Avaliação

by Lezio Júnior, desenhista paulista

José Horta Manzano

Em numerosos momentos da vida, a gente é obrigado a provar que está apto para ser admitido em determinado círculo ou confraria. Em meu caso pessoal, a lembrança mais antiga que me ocorre é a da primeira comunhão. Antes de subir ao altar para abrir a boca e receber a hóstia, era preciso seguir um cursinho preparatório, que a gente chamava de Catecismo. Sem isso, nada de festa, nada de mesa de doces, nada de foto de fotógrafo e, principalmente, nada de hóstia.

Depois dessa, em muitas outras ocasiões tive, como qualquer cidadão, de demonstrar que estava preparado para a empreitada. Quem quer entrar na faculdade tem de ser aprovado num exame, seja qual for o nome que lhe atribuírem: Enem, vestibular ou outro. No mundo todo é assim. Curso superior não recebe qualquer um. O postulante tem de ser aprovado, seja pelo currículo escolar, seja por um exame de entrada.

Para assumir um emprego, o ritual é o mesmo. Currículo, entrevista, avaliação. Quer o processo se desenrole à antiga, com currículo batido à máquina em papel almaço e entrevistador cara a cara, quer decorra em modo covid, com troca de emails e entrevista por skype, o negócio é o mesmo: todo candidato entra num funil que só vai deixar passar os melhores.

E assim por diante. Candidatos a uma imigração, a um visto consular, a uma naturalização, a uma bolsa de estudos, a uma promoção passam necessariamente por uma seleção em que serão avaliados. Na hora de tirar carteira de motorista, por exemplo, ninguém escapa de passar pelo exame.

Já disse isso em outras ocasiões, mas quero repetir aqui. Digamos que o distinto leitor queira se candidatar a um emprego, seja ele de doutor ou de operário. Nenhum empregador o acolherá assim, de mão beijada, sem verificar sua aptidão para o cargo. Esse ritual não espanta ninguém. Todos nós o encaramos com naturalidade.

A cada quatro anos, é hora de escolher o presidente da República. A lei especifica certas condições para se candidatar. Idade, nacionalidade, filiação partidária estão entre elas. Mas não há nada que lembre, nem de perto nem de longe, um exame básico de avaliação, nem que fosse pra verificar se o indivíduo bate bem da bola.

Assim, quem pretende dirigir um Renault Kwid tem de passar obrigatoriamente por um exame de avaliação que ateste sua aptidão pra não sair por aí dando trombada e ameaçando a vida dos outros. No entanto, aquele que pretende dirigir o Brasil pode se candidatar sem problema, sem exame, sem avaliação. Se eleito (por um povo que não teve como avaliar sua aptidão), estará livre pra sair por aí dando trombada em Deus e o mundo e ameaçando a vida da população.

Esses problemas, que parecem piada, ocorreram na era Bolsonaro. O capitão saiu dando trombada e entrou em colisão com a China, a França, a Alemanha, a Noruega, a Argentina, o Chile, os países árabes. Com seu negacionismo destrambelhado, ainda ameaçou a vida da população brasileira. Aliás, não só ameaçou: executou a ameaça.

Até ontem, a instauração de um exame de avaliação de candidatos à Presidência da República podia parecer ideia de maluco, um atentado contra os costumes da República, uma exigência estapafúrdia e inútil. Agora, depois do furacão bolsonárico, tornou-se necessidade tangível.

Suas Excelências têm a obrigação urgente de completar a legislação. O futuro da nação não pode continuar desprotegido, refém do próximo populista desequilibrado que aparecer na esquina.

Uma prova de aptidão tem de ser exigida de todos os que se candidatarem a dirigir os 212 milhões de brasileiros. Pelo menos uma avaliação de saúde mental levada a cabo por um colégio de doutores qualificados.

Se tivéssemos tido um dispositivo desse tipo, o país não estaria sendo destruído por um destrambelhado. O Brasil não aguenta outro Bolsonaro.

Os exames do presidente

José Horta Manzano

A divulgação dos exames que o presidente fez para detectar coronavírus desconforta os brasileiros aflitos. Responde a dúvidas, mas leva a reflexões.

Era verdade
Já em março, este blogueiro tinha levantado a hipótese de que doutor Bolsonaro pudesse ter sido infectado pelo vírus e que, após ingerir comprimidos de Plaquinol (=cloroquina), estivesse atribuindo sua cura a essa molécula. O esperneio destas últimas semanas confirma amplamente a hipótese, se não da cloroquina, pelo menos da contaminação. Tivessem os testes de março dado resultado negativo, teriam sido publicados imediatamente. E com orgulho de “atleta” invulnerável. Não vieram a público então, o que nos permite duvidar da veracidade dos que acabam de sair. Quem é que já não viu atestado falso assinado por médico de verdade? Quando é para o presidente, então, deve ter fila pra assinar.

Numeração
Uma semana atrás, escrevi um artigo sobre a estranha propensão presidencial de numerar as pessoas de seu entorno. Considerando que seus quatro filhos homens já ocupam as primeiras posições (01, 02, 03 e 04), eu estava curioso de saber que número o doutor teria reservado para si. Seria talvez 00? Não era. O teste do coronavírus (que ele jura ter dado negativo) revela que o capitão, como bom chefe de clã, põe os filhos à frente. Um dos laudos foi feito sob o “codinome” 05. Brasil acima de tudo e a famiglia acima de todos! –, que ninguém é trouxa.

O Estadão não hesitou: mandou brasa.

Sinônimos?
Palavras parecidas nem sempre são perfeitamente sinônimas. Há várias maneiras de designar um nome inventado. Pode ser pseudônimo, apelido, alcunha, apodo, nick – sem contar variedades eruditas como heterônimo, epíteto, cognome, alônimo, criptônimo ou o assustador onomatópose. Há ainda o curioso codinome, cunhado a partir do inglês code + name = nome de código. Cada falante escolhe as palavras que prefere, mas é bom tomar cuidado com codinome. Nos anos 1970, esse termo estava muito em voga pra designar terroristas. De doutora Dilma, afirma-se ter usado diferentes codinomes, entre eles Wanda e Iolanda. Se puder evitar, evite. A menos que esteja se referindo a organização criminosa. (Há quem jure haver uma, instalada no Planalto.)

Psicotécnico

José Horta Manzano

Como eu, o distinto leitor deve, estes últimos tempos, ter a sensação de estarmos sendo dirigidos por dementes. As insanidades proferidas e cometidas por ocupantes de altos cargos da administração demonstram a absoluta necessidade de esses funcionários enfrentarem um exame de sanidade mental antes de tomar de posse do cargo.

Não é brincadeira. De loucos, o mundo está cheio; só que ninguém quer desequilibrados no comando de postos importantes. Alguém entraria num avião cujo piloto fosse destrambelhado? Não, evidentemente! E por que é que nós nos deixaríamos conduzir por um presidente perturbado? E por que entregaríamos a chefia da PGR ou do MPF a gente desregulada? Por que ceder uma poltrona no STF a um ministro maluco? Uma decisão descontrolada de um deles pode trazer consequências dramáticas ao país inteiro.

Acredito que uma aferição de equilíbrio emocional deveria ser exigida de cada um desses personagens antes de assumirem o posto. No caso de cargo eletivo, é complicado pedir o exame depois da eleição. Pra remediar, só resta um caminho: o exame de sanidade mental tem de figurar entre os quesitos exigidos para registro de candidatura.

Essa providência não nos garantirá governantes excelentes. Mas, pelo menos, deverá nos proteger contra a subida de tantãs a cargos de responsabilidade.

Exame para presidente

José Horta Manzano

Quando a gente escreve muito, não tem jeito, acaba se repetindo. Bom, tem uma coisa. Pra todo observador do mundo, há uma justificativa: escândalos, enormidades e bizarrices se repetem. Não passa um dia sem alguém voltar a dizer a mesma besteira, cometer a mesma asneira, tropeçar na mesma pedra. Assim é, não há como mudar. Vamos agora ao que interessa.

Será que o distinto leitor confiaria sua saúde aos cuidados de um indivíduo não formado, que não tivesse, pendurado na parede do consultório, diploma de habilitação para a profissão? Contrataria para defendê-lo no tribunal, numa causa cabeluda, um sujeito que não tivesse concluído uma faculdade de direito? Deixaria alguém que não tivesse cursado engenharia ou arquitetura construir seu sobrado? A resposta a todas essas perguntas é, sem dúvida, um sonoro não.

Pra dirigir um simples automóvel, a lei exige do condutor que tenha tido sucesso no exame de habilitação. Enfermeiro tem de ter estudo e diploma. Até para funções mais simples como faxineiro, vigia e operador de empilhadeira, exigem-se experiência anterior e referências.

Agora reflita um instante e diga-me se não é uma irresponsabilidade confiar o cargo mais importante do país – a Presidência da República – a alguém que não estudou para isso nem deu prova de estar preparado pra exercer o cargo. Em linguagem imaginária, pode-se dizer que essa pessoa vai dirigir o Brasil sem ter carteira de habilitação. Que vai cuidar dos males do país sem ter conhecimentos médicos. Que vai construir o futuro da nação sem a menor noção de engenharia. É loucura ou não é?

A meu ver, o voto de sei lá quantos milhões de eleitores não basta. Pra complicar, o voto no Brasil é obrigatório, fato que arranha a legitimidade do pleito. Quantos votaram por convicção e quantos compareceram unicamente pra não levar multa? Ninguém sabe. Seja como for, não são três ou quatro debates mambembes e engessados que permitem conhecer profundamente cada candidato.

Acredito que a Constituição deveria aumentar as exigências para os candidatos a presidente. Ser brasileiro nato e ter 35 anos é muito pouco. Tinham de enfrentar um exame, exatamente como qualquer brasileiro que pleiteia um emprego ou um diploma. Exame escrito e oral. Teriam de demonstrar que, além de serem alfabetizados, têm conhecimento básico de como funcionam as instituições, de como o Brasil se posiciona em meio às demais nações. Tinham de mostrar noções básicas de Geografia e História. Não me refiro a detalhes pontudos, falo de noções básicas.

Uma prova teria de ser exigida também de candidatos a outros cargos eletivos, mormente senadores e deputados federais. Um exame bem estruturado nos teria evitado os palhaços (profissionais e virtuais) que aparecem vez por outra. Um Lula, uma Dilma e um Bolsonaro não teriam como passar pela prova. A ausência desse trio infernal na chefia do Executivo teria evitado graves problemas que nos castigam agora e que continuarão a infernizar gerações inteiras de brasileiros.

Os prejudicados pela incapacidade de nossos dirigentes somos nós e nossos compatriotas inocentes. Estamos todos pagando caro pela incapacidade (apimentada pela má-fé) de dirigentes, indivíduos que bem podiam estar fazendo outra coisa na vida em vez de afundar o país.

The bac is back!

José Horta Manzano

Como todos os anos, a estudantada francesa está em efervescência. É época do «bac», que equivale a nosso Enem. «Bac» é redução de baccalauréat, o nome completo. Encolhido a uma sílaba só, o exame parece menos assustador, torna-se quase amigo íntimo. Isso deve servir pra esconjurar o pânico.

Nesta época, a mídia dá conselhos aos candidatos. Evitar comida pesada, não tomar calmante, não varar a noite estudando de última hora, tomar café da manhã antes de sair de casa (ou, se o nervoso tiver causado enjoo, tomar pelo menos um chá com açúcar e levar um lanchinho pra mais tarde). Chegar ao local da prova com boa antecedência. São recomendações de bom senso.

A estranha palavra baccalauréat formou-se no latim medieval. Naquela época, era o nome da primeira distinção concedida pelas universidades de Teologia, de Medicina e de Direito. Na composição do termo, é evidente a influência de laureare (=oferecer ao homenageado uma coroa de folhas de louro). Acredita-se que a primeira parte da palavra venha de bacca (=designação comum a certas frutinhas silvestres). Portanto, baccalaureatus é aquele que recebeu a coroa de louros. Note-se que a forma latina bacca deu, em português, bago e baga.

No país de Voltaire, Sartre, Montesquieu e Raymond Aron, a Filosofia ocupa lugar de destaque. As provas do ‘bac’ sempre começam por essa disciplina. Todos os candidatos têm de passar por ela, embora o peso atribuído varie conforme a carreira. Tem peso maior para os que escolheram Letras. Mas até os que se propõem a fazer estudos científicos têm de enfrentar a ‘filô’.

E a prova de ‘filô’ foi hoje. Não sei como anda o nível do Enem, mas é de constatar que o “bac” francês mantém padrão elevado. Aqui estão os temas de Filosofia correspondentes a cada carreira. O candidato pode escolher entre duas proposições e tem quatro horas pra bolar uma dissertação.

Carreira científica
Tema 1
A pluralidade de culturas é nociva à unidade da humanidade?

Tema 2
Reconhecer seus deveres significa renunciar à própria liberdade?

Carreira econômico-social
Tema 1
A moral é a melhor das políticas?

Tema 2
O trabalho divide os homens?

Carreira literária
Tema 1
É possível fugir ao tempo?

Tema 2
Vale a pena explicar uma obra de arte?

Pronto. Celular desligado, o distinto leitor dispõe de quatro horas pra produzir sua obra-prima. Em francês, s’il vous plaît.

ET
A palavra “baccalauréat” pertence à família que deu o inglês bachelor e nosso familiar bacharel – todos eles bambambãs em Filosofia, naturalmente.

Jovem demais pra estudar

José Horta Manzano

Não sou especialista em Educação, razão pela qual talvez algum aspecto importante do assunto me escape. Saiu estes dias a notícia de que o STF mantém a decisão de estipular idade mínima para uma criança se matricular no ensino fundamental. Para entrar na escola, é preciso ter completado 6 aninhos até o dia 31 de março.

Pra dizer a verdade, até que a legislação está mais liberal do que costumava ser antigamente. Quando estudei, o fundamental se chamava primário. Nenhum pequerrucho com menos de 7 anos podia entrar no primeiro ano. Os guris de 6 anos só podiam ser matriculados se completassem o sétimo ano até 30 de junho. Se não, nada feito.

Fico a matutar. De onde vem a necessidade de limitar ‒ para mais ou para menos, pouco importa ‒ a idade de matrícula num curso? Suponhamos uma criança de desenvolvimento mental precoce. Suponhamos que só complete 6 anos alguns meses depois do limite legal. É justo e normal que seja privada de entrar na escola fundamental, perdendo assim um ano? O mesmo raciocínio vale para os que estiverem atrasados. Nenhuma criança deve ser impedida de assistir às aulas, independentemente da idade.

Se o distinto leitor puder trazer algum subsídio pra vitaminar o raciocínio, ficarei feliz de ler. O espaço de comentários está a seu dispor.

Só pra ilustrar minha perplexidade quanto às regras brasileiras, lembro o exemplo do baccalauréat francês ‒ o Enem deles ‒, certificado de fim de estudos bastante prestigiado na França. Lá o povo se divide entre os que têm o «bac» e os que não o têm. Pra pleitear vaga na universidade, é obrigatório.

Todos os anos, lá pelo mês de junho, os exames do «bac» se tornam assunto nacional. Em cada esquina, só se fala nisso. Como no Brasil, aparecem as histórias tristes dos que perderam a hora ou dos que adoeceram ou sofreram acidente no dia da prova de Filosofia (a mais importante). Tem gente que entra até de maca na sala de exame.

Por seu lado, surgem também as curiosidades. Tem sempre aquele que tirou nota máxima em três ou quatro disciplinas, coisa rara. Fica-se sabendo que o mais jovem dos aprovados tinha apenas 13 ou 14 aninhos. E que o mais velho tinha 75. Não há limite de idade pra concorrer.

Com o diploma no bolso, o rapazote de 14 anos pode até se candidatar a uma vaga numa faculdade qualquer. Se seu currículo for aceito, vai se tornar universitário. Em toda legalidade. Ninguém vê escândalo nisso. Por que é que no Brasil impõem limite de idade pra começar a estudar?

Le bac

José Horta Manzano

Para aliviar o peso habitual de toda segunda-feira, uma historinha leve. Ou «leviana», como dizem muitos na minha terra.

Como sabem meus cultos e distintos leitores, as estações do ano na Europa ‒ e em todo o Hemisfério Norte ‒ são invertidas em relação às nossas. Justamente agora, quando o friozinho faz as primeiras incursões no sul do Brasil prenunciando o inverno, é época de calorão na parte de cima do mapa-múndi.

Como o ano escolar começa em setembro e termina em junho, as férias de verão caem em julho e agosto, e estamos em época de exames de fim de ano. Na França, o coroamento do ensino médio é representado pelo «baccalauréat», familiarmente conhecido como «bac», análogo a nosso Enem. É época um tanto angustiante para os candidatos.

Semana passada, um jovem automobilista foi parado pela polícia por estar dirigindo a 125km/h num trecho onde a velocidade máxima permitida era de 80km/h. Excesso tão grande resulta em apreensão imediata da carteira de habilitação, o que foi feito na hora. Por mais que se lamentasse e implorasse, nosso estudante foi impedido de continuar dirigindo.

Acontece que ele se encaminhava para o local de exame. E já estava atrasado, daí a velocidade excessiva. Aflito, explicou aos policiais que perigava perder um ano de estudos. Um dos agentes, condoído da sorte do rapaz, tomou uma decisão inusitada. Não devolvia a carteira ao moço, que isso a lei não permite. Mas prontificou-se a levá-lo até o local da prova. Na viatura policial.

O estudante pôde, assim, chegar a tempo de prestar exame. Dias depois, a família do jovem escreveu carta de agradecimento à polícia, o que deve ter rendido anotação elogiosa no prontuário do policial camarada. Não se ficou sabendo se o candidato passou no exame, mas essa já é uma outra história.

Pensa que é só aí?

José Horta Manzano

A Suíça é conhecida por várias particularidades ‒ todas boas, em princípio. Tranquilidade, honestidade, qualidade de vida são conceitos que distinguem este país. A excelência da hotelaria é proverbial: numerosos cinco estrelas ao redor do planeta fazem questão de que o diretor tenha sido formado por escola suíça. Se o profissional for suíço, então, melhor ainda.

Escola 4Ensino superior é outra área em que o país é respeitado. Famílias abastadas do mundo inteiro mandam filhos estudar na Suíça. Há estabelecimentos para todos os gostos, desde escola elementar até ensino altamente especializado. Sem esquecer os institutos que preparam moçoilas para tornar-se futuras socialites ‒ não estou brincando, é a pura verdade.

Uma curiosidade: Kim Jong-un, atual ditador da Coreia do Norte, passou quatro anos da adolescência numa escola suíça em Berna. Para não dar na vista, foi inscrito sob nome falso. Dizem que era bom em Matemática e que adorava basquetebol.

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Situada em Genebra, a Escola Superior de Gestão (Haute école de gestion) faz parte do seleto clube de estabelecimentos de ensino mundialmente renomados. Forma ‘Bachelors of Science’ e ‘Masters of Science’. Este 21 jan° era dia de prova de fim de semestre.

Assim que receberam as folhas de exame com as questões impressas, os alunos descobriram, incrédulos, que a última página trazia todas as respostas. Tratava-se de um erro de impressão, naturalmente. Os documentos não tinham sido previamente conferidos. Em todo caso, o mal estava feito. Depois de poucos minutos, os responsáveis decidiram suspender e anular a prova.

Exame 2O problema é que amanhã é o último dia do semestre. Muitos alunos já reservaram passagem para viajar. Que fazer? Convocar todos durante as férias não seria justo.

A solução foi encontrada. Amanhã, sexta-feira, às 16h, serão todos submetidos ao exame. Com novas questões certamente. É de esperar que, desta vez, as respostas não venham impressas.

Errare humanum est.

Roubos & roubos

José Horta Manzano

Data venia, vou tomar emprestado um dos bordões em que dona Dilma mais se apoia: estou estarrecido! Logo mais, digo por quê.

O Enem, exame nacional unificado nos moldes em que hoje é organizado, não existia quando terminei a escola média. Merenda escolar tampouco havia. E a ninguém viria a ideia de chamar a professora de tia. Os códigos de urbanidade exigiam demonstração de apreço.

Estudante 2Das três diferenças que mencionei, uma foi negativa mas duas assinalam avanço. Não sei se as regras do politicamente correto ensinam a chamar professora de tia. Seja como for, ressinto como familiaridade exagerada ou até como falta de respeito. As outras duas mudanças ‒ Enem e merenda escolar ‒ me parecem passos na boa direção.

Outro dia saíram os resultados da prova de redação do Enem 2015. Mais de cinquenta mil candidatos levaram nota zero. Pronto, chegou a hora de empregar o mote de nossa presidente: é de estarrecer! São dezenas de milhares de postulantes que, ao cabo de uma dúzia de anos de estudo, não conseguem se exprimir por escrito na língua oficial. E tem mais: o total divulgado não inclui os que, embora tenham comparecido, devolveram uma folha em branco.

Estudante 4As copiosas roubalheiras que nos vêm empobrecendo têm, em teoria, solução. Controles mais severos do dinheiro que passa de mão em mão tendem a cercear a malandragem. O iletrismo ‒ pra não dizer analfabetismo ‒ de jovens que chegam às portas do ensino superior é muitíssimo mais grave.

Para complementar a informação, constato que 75% dos candidatos ‒ três em cada quatro ‒ não passou de 60% de aproveitamento. Refiro-me aos que obtiveram menos de 600 pontos, marca sofrível.

Assalto à Petrobás e a outras estatais rouba dinheiro, mas dinheiro se repõe. Já o miserável nível de ensino rouba o futuro de muita gente. É irremediável, não dá pra repor. A Pátria Educadora ainda não está mostrando resultados.

A tragédia da língua portuguesa

Dad Squarisi (*)

Tornou-se lugar-comum falar na baixa qualidade do ensino. Em testes nacionais, comprova-se, ano após ano, o mau desempenho dos alunos, sem domínio das habilidades de ler, escrever e fazer as quatro operações. Em exames internacionais como o Pisa, os estudantes brasileiros figuram na rabeira dos concorrentes.

ExameO Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2013 chama a atenção para o resultado da língua portuguesa. Mais de 5 milhões de jovens se submeteram à avaliação para concluir o ensino médio, entrar em universidade pública, participar de programas de intercâmbio, obter bolsa de financiamento em instituições privadas. No total, 14.715 escolas compõem o ranking.

Pouco mais de um terço (33,87%) obteve nota abaixo de 500 na redação. Foram reprovadas. Levando-se em consideração o desempenho individual, mais da metade dos alunos de 3.900 colégios tiraram nota vermelha. O fracasso na produção de texto implica soma de incompetências. Entre elas, falta de domínio da norma culta; incapacidade de leitura e compreensão de enunciados, de organizar e interpretar informações, de argumentar, de transitar de uma ideia para outra.

AnalfabetoAvaliar a redação vai além de analisar a habilidade de escrever. A língua funciona como pré-requisito para as demais disciplinas. Antes de resolver um problema de matemática, por exemplo, o estudante precisa entender o enunciado. Ele pode até saber o raciocínio para chegar à resposta, mas é incapaz de perceber o que a questão pede. Limitação similar se observa em geografia, história, biologia. O jovem estuda, mas não aprende.

Ele é vítima de uma a escola que não ensina. Currículos desatualizados, material didático de má qualidade, bibliotecas mortas, laboratórios decorativos aliam-se a professores desmotivados e sem a qualificação necessária. Espaços assim funcionam como castigo para rapazes e moças que vivem em universo tecnológico povoado de atividades desafiadoras.

Professora 1Sentar-se calado, um atrás do outro para ouvir o professor que repete o que está nos livros ou copiar matéria do quadro é cena do século 19, quando estabelecimentos preparavam os empregados exigidos pela revolução industrial. Não condiz com a sociedade do conhecimento, que exige profissionais proativos, empreendedores, aptos a responder a desafios com criatividade.

Como chegar lá? O ponto de partida é o professor. A carreira do magistério deve atrair os melhores talentos. Para tanto, além de formação acadêmica, impõe-se carreira top. Os brasileiros ambiciosos devem saber que vale a pena ser docente. Não só pelo salário, mas também pela progressão profissional e pelo respeito da sociedade.

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura. Edita o Blog da Dad.

Aflição, constrangimento e consternação

José Horta Manzano

Há muita gente finória no mundo. Espertalhões não são exclusividade brasileira, longe disso. Volta e meia, vem à tona alguma falcatrua nacional ou internacional. A diferença entre lá e cá é a reação da sociedade quando um malandro é apanhado com a boca na botija.

Povos mais adiantados reservam tratamento mais severo a desvios de conduta, especialmente quando são obra de personagens políticos. A demissão do cargo é a punição primeira, sem contar as sanções que lhe possam suceder.

Blá, blá, blá!

Blá, blá, blá!

No Brasil, sacumé, esses deslizes costumam ser tratados com displicência. Nossa sociedade costuma dar de ombros e isentar de sanções as safadezas, razão pela qual os espíritos se liberam. Comportamentos de valor moral discutível tendem a tornar-se cada dia mais contundentes e mais corriqueiros.

Em julho de 2009, um blogueiro alojado na revista Veja denunciou a desfaçatez de dona Dilma, então candidata à presidência da República. A presidenciável ostentava, em seu muito oficial Currículo Lattes, títulos de mestre e de doutora que não possuía.

Naquela mesma ocasião, Malu Gaspar revelou, na mui séria revista Exame, que o então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, era autor de um «malfeito» de mesmo jaez. Seu currículo oficial, no site do Itamaraty, informava que o chanceler era doutor em Ciência Política por um instituto londrino. Era mentira.

Descobertos os embusteiros, que fim os levou? Longe de ser punida pela empulhação, a presidenciável foi eleita. Está no posto máximo da República até hoje. Quanto ao chanceler, foi designado pela doutora Dilma ― quando esta chegou à presidência ― para chefiar nada menos que o Ministério da Defesa. Está lá até hoje.

Como se vê, na política brasileira, o que parece nem sempre é. Nas altas esferas, além de falsos messias, temos também falsos mestres e falsos doutores. Mas tudo bem, vamos em frente, que a Copa é nossa!

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Aos 71 anos de idade, diplomata de carreira e ministro da República há 10 anos, o doutor Celso Amorim pode ser tachado de tudo, menos de inexperiente. No entanto, nosso prezado ministro tem demonstrado uma candura patética, incompatível com os altos encargos que lhe têm sido confiados.

Durante infindáveis 8 anos, levou a cabo uma política desastrosa que baixou a diplomacia de nosso País a um nível embaraçoso. O tolo ressentimento antiamericano do chanceler, aliado a sua obsessão terceiro-mundista démodée, levou o ingênuo Lula a dar tapinhas nas costas de gente pouco recomendável. Ahmadinejad, Zelaya, os Castros, Chávez, o ditador da Guiné Equatorial, Evo Morales foram alguns deles. Todos gente fina.

Ha, ha, ha! Crédito: Philippe Berry

Ha, ha, ha!
Crédito: Philippe Berry

Para alívio geral da nação, doutora Dilma preferiu confiar ao antigo chanceler o ministério da Defesa. Pelo menos, os desastres passaram a ser menos visíveis do exterior. Infelizmente, continuam no plano interno.

Faz dois dias, o doutor Amorim concedeu entrevista ― é impressionante a apetência que caciques da política brasileira têm para se fazer entrevistar. Do responsável maior pela defesa(!) do País, espera-se, para começar, um certo recato. O ministério que controla as forças armadas tem, no mínimo, de se mostrar discreto. Se há falhas, não convém pô-las sobre a mesa nem expô-las em praça pública.

As décadas de experiência do doutor Amorim ainda não foram suficientes para ensinar-lhe essa verdade básica. A entrevista do ministro está mais para conversa de elevador que para fala de autoridade de elevado escalão. Ele chega a confessar que, tanto no exterior quanto no Brasil, em alguns momentos desconfiou que seu telefone estivesse sendo grampeado. E tudo ficou por isso mesmo, o homem continua sem saber se aconteceu ou não.

É afligente saber que o responsável pela defesa do País não consegue garantir a segurança e a inviolabilidade de seu próprio telefone. É constrangedor vê-lo declarar isso em público. É consternador perceber que continuamos sendo governados por gente presunçosa e incompetente.

Alvíssaras!

José Horta Manzano

Séculos de presença árabe na Península Ibérica deixaram marcas. Visitas tão demoradas não se esquecem assim tão facilmente. O tempo se encarregou de apagar muita coisa, mas a língua tratou de guardar o que lhe pareceu apropriado. Entre milhares de termos, expressões, palavras, uma cai especialmente bem hoje. Alvíssaras!Visages

Os dicionaristas não são uníssonos quanto à origem da expressão. Para o Houaiss, o Aulete e o Priberam, virá do árabe al-bixra ou al-buxra. Para o Aurélio, o termo é descendente de al-basara. Pouco importa. Todos concordam que se trata de uma boa nova. Uma excelente nova!

A notícia, publicada pelo Estadão de 28 de janeiro e repercutida por Exame e pela Veja, é um começo de uma suspeita de uma esperança de um início de um primórdio do advento de uma solução para o gravíssimo problema da concentração urbana que marca o Brasil atual.

A falta de visão ― sempre ela! ― que caracteriza nossos governantes desde Tomé de Souza gerou um filhote bastardo: a falta de planejamento. Bastardo ou legítimo, o fruto não costuma cair muito longe da árvore. Temos aí mais uma prova. Governantes que exercem sua função com a ideia única de enricar e de preservar seu poder não se preocupam em preparar um futuro melhor para seus governados.

O vácuo total de planificação do crescimento populacional de nosso País engendrou uma desorganização na implantação da infraestrutura. Enquanto algumas poucas regiões concentram uma oferta regular de serviços básicos, outras carecem do estrito necessário. O Brasil, potência econômica de que mutos se orgulham, tem ainda municípios sem esgoto, sem água tratada e até sem estrada de acesso. Um desequilíbrio incompreensível. Visível e perigoso.Multidão

A atração que os centros dotados de alguma oferta de serviços tem exercido, ao longo das décadas, é irresistível. O resultado é o inchaço desmedido de algumas concentrações humanas e o despovoamento de territórios inteiros, largados ao deus-dará.

Não é fenômeno exclusivamente brasileiro, longe disso. É característica dos países do Terceiro Mundo, hoje pudicamente chamado de «países em desenvolvimento» ou até, com certo exagero, de «nações emergentes».

A concentração de multidões em espaço exíguo acaba por provocar efeito perverso. Ao invés de se elevar, o nível dos serviços decai. Ao final, o que se vê é um amontoado humano em que uns poucos bem-nascidos ou bem-sucedidos se locomovem em helicóptero, enquanto aos demais resta apinhar-se em sacolejantes e improváveis transportes coletivos. Lentos, ruidosos, desconfortáveis e sobretudo perigosos.

A melhor notícia do dia ― e das últimas semanas ― é a intenção do governo paulista de implantar 400km de linhas férreas radiais regionais, a partir da capital do Estado. Entendamo-nos bem: estamos, por enquanto, na fase das boas intenções. Nada nos garante que o desafogo da região central venha a ser realidade tão já.Multidão 2

Assim mesmo, intenção por intenção, essa é das boas. Caso ― digo bem: caso ― se concretize, servirá de exemplo para outras concentrações populacionais por esses brasis afora.

Resta-nos esperar que não esteja longe o dia em que nossas «metrópoles», de que tantos parecem se orgulhar, perderão suas características africanas e se aproximarão de padrões aceitáveis.

Alvíssaras, pois! Pior que está não fica. O resto se vê depois.