José Horta Manzano
Devido ao alastramento da pandemia, 46 milhões de franceses entraram neste 25 de outubro em regime de toque de recolher (couvre-feu) por um período inicial de 6 semanas. Essa medida pesada e excepcional atinge 2/3 da população do país. Entre as 21h e as 6h da manhã, é proibido sair de casa. Umas poucas exceções estão previstas.
Quem tiver de sair, tem de baixar um formulário oficial, preenchê-lo e levar no bolso para mostrar caso seja controlado. Quem for apanhado em infração vai pagar multa de 135 euros (900 reais). A dolorosa sobe a 3750 euros (25.000 reais) em caso de reincidência.
A intenção das autoridades é dupla. Por um lado, buscam reduzir o contágio, inevitável entre frequentadores de bares e outros locais noturnos. Por outro, com a eliminação da circulação noturna de automóveis, acidentes decorrentes do consumo de álcool – comuns entre jovens, em fins de semana – desaparecerão; com isso, leitos hospitalares de reanimação e de UTI estarão liberados e prontos para receber pacientes com covid.
Couvre-feu
Couvre-feu é expressão muito antiga, presente na língua francesa desde os anos 1200. De origem militar, significava o toque de um sino ou de uma corneta informando aos soldados que era hora de voltar para o quartel. Nosso toque de recolher é perfeita tradução.
Com o tempo, a expressão passou a ser também usada fora do círculo militar. No entanto, num mundo civil em que liberdade individual não combina com rigidez disciplinar de quartel, seu uso é raro. Na França, já houve imposição de toque de recolher em momentos de estado de sítio e também quando o país esteve ocupado, na Segunda Guerra. Fora isso, é a primeira vez.
Hora de inverno
É interessante anotar que, neste domingo 25 de outubro, a Europa atrasou seus relógios e voltou à hora normal, também conhecida como hora de inverno. Agora vai assim até o último domingo de março do ano que vem.
Fiquei intrigada com a tradução literal da expressão ‘couvre-feu’ (cobre-fogo) e fui investigar na Internet. Descobri que esse era o sinal para comunicar que estava na hora de apagar o fogo/as fogueiras ao ar livre e voltar para casa, seja como forma de encerrar o dia de trabalho simplesmente, seja como maneira de evitar que o inimigo atacasse as pessoas durante uma guerra, por visualizarem sua localização do lado de fora – daí sua utilização no âmbito militar. Interessante, não é?
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Deveras.
O italiano traduziu a expressão francesa ipsis litteris: ‘coprifuoco’.
O inglês torceu a boca, não conseguiu pronunciar, e acabou consagrando seu ‘curfew’.
O alemão preferiu ‘Abendglocke’ (sino do fim do dia).
O sueco é bem claro: ‘utegångsförbud’ significa saída proibida.
O espanhol nos surpreende com seu ‘toque de queda’, onde queda não tem a ver com cair, mas com ficar (=quedar); é o toque de ficar.
Para uns para outros, é determinação desagradável, que contraria nossa liberdade de ir e vir. Estamos tão acostumados a essa liberdade, que acreditamos que ela faça parte de nossos ‘direitos adquiridos’. A situação europeia atual prova que não é bem assim.
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