Mudanças na Turquia

José Horta Manzano

Nem todas as nações têm um pai. Muitas têm figuras que influenciaram a formação do país. George Washington (EUA), Otto von Bismarck (Alemanha), Camillo Benso di Cavour (Itália), Charles de Gaulle (França) são personagens capitais implicados na criação ou na modernização do respectivo país. Assim mesmo, americanos, alemães, italianos ou franceses não chegam ao ponto de os considerar «pai da pátria».

A Turquia vai um bocadinho mais longe. A contribuição de Mustafa Kemal Atatürk (1881-1938) à formação da Turquia moderna foi tão marcante que os turcos não se privam de considerá-lo pai da nação. Aliás, a expressão Atatürk (literalmente: pai dos turcos) foi acrescentada a seu nome. E é assim que todos o conhecem hoje. Muita gente, fora do país, até acredita que Atatürk seja seu sobrenome de nascimento. Não é.

Mustafa Kemal Atatürk, o pai dos turcos

Foi coincidência providencial: o homem certo que apareceu na hora certa. O país tentava, com dificuldade, reaprumar-se depois da débâcle da Primeira Guerra, durante a qual tinha escolhido o lado errado. O apoio dado ao Império Alemão foi infeliz. Perderam a guerra. A desordem que se seguiu pedia um homem forte. Foi naquela época que sobressaiu Mustafa Kemal, oficial do exército e hábil político. Encarnou o salvador da pátria.

Teve méritos, sem sombra de dúvida. Com mão de ferro, galgou escalões e se instalou no topo do poder. Determinado, arrancou o país da Idade Média e o inseriu diretamente no século 20. Reformou a Turquia de alto a baixo. Entre dezenas de medidas, estão: a abolição do califato, o estabelecimento da soberania popular através do voto, a tolerância com relação a minorias religiosas, a separação entre Estado e religião, a proibição feita às mulheres de portarem o véu islâmico, o banimento da poligamia, a mudança da capital de Istambul para Ânkara.

Istambul, Turquia

No entanto, a meu ver, o maior legado de Atatürk foi a reforma da língua escrita. O turco, língua originária da Ásia Central, era escrito, até os anos 1920, em caracteres árabes. Ora, diferentemente do árabe, a língua turca é riquíssima em sons vocálicos. O árabe, pobre em vogais, não está adaptado para grafá-las convenientemente. Exagerando um pouco, escrever turco com letras árabes é como grafar nossa língua com caracteres chineses. Não dá.

Mustafa Kemal sentiu que, para entrar para o clube do progresso, tinha de abolir os caracteres árabes e passar a grafar o turco com letras latinas. Para tanto, formou uma equipe de filólogos e linguistas e os despachou para a Europa para prepararem um alfabeto para o turco, usando letras latinas. O comitê pediu cinco anos para terminar a tarefa. Atatürk lhes concedeu três meses.

Conseguiu o que queria: em poucas semanas, o alfabeto latino ‒ com pequenas modificações ‒ estava adaptado para o turco. As particularidades são poucas. Têm o s normal e o ş (esse cedilha). Têm o i normal e o ı (i sem pingo). Têm o g normal e o ğ (g com um circunflexo côncavo). O resultado é o que se esperava: a escrita turca é rigorosamente fonética. A cada letra corresponde um som, a cada som corresponde uma letra.

Alanya, Turquia
Balneário turístico

Pode não parecer, mas a iniciativa teve importância imensa. Facilitou o aprendizado de turco a estrangeiros e, principalmente, o aprendizado de línguas estrangeiras a jovens turcos. De cara, todos eles já conhecem o alfabeto, o que não é coisa pouca. Regimes, leis, regras e regulamentos podem mudar ‒ e, de fato, mudam constantemente. Domingo passado, por exemplo, o povo votou por uma modificação política profunda. Já a escrita em letras latinas veio para ficar. Nessa, ninguém mexe mais.

Conheci a Turquia faz muito tempo. Cheguei até a trabalhar no país, por alguns meses, em 1966. Guardo lembranças muito boas. Cheguei a aprender algumas frases em turco que, com a falta de uso, acabei esquecendo. Lembro-me da vez em que conhecemos um rapaz jovem, com ar simplesinho, que batia no peito com a mão direita aberta e dizia: «Atatürk, my father!» ‒ Atatürk, meu pai!

Na hora, ficamos muito impressionados achando que o moço fosse filho do antigo mandachuva. Bem mais tarde ficamos sabendo que todos os turcos se consideram filhos de Atatürk. De modo simbólico, naturalmente.

Plebiscitos e seus perigos

José Horta Manzano

Em política, quanto mais frequentemente se vota, melhor é. Foi levantada, faz pouco tempo, a ideia de fazer coincidir todas as eleições brasileiras, de maneira a convocar o eleitorado somente uma vez a cada quatro anos. O pretexto é baratear campanhas. A meu ver, é bobagem grossa. Quando se deixa passar muito tempo entre duas votações, permite-se que excessiva pressão se acumule na cabeça de cada eleitor. Esse represamento tende a sair todo de uma vez, como estouro de boiada.

Voto frequente é excelente válvula de escape. Faz tempo que os suíços se deram conta disso. Genebrinos e zuriquenses são chamados às urnas três, quatro ou mais vezes por ano. A cada vez, exprimem opinião sobre vários assuntos. O povo tem, assim, a impressão de que sua vontade está sendo levada em conta e cumprida.

plebiscito-1Espaçar votações é perigoso, é faca de dois gumes. Convocar raros plebiscitos e referendos é ainda pior. O risco é o eleitor não responder à pergunta que lhe é feita, mas deixar-se dominar pela cólera ou pela antipatia que sente pelo governo como um todo. Outro perigo é abrir as portas para a ascensão de políticos populistas, daqueles que dizem o que o eleitor quer ouvir, acenando com soluções simplistas para problemas complexos.

Mesmo na alta política, muita gente fina já caiu nessa cilada. De Gaulle, o homem público mais respeitado pelos franceses, foi vítima de um plebiscito convocado por ele mesmo. O assunto era pouco importante, mas o povo, descontente, disse «não», derrubando o presidente.

No Reino Unido, David Cameron convocou o eleitorado a se exprimir sobre a permanência do país na União Europeia. Era quase certo que o eleitorado votaria pelo statu quo. Infelizmente, o povo votou com o fígado, e o «não» destronou o primeiro-ministro, instaurou o Brexit e levantou problemas cabeludos para a nação.

Ontem mesmo, em referendo, os italianos negaram apoio ao mandatário Matteo Renzi. O voto negativo não significou rejeição às reformas ‒ nove entre dez italianos, de qualquer maneira, não entenderam bem o que estava em jogo. No fundo, o voto serviu para exprimir desagrado com a lentidão com que o país tenta se safar da crise que o vem esmagando há anos.

brexit-3Diferentemente do que apregoam populistas, da experiente francesa Madame Le Pen à desastrada ex-presidente Dilma Rousseff, plebiscito nem sempre responde à pergunta formulada. Mostra o humor predominante naquele preciso instante. É arma perigosa. Atira-se no que se vê e atinge-se o que não se havia visto.

Para que a democracia representativa funcione, é essencial escolher políticos bem-intencionados, honestos, instruídos e dignos. No Brasil, nunca foi fácil encontrar esse tipo de homem público. Hoje em dia, está-se tornando impossível. Às vezes, dá vontade de jogar tudo pro espaço e começar de novo.

Reino desunido

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 25 junho 2016

Ontem, a Europa despertou aturdida e zonza com o veredicto dos eleitores britânicos: «Good bye, Europe!», o divórcio estava sacramentado. O Brexit, como é chamada a retirada do Reino Unido da UE, põe um ponto final na Europa do pós-guerra e prenuncia uma redistribuição de cartas no pano verde planetário. É cedo para imaginar como será o equilíbrio mundial daqui a dez anos. A poeira levantada pela decisão britânica vai demorar a baixar e a onda de choque vai-se propagar além da Europa. Marolinhas hão de chegar até nossos verdes mares.

Brexit 2O voto escancara a caixa de Pandora. Os britânicos não estão de acordo nem entre si. Enquanto os ingleses e os galeses votaram pelo divórcio, os escoceses e os irlandeses do norte optaram por ficar. Está plantada, dentro do próprio reino, a semente da discórdia. Os aguerridos escoceses, que se viam menos oprimidos ao ostentar passaporte europeu, voltam a sentir-se cidadãos de segunda classe, confundidos com ingleses, morando de favor no puxadinho de um reino ora desunido. Feridas seculares se reabrem.

No resto da Europa, populistas, separatistas, regionalistas e extremistas sentem-se encorajados. Na França, a Frente Nacional, de extrema-direita, exulta. Não sonhavam que, a um ano das eleições gerais, lhes caísse no colo um presente tão precioso. Há anos pregam o abandono da UE como remédio para frear imigração indesejada e recuperar a soberania perdida. Na Espanha, dinâmicas separatistas – sensíveis na Catalunha mas não só – se revigoram. Se os outros podem, por que não nós?

Dinheiro 6A decisão britânica influencia, por tabela, a política interna da Hungria e da Áustria, dando sustento a inquietantes correntes ultranacionalistas. O federalismo belga, costurado para evitar a cisão do país, treme nas bases. Movimentos separatistas que dormitam, em estado latente, no norte da Itália ganham alento. Até na longínqua Letônia, cuja população conta com quase 40% de russos, os dirigentes hão de estar inquietos.

Que fazer? A razão de ser da União Europeia foi evitar nova guerra. Nos anos 50, poucos anos depois do conflito, fazia sentido. Todos os dirigentes e figurões tinham vivenciado a conflagração. Prevenir novo enfrentamento era necessidade absoluta, uma evidência. Com o passar das décadas, a preocupação se dissipou. Nenhum dirigente atual conheceu a guerra. Paz e concórdia, hoje, parecem favas contadas.

Brexit 1Ao longo dos anos, dois erros capitais plantaram as sementes do desenlace atual. Um deles foi a não designação de uma língua comum. Um falar compartilhado por todos aplaina dificuldades, apara arestas e facilita, ao fim e ao cabo, compreensão, acordos e conciliações. Dos seis países fundadores da UE, três eram grandes. Desse três, dois haviam perdido a Segunda Guerra. A França, encaixada no campo dos vencedores, dava as cartas.

Logo nos primeiros anos, cogitou-se introduzir ensino obrigatório de um segundo idioma, paralelo ao falar materno de cada país. O esperanto, língua bem estruturada, apolítica e neutra, não privilegiaria nenhum dos povos. A França, comandada à época por Charles de Gaulle, enterrou a ideia. O general imaginou que o francês pudesse recobrar o prestígio perdido e se tornar língua continental. Não deu certo.

O segundo equívoco foi apostar na expansão territorial intempestiva, com agregação desenfreada de novos membros. Em 2004, a entrada, de uma tacada só, de dez países foi temporã. Nem os recém-chegados estavam maduros para integrar a UE nem o clube estava preparado para digerir os debutantes. Eliminadas as antigas fronteiras, populações em estágio de desenvolvimento assimétrico afluíram à Europa Ocidental. A crise de 2008 só fez agravar o sentimento de invasão que agora levou britânicos a optarem por fechar as comportas.

by Yasar 'Yasko' Kemal Turan, desenhista turco

by Yasar ‘Yasko’ Kemal Turan, desenhista turco

E como é que fica? Ninguém sabe. Fronteiras vão-se reerguer. Qual será o estatuto dos (agora) estrangeiros que vivem no Reino Unido? E que será dos britânicos que vivem na UE? Em que medida barreiras alfandegárias serão ressuscitadas? E os milhares de tratados e convenções, alinhavados durante um casamento de 43 anos, como ficam? Serão todos abolidos ou só alguns? Nem o mais arguto dos observadores terá, neste momento, resposta pronta.

Temos, nós, nosso mambembe Mercosul, criado sob evidente inspiração da UE. A desordem em que a Europa acaba de mergulhar é momento propício para reflexão. É hora de repensar, reestruturar e, numa hipótese extrema, proclamar um «BrasExit» tropical. Quando o bonde enguiça, é melhor andar com as próprias pernas.

Pas d’amis

José Horta Manzano

«Les États n’ont pas d’amis. Ils n’ont que des intérêts.»

«Estados não têm amigos. Têm apenas interesses.»

Colera 3A frase contundente é de Charles de Gaulle. O velho general tinha queda pronunciada por frases de efeito. Credencial para assistir a qualquer uma de suas coletivas de imprensa era disputada a tapa. Cada uma delas era acontecimento que ninguém queria perder, verdadeiro espetáculo teatral de alto nível.

Seja como for, a sentença corresponde rigorosamente à verdade. Perde tempo e esforço quem acreditar na benevolência ou no altruísmo de algum Estado ‒ ou de governo que o represente. Se o próprio do Estado é ter interesses, a função do governo é defendê-los.

Em desespero crescente, ao dar-se conta de que poder e benesses se lhes escapam inexoravelmente, cortesãos da presidente afastada passaram a abusar da jus sperneandi. Em juridiquês, chama-se ‘chororô de perdedor’.

Colera 2Em recente coletiva concedida pelo porta-voz do Departamento de Estado americano ‒ entrevista que nada tinha que ver com assuntos brasileiros ‒, um jornalista fez estranha pergunta. Presumivelmente teleguiado pela intelligentsia petista, formulou longa indagação na qual mencionou Romero Jucá, Dilma Rousseff, Michel Temer. Na intenção de levar o porta-voz a admitir que o afastamento da presidente brasileira fosse resultado de um «golpe» inconstitucional, o rapaz procurou confundir ideias, distorcer a verdade e baralhar conceitos.

Não conseguiu o intento, naturalmente. O Departamento de Estado dos EUA não costuma pôr qualquer um na linha de frente. Até chegar lá, o funcionário passa por intenso treinamento. Tem de estar preparado para esse tipo de armadilha. É um profissional.

Ardilosos mas ingênuos, os componentes da tropa de choque do Partido dos Trabalhadores estão longe de ter traquejo internacional. Certas coisas não se improvisam, e eles não foram preparados para isso. Os mentores passaram os últimos 13 anos tranquilos, refestelados em berço esplêndido, na certeza de que tudo estava dominado. Não estava. O berço desmoronou.

Dilma e TemerEntre Estados civilizados, não há particular interesse em desvendar se houve ou não golpe na destituição de dona Dilma. O que mais anima são os sinais de que nossa economia tem boas chances de se recuperar. Será muito lento, mas são sensíveis as perspectivas de melhora.

A ninguém interessa um Brasil atrasado, pobre, endividado, apartado do concerto econômico planetário. Para Estados estrangeiros, pouco importa que nosso país seja povoado por gente simpática e cordial. Não é isso que conta. Veem-nos como parceiros comerciais, fornecedores e compradores.

«Les États n’ont pas d’amis. Ils n’ont que des intérêts.»

Grandes & pequenos

José Horta Manzano

Leio hoje que Dilma Rousseff, presidente suspensa(*), está enfurecida. Como de costume, diriam más línguas. O motivo da cólera atual é a decisão, tomada pelas devidas instâncias, de delimitar-lhe o direito de utilizar a estrutura presidencial para viagens.

A lógica é cristalina. O aparato necessário para deslocamento presidencial é pesado e custa os olhos da cara ‒ há que movimentar avião presidencial ou da Força Aérea, seguranças, equipe médica, batedores, pessoal militar, pilotos, pessoal de bordo, mecânicos, motoristas, automóveis, helicópteros, carregadores de guarda-chuva, secretários, abridores de porta, um verdadeiro exército.

Dilma 8Tais atributos de viagem de trabalho, embora custem caro aos contribuintes, são devidos ao chefe do Executivo. Acontece que, neste momento, dona Dilma está suspensa, portanto, de acordo com a Constituição, afastada de toda função oficial. Como prêmio de consolação, continua autorizada a movimentar toda a parafernália em viagens de Brasília a Porto Alegre, onde reside. Inconformada, senhora Rousseff esbraveja.

Lembrei de Charles de Gaulle, o maior dirigente que a França conheceu desde os tempos de Napoleão. Quando foi presidente, o general tinha direito às regalias inerentes ao cargo. Tinha também o direito de morar na ala residencial dedicada ao chefe de Estado e instalada no Palácio do Eliseu.

Pois imagine o distinto leitor que, assim que se mudou para o palácio, de Gaulle mandou instalar um relógio de luz para medir seu consumo particular de eletricidade. E, do primeiro ao último dia, pagou as contas de energia com seu próprio dinheiro.

Charles de Gaulle

Charles de Gaulle

Tem mais. Nas (raras) ocasiões em que convidou a familia para um almoço de celebração particular, reembolsou o Estado francês das despesas. Não parou por aí. Ao deixar a chefia do Estado, manteve intactos seus princípios: renunciou tanto à pensão de ex-militar quanto à aposentadoria de presidente da República. Recusando-se a representar um peso financeiro para os contribuintes, contentou-se com os direitos de autor pelos livros que havia escrito.

Em 1969, ao dar-se conta da baixa de sua popularidade, fez questão de pôr as coisas em pratos limpos. Encontrou um motivo qualquer ‒ uma modificação nas regras de autonomia das regiões do país, simples pretexto ‒, e convocou plebiscito nacional. Foi logo avisando que, caso a proposta fosse rejeitada, renunciaria ao cargo. Não lhe interessava estar à frente de um povo que não mais o apoiava.

Eliseu ‒ Palácio presidencial francês

Eliseu ‒ Palácio presidencial francês

Dito e feito. A maioria do eleitorado votou “não”, e o general perdeu a aposta. Na noite daquele mesmo domingo, apareceu em cadeia nacional de rádio e tevê para anunciar que renunciava à presidência. Sem falta, ao meio-dia da segunda-feira, catou as tralhas e se foi. Já idoso, viveu ainda um ano e meio. É assim. Quem é grande, é grande até o fim. Quem nasceu pra tostão, como dizia minha avó, não chega a merréis.

Interligne 18h(*) Artigo 86
O texto constitucional fala em «presidente suspenso de suas funções». Mais claro, impossível. Durante o período de suspensão, o presidente está afastado de toda função oficial. É livre de viajar para onde bem entender, mas terá de fazê-lo como simples cidadão.

Arma secreta

José Horta Manzano

Heroi 1Todo país guarda memória de algum dirigente excepcional, daqueles que só aparecem uma vez por século. Refiro-me a gente da estirpe de um Winston Churchill, de um Otto von Bismarck, de um Abraham Lincoln ou de um Charles de Gaulle. O Canadá também teve o seu. Foi o Primeiro-Ministro Pierre Elliott Trudeau (1919-2000).

Dotado de grande simpatia e de espírito vivo, Trudeau segurou as rédeas de seu país em duas ocasiões, totalizando 15 anos. São de sua lavra algumas pérolas oratórias. Certa ocasião, em discurso no Clube de Imprensa de Washington, soltou uma preciosidade curta, grossa e irretocável. Referindo-se aos Estados Unidos, disse:

Interligne vertical 3Interligne vertical 3«Living next to you is in some ways like sleeping with an elephant. No matter how friendly and even-tempered is the beast, one is affected by every twitch and grunt.»

Ser vizinho seu é como dormir com um elefante. Por mais amistoso e manso que seja o animal, a gente sente cada movimento e cada grunhido.

Fazia alusão, naturalmente, ao descomunal peso demográfico, econômico, militar e político do vizinho. Os dois países são separados (ou unidos, como queira) por quase 9000km de linha demarcatória, a mais longa fronteira do planeta entre duas nações.

Fronteira 1Embora a gente nem sempre se dê conta, o Brasil assume, na América do Sul, o papel do elefante. Com população e peso econômico equivalente ao de todos os hermanos reunidos, nosso país é observado com crescente atenção pelos vizinhos. Nossos sobressaltos nacionais extrapolam fronteiras.

A edição online deste domingo do espanhol El País aponta exatamente para essa influência que, o mais das vezes, nos passa despercebida. Se mensalões, petrolões e recessões nos deixam apreensivos, o mesmo sentimento de insegurança atravessa cerrados, pampas, pantanais e florestas para incomodar outros povos.

by Fernando de Castro Lopes, desenhista carioca

by Fernando de Castro Lopes, desenhista carioca

Nossos vizinhos – uns menos, outros mais – sentem inquietação. Para a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, as trocas comerciais com o Brasil são de importância vital. Se bambearem, eles estarão em apuros.

Nossos vizinhos de inclinação autocrática e populista – ou «bolivariana», como eles preferem – andam angustiados com os desdobramentos da Lava a Jato. La Paz, Caracas e Quito sabem que o regime que vêm tentando implantar há anos não sobreviverá a uma guinada brasileira em direção à civilização. Se o Brasil conseguir aperfeiçoar sua democracia, o regime autoritário de alguns vizinhos definhará.

Manif 3A marca deixada pelo presidente americano Richard Nixon (1913-1994) não é positiva. No entanto, em pelo menos uma ocasião, o chefe de Estado pronunciou palavras proféticas. Em 1971, já vislumbrava a crescente e inevitável influência de nosso País quando disse que «para onde for o Brasil, irá a América Latina».

Está aí, companheiros! Não estamos sós! Além-fronteiras, também se repete a partição entre «nós & eles». De um lado, há os que torcem pelo soerguimento da economia brasileira, objetivo que só pode ser atingido depois de varrida a bandalheira que nos tem martirizado. De outro lado, há os que rezam para que nada mude, pois são beneficiários diretos do statu quo.

Quanto aos de fora, que torçam, que rezem, que façam novena ou trezena, de pouco adiantará. O futuro do Brasil está contido na arma que só se concede aos nacionais: o voto.

Parcimônia

José Horta Manzano

Você sabia?

O General de Gaulle, ao tomar posse do cargo de presidente da República Francesa, em janeiro de 1959, transferiu residência para o Palácio do Eliseu como manda a tradição.

Contam que, logo depois que lhe mostraram a ala particular destinada à residência do chefe de Estado, mandou que instalassem ali um relógio de luz. O propósito era controlar seu consumo pessoal de energia elétrica.

Como diria o outro, «igualzinho no Brasil». Sic.