públicas. Na sequência, vieram crise política, calote nos credores, «corralito», recessão, desemprego.

A sobrevivência do país hermano, estes últimos anos, deve muito à indulgência com que tem sido tratado pelo governo brasileiro. Se já não era fácil lidar com o pranteado Nestôr Kirchner, o convívio com doña Cristina é ainda mais áspero.

Trigo 1A Argentina é vista pelo mundo com desconfiança, como se empesteada fosse. A reputação de seriedade que o país tinha levado um século para firmar escorreu pelo ralo. Vão-se passar décadas até que se recupere a credibilidade. Só a mão amiga do Brasil tem evitado desastre maior.

Mas até mão amiga se cansa. A burocracia, os empecilhos, os vaivéns estão esgotando a paciência de tradicionais importadores brasileiros de trigo argentino.

O jornal La Nueva, de Mar del Plata, fala da sinuca em que estão metidos os triticultores argentinos. O comércio com o país vizinho é tão entravado que os importadores brasileiros têm abandonado o trigo argentino em favor do americano e do canadense.

Para piorar, em gesto de reciprocidade dirigido à Rússia – que se tornou grande cliente de frigoríficos brasileiros – nosso Ministério da Agricultura decidiu incentivar a compra de trigo daquele país.

Taí. Nenhum «malfeito» fica eternamente impune. Mais dia, menos dia, a conta acaba chegando.

Trigo 2A Petrobrás, maior contribuinte da Receita Federal, ia pelo mesmo caminho da Argentina. Pelas mesmas razões. Se ainda está de pé, combalida mas viva, é porque a rapina foi descoberta a tempo, enquanto ainda se podia salvar alguma coisa. Mais uns aninhos e… babau! Se o escândalo não tivesse estourado a tempo, se tivesse durado até o fim do atual mandato presidencial, só haviam de sobrar-nos o olhos para chorar.

A moça com nome de arroz

José Horta Manzano

Aconteceu quase dez anos atrás, mas alguns ainda hão de se lembrar. Assessorado por aquela moça que tinha nome de arroz, George Bush ocupava o trono de Lincoln. Orientado pelo impagável Amorim, o Lula inaugurava seu segundo mandato. Era janeiro de 2006.

Avião 6O companheiro Hugo Chávez, no apogeu de seu reino, esbanjava o dinheiro que – sabemos agora – viria a fazer muita falta a seus conterrâneos. Com o preço do petróleo em alta, metia a mãozona nos cofres da petroleira estatal e distribuía a companheiros, a chegados, aos bondosos irmãos Castro. Mandava malas de dólares ao mandatário argentino, o hoje pranteado Kirchner. Despachava avião oficial para buscar atletas cubanos refugiados no Brasil e devolvê-los a Cuba. Eram tempos de abundância e de seu corolário, a arrogância.

O hoje finado Chávez acabava de adquirir dos russos armamento às pencas. Era como se se preparasse para a guerra total. Aviões Sukhoi e mísseis tinham entrado na lista de compras . Estava ainda programada a aquisição de 36 aviões AMX e Super Tucano, fabricados pela Embraer, num atraente pacote de meio bilhão de dólares.

Caça Gripen - foto Saab

Caça Gripen – foto Saab

Eis senão quando… Mister Bush despejou balde de água fria. Fez saber que os aviões fabricados pela Embraer continham componentes americanos, o que lhe dava o direito de proibir toda comercialização que não lhe conviesse. Vender para a Venezuela estava fora de cogitação. Todo pedido seria vetado.

O anúncio não chegou a ser oficial, ficou nos bastidores. Mas o aviso foi dado. O fabricante brasileiro entendeu que não ia adiantar solicitar autorização americana, conforme reza o contrato: ela seria negada.

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A história periga se repetir. Como sabem todos os meus distintos e cultos leitores, o Brasil assinou contrato com a sueca Gripen para compra de 36 aviões de caça. Se nenhuma falcatrua, corrupção ou roubalheira for descoberta, os aparelhos serão fabricados nos próximos anos. Os suecos transmitirão parte da tecnologia à Embraer, o que permitirá à empresa paulista montar aparelhos do mesmo tipo. E até vendê-los ao estrangeiro.

Avião 11Em princípio, a encomenda da FAB terá sido entregue até o ano de 2023. A partir de então, a empresa brasileira poderá comercializar aparelhos por conta própria. No horizonte, a Argentina já despontou como cliente potencial. Mostrou interesse em adquirir 24 aviões. No entanto…

Bush, Chávez, o Lula e acólitos já se foram. Mas restam os contratos. Os aparelhos Gripen contêm componentes britânicos, fato que dá ao Reino Unido o direito de proibir toda venda de aviões a cliente que não for de seu agrado. E, sacumé, Inglaterra e Argentina não são amigos de infância – taí a Guerra das Falkland/Malvinas que não me deixa mentir.

Antes que ex-futuro vendedor e ex-futuro comprador percam tempo negociando o inegociável, o Reino Unido já fez saber que vetará toda venda de aviões militares à Argentina. Así son las cosas.

Nossa elite dirigente

Dilma, Cristina, Evo e Bouterse

Dilma, Cristina, Evo e Bouterse

«Definitivamente, somos o elo perdido que os cientistas tanto procuram para fazer a ligação entre o período jurássico e a era moderna…»

Comentário de um leitor do blogue do jornalista Políbio Braga ao contemplar a foto estampada acima.

Quem quiser saber quem é o presidente do atual Suriname (antiga Guiana Holandesa), não deve deixar de ler o editorial do Estadão de 8 set° 2013. É edificante.

O Mercosul e o fim da missa

José Horta Manzano

Nos tempos em que a missa era dita em latim e os ritos da Igreja ainda guardavam aquela aura de mistério que infundia respeito e temor, a gente não entendia as palavras. Mas isso não incomodava ninguém. Todos sabiam quando era hora de sentar, de levantar, de ajoelhar, de bater no peito.

Missal

Missal

Havia um momento especial, por cuja chegada nossa marotagem adolescente ansiava. Hoje, que já se foram todos os antigos e que ninguém mais está aqui para me repreender, posso confessar: o melhor momento da missa era quando o padre dizia «Ite, missa est». Os fiéis respondiam em coro «Deo gratias!». Nessa réplica ninguém se enganava.

A última missa à qual assisti ainda era rezada em latim. Pra você ver que faz um tempinho. Mas me contaram que o ritual não mudou, só ficou mais explícito. O oficiante continua dizendo «Ide, a missa acabou». E a resposta tampouco se alterou: «Demos graças a Deus!». Ouvidos mais sensíveis juram que chegam a captar no «graças a Deus!» a expressão de um certo alívio. Um certo ar de «até que enfim, acabou!». Pode ser ilusão auditiva ou intriga de gente de pouca fé.

Mas vamos parar por aqui, antes que me acusem de apostasia. Longe de mim posicionamentos anticlericais. Costumo respeitar e apreciar ritos.

Essas lembranças têm-me ocorrido estes últimos tempos, quando observo a involução desse infeliz Mercosul, que continua dançando sua estranha quadrilha: um passo à frente e dois pra trás. Criado para fluidificar e favorecer o comércio, tornou-se, com o passar dos anos, instância política. Trocas comerciais foram repelidas a segundo plano. Sobressai a vaidade e o jogo de cena de líderes deslumbrados e ineptos. A cada novo episódio, acentua-se a irrelevância da natimorta «união aduaneira».

Cúpula do Mercosul Junho 2013

Cúpula do Mercosul sem o Paraguai, que estava de castigo
Junho 2013

Faz um ano, quando o congresso paraguaio decidiu, dentro de suas normas constitucionais, dar um «ite, missa est» ao ex-bispo que presidia o país, os dirigentes progressistas de algumas repúblicas da região entraram em efervescência. Num golpe malandro, os mandachuvas do Mercosul mandaram o Paraguai para fora da classe, de castigo. Enquanto isso, trataram de admitir, rápido, a Venezuela no clubinho. Lembremos que o parlamento paraguaio era amplamente contrário à entrada desse novo membro.

Essa inacreditável tratantada teve pelo menos um efeito colateral de alcance planetário: o Mercosul confirmou ao mundo que não é instância séria nem confiável. Desse clube, não se pode esperar nada de bom. Seus sinais de colapso, aliás, já estão uivando. Só não ouve quem não quer.

O Paraguai, embora tencionando guardar boas relações com o Brasil, dá mostras de total desinteresse por um Mercosul que o humilhou e que, de todo modo, não lhe traz nenhuma vantagem econômica.

Señor Nicolas Maduro, da Venezuela, não foi convidado (nem assistirá) à cerimônia que Assunção está organizando para entronizar o novo presidente do Paraguai. Doña Cristina Fernández de Kirchner, da Argentina, um dia diz que vai, no dia seguinte desdiz. Anda um bocado acachapada com a derrota eleitoral que acaba de sofrer. Quem viver, verá.

Por seu lado, o Brasil dá a entender que não descarta iniciar negociações comerciais diretas com a União Europeia, sem combinar antes com os sócios do clubinho sul-americano. Esse tipo de comportamento é a negação da essência do clube. Se assim proceder, o governo brasileiro estará passando o atestado de óbito do Mercosul.

E já não é sem tempo. Constatado o passamento e firmado o atestado de óbito, que se enterre o defunto. E que o último a sair apague a luz.

Ite, fratres, missa est! (*)

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(*) Ide, irmãos, a missa acabou!

O fim da zelite

José Horta Manzano

Segundo o discurso oficial, a zelite foi apeada do poder doze anos atrás. Desde então, nos livramos da promiscuidade entre o probo e austero governo tupiniquim e o execrável e corrupto império norte-americano.

Demos as costas ao bicho-papão para melhor dar as mãos a compañeros mais póximos do nosso feitio. Ahmadinejad, os Castros e Chávez foram os primeiros. Depois aceitamos novos sócios no clube dos virtuosos: Correa, Evo, Ortega, Zelaya e a inefável señora de Kirchner. As inscrições continuam abertas, mas por tempo limitado.

Para coroar tudo, estabelecemos as bases de uma sólida, profícua e duradoura parceria estratégica com a Rússia, a Índia e, principalmente, com a China. Foi a melhor decisão político-econômica jamais tomada na história deste país. Afastamo-nos dos malvados e atrelamos nosso vagão à locomotiva chinesa que representa, sabemos todos, o futuro brilhante da humanidade. Um modelo de equidade, lisura e justiça.

Perdemos algumas plumas no meio do caminho, é verdade. Mas que importa se descemos alguns degraus, se nos desindustrializamos, se voltamos a ser produtores de matéria-prima? Isso é coisa pouca se comparado ao caminho radioso que preparamos para nós mesmos.

O grito lançado em 1822 pelo filho do rei tinha ficado meio entalado na garganta. Afinal, que história é essa de o símbolo maior da zelite ― o herdeiro da coroa! ― liberar o país? Coisa esquisita. Pois agora a obra está completa. Estamos independentes!

O governo popular, preocupado exclusivamente em servir ao povo, fechou o círculo. Os peçonhentos americanos ― ou estadunidenses, como usam dizer alguns ― foram definitivamente removidos de nosso horizonte.Interligne 18d

Excelente reportagem de investigação assinada por Rubens Valente e publicada na Folha de São Paulo deste 15 de julho contradiz frontalmente os parágrafos anteriores. Essa história de bater na madeira e nos isolar dos malvados do Norte não passa de cortina de fumaça, produto de elaborado marketing palaciano. A história real é bem diferente.

Se já não o fizeram, leiam a reportagem da Folha. Ela nos informa que os serviços de inteligência dos Estados Unidos continuam colaborando estreitamente com a Polícia Federal brasileira. Acordos ― alguns sigilosos, outros não ― continuam sendo firmados entre os dois países.

Ajuda financeira

Ajuda financeira

Entre 1999 e 2008, ajuda financeira por um total de 140 milhões de reais foi oferecida pelas autoridades americanas. E, naturalmente, aceita pelos altos responsáveis brasileiros.

Essa detestável zelite não tem jeito mesmo: a gente enxota pela porta, e ela entra pela janela. Acabrunhado, o governo popular não sabe mais que fazer.

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Interligne vertical 5Nota pessoal:
Não tenho notícia de que nenhum de nossos parceiros estratégicos ― China, Índia, Venezuela, Bolivia, Nicarágua, Irã & companhia ― tenha desatado os cordões da bolsa para nos enviar alguma ajuda. Nem que fosse simbólica.

Quem semeia vento…

José Horta Manzano

… colhe tempestade.
Qui sème le vent récolte la tempête.
Chi semina vento raccoglie tempesta.
As you sow, so shall you reap.
Quién siembra vientos recoge tempestades.
Wer Wind sät wird Sturm ernten.

Catavento

Catavento

A sabedoria vem de longe, mais precisamente do Antigo Testamento. Espertos, os antigos já tinham se dado conta de que, para atrair simpatia, melhor sorrir do que fazer cara feia. Honey catches more flies than vinegar, atraem-se mais moscas com mel do que com vinagre, dizem os ingleses.

Nesta quinta-feira, toda a mídia europeia menciona, em tom levemente jocoso, a desaventura vivida pelo presidente da Bolívia. Por mais que faça ares indignados, nosso caro hermano Evo não convence. Ele sabe muito bem ― ou deveria saber ― por que tantos chefes de Estado europeus desconfiam dele e não procuram esconder esse sentimento.

O presidente do país vizinho tem aprontado estes últimos anos. Aliou-se ao que há de mais duvidoso na vizinhança: Chávez, Correa, Ortega, os Kirchner, os Castros. Já invadiu e encampou refinaria de petróleo brasileira. Acusou diplomatas estrangeiros de espionagem e os expulsou. Num gesto autocrático, fez votar uma Constituição à sua imagem e semelhança e nela inscreveu tudo aquilo que satisfazia seus interesses.

Vento

Vento

O destrambelhado Snowden ― aquele que botou a boca no trombone e agora se esconde ― pediu asilo a mais de 20 países. A maioria deles não quis saber de confusão e caiu fora. Até Correa, presidente do Equador, se esquivou com a justificativa de o candidato ao asilo não se encontrar em território equatoriano.

Já a Bolívia não disse nem sim nem não. Ficou de estudar o caso. Deixou o resto do mundo com a pulga atrás da orelha. Isso dá uma pista sobre o porquê da má vontade com que Evo foi tratado.

O Brasil, naturalmente, juntou sua voz ao coro dos vizinhos para reclamar do trato humilhante dispensado ao mandachuva. É normal que assim seja. Solidariedade diplomática não rima necessariamente com sinceridade. Logo passa.

É difícil entender por que razão Evo, Correa, Maduro & companhia insistem em brigar com os mais ricos. Para começar, são seus melhores clientes e, mais que isso, são justamente aqueles que lhes poderiam dar uma mão nas horas difíceis.

Tempestade

Tempestade

Enfim, eles que resolvam seus próprios problemas. Tolice será o governo brasileiro ir além da solidariedade de fachada. Não há razão para nos equipararmos a esses ressentidos, a essa gente que estacionou nos anos 50.

Os doze anos de experiência no comando já devem ter ensinado a nosso governantes que ideologia não dá camisa a ninguém.

Aqui se faz, aqui se paga. Quem não quiser ser colhido pela tempestade, que não semeie o vento.