Lockdown

José Horta Manzano

Chamada do Correio Braziliense, 26 fev° 2021.

Lockdown 1
Pelo que se pode observar, a imprensa brasileira já dispensa aspas em torno do termo lockdown. Nem em itálico ele vem escrito. É claro sinal de que o recém-chegado foi adotado e já faz parte da família. É gente de casa. Pode ganhar tapinha nas costas e ser chamado por você.

Lockdown é expressão inglesa. Como primeira acepção, pertence à linguagem carcerária. Prisioneiros mal-comportados perigam ser condenados a passar um tempo de castigo, em cela solitária, trancados a chave. É exatamente a situação que traduzimos por confinamento.

Portanto, o lockdown inglês tem perfeita tradução em nossa língua. Mas o som estrangeiro tem um charme irresistível, que fazer? O primeiro usou, o resto copiou.

Lockdown 2
No entanto, para dar nome à proibição de circular durante a noite e a madrugada, a palavra mais adequada não é nem a importada lockdown, nem a nacional confinamento. Quando a ordem é para ficar trancado durante apenas algumas horas, a melhor expressão será: toque de recolher.

Na origem, o toque de recolher era reservado para uso militar. Só se estendia à população em caso de guerra, revolução ou estado de sítio. Mostrando que a pandemia é verdadeiro período de guerra, a expressão foi desempoeirada e trazida à luz do dia. Está em todas as bocas. Cada língua tem seu modo de definir o mesmo dispositivo. Eis alguns exemplos:

Francês: couvre-feu
Ao pé da letra = cobre-fogo. Faz alusão à prática medieval de apagar o braseiro e cobri-lo com cinzas logo antes de ir pr’a cama. Todos os lares faziam isso à mesma hora, chamada ‘hora de cobrir fogo’. A intenção era evitar incêndios.

Inglês: curfew
É a mesmíssima expressão francesa adaptada à fonética inglesa.

Italiano: coprifuoco
Ao pé da letra: cobre-fogo. A expressão segue o modelo francês.

Espanhol: toque de queda
Ao pé da letra: toque do fico (do verbo ficar), o que é bastante explícito.

Alemão: Ausgangssperre
Em alemão, a ordem é cristalina: proibição de saída.

Sueco: utegångsförbud
Como em alemão, a ordem não se discute: proibição de saída.

Russo: комендантский час
Na língua russa, usa-se a saborosa expressão ‘hora do comandante’. Não conheço a origem, mas as duas palavrinhas dão margem a muitas interpretações.

Couvre-feu

José Horta Manzano

Devido ao alastramento da pandemia, 46 milhões de franceses entraram neste 25 de outubro em regime de toque de recolher (couvre-feu) por um período inicial de 6 semanas. Essa medida pesada e excepcional atinge 2/3 da população do país. Entre as 21h e as 6h da manhã, é proibido sair de casa. Umas poucas exceções estão previstas.

Quem tiver de sair, tem de baixar um formulário oficial, preenchê-lo e levar no bolso para mostrar caso seja controlado. Quem for apanhado em infração vai pagar multa de 135 euros (900 reais). A dolorosa sobe a 3750 euros (25.000 reais) em caso de reincidência.

A intenção das autoridades é dupla. Por um lado, buscam reduzir o contágio, inevitável entre frequentadores de bares e outros locais noturnos. Por outro, com a eliminação da circulação noturna de automóveis, acidentes decorrentes do consumo de álcool – comuns entre jovens, em fins de semana – desaparecerão; com isso, leitos hospitalares de reanimação e de UTI estarão liberados e prontos para receber pacientes com covid.

by Bernard Jullien, artista francês

Couvre-feu
Couvre-feu é expressão muito antiga, presente na língua francesa desde os anos 1200. De origem militar, significava o toque de um sino ou de uma corneta informando aos soldados que era hora de voltar para o quartel. Nosso toque de recolher é perfeita tradução.

Com o tempo, a expressão passou a ser também usada fora do círculo militar. No entanto, num mundo civil em que liberdade individual não combina com rigidez disciplinar de quartel, seu uso é raro.  Na França, já houve imposição de toque de recolher em momentos de estado de sítio e também quando o país esteve ocupado, na Segunda Guerra. Fora isso, é a primeira vez.

Hora de inverno
É interessante anotar que, neste domingo 25 de outubro, a Europa atrasou seus relógios e voltou à hora normal, também conhecida como hora de inverno. Agora vai assim até o último domingo de março do ano que vem.