Alimenta um bilhão?

José Horta Manzano

Faz dez dias, em discurso na Cúpula das Américas, Jair Bolsonaro garantiu que “o Brasil alimenta 1 bilhão de pessoas no mundo”. Foi rematado exagero.

Os dez principais produtos que o Brasil exportou em 2021 foram:

Que levante a mão quem encontrar, nessa lista, alimento para um bilhão de pessoas.

Soja? E alguém come soja? Tirando algum tofu que se come uma vez por ano, a soja não é para consumo humano. Serve para a engorda de animais. Óleo de soja? Fora do Brasil, nunca vi.

Farelo de soja, que são os resíduos após extração do óleo, destina-se também à alimentação animal.

Entre os dez principais ítens exportados em 2021, somente as carnes e os açúcares servem para comer. Será exagero dizer que esses produtos “alimentam um bilhão”. Onde está esse bilhão que se alimenta de carne e de açúcar?

A pauta das exportações brasileiras me deixa pensativo. Sei que a humanidade tende a tornar-se vegetariana. Na Europa, a oferta de produtos vegetais que substituem a carne aumenta a cada dia. Em diversos países, são lançadas campanhas para diminuir o consumo de produtos animais.

Me parece surpreendente que, tirando os “açúcares e melaços”, as locomotivas que puxam nossas exportações continuem baseadas em carnes e produtos para engorda animal.

Com o trigo, a Ucrânia e a Rússia – essas, sim – alimentam um bilhão. O Brasil, não.

Um governo previdente captaria o Zeitgeist – o espírito das grandes transformações da sociedade global – e incentivaria o plantio de outros vegetais,  grãos principalmente.

Eu disse um governo previdente.

Antes tarde

José Horta Manzano

A primeira estrada de ferro comercial ligando duas cidades foi inaugurada na Inglaterra em 1830. Ligava Liverpool a Manchester.

Estadão, 4 março 2017

Estadão, 4 março 2017

Com perto de 200 anos de atraso, o Brasil começa a se dar conta de que o transporte ferroviário é, de longe, mais interessante e vantajoso que o rodoviário. Antes tarde que nunca.

Força, Brasil!

Futuro mais escuro

José Horta Manzano

Bandeira Brasil ChinaA bolsa de valores é, por natureza, arisca e desconfiada. Um rumor, um boato, um soluço pode desestabilizar mercados. No entanto, embora seja imediata, o mais das vezes a reação não vai além da epiderme. Não desce ao osso.

Os mandachuvas de Pequim, por razões que lhes dizem respeito, desvalorizaram a moeda nacional três vezes semana passada. As bolsas chinesas sentiram o baque e desmoronaram carregando as do resto do mundo.

Pra lá do susto – que já está passando – fica a realidade que, para o Brasil, é pra lá de preocupante. Desde que nosso país passou a ser governado por incapazes, a porção de manufaturados em nossa pauta de exportação tem decrescido.

O empenho em fazer surgir – do nada – campeões em determinadas categorias (cf. Eike Batista, Odebrecht, Lulinha & cia) fez que o resto da indústria nacional, abandonada, fosse aos poucos perdendo terreno para produtos chineses. Em termos crus, o Brasil deu um salto pra trás e voltou a ser exportador de matéria-prima, como acontecia nos anos 50.

Chinês 2Nestas duas últimas décadas em que o crescimento da China deixou o mundo boquiaberto, o processo de sujeição do Brasil à potência extremo-oriental se acelerou. Acreditando que os ventos favoráveis soprariam até o fim dos tempos, nossos imprevidentes mandatários se jogaram de cabeça. Em matéria de comércio internacional, o Brasil avassalou-se e tornou-se mero satélite da China.

Brasil e ChinaAs consequências do enfraquecimento do crescimento chinês nos atingem de maneira direta e duradoura. A China, além de ser grande consumidora de petróleo, tem avidez por alimentos e outros insumos que o Brasil lhe fornece. Com a diminuição da demanda, é inevitável que os preços desabem. A partir do momento em que soja, ferro, carne, suco de laranja passam a ser menos procurados, sua cotação nos mercados internacionais tende a cair.

É péssima notícia para o Brasil atual. À crise generalizada que vivemos, vem-se acrescentar queda na receita das exportações. Não precisávamos de mais esse «efeito colateral» da miopia com que temos sido governados.

Joões que choram, joões que riem

José Horta Manzano

Campo de colza na Europa

Campo de colza na Europa

O azar de uns…
A insatisfação de caminhoneiros anda fazendo a infelicidade de muitos no Brasil. Nos anos 1960, a rodovia primeiro suplantou, depois dizimou toda atividade ferroviária. Desde então, a economia do País tornou-se dependente do caminhão. Qualquer perturbação no movimento de carga pesada tem reflexo imediato dos montes roraimenses às coxilhas gaúchas.

… faz a felicidade de outros
Mas a balança tem dois pratos. Se um baixa, o outro, necessariamente, tem de subir. O Brasil, grande fornecedor de soja, não é o único produtor de alimento animal. Outras partes do mundo cultivam outras comidas pra bicho.

Nos países de clima fresco, uma planta anual resultante de antiquíssimo cruzamento entre repolho e nabo está entre as três principais fontes de óleo vegetal de regiões temperadas: é a colza. O girassol e a oliveira completam o trio das estrelas oleaginosas.

Campo de colza em andares

Campo de colza em andares (terraços)

Um campo de colza é esteticamente muito bonito. Lá pelo mês de abril-maio, suas flores amarelas enfeitam a paisagem. Da colza, planta polivalente, extrai-se óleo comestível, etanol e alimento animal.

A canola, termo familiar ao brasileiro, é uma variedade de colza desenvolvida no Canadá.

Os dez maiores produtores mundiais são os seguintes:

Interligne vertical 16 3Kb1°) Canadá
2°) China
3°) Índia
4°) França
5°) Alemanha
6°) Austrália
7°) Reino Unido
8°) Polônia
9°) Ucrânia
10°) Estados Unidos

Flor de colza

Flor de colza

Exatamente como a soja, a colza também é cotada nas bolsas de matérias-primas. Com o tráfego bloqueado e a soja fermentando na carroceria de caminhões brasileiros, o que é que aconteceu? Um doce pra quem adivinhar.

É claro: a cotação da colza subiu. A balança começa a pender pro outro lado. É a lei da gangorra.

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(*) A palavra colza é contribuição dada ao mundo pela língua holandesa. O original é koolzaad (= semente de repolho).

O gato e a lebre

José Horta Manzano

Não sou analista financeiro nem tenho lastro suficiente para me aprofundar na matéria. Assim mesmo, os anos e as experiências vividas não deixaram de me apurar o bom senso. Entre tantos incômodos, os anos maduros trazem, pelo menos, o consolo de enxergar com menos paixão.

Banco 2Fiz esse preâmbulo antes de falar da criação do Banco do Brics, assunto que me chamou a atenção estes últimos dias. Longe de ser banco de pobre, como alguns apressados poderiam deduzir, tem sócios de peso. Basta dizer que conta com a segunda potência comercial do planeta entre seus membros. É interessante notar que cada um dos sócios tem sua própria motivação para aderir ao empreendimento.

A Rússia, por exemplo, anda meio de birra com o resto do mundo por causa do conflito com a Ucrânia. Desde que anexou a Crimeia, vem sofrendo sanções econômicas da União Europeia e dos EUA. As punições são inócuas, é só questão de marcar um desacordo. Assim mesmo, a Rússia procura mostrar que está dando de ombros para o castigo. Nessa óptica, uma associação com outras economias poderosas é sempre bem-vinda.

Diferentemente de nossa hermana Cristina, o Brasil não precisa do socorro financeiro de bancos internacionais. Já temos apoio suficiente. Se dona Dilma achou tão importante a criação desse estabelecimento é por razões de imagem interna. Transmite ao povo a sensação de que nosso país tem dinheiro pra dar, emprestar e vender. E, mais que isso, dá a prova cabal de que, finalmente, não dependemos mais dos abominados capitalistas ocidentais. A artimanha funciona, tem muita gente que acredita.

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

Quanto à África do Sul, cujo PIB equivale à quarta parte do nosso, não se entende bem o que está fazendo nesse clube. Faria mais sentido incluir a Turquia e a Indonésia.

O PIB (PPP) brasileiro, pelas contas do FMI, equivale ao da Rússia. Já a China, com produção anual bruta quase seis vezes superior à nossa, precisa menos ainda de ajuda de bancos internacionais. Seu interesse é diferente do nosso e do da Rússia.

Banco 1Com dinheiro a escapar pelo ladrão, o Estado chinês tem vista de longo alcance. Por seu peso econômico, terá de facto a última palavra nas decisões da nova empresa. Para ser concedido, todo empréstimo terá de contar com o beneplácito de Pequim.

A China, sedenta de matérias-primas necessárias para sua afirmação, tenderá, naturalmente, a apoiar projetos de seu próprio interesse. Projetos visando a favorecer produção de soja no Brasil ou de gás na Sibéria serão aplaudidos em Pequim. Seu financiamento está garantido.

Se os estrategistas do Planalto imaginavam, com a criação do banco de fomento do Brics, alforriar-se da dependência dos investidores tradicionais, perigam decepcionar-se. Livram-se da suserania ocidental para enfeudar-se aos tecnocratas de Pequim.

Quem viver, verá. Posso me enganar, mas tenho a impressão de que estão comprando gato por lebre.

Gente fina é outra coisa

José Horta Manzano

Luiz Inácio da Silva, que foi um dia presidente desta República, anda meio borocoxô. Como já diziam os antigos, mentira tem perna curta. O passar do tempo tem-se mostrado cruel para com o antigo mandarim. Pouco a pouco, não só o Brasil, mas também o resto do mundo vai-se dando conta de que a «emergência» do Brasil, que tinha sido apresentada como iguaria fina, não era mais que um reles pastel de vento. Crocante e apetitoso por fora, mas vazio por dentro.

Apesar de todo o esperneio, da cara feia, do jogo de cena, dos atuais murros na mesa, o conjunto dos anos Lula mostra pouco ou nenhum avanço de nosso País. Hoje, políticos roubam com mais desfaçatez que antes. A criminalidade e a insegurança ressentida pelo cidadão aumentou. Quem tem possibilidade de fazê-lo vive em casa ou prédio cercado de muros e de barreiras que lembram jaulas.

Turisticamente, a imagem do País no estrangeiro está muito deteriorada ― um europeu preferirá passar suas férias na República Dominicana, na Tailândia ou até no Marrocos, mas evitará o Brasil. As estradas continuam tão esburacadas como antes, ou até mais. Os portos e aeroportos seguem travados, ineficientes, incapazes de fazer frente à demanda. A qualidade da instrução pública decaiu a tal ponto que os mandachuvas se viram na obrigação de instituir quotas para promover artificialmente certas franjas da população. As condições de locomoção dentro das megalópoles continua calamitosa, seja por transporte individual, seja por transporte coletivo.

A inflação voltou, o dólar sobe um pouco a cada dia, investidores estrangeiros procuram outros horizontes mais seguros. O companheiro Chávez se foi, Zelaya não voltou ao poder, o Oriente Médio continua se estraçalhando, Evo anda ridicularizado pelo mundo civilizado, a Argentina se afunda cada vez mais. O Mercosul não concluiu nenhum acordo comercial importante e emperrou de vez ― até o Paraguai dá mostras de insatisfação. Cansados de esperar, os países mais dinâmicos do subcontinente se juntaram para costurar uma aliança mais comercial e menos ideológica.

Dizem que a agricultura vai bem. Sei não. Cinquenta anos atrás, costumava-se dizer que «esta terra é tão boa que, se deixar cair um bago de feijão, ele germinará». Hoje importamos feijão da China. Sim, senhores, da China! A produção nacional há de ter encolhido. Ou cedeu lugar à soja, que pode trazer lucro a grandes grupos, mas não alimenta o brasileiro. Está aí mais uma prova de que a fortuna particular de grandes empresários passa à frente da segurança alimentar da população.

O sistema nacional de saúde ― aquele mesmo do qual um extasiado Lula disse já ter atingido a «quase perfeição» ― continua em pandarecos. Muitos médicos brasileiros se recusam a trabalhar em condições tão precárias, o que força o governo a importar profissionais. Vêm para o Brasil os excedentários estrangeiros ou os que não encontraram colocação em seus próprios países. Podemos continuar por muitos parágrafos, mas… pra quê? O mal que está feito está feito. Só nos resta desejar ânimo às gerações futuras para consertarem o estrago. Vão ter trabalho.

Homem meio perdido by Lynch

Homem meio perdido
by Lynch

O velho mandarim está borocoxô, dizia eu, mas nem por isso fez voto de silêncio. Tem evitado aparição pública, que as vaias que recebeu nos Jogos Panamericanos, anos atrás, deixaram um trauma. Dá preferência a comparecer a assembleias fechadas, às quais só correligionários são admitidos. Esteve num desses almoços quinta-feira, dia 5.

Provocado por jornalistas quanto ao caso da espionagem exercida pelos serviços secretos americanos sobre o governo de todos os países relevantes, não se fez rogar. Aconselhou ao presidente Obama ter a humildade de pedir desculpas à Dilma por ter quebrado o sigilo da correspondência eletrônica dela. Não lhe ocorreu que, no tempo em que foi presidente, suas próprias mensagens já deviam estar sendo monitoradas. A contraespionagem brasileira é realmente lerda. Se um programa de tevê não tivesse botado o dedo na ferida, o Planalto jamais se preocuparia com essas insignificâncias.

As declarações esclarecidas de nosso messias continuam a nos surpreender com pérolas inesperadas. Desta vez, a cereja sobre o bolo teve sabor escandinavo. A uma certa altura, o Lula mencionou o «presidente da Suécia». Pode conferir: está no Globo (3° parágrafo a contar do fim) e no Estadão (igualmente no 3° parágrafo a contar do fim).

Que você ou eu não estejamos bem a par de que, na Suécia, não há presidente, mas um rei (chefe do Estado) e um primeiro ministro (chefe do governo), vá lá, é compreensível. Há até quem confunda Suíça com Suécia. No entanto, vindo da parte de um homem que foi presidente do Brasil durante 8 anos ― e que, ainda por cima, fez visita de Estado à Suécia em setembro de 2007, ocasião em que foi recebido pelo rei Carlos XVI Gustavo ― é alucinante.

Fico impressionado com a incapacidade de aprender que têm certas pessoas. Para nosso simplório personagem, tudo isso há de ser demasiado sutil. Para ele, de qualquer maneira, são todos loiros de olhos azuis, tudo a mesma coisa. E ‘vâmo’ em frente, que eu sou mais eu!