De atentados

José Horta Manzano

É fácil ser profeta do passado. Acontecido o fato, é cômodo dizer “eu tinha avisado”.

Na esteira dos atentados que têm castigado a Europa ultimamente, muita gente tem aproveitado para emitir críticas. Depois da carnificina de Berlim, tenho ouvido comentários injustos. Até respeitados analistas vêm censurando a Alemanha por não se ter premunido contra camicases e atacantes. «Onde está a proverbial eficiência alemã? Deviam ter protegido melhor os frequentadores da feira berlinense!» É, falar é fácil.

feirinha-1Feiras natalinas são manifestações de rua tradicionais na Europa do norte, mas não só. Nesta época, são montadas por toda parte. Para se ter uma ideia de como são populares, leve-se em conta que, somente em Berlim contam-se quase sessenta feiras. Na Alemanha inteira, são muitas centenas. O mesmo acontece na França, na Suíça, na Áustria, assim como nos países escandinavos, nos Países Baixos e até na Europa mediterrânea. As barraquinhas oferecem sortimento variado: comes e bebes, artigos de Natal, artesanato, obras de artistas desconhecidos, roupas, tricô, crochê e muita coisa mais.

Prevenir atentado é tarefa impossível. Não se pode pôr um segurança ou um policial protegendo cada cidadão. É ilusório imaginar soluções miraculosas. Haverá sempre uma brecha para um coquetel molotov, uma rajada de Kalashnikov, um camicase com cintura de explosivo, um atropelamento múltiplo. Quando se sabe que um único indivíduo ‒ um «lobo solitário» ‒ pode causar estrago pesado agindo praticamente desarmado, a gente se sente indefeso. Com razão.

feirinha-2Até certo ponto, pode-se reforçar a segurança de aeroportos e estações ferroviárias, que são lugares confinados. Pórticos de detecção de metais, policiamento ostensivo, controles inopinados, câmeras de vigilância não eliminam todo risco, mas ajudam. Já nas ruas, em feirinhas, em grandes lojas, em centros comerciais, em igrejas, nunca se alcançará proteção total. O atentado de Berlim, infelizmente, não foi o último.

Sobra um (magro) consolo: tudo acaba passando. A história é feita de ciclos, de altos e baixos, de vaivéns, de tempestades e bonanças. Durante os anos 70 e 80, sequestros de avião eram praga mundial. Não passava uma semana sem avião desviado. Hoje, já não se ouve mais falar. O dia chegará em que atentados às cegas, como os atuais, serão apenas amarga lembrança.

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Nota linguística
Os alemães chamam essas manifestações de Weihnachtsmarkt. Os franceses dizem Marché de Noël. Os espanhóis dizem Mercado (mercadillo) navideño, enquanto os italianos preferem Mercatino di Natale. Os suecos dizem Julmarknad. Ainda que adaptada ao espírito de cada língua, todas as expressões empregam a raiz mercado.

Alguns jornalistas se deixam contaminar pelo original estrangeiro e traduzem por «Mercado de Natal». Não me parece apropriado. Mercado, para nós, é outra coisa. Nossa expressão «Feirinha de Natal» é mais adequada.

Aqui vivo, aqui voto

José Horta Manzano

Urna 7A notícia, de escasso interesse para a imensa maioria, foi dada pelo Estadão, mas passou praticamente despercebida.

Em janeiro passado, quando sua aura ainda guardava um restinho de brilho, o Lula deu uma passeada numa feira típica promovida pela comunidade boliviana. Subiu ao palanque, discursou, e, como ainda costumava acontecer naquela época, foi afagado pelo mestre de cerimônias da quermesse. Foi agraciado com epítetos tais como «migrante mais famoso do Brasil» e «pai da integração social da América Latina(!)». Pra você ver.

Entre uma empanada salteña e outra, um atônito Lula ouviu um coro com inusitada reivindicação: «Aquí vivo, aquí voto!». Não precisou traduzir. Nesse momento, um membro da corte que acompanhava o antigo presidente precipitou-se ao microfone para reafirmar que, se a integração das Américas não avançava, a culpa era «do preconceito das elites». Naturalmente.

Urna 5O Lula comeu empanadas, aceitou mais algumas ‘pra viagem’, foi-se embora. E tudo ficou por isso mesmo.

Por duas razões, o pedido dos bolivianos caiu no vazio. Primeiro, porque foi feito a um personagem já arredado do poder. Segundo, porque, com tantas questões mais prementes, o assunto periga permanecer em banho-maria por décadas.

Pois este blogueiro – que é do ramo – ficou sensibilizado com o assunto. Concordo com os bolivianos. No meu entender, é justo e desejável que estrangeiros votem no país em que se tiverem estabelecido.

Mas, atenção! Não é ir chegando e já se ir tornando eleitor – o caminho não é esse. O direito deveria ser concedido a estrangeiros estabelecidos há um determinado número de anos, cinco ou sete, por exemplo. Teriam também de provar não ter nome sujo na praça, nem nas finanças, nem na justiça.

urna 4Governantes são escolhidos para conduzir uma comunidade, não uma nacionalidade. É compreensível e desejável que estrangeiros estabelecidos há muitos anos no Brasil participem da escolha de governantes. É excelente empurrão para a integração.

Por que não se naturalizam então? – pode algum distinto leitor se perguntar. A Constituição de 1988, dita ‘cidadã’, determina que a naturalização somente seja concedida a estrangeiros que tenham vivido pelo menos 15 anos no Brasil. É muito tempo, daí a utilidade de expandir o direito de voto a estrangeiros que preencham as condições determinadas em lei.

Frase do dia — 131

«Tra favelas in rivolta, scioperi della polizia e infrastrutture inesistenti, la kermesse del pallone potrebbe finire con il mostrare il volto del Brasile che l’Occidente ha voluto dimenticare nella fretta di trovare un posto in cui riversare capitali e speranze.»

«Entre favelas conflagradas, greve na polícia e infraestrutura inexistente, a quermesse do futebol poderia acabar mostrando a imagem do Brasil que o Ocidente quis ignorar na pressa de encontrar um refúgio onde investir capital e esperança.»

Gea Scancarello, do diário italiano Lettera 43em reportagem publicada em 25 abril 2014.