Desequilíbrio

by Kleber Sales

José Horta Manzano

Os diplomatas são discretos por dever de ofício. Não são eles que farão comentários sobre a preleção que o capitão lhes deu ontem. Qualquer palavra que dissessem seria comprometedora. A mensagem que transmitirão aos respectivos governos é de que o presidente do Brasil, ao conspurcar a imagem do próprio país, cometeu um flagrante crime de responsabilidade.

De toda maneira, que venha dos embaixadores que estavam presentes ou dos plebeus, como nós outros, seres pensantes que não fomos convidados, o comentário será unânime: “Que papelão!”.

Mais uma vez, o presidente expõe o fundo de sua personalidade e deixa patente sua imbecilidade e seu desequilíbrio. É um ser atormentado. O infeliz não se dá conta da incoerência de seus ataques ao sistema de voto brasileiro. Se foi eleito para a Presidência por um sistema fraudado, é sinal de que a fraude o favoreceu. Por que razão não o favoreceria de novo?

Parece que até os círculos de devotos mais chegados estão começando a se cansar desse fluxo incessante de baboseiras. Se até eles estão irritados, imagine nós. O discurso de Bolsonaro é o discurso de um derrotado. A cada pronunciamento desse tipo, ele deve perder milhares de votos.

Em artigo de hoje, Eliane Cantanhêde equacionou com precisão: “A grande ameaça à democracia, à eleição e à imagem do País não é a urna eletrônica, é o presidente da República”.

Dois avisos

José Horta Manzano

Na quarta-feira 18 de maio, a Casa Branca mandou dois avisos.

Primeiro aviso
Suécia e Finlândia apresentaram seu pedido oficial de entrada na Otan. Para refrescar a memória, a Otan é uma aliança militar de defesa mútua do tipo “um por todos, todos por um”. Inclui os EUA, o Canadá e praticamente todos os países europeus, com exceção das micronações e dos países neutros (Suíça e Áustria).

No fundo, o interesse maior de cada membro do clube é abrigar-se debaixo do “guarda-chuva” nuclear dos Estados Unidos, a maior potência militar do planeta. É a melhor garantia contra agressões como a que a Ucrânia está sofrendo.

Só que tem um problema. A admissão da Suécia e da Finlândia não será imediata. O processo pode levar 6 meses ou mais. Enquanto isso, tecnicamente os dois países não fazem parte da aliança e, em princípio, não contam com sua ajuda.

É um período perigoso. Se sofrerem um ataque – da Rússia, de quem mais? – terão de se defender sozinhas.

O presidente Biden mostrou ter entendido o drama. Ontem mesmo a Casa Branca publicou um comunicado oficial garantindo que, mesmo neste período em que o procedimento de adesão não está finalizado, os EUA acudirão Finlândia e a Suécia “para deter e enfrentar toda agressão ou ameaça de agressão”. Traduzindo: para os EUA, os dois países já fazem parte do clube.

O recado foi direto para Putin: mexeu com eles, mexeu comigo. Não ouse!

Segundo aviso
No mesmo dia, Elizabeth Bagley, diplomata indicada por Biden para o cargo de embaixadora dos EUA em Brasília, foi sabatinada pelo Congresso americano.

Durante a audição, a diplomata lembrou que tem 30 anos de experiência em supervisão de eleições ao redor do mundo. Disse ter certeza de que as eleições brasileiras de outubro serão livres e justas, dada a tradição do país nesse particular.

Com estilo diplomático, fez uma referência leve mas incisiva ao comportamento do capitão, que tem feito o que pode para conturbar o processo eleitoral. A nova embaixadora mostrou estar ciente de que “os tempos serão difíceis” por causa “da quantidade de comentários”. Não chegou a apontar o autor dos “comentários”. Nem precisava.

São múltiplas as maneiras de exercer pressão sobre um país. Nem sempre é necessário recorrer a uma invasão. A futura embaixadora americana traz na sacola recados para o capitão. Se ele continuar a perturbar o processo eleitoral e, pior ainda, se ousar tentar derrubar a ordem constitucional, as consequências serão imediatas e vigorosas.

Diferentemente do que Bolsonaro parece acreditar, os países no mundo atual são interdependentes. O Brasil não é uma ilha. Nosso país depende de tecnologia estrangeira para funcionar. Um avião enguiçado precisa de peças americanas. Um aparelho de ressonância magnética é fabricado no exterior. Nossa indústria – química ou mecânica – é tributária de insumos americanos.

O que a embaixadora dirá a Bolsonaro – e que não sairá nos jornais – é justamente isto: se vosmicê ousar dar “aquele” passo torto, a torneirinha vai fechar e o Brasil vai parar. Será um caos. Um embargo americano pode ser extremamente dolorido, que o digam Cuba e o Irã.

Com o país enguiçado e o povo revoltado, quem vai levar um chute no traseiro é vosmicê.

Pronto, já lhe dei o aviso adiantado.

As artes do general

José Horta Manzano

Tem certas coisas que, não fosse estarem preto no branco, a gente não acreditava. Um tuíte soltado pelo general Villas-Boas, faz alguns dias, entra nessa categoria. Percebido pela mídia como desimportante, mereceu pouca divulgação.

Eduardo Dias da Costa Villas-Boas é general estrelado. Já ocupou por 4 anos o posto de comandante do Exército Brasileiro, que não é coisa pouca. Um cargo dessa magnitude não está ao alcance de qualquer um. O escolhido há de ter qualidades essenciais: sólida formação, visão estratégica, profundos conhecimentos de geopolítica, aptidão para o comando, ascendência natural sobre os comandados.

Só que… ninguém é perfeito. Nosso general, hoje septuagenário, continua chegado a uma polemicazinha. Por ocasião da campanha de Bolsonaro, em 2018, soltou um tuíte que foi entendido como tentativa de pressão sobre a Justiça que estava para decidir sobre a possibilidade de o Lula se candidatar à Presidência. Como por acaso, a mensagem, redigida em termos sibilinos, foi publicada na véspera do julgamento.

Faz uns dez dias, ele reincidiu. Com a invasão da Ucrânia pelas tropas de Putin tomando o noticiário, o tuíte do general passou despercebido. Melhor assim. Tivesse sido postado por um adolescente, ninguém se encresparia. Vindo da pluma de general estrelado, denotou o lado moleque e infantil do autor.

A mensagem veio com o seguinte título: “O que espera Macron na Amazônia”. Em seguida, um vídeo dramático com imagens de militares brasileiros em treinamento na selva. Como pano de fundo, uma paródia de Bella Ciao, canção identificada com os partigiani italianos – tropas não-regulares formadas por patriotas civis que combatiam o inimigo nazi-fascista na Segunda Guerra Mundial.

Meus leitores hão de se lembrar que, no começo do mandato, Bolsonaro acreditava que um presidente da República pode tudo. Foi quando se indispôs com meio mundo. Mostrou desleixo no combate às queimadas na floresta brasileira. O G7 se alarmou. Em reação, Macron lançou vaga ameaça ao dizer que a “internacionalização” da Amazônia (seja lá o que isso possa significar) estava em debate.

À época, o general Villas-Boas há de ter sentido cheiro de guerra no ar. Agora, que o ogro argentino está domado, um inimigo externo estava sendo procurado. De bandeja, Macron lhe ofereceu o temor que andava fazendo falta a nosso imaginário militar.

Com a finura que o caracteriza, Bolsonaro chegou à baixeza de insultar o presidente da França, ressaltando a feiúra da primeira-dama daquele país. Coisa de cortiço. Mas o general anotou no caderninho e guardou para uso futuro.

Sentindo que a proximidade das eleições presidenciais francesas oferecia um momento ideal para dar uma estocada em Emmanuel Macron, o general soltou o tuíte que descrevi acima. Deu furo n’água.

Primeiro
Por mais general que seja, sua voz é inaudível. Se seu tuíte praticamente passou em branco dentro das fronteiras, lá fora, então, foi olimpicamente ignorado. Publicar esse tipo de artimanha numa época em que o mundo está eletrizado pela invasão da Ucrânia? Francamente… Alguns anos atrás, podia ser que a voz de Villas-Boas ecoasse lá fora; porém, desde que se instalou a era Bolsonaro, nossas picuinhas internas perderam a pouca importância que possam ter tido um dia.

Segundo
A “internacionalização” da Amazônia é inexequível. O general precisa se dar conta de que o Brasil só detém 60% da floresta amazônica. Os 40% restantes se espalham por 7 países estrangeiros. Entre eles, a própria França! A Guiana Francesa, parte integrante do território da República Francesa, tem 90% de seu território recoberto pela selva amazônica. Acha possível um governo decidir “internacionalizar” parte do território nacional? E ainda ter de convencer 8 países amazônicos a seguir o mesmo caminho? E se acertar com os 27 sócios da União Europeia? Convenhamos, general…

Terceiro
Em vez de atirar no pianista, melhor faria o general se se debruçasse sobre a raiz do problema. O planeta está alarmado com a sobrevivência da humanidade. Fontes de energia renováveis e conservação do patrimônio florestal fazem parte da solução. Em vez de fazer ameaças ridículas de combater uma potência nuclear com estilingue, seria mais útil estudar o problema e tentar entender que o maior valor da Amazônia brasileira é seu patrimônio florestal e sua biodiversidade. Nióbio, grafeno, ouro e cloroquina não fazem parte do butim cobiçado por um consórcio de grandes potências.

Quarto
Se alguma(s) potência(s) decidisse(m) se apoderar da Amazônia brasileira, é inútil imaginar embates corpo a corpo na umidade equatorial. Há meios mais modernos e mais eficazes de fazer dobrar um país. O general deveria saber. Falando nisso, a quantas anda nossa proteção contra piratagem informática que poderia, por exemplo, interferir em nossas hidroelétricas e bloquear o país? Ou parasitar os sistemas de comunicação militar?

Para terminar, quero deixar claro que respeito a carreira do insigne militar. Se chegou aonde chegou, méritos há de ter. Nossas diferenças se limitam a uma questão de princípios. Quanto a mim, coloco a dignidade do profissional e do cargo acima da arena em que se debatem espíritos adolescentes e imaturos.

Seu tuíte veio fora de hora e fora de esquadro, general.

Perigo vermelho

José Horta Manzano

Consultei o Regulamento Disciplinar do Exército, código oficializado em agosto de 2002 na forma de decreto-lei. Com 74 artigos, ele é extenso, mas claro e preciso.

Faz alguns dias, por ocasião de uma manifestação de rua, Eduardo Pazuello subiu ao palanque do presidente. Não precisa ser versado nas artes jurídicas pra entender, após rápida vista d’olhos ao regulamento, que o general transgrediu. A disciplina é valor essencial da carreira. Na visão militar, todo desvio de conduta, fosse ele pequeno, exige punição.

Pois não foi o que ocorreu. Depois de tergiversar por dias e dias, o alto-comando do Exército decidiu não decidir. Resolveram que o general não transgrediu e que tudo fica por isso mesmo. Soou estranho. A inabitual condescendência não encontra justificativa no regulamento. Portanto, a razão tem de ser procurada alhures.

Para entender, convém voltar meio século, ao tempo em que a Guerra Fria determinava o destino do planeta e assombrava muita gente. No Brasil, a justificativa que disparou o golpe de 64 e que perpassou todo o período da ditadura militar foi defender o país contra a ameaça comunista. Ao apagar das luzes do regime militar, quando se extinguia a repressão, surgiu o PT como encarnação do perigo vermelho.

Treze anos de governos petistas mostraram que, de comunistas, eles não têm nada – se é que um dia tiveram. Estão mais é pra oportunistas, trambiqueiros e desonestos. No entanto, tudo indica que, nos círculos militares, a mensagem não chegou. Tem-se a impressão de que as autoridades militares estacionaram nos anos 70 e continuam a enxergar o PT como a encarnação do perigo vermelho que um dia ainda há de implantar o comunismo no Brasil. E o Lula, naturalmente, é seu símbolo maior.

A absolvição de Pazuello se inscreve nessa lógica: contra o comunismo, Bolsonaro surge como o melhor antídoto. Daí apoiarem integralmente o capitão e dobrarem-se cegamente a seus caprichos. Há sinceridade na luta dos militares, mas há sobretudo grande ingenuidade. Eles parecem ter dificuldade em entender que o Muro de Berlim caiu em 1989, que o mundo mudou, que o combate hoje é outro.

Até onde darão apoio a Bolsonaro? Será que toda a cúpula militar enxerga o mundo pela mesma luneta? Será que todos concordariam com a quebra das instituições em favor de um capitão arrivista, a fim de proteger o país contra o Lula?

Não tenho a resposta. As sugestões do distinto leitor são bem-vindas. Cartas para a redação, por favor. E bom fim de semana a todos.

Apocalipse vende mais

José Horta Manzano

Puxa! Nunca imaginei que o Brasil se tivesse tornado tão importante! Visto do exterior, parece que o país subiu de nível. Passou a eleição, o novo presidente está definido há dez dias, mas o assunto continua a ser comentado na imprensa. Em volume de citações, este período supera com folga a época de ouro do lulopetismo, quando se imaginava que um salvador da pátria tinha surgido da secura da caatinga para redimir definitivamente a nação tupiniquim. Quá!

A abundância de artigos, entrevistas e análises atuais se deve, com certeza, à rede mundial de telefones e computadores, que faz que a informação circule fluente e dê volta ao planeta num segundo. No entanto, apesar das facilidades modernas, constato que a informação que chega ao exterior pende para um lado que não é o que os brasileiros escolheram. Com folgada maioria, os eleitores elegeram doutor Bolsonaro. Passando por cima dessa realidade, a mídia europeia continua de queixo caído, incapaz de reconhecer que o eleito encarna a mudança pela qual todos anseiam, tanto os que votaram nele, quanto os demais.

Por aqui, o discurso que se ouve é aflitivamente semelhante ao do lulopetismo. Analistas continuam a mostrar-se escandalizados com a «deriva conservadora» do eleitorado do maior país da América Latina. Acusam os brasileiros de ‘fascistas’, ‘adeptos da extrema-direita’, ‘homofóbicos’, ‘machistas’, ‘adeptos do autoritarismo’ e outros apodos graciosos.

Também, brasileiros com projeção internacional não ajudam. Outro dia, ouvi nosso ultraconhecido fotógrafo Sebastião Salgado, convidado matinal da rádio pública francesa, declarar que ‘os brasileiros ficaram loucos’ e martelar o relato do golpe sofrido por doutora Rousseff. Entre dezenas de outros, essa mesma ex-presidente, mais Chico Buarque e até FHC ‒ quem diria! ‒ botam lenha na fogueira. Correspondentes da mídia internacional baseados no Brasil também contribuem para difundir a versão lulopetista. É que anunciar o apocalipse vende mais do que falar em esperança de enfiar corruptos na cadeia e pôr ordem no país.

O festival de desinformação continua. Por minha parte, preferia que se falasse do país por outros motivos. Mas as coisas são como são. The (poor) show must go on. O show (mambembe) tem de continuar.

Adendo 1
Signor Paolo Mieli é colunista do italiano Corriere della Sera há 25 anos. Passando por cima do fato de que foi o próprio povo brasileiro a fazer sua escolha, ele assina um artigo publicado domingo passado que dá a impressão de que o novo presidente nos tenha sido imposto por algum poder extraterrestre. Aqui vai a primeira frase:

“Il trionfo elettorale di un personaggio discutibile e discusso come Jair Bolsonaro è stata una pessima notizia non soltanto per il Brasile, ma anche per l’America Latina tutta e, probabilmente, per il mondo intero ‒ O triunfo eleitoral de um personagem discutível e discutido como Jair Bolsonaro foi péssima notícia não só para o Brasil, mas também para toda a América Latina e, provavelmente, para o mundo inteiro.”

Precisa ler o resto?

Adendo 2
Ouvi outro dia no rádio, no dia seguinte ao da eleição do novo presidente, o comentário de um jornalista, que soava como trovão:

«Les minorités entendent déjà le bruit des bottes sur le sable de Copacabana ‒ As minorias já podem ouvir o ruído de botas nas areias de Copacabana.»

Que talento dramático! De todo modo, pouco importa o conteúdo, o que conta é a embalagem. Não é pra assustar qualquer cristão?

Aprendendo a ser presidente

José Horta Manzano

Em 2003, assim que foi empossado, o novíssimo presidente Lula da Silva fez aparições públicas em eventos variados. Como recém-chegado, foi paparicado à bessa, o que é muito natural. Fotógrafos logo imortalizaram o distintivo que ele insistia em fincar na lapela: um pin com a estrela vermelha do PT, seu partido.

Jornalistas publicaram textos escandalizados com o gesto do novo mandatário. Afinal, ele tinha sido eleito para presidir a República, não para chefiar um partido. Portada ostensivamente, aquela insígnia era sinal hostil lançado aos que não fossem simpatizantes de seu partido. Cargo de presidente exige que o titular se coloque acima de querelas politiqueiras.

Lula da Silva não costumava ler jornais. Mas seus prestimosos assessores se deram conta do reclamo, informaram o chefe, e o pin vermelho cedeu lugar a um mais decente, com as cores da bandeira.

Essa historinha ‒ que é bem real ‒ serve pra ilustrar os tropeços de todo principiante. Todo debutante dá seus foras, seja qual for a profissão ou o cargo, é compreensível. Importantíssimo, no entanto, é que aprenda de seus escorregões e se encaixe na liturgia que a posição exige.

Doutor Bolsonaro deu outro dia um bruta fora. Ressentido com o tratamento que lhe dispensou um jornal de São Paulo durante a campanha, tratamento que ele julga ter sido persecutório e injusto, prometeu fazer desabar raios e relâmpagos sobre o veículo. Errou feio.

Se sentimentos de rancor de vingança já caem mal em mortais comuns, que dirá em figurões da República. Uma bordoada. E pensar que a solução é tão evidente: para casos como esse, a lei prevê caminhos mais civilizados. Se o doutor se sentiu caluniado, que demande reparação por via judicial. Assim, sai tudo nos conformes. Agora, prometer benesses aos amigos e castigo aos adversários ‒ tudo isso com nosso dinheiro ‒ é expediente que não combina com democracia.

Por esta vez, passa, doutor. Da próxima, pense duas vezes antes de abrir a boca. A acumulação de pequenos incidentes como esse pode embaçar sua imagem antes do fim do período de graça.

A insegurança do ministro

José Horta Manzano

Nos tempos de antigamente, piadas eram mais ingênuas. Lembro-me de uma que contava que, num país imaginário, a polícia secreta era uniformizada. E que se trajavam de vermelho. E que, à entrada do prédio onde ficava a sede, um cartaz informava: «A senha está debaixo do capacho».

Acredito que historietas assim, hoje em dia, deixem o ouvinte indiferente. Certos fatos recentes e reais, no entanto, estão longe de deixar ouvintes indiferentes. São de arrepiar o cabelo. Noticiou-se dois dias atrás, por exemplo, que o STF abriu licitação pra contratar agentes para a segurança pessoal e permanente do ministro Edson Fachin. Pode parecer banal, mas não é.

Segurança pessoal de ministro do Supremo não é coisa com que se brinque, ainda mais que o doutor tem recebido ameaças. Agente encarregado de dar proteção a uma personalidade deve responder a critérios rigorosos e, sobretudo, tem de ser pessoa de confiança. «Abrir licitação» não me parece o caminho adequado. Afinal, não estamos comprando biscoito. Abre-se licitação quando se quer comprar um produto pelo menor preço, com boas condições de pagamento e prazo de entrega conveniente. Mas pra contratar pessoa de confiança, a licitação não faz sentido.

O agente de segurança ocupa posto altamente sensível. Ele está a par da rotina do ministro, dos programas de viagem, dos horários, do roteiro diário, das atividades, das minúcias do dia a dia. Conhece a vida do acompanhado melhor até do que a esposa do dito cujo. Como é possível confiar tarefa tão crucial a alguém proveniente de concorrência pública, contratado pelo melhor preço?

A escolha de agente de segurança tem de ser feita com a maior discrição possível. Já não devia nem ter sido anunciada nos jornais. Ninguém precisa ‒ nem deve ‒ ficar sabendo. A licitação pública escancara as portas para um elemento nocivo se infiltrar no entourage do ministro. Pode atrair gente mal-intencionada. Pode chamar espiões.

Francamente, não convém seguir por esse trilho. Desse jeito, vamos acabar uniformizando agentes secretos. De vermelho.

Liberdade de imprensa?

José Horta Manzano

«Menaces, agressions lors des manifestations, assassinats… Le Brésil reste parmi les pays les plus violents d’Amérique latine pour la pratique du journalisme. L’absence de mécanisme national de protection pour les reporters en danger et le climat d’impunité – alimenté par une corruption omniprésente, rendent la tâche des journalistes encore plus difficile.»

«Ameaças, agressões durante manifestações, assassinatos… O Brasil continua entre os países mais violentos da América Latina para o exercício do jornalismo. A ausência de esquema nacional de proteção dos repórteres ameaçados e o clima de impunidade ‒ alimentado pela corrupção onipresente ‒ tornam ainda mais difícil o trabalho dos jornalistas.»

Que tristeza, minha gente! O texto acima foi tirado do relatório anual da ong internacional RSF ‒ Repórteres sem Fronteiras. A instituição publica, a cada ano, a classificação dos países pelo critério de liberdade do exercício do jornalismo. A edição 2018 acaba de sair.

Numa lista de 180 países que começa com a Noruega e termina com a Coreia do Norte, o Brasil aparece num vexaminoso 102° lugar. Só pra confirmar a pobreza da situação nacional, países como Modávia, Togo, Tunísia, Sérvia e até Nicarágua(!) estão mais bem classificados que nós. Uma vergonha.

A avaliação não condiz com a importância de nosso país. Quinta maior população do planeta, uma das dez maiores economias, o Brasil não deveria figurar em nível africano no quesito liberdade de imprensa.

Brasil: pior que a média mundial

Em 2010, nosso país aparecia na 58a. posição. Bastaram poucos anos para uma situação que já não era rósea descambar de vez. Os ataques proferidos diariamente pelos cardeais petistas contra a imprensa contribuíram decisivamente para aumentar o risco de exercer a profissão de jornalista.

É impressionante ver a que ponto o lulopetismo tem feito mal ao país. Os efeitos deletérios se entranham por todos os poros da nação. A depuração vai levar décadas. Ninguém escapa. Ainda que não se deem conta, sofrem até os infelizes que integram a massa de manobra vestida de vermelho que levanta o punho fechado em apoio ao demiurgo.

Coisa de louco

José Horta Manzano

Por mais arguto e observador que a gente seja, certos gestos e falas de figurões são difíceis de interpretar por fugirem ao senso comum e por não se enquadrarem em lógica nenhuma.

Estes últimos dias, três medalhões passearam pelas manchetes. A fala de cada um deles, embora se restrinja a poucas palavras claras e fáceis de entender, resiste a toda análise. Um doce para quem decifrar o que está por detrás desse ‘jogo da esfinge’.

Kim Jong-Un
O reizinho da Coreia do Norte é o terceiro representante de uma linhagem que tem conseguido a proeza de manter 25 milhões de pessoas vivendo como se estivessem na Idade Média. O ditador declarou, a quem interessar pudesse, que pretende lançar ataque nuclear contra a maior potência bélica do planeta estas próximas semanas.

Se pretendia deixar o mundo embasbacado, conseguiu o intento: sua ousadia petrificou a humanidade. Por seu lado, conquistou o que poucos alcançam: a condenação unânime do Conselho de Segurança da ONU.

Sabendo que, se o regime da Coreia do Norte se mantém, é por obra e graça da China e da Rússia vizinhas, é difícil entender por que o líder máximo coreano estaria serrando o galho onde está sentado.

Donald Trump
Muitos já prometeram o impossível. Aliás, é vício recorrente em políticos. Promessas de campanha são, quando muito, cumpridas pela metade. Faz parte do jogo. Depois de eleitos, políticos e dirigentes costumam modificar o discurso, sair pela tangente, contemporizar, botar água no vinho.

Numa atitude incomum, o instável presidente americano ameaçou intervir militarmente na Venezuela. Segundo sua fala confusa, deixou a impressão de estar preocupado com a situação do povo hermano, vítima do tiranete de turno.

Mr. Trump preocupado com desrespeito a direitos humanos na Venezuela? “Conta outra!” ‒ replicaria algum sarcástico. A declaração do presidente dos EUA foi desastrosa. Ao reavivar velhos fantasmas, conseguiu o que parecia impossível: a unanimidade, ao menos temporária, dos demais países da América Latina em defesa do caudilho venezuelano. Um furo n’água.

Lula da Silva
Nosso antigo presidente, aquele que despencou dos píncaros da aprovação popular para uma rejeição nunca dantes vista nessepaiz, parece ter perdido a cabeça de vez. Acossado por meia dúzia de processos criminais ‒ o primeiro dos quais já lhe rendeu pena de quase dez anos de cadeia ‒, o homem parece que alucinou total.

Faz dois dias, em discurso numa Faculdade de Direito(!) do Rio, declarou que, caso volte à presidência, vai «fazer a regulação dos órgãos de imprensa». Não precisa ser diplomado em ciências ocultas para entender que a intenção de nosso guia caído é amordaçar a imprensa, filtrar e controlar o fluxo da informação. Como se isso fosse possível nestes tempos de internet.

Não se deve cutucar onça com vara curta. De cada três eleitores, um tem o jornal televisivo como única fonte de informação. E a base do eleitorado do Lula se encontra justamente nesse terço de população escassamente informada. Faltando mais de um ano para o voto, provocar a imprensa escrita e, mais grave ainda, a televisão é atitude mais que temerária. É verdadeiro suicídio. O homem pirou de vez.

Bicho-papão

José Horta Manzano

Como de costume, a verdade costuma brotar das entrelinhas. Com frequência, o que não foi dito vale mais do que as palavras pronunciadas.

Chamada do Estadão, 11 jan° 2017

Chamada do Estadão, 11 jan° 2017

Nosso guia, que sabe muito bem que encarna, na cabeça da maioria dos brasileiros, o mal do qual o Brasil está tentando se livrar, usa a fantasia de eventual candidatura à presidência como ameaça. Age como a mãe que chantageia o filho com o espantalho do bicho-papão.

Quem será o destinatário das ameaças do Lula? Cada um é livre de tirar suas conclusões.

Lula aciona ONU ‒ 2

José Horta Manzano

Nota
Este artigo retoma o tema de ontem. Pra poder acompanhar, é interessante dar uma espiada, nem que seja de relance, no post anterior. É esse que aparece logo abaixo.

Interligne 28a

Lula caricatura 2Vamos dar continuação a nossa conversa de ontem. Falávamos sobre o Lula, esse pedregulho incontornável, essa figura que invariavelmente aparece na origem (ou no epílogo) de nossas mazelas atuais.

Eu dizia que a ONU, além de não ter poder para intervir na querela, tem problemas mais importantes a cuidar. A última coisa que gostariam é de arrumar briga com o Brasil, o que aconteceria se se intrometessem em nossos problemas internos.

Convenhamos: para uma entidade que lida com conflitos planetários, com milhares de mortos, com milhões de refugiados, com tensões políticas e com perigo nuclear, não faz sentido perder tempo com a choradeira de nosso guia.

Mandaram logo o aviso: aqui ninguém dá carteirada. O caso do demiurgo vai entrar no fim de uma fila em que já estão uns 500. Apanhe a senha na entrada, se faz favor. Deixaram claro que ia levar pelo menos dois anos. Com isso, praticamente enterraram o assunto.

Diferentemente do que a defesa do Lula parece acreditar, a ONU dispõe de equipe eficiente de observadores. Como você e eu, também eles estão a par do que se passa no Brasil. Macaco velho não mete a mão em cumbuca.

Lula caricatura 2aAo tentar acionar a ONU, o Lula desclassificou a Justiça brasileira. Deu-se mal. A reação dos magistrados veio no mesmo dia: entrou para a lista dos réus no vendaval de escândalos que varre o país. Com duas particularidades. A primeira é que seu caso não foi parar nas mãos do temido Sérgio Moro, numa prova de que há outros juízes e procuradores sérios no país. A segunda é que a acusação é bem mais pesada do que a propriedade clandestina de triplex ou de pedalinho de lata. O ex-presidente responde agora por obstrução de Justiça, crime bem mais grave.

Um Lula visivelmente abalado houve por bem dar resposta. Não lhe ensinaram que, em certas ocasiões, mais vale se eclipsar. Fez-se de desentendido. Perante plateia amestrada, esquivou-se da acusação mais grave e ateve-se a repetir que não possuía imóvel registrado em seu nome, lenga-lenga que todos já ouviram.

Lula caricatura 2Mal aconselhado ‒ ou «alterado», segundo as más línguas ‒, ameaçou candidatar-se à presidência do Brasil em 2018. Sim, distinto leitor, até o próprio Lula já se deu conta de que o espectro de sua volta ao poder soa como ameaça. Foi como se dissesse: «se insistirem nas investigações, posso até voltar».

A meu ver, errou. Deu ideias aos juízes. Entregou o ouro aos bandidos, como se diz. Ativou o risco de ser condenado à perda dos direitos civis. Numa demonstração de que vive desligado da realidade, está cutucando a onça com vara pra lá de curta.

Pensando bem – 10

José Horta Manzano

 

Chamada da Folha de São Paulo, 14 abr 2016

Chamada da Folha de São Paulo, 14 abr 2016

Parece até ameaça
Cruz-credo! Que Deus nos livre!
Seria cruel desgraça
Ninguém merece. Tem dó!

0-Pensando bemNo entanto, a bem refletir
Só pode ser brincadeira
Não é verdade, é gogó.

Assim que a Dilma se for,
caminho já está traçado:
é Lula no xilindró.

Me segura, que eu vou!

José Horta Manzano

Chamada do Estadão, 28 ago 2015

Chamada do Estadão, 28 ago 2015

Ainda que mal pergunte, o que quer dizer “se necessário”? Necessário para quem, cara-pálida?

As palavras de nosso guia soam como ameaça, né não? Esperamos todos que não “seja necessário”. Xô, te esconjuro!

Ameaça

Coruja 1«Enquanto a população do Distrito Federal sofre com a precariedade da segurança pública e com o crescimentos dos índices de criminalidade, esta semana a Polícia Militar foi acionada para cumprir missão de emergência: capturar uma coruja que estava à espreita, nos jardins do Palácio da Alvorada, residência oficial de Dilma.

Alguém, no Alvorada, considerou ameaçadora a presença do animal-símbolo da sabedoria.»

Extraído do Diário do Poder, 24 jan° 2015.