O rei

José Horta Manzano

Aqui na terrinha, nossa atenção está focalizada na PEC do estouro, na escolha do ministério de Lula, na soltura de um indivíduo condenado a mais de 430 anos de prisão – coisas de deixar de olho arregalado.

Enquanto isso, além-fronteiras, os olhos da imprensa nos observam sem dar importância aos escândalos habituais. Neste momento, não enxergam outra coisa que não seja o agravamento da enfermidade do rei Pelé.

O Brasil é particularmente ingrato com seus ídolos. Se o mundo nos reverencia como “pátria do futebol”, a contribuição de Edson Arantes do Nascimento é fundamental.

É verdade que Pelé atuou faz tempo. Suas últimas aparições no gramado datam de quase meio século. Aos ouvidos de quem tem menos de 40 anos, o nome do “rei” deve soar como soa para nós o nome de Arthur Friedenreich, grande craque cuja longa carreira começou no tempo em que o futebol era amador e se chamava foot-ball. O “Tigre”, como era conhecido, atuou de 1909 até 1935. Quando de seu último jogo, tinha 43 anos.

Assim mesmo, saibam que devemos muito a Pelé, herói de uma época em que jogador não estava preocupado com a oxigenação do cabelo nem com a mansão à beira-mar nem com o jatinho próprio estacionado no hangar mais próximo. Jogador apenas jogava. Mas como jogava!

Aqui está um apanhado de artigos, publicados na mídia europeia, que tratam do agravamento das condições de saúde do “rei”.

 

O receio pela saúde de Pelé aumenta

 

 

Pelé continua no hospital – o câncer se espalhou

 

 

O câncer de Pelé avança

 

 

Estado da legenda brasileira tem piora drástica

 

 

O câncer progrediu e pede atenção por disfunção renal e cardíaca

 

 

Câncer do craque brasileiro progrediu

 

 

Gente que virou coisa – 4

José Horta Manzano

Você sabia?

Capítulo 4

Há gente que virou coisa. A história registra o caso de alguns personagens que, em geral involuntariamente, cederam o próprio nome a alguma coisa. São nomes próprios que acabaram se tornando palavras de todos os dias. Não são muitos. Aqui está um deles.

Strass
Georg Friedrich Strass nasceu em 1701 num vilarejo alsaciano, a poucos quilômetros de Estrasburgo, hoje em território francês. Desde a Idade Média, aquela região de fronteira era objeto de cobiça. Ao final de cada guerra, o território mudava de dono, oscilando entre príncipes germânicos e o governo central de Paris. Quando nasceu Georg Friedrich Strass, quem mandava era o rei da França. A instabilidade já aparece em seu registro de nascimento: o documento não foi redigido em francês, mas em alemão.

Filho de pastor protestante, Strass entrou como aprendiz num ateliê de joalheria, onde aprendeu a profissão. Com a idade de 20 e poucos anos, já se encontra em Paris trabalhando num ateliê de joalheria que produz joias muito procuradas. Imagina-se que o rapaz fosse bastante esperto, pois em poucos anos já aparece como sócio da firma.

De espírito criativo, Strass se interessou pelas joias de imitação, aquelas que aqui chamamos bijuteria. Modificando a química da preparação, conseguiu fabricar pedras preciosas artificiais tão luminosas e transparentes que tinham aspecto idêntico às verdadeiras.

O sucesso foi tão grande que o moço, que não tinha nem completado 35 anos, foi nomeado ‘joalheiro privilegiado do rei’ – um título de grande prestígio. Graças à invenção, os negócios prosperaram e Strass enriqueceu. Aos 52 anos, pôde aposentar-se e viver tranquilo até seu falecimento em 1773, aos 72 anos.

Nestes dias de Carnaval frustrado, as (falsas) pedrinhas de Strass vêm a calhar. Indumentária carnavalesca exige paetês e strass. Como o distinto leitor já se deu conta, strass – aquelas pedrinhas coloridas que fazem parte da festa – devem seu nome a Georg Friedrich Strass.

(continua)

Política de cotas à inglesa

José Horta Manzano

Com tantos reis e rainhas espalhados pelo mundo, é difícil entender a razão pela qual a realeza britânica fascina tanto. Qualquer fato ligado à família real é bom pra animar a mídia : um nascimento, uma separação, um discurso da rainha, um casamento. Falando em casamento, temos um este fim de semana.

Um dos netos da rainha Elizabeth vai se casar com uma jovem americana. A moça, apresentada como «negra», é na verdade mestiça, mulata clara. Tem 50% de sangue negro e 50% de sangue branco. Se não se pode dizer que é branca, tampouco se deve dizer que é negra. Não vejo por que uma das metades anularia a outra.

Abdicação de Eduardo VIII, em 1936

União fora dos padrões, na Inglaterra pudibunda do século 19, seria inimaginável. E olhe que nem precisa ir muito longe no tempo. Nos anos 1930, o rei Eduardo VIII foi forçado a abdicar o trono por insistir em se casar com uma mulher divorciada ‒ americana, por sinal. Hoje, passados oitenta anos, Charles, filho da rainha e herdeiro da coroa, divorciou-se da primeira esposa e está casado com Camila, uma divorciada. E tudo bem.

A entrada de uma mestiça na realeza inglesa vem a calhar. É de lembrar que 8% dos habitantes do reino são de origem asiática, negra ou mestiça. A futura princesa quebra a tradição de uma família real exclusivamente branca. Faz bem à imagem do país, donde a aprovação geral.

O casamento deverá ser acompanhado, pela televisão, por dois bilhões de terráqueos, uma enormidade. Cem mil turistas são esperados em Londres. Calcula-se que a venda de souvenirs e o comércio diretamente ligado ao evento movimentarão 600 milhões de euros ‒ uma bênção para uma economia castigada pelo Brexit. As bodas são excelente operação comercial, benéfica para todos.

Carl XVI Gustaf e Sylvia, reis da Suécia

Nem todos os brasileiros sabem, mas Sylvia, a rainha da Suécia, é brasileira. Filha de pai alemão e mãe brasileira, nasceu na Alemanha mas cresceu no Brasil dos 4 aos 14 anos de idade. Tem duas línguas maternas: português e alemão. Fala nossa língua como qualquer um de nós.

Apesar dessa proximidade, ninguém se interessa pelos fatos e gestos da família real sueca. Não se ouve notícia, não se publicam fotos, não se lê nada. Enquanto isso, basta um espirro da realeza londrina para a mídia se assanhar. Enfim, que é que se há de fazer? Así nos están saliendo las cosas.

Rain forest

José Horta Manzano

Doutor Temer visitou a Noruega esta semana. O porquê da viagem não ficou suficientemente claro. Terá havido alguma razão específica, mas ignoro qual seja. A mídia brasileira não deu grande importância à vilegiatura presidencial. O mais comentado foi a gafe cometida pelo doutor ao declarar diante de microfones que estava para se encontrar com o rei da Suécia. (Na verdade, ia ser recebido pelo rei Harald, da Noruega.)

Primeira-ministra deixa claro que, caso o desmatamento no Brasil aumente de novo, a ajuda norueguesa será cortada.
Chamada do jornal Adresseanvisen, Oslo.

Mais do que irritar os anfitriões, esse tipo de deslize faz sorrir e mostra ignorância do hóspede. Volta e meia acontece. Lembro-me quando o presidente americano Ronald Reagan, de visita ao Brasil, levantou um brinde de agradecimento ao governo da Bolívia. Ponha-se na conta do despreparo do discursante e adicione-se uma pitada de cansaço e de defasagem horária. Não é o fim do mundo.

Já a primeira-ministra norueguesa pronunciou crítica azeda à corrupção no Brasil. Mas isso faz parte do jogo de cena. De qualquer maneira, o Brasil ‒ assim como os demais países da América Latina ‒ são vistos como corruptos, pelo menos do ponto de vista escandinavo. Ainda que, por um milagre, nossos governantes se transformassem subitamente em arcanjos, os povos daquelas bandas levariam muito tempo pra se convencer. Os clichês têm vida longa.

O problema maior levantado pela primeira-ministra e repercutido por manifestantes nas ruas foi outro. A preocupação mais aguda é o desmatamento que continua, impávido e impune, na Amazônia. A cabeça de um nórdico não concebe que empreiteiros botem abaixo extensas áreas de floresta úmida sem que ninguém os impeça e sem que nenhuma punição lhes seja infligida. O Brasil tem território vasto, é verdade, mas os modernos meios de observação permitem vigilância permanente. Nada escapa ao olho de lince de um satélite. Se nenhuma ação é tomada contra os infratores, é porque aí tem coisa.

Oslo: manifestação durante visita de doutor Temer

O resultado é que o governo norueguês, chateado, vai cortar pela metade a ajuda de milhões de coroas que dava ao Brasil todos os anos para cuidar melhor do patrimônio florestal. Há que entender que fornecem esse auxílio não por serem bonzinhos mas por entenderem que a extinção das florestas tropicais será catastrófica para o clima do planeta inteiro ‒ inclusive o deles.

Caso o Brasil não dê um basta ao desmatamento, Oslo periga fechar definitivamente a torneirinha de dólares a partir do ano que vem. A gente acaba se convencendo de que deve haver extraordinários interesses ocultos por detrás da impunidade de desmatadores. Como contraponto à Lava a Jato, está na hora de instalar uma Serra a Jato.

São Valentim

José Horta Manzano

Metade da humanidade celebra hoje São Valentim, a quem foi concedido, já faz tempo, o estatuto de patrono dos namorados. O 14 de fevereiro, de fato, é celebrado em (quase) todo o mundo. O Brasil é uma das poucas exceções que confirmam a regra. Talvez em virtude de a data cair muito perto do carnaval ‒ às vezes até durante ele ‒, nossos amorosos são homenageados em outro dia. Imaginem um Dia dos Namorados no meio do carnaval. Passaria praticamente despercebido, um desastre para o comércio.

dia-dos-namorados-1As origens da festa são difíceis de determinar. A hagiologia católica registra, na Antiguidade, diversos santos com esse mesmo nome. A controvérsia quanto à escolha da data perdura, e nada indica que se chegue, um dia, a consenso. Por que razão festejar os enamorados neste dia e não em outro? O mistério é denso.

As primeiras manifestações ligando o 14 de fevereiro aos apaixonados surgiram na Inglaterra em meados do século XIX. O desenvolvimento das estradas de ferro, ao acelerar o transporte de mercadorias e de correspondência, favoreceu a troca de mensagens. Enamorados aproveitaram a brecha e aderiram ao costume de enviar cartinhas e cartões nessa data. Hoje em dia, o papel vai sendo substituído por mensagens eletrônicas, mas a tradição continua.

dia-dos-namorados-2No Brasil, atribui-se ao baiano João da Costa Doria(*), publicitário e homem político, a introdução do costume. Para o comércio varejista, o mês de junho costumava ser fraco. No final dos anos 1940, importante loja de departamentos de São Paulo encomendou ao publicitário um estudo para impulsionar as vendas. Ele teve a ideia de implantar um São Valentim abrasileirado. O dia 12 de junho, véspera de Santo Antônio ‒ o casamenteiro ‒ caía bem. A campanha publicitária lançada em 1949 deu certo. A moda foi logo seguida, nos anos seguintes, por outros estabelecimentos comerciais. Em poucos anos, o Dia dos Namorados já tinha assumido ares de comemoração tradicional e inescapável.

Hoje em dia, a troca de presentes substituiu o simples envio de cartões. Os comerciantes, que levam vantagem com essa evolução dos costumes, aplaudem de pé.

(*) João Doria Jr., atual prefeito da cidade de São Paulo, é filho do publicitário homônimo.

Interligne 18cTítulos de nobreza
Em regimes monárquicos, o mandachuva tem título correspondente ao estatuto que ocupa.

Reino tem rei: o rei da Espanha;
Principado tem príncipe: o príncipe de Mônaco;
Grão-Ducado tem grão-duque: o grão-duque de Luxemburgo;
Sultanato tem sultão: o sultão de Oman.

E emirado, como é que fica? Ora, emirado tem emir, como o emir de Abu Dabi.

Falando no diabo, aparece o rabo. Senhor Doria, filho do criador do Dia dos Namorados, exerce atualmente a função de prefeito de São Paulo. Encontra-se estes dias nos Emirados Árabes negociando a participação de capitais da região no financiamento de melhoramentos na capital paulista. Em entrevista, disse hoje que se encontrou com o «rei» de Abu Dabi. Escorregou. O pequeno país não é reino, mas emirado. O alcaide visitou o emir.

Como se escolhem os ministros

Era uma vez um rei que queria ir à pesca. Chamou seu ministro de Meteorologia e pediu-lhe a previsão do tempo para as horas seguintes. O ministro assegurou-lhe que não ia chover.

No caminho, o rei encontrou um camponês montado num burro. Ao ver o monarca e seus apetrechos de pesca, o campônio achou melhor prevenir:
«É melhor Vossa Majestade regressar ao palácio porque vai chover muito.»

O rei cogitou com seus botões:
«Ora, eu tenho um ministro meteorologista ― por sinal muito bem pago ― que me disse o contrário. Vou mais é seguir em frente». E assim fez.

Burro de carga

Burro de carga

Não deu outra: a chuva torrencial logo veio e arruinou a pescaria. O rei ficou encharcado e apanhou um resfriado. Furioso, voltou ao palácio e, entre dois espirros, demitiu o ministro.

Ato contínuo, mandou chamar o camponês e ofereceu-lhe o cargo. Em sua simplicidade, o homem foi sincero:
«Majestade, não sou político nem entendo nada disso. Só sei é que, quando as orelhas do meu burro estão caídas, é sinal de chuva. Não falha nunca.»

O rei então usou a lógica: nomeou o burro.

Foi assim que teve início o costume de nomear burros que, desde então, têm as posições mais bem pagas no governo.