Podendo substabelecer

José Horta Manzano

Alguma vez, o distinto leitor já deve ter passado procuração a alguém. Quando um cidadão dá a outro o poder de representá-lo, é comum o documento exibir, lá no finalzinho, a expressão “podendo substabelecer”. Isso significa que o procurador tem poderes para confiar a terceiros o cumprimento de parte ou até da totalidade do mandato.

Em alguns casos, essa modalidade de procuração é incontornável. Quando a gente dá poderes ao dono de um escritório de advocacia, por exemplo, para nos representar e agir em nosso nome, é bom lembrar que ele pode não ter condições de cumprir física e pessoalmente todos os pontos do mandato. Em determinados casos, a atribuição será estendida a um funcionário do escritório para executar. É o que se chama substabelecer.

Uma informação da semana passada me impressionou. Como todos sabem, o senador Nogueira, chefão do Centrão, foi agraciado com a “vaga” de ministro da Casa Civil da Presidência da República – um posto pra lá de importante, que põe seu titular no coração do poder. Quando se leva em conta que a principal promessa de campanha de Bolsonaro era uma grande faxina para purificar o governo e livrá-lo de todo resquício de corrupção e de fisiologismo, a notícia é impactante.

Mas o que me abalou foi um detalhe que não chegou a ser comentado quanto devia. Diferentemente do que ocorre na França, no Brasil não é possível exercer dois cargos políticos ao mesmo tempo. A lei francesa permite, por exemplo, que um deputado junto à Assembleia Nacional continue sendo prefeito de sua cidade. Muitos e muitos políticos estão nessa situação. Mas no Brasil não pode. O senador Nogueira tem de escolher: ou continua senador e declina o convite para o ministério, ou vai ser ministro e deixa o cargo no Senado.

Até aí, tudo bem. O interessante vem agora. Ao deixar o Senado, senhor Nogueira não se despede definitivamente. Ele apenas “tranca a matrícula”, expressão antiga que não sei se ainda se usa. Faz que vai, mas não vai. E a cereja em cima do bolo vem agora. Para substituir o senador, assumirá a mãe dele! Dona Eliane Nogueira há de ser excelente pessoa; para comprovar, basta observar a criação que proporcionou ao filho – expoente do Centrão não é para qualquer um. O problema não está aí; o esquisito é essa peculiar figura do “suplente”. É curioso que, entra Constituição, sai Constituição, o suplente permanece no nosso ordenamento.

A mim não parece justo nem republicano entregar uma cadeira de senador a um indivíduo que não teve nem um voto. O titular, bem ou mal, recebeu os milhões de votos necessários e tem legitimidade para representar os interesses da população de seu estado. Já o suplente, fruto de mera dedada, representa unicamente os interesses de seu padrinho. O caso dos Nogueiras combina bem com o espírito clânico do atual governo: a troca de cadeiras se faz entre mãe e filho. Em família.

Senador da República é cargo importante demais pra ser exercido por procuração. Para evitar aberrações como essa, seria útil que, se um dia sobrar espaço entre um e outro conchavo, Suas Excelências se debruçassem sobre o problema e debatessem sobre um modo de modificar essa norma cujo efeito é criar senadores biônicos, igualzinho aos tempos da ditadura.

Seria útil se o fizessem, digo eu, mas tenho pouca esperança. Os únicos beneficiários do sistema atual são exatamente eles, os que fazem as leis. E ninguém gosta de serrar o galho onde está sentado.

Sai Cofrinho, entra Cofrinho Jr.

Carlos Brickmann (*)

Chico Rodrigues, DEM, o senador cuja história entrou para os anais, tirou 121 dias de licença do Senado. Assim, a decisão do ministro Barroso – que nome predestinado! – de afastá-lo do cargo por 90 dias foi suspensa pelo próprio ministro, por ter-se tornado desnecessária. Mas o importante nem é isso: é que, licenciando-se por 121 dias, um senador automaticamente passa o cargo ao suplente.

No caso, o suplente é Pedro Arthur Ferreira Rodrigues (DEM), filho de Chico Rodrigues e herdeiro, pelo menos temporário, de seu mandato. E passa a desfrutar das mordomias do cargo. Citando a frase clássica, a família é a base da sociedade. E ninguém, claro, criticará tão belo exemplo de solidariedade entre pai e filho.

A história não termina por aqui. Chico Rodrigues insiste em dizer que o dinheiro localizado no insólito esconderijo era destinado ao pagamento de seus empregados. Vá lá, vá lá, mas que é que pode ocorrer se suas empresas crescerem, graças a seu trabalho e seu tino gerencial, e contratarem mais funcionários? Chico Rodrigues, em vídeo que enviou aos senadores, também diz que, ao enfiar o dinheiro no providencial esconderijo sob suas cuecas, tomou “a decisão mais irracional de sua vida”.

Engano: a decisão mais irracional de sua vida foi candidatar-se; e a dos eleitores, dar-lhe o voto. Mas aceitemos. Só que, quando alguém está prestes a ser preso, costuma mastigar e engolir as provas. Errar o lado do aparelho digestivo é novidade.

(*) Carlos Brickmann é jornalista, consultor de comunicação e colunista.

Plebiscitos & referendos

José Horta Manzano

Várias entidades andam promovendo debates, entrevistas e sabatinas com os candidatos à Presidência. É maneira interessante de conhecer melhor cada um deles. Mais vale ver um candidato responder diretamente do que ler breves tuítes caligrafados com o polegar.

Na série de entrevistas Estadão-Faap, doutor Álvaro Dias foi o entrevistado desta segunda-feira. Quando a conversa rodeou em torno da consulta ao povo, o candidato declarou que o recurso a referendos e plebiscitos «é um aprimoramento do sistema democrático».

Engana-se o doutor. A democracia direta, em que os eleitores são consultados toda vez que se tem de tomar uma decisão, não é aprimoramento, mas a expressão mais elementar desse tipo de organização da sociedade. Foi assim que a democracia nasceu, lá na Grécia antiga. Era um modo de consulta viável, dado o pequeno número de eleitores.

À medida que as cidades cresceram, o sistema se tornou inaplicável. No Brasil, por exemplo, não dá pra reunir 140 milhões de eleitores numa praça e pedir-lhes que votem, levantando o braço, cada projeto de lei.

Landsgemeinde: voto com braço levantado
A prática vigora em pequenas cidades da Suíça
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Eis por que já faz tempo que se inventou a democracia representativa. Dada a impossibilidade de reunir todos em praça pública, os eleitores elegem previamente seus representantes os quais, em seguida, se reúnem no Congresso onde deliberam em nome do povo. Diferentemente do que pensa doutor Dias, a representatividade é que é o verdadeiro aprimoramento do sistema democrático. Plebiscitos são úteis como instrumento auxiliar, a ser usado com moderação.

Nos momentos históricos em que o Congresso representa fielmente a vontade popular, plebiscitos se tornam desnecessários. Quando é preciso recorrer a eles a toda hora, é sinal de que o Parlamento já não reflete a vontade dos eleitores.

No Brasil vota-se com olhos vendados. O sistema proporcional faz que se vote no candidato A e se eleja o candidato B. Além disso, parlamentares que abandonam o mandato são substituídos por suplentes não eleitos. A acumulação dessas distorções resulta num Congresso dissonante, distante do povo e voltado para os interesses pessoais dos próprios integrantes.

No limite, quando o sistema funciona adequadamente, não há necessidade de recorrer a plebiscitos. Seja como for, eles não são um “aprimoramento”, mas uma volta às origens.

Da inutilidade do vice ‒ 3

José Horta Manzano

Volta e meia, novo episódio vem confirmar que, na política, já faz tempo que a figura do vice deixou de ter razão de ser. Que seja vice-presidente, vice-governador, vice-prefeito ou suplente. Na era da comunicação instantânea, não faz sentido.

Na escola, há professoras substitutas. É compreensível. Na ausência da titular, como é que fica? Os pequeninos não podem passar um dia sem alguém para orientá-los. A falta da mestra tem de ser remediada imediatamente. No pronto-socorro, como na escola, há médicos substitutos. Não se pode permitir que a ausência de titulares prive doentes e acidentados de assistência.

Já o Executivo, o Legislativo e o Judiciário funcionam em outro ritmo. Por um lado, decisões coletivas podem ser tomadas ainda que o colegiado não esteja integralmente presente ‒ o que é o caso do Congresso e do STF. Por outro, decisões individuais (do Executivo) podem esperar pela disponibilidade do titular. Se, por urgência, a palavra do chefe for imediatamente necessária, os modernos meios de comunicação estão aí pra garantir o funcionamento da máquina.

Doutor Janot & doutor Gilmar Mendes em vizinhança forçada

Quer um exemplo de decisão tomada na ausência física do titular? Saiu na mídia ontem. Na quinta-feira, doutor Gilmar Mendes viajou à Europa. Como presidente do Superior Tribunal Eleitoral, foi convidado a acompanhar as eleições alemãs deste domingo. Por uma dessas artes que o destino apronta, o ministro embarcou no mesmo voo que doutor Janot, desafeto seu, procurador-geral da República até poucos dias atrás. Pior ainda: viajaram em fileiras contíguas. Passaram dez horas cochilando a metro e meio um do outro.

Já em território europeu, doutor Mendes deu decisão negativa ao pedido de habeas corpus impetrado por aqueles réus de nome simplório e sobrenome pio. Os encarcerados continuam enjaulados. O documento, pra lá de oficial, foi assinado «digitalmente» na data de sexta-feira 22 de setembro, quando o ministro já estava dando entrada na Alemanha.

“Habeas corpus” indeferido por doutor Gilmar Mendes

Está feita a prova de que até ausência física de figurões das altas esferas deixou de ser empecilho para a tomada de decisões urgentes e importantes. Doutor Mendes assinou «digitalmente» complexa decisão de sete laudas, com farta argumentação em juridiquês. O texto deixa evidente que o ministro conta com excelente equipe de juristas. Vice… pra quê?

No fundo, a figura do vice só tem servido pra atrapalhar. Custa um dinheirão e não ajuda. Haja vista o problemão que a investidura de doutor Temer no cargo de presidente da República tem causado. Não tivéssemos vice, já teriam sido convocadas novas eleições e o problema da legitimidade teria sido resolvido há tempos.

Da inutilidade do vice

José Horta Manzano

Das trevas nasce a luz, taí uma evidência. A crise monstruosa que assola o Brasil dá margem a análises contraditórias. Pessimistas podem observar os acontecimentos, espernear, reclamar, acusar e, no final, contentar-se com um remendo aqui, uma medida urgente ali, um «deixa pra lá» e pronto. As labaredas se apagarão, mas as brasas continuarão ardendo por debaixo das cinzas para reavivar-se amanhã, mais fortes ainda. E toda a balbúrdia tomará conta do país exatamente como antes.

É difícil ser otimista neste momento, mas a única saída que nos resta é manter a cabeça fria. A hora é excelente para fazer das tripas coração e forçar mudança radical. Para começar, há que identificar os culpados. Será o presidente? Serão os parlamentares? Quem sabe os empresários? Sim e não, distinto leitor. Se são culpados, é porque o sistema lhes abriu as brechas. É difícil arrombar porta blindada, mas portinhola de madeira compensada não é obstáculo. Nosso sistema político favorece a promiscuidade e incentiva a corrupção.

Que o presidente atualmente em exercício permaneça no cargo, renuncie ou seja destituído pouco adiantará. O sistema e suas práticas perversas continuarão. É chegada a hora de reformular o funcionamento da máquina administrativa nacional. Não vejo saída fora de uma nova Constituição, que venha pôr ordem na impressionante algazarra que se instalou na administração pública.

Há muita coisa a mudar. Para enumerá-las todas, seria preciso um tratado de numerosos tomos. Nem eu nem ninguém é especialista em todas as áreas. Assim mesmo, há distorções evidentes, que saltam aos olhos até do observador menos informado. Por exemplo, questiono a existência dos vices ‒ vice-presidente, vice-governador, vice-prefeito, suplente de parlamentar. Torna-se cada dia mais clara a inutilidade e até a nocividade desse tipo de cargo, que põe gente numa sinistra fila de espera. Como resolver? É simples. Determina-se que, no desaparecimento do titular ‒ que seja por morte, renúncia ou destituição ‒, se convoquem novas eleições. Onde está o grande problema?

Do jeito que está, o vice-presidente carece de legitimidade, justamente por ter sido eleito como um apenso do presidente, em campanha conjunta. No fundo, são duas cabeças de um mesmo corpo. Derrubada uma cabeça, a outra deveria ter sido decepada junto, o que teria evitado muito dissabor. Estamos dando maior importância aos quatro anos de mandato, como se essa fosse uma cadência incontornável, do que à administração do Estado. «Completar o mandato» é conceito absurdo. Ninguém pode “completar” mandato iniciado por outro. Fica a desagradável impressão de que governante só está ali pra cumprir tabela.

Ainda que não se convoque assembleia constituinte, é urgente que a figura do vice desapareça. Uma PEC pode resolver o problema. Se não tivéssemos tido vice-presidente quando doutora Dilma foi destronada, três meses depois teríamos eleito novo presidente, legitimado por voto popular, com um mandato de quatro anos pela frente. Pode até ser que se tornasse um péssimo presidente mas, pelo menos, teria o respaldo do eleitorado.

Vê-se hoje que a subida de doutor Temer ao posto máximo não foi boa solução. Mas nada está perdido, irmãos! Nada é eterno. Leis são feitas pra serem mudadas.

Carreira promissora

José Horta Manzano

Vereadores são, por definição, conselheiros eleitos pelos próprios concidadãos para discutir soluções para problemas do município. O bom senso preconiza que conselheiros municipais sejam os primeiros a seguir leis que eles mesmos debateram, aprovaram e chancelaram.

Em teoria, vivemos num regime democrático. Ninguém é obrigado a se candidatar a cargo público. Se o faz, é porque sente especial vocação para servir à sociedade ‒ pelo menos é o que se espera. Atenção: eu disse «servir à sociedade», não «servir-se da sociedade». A nuance é de importância capital.

Chamada Estadão, 4 mar 2017

Chamada Estadão, 4 mar 2017

O acerto é o seguinte: toda decisão tomada pelo colegiado dos vereadores e promulgada pelo prefeito passa a valer para todos os munícipes e por todos deve ser seguida. Democracia é assim. Ninguém imagina que Mr. Obama tenha entregado a chave do cofre a Mr. Trump com o coração pulando de alegria. No entanto, não havia como escapar: as regras de convivência civilizada são peremptórias.

Dia 14 de fevereiro, a Câmara Municipal do município de São Paulo votou uma lei antipichação. Aprovada por ampla maioria ‒ com oposição unicamente de vereadores filiados ao PSOL ‒, a lei prevê multa de cinco mil reais aos contraventores. Nestes tempos de tuítes e redes sociais, mensagens murais são coisa antediluviana. No entanto…

Poucos dias depois, veio a primeira prisão por desrespeito à lei. Apanhada em flagrante delito, a infratora tem 26 aninhos e é filiada ao PT (partido dito ‘dos trabalhadores’). Note-se que seu partido votou a favor da lei que reprime o vandalismo dos pichadores. Agora, o detalhe picante: a jovem é… suplente de vereador do município paulistano.

A pichadora. Eleita pelo povo.

A pichadora. Eleita pelo povo.

Como se vê, o caminho político da infratora já começa torto: aderiu ao partido que abriga o maior número de afiliados enroscados com a Justiça e, para coroar, contraveio a uma decisão a que ela mesma tinha subscrito.

Estará aí o futuro de nosso infeliz país? Seremos governados, amanhã, por gente que diz um «sim» à vista e às claras para, em seguida, praticar um «não» na calada e à sorrelfa? Aquele que contravém a uma lei votada por ele mesmo comete uma coleção de impropriedades:

demonstra comportamento esquizofrênico;
trai o grupo ao qual optou aderir;
delinque contra a lei.

Pichação interrompida pela chegada da polícia. Crédito: Sousa, SMSU

Pichação interrompida pela chegada da polícia.
Crédito: Sousa, SMSU

A meu ver, não é suficiente aplicar à garota multa de cinco mil reais. Sua situação de «suplente» de vereador complica o caso. O risco de que a moça assuma uma cadeira na Câmara paira sobre a cabeça dos paulistanos como espada de Dâmocles, que pode desabar a qualquer momento e causar estrago. Todo mal tem de ser cortado pela raiz. Vale a pena considerar a possibilidade de cassar-lhe a condição de suplente. Até as próximas eleições, pelo menos, os concidadãos estarão livres do risco de ter a moça na vereança.

Profissão
A moça informa ser estudante de Direito(!), sim, senhor. Não há dúvida: é o processo civilizatório brasileiro em marcha acelerada. O futuro radioso do país está garantido.

De vices e suplentes

José Horta Manzano

Em filme policial, para investigar autoria de homicídio, começa-se pela clássica pergunta: qual o móvel do crime? Quando a vítima era abastada, a desconfiança recai naturalmente sobre o(s) herdeiro(s). É natural. É sabido que a cupidez pode levar ao crime.

Convivência de anos e anos entre possuidor e herdeiro pode ser desgastante. O dono da fortuna tem a incômoda impressão de que o outro não vê a hora de enterrá-lo. O herdeiro, muita vez, se impacienta com a longevidade do outro e pode até deixar transparecer a irritação. É da vida.

Voto 1O que são vices e suplentes? Nada mais que herdeiros presuntivos do titular. Estão ali, na esquina, de tocaia, com cara de quem não quer nada. No entanto, bastou o dono do cargo dar uma brecha, e pronto: lá estão eles aboletados e donos do pedaço. A meu ver, a existência de herdeiro designado cria situação malsã, susceptível de perturbar e até envenenar as relações do dia a dia. Melhor seria que não existissem.

No caso de suplente de deputado, o problema só se desanuviará com a instituição do voto distrital. Quando (e se) for implantado esse sistema, o país será dividido em 513 distritos de população equivalente. Cada circunscrição elegerá, em dois turnos, SEU deputado. O sistema traz grandes vantagens. Cada eleitor saberá quem é o deputado que o representa. O eleito saberá quem são seus eleitores e onde se encontram. E, vantagem suplementar, a figura do suplente desaparecerá.

Caso o deputado seja impedido de continuar a exercer o mandato ‒ seja por morte, renúncia, doença, prisão ou simplesmente por ter assumido outras funções ‒, nova eleição se realizará. O voto será organizado unicamente naquele distrito. O vencedor assumirá a vaga pelo tempo que restar de mandato. Caso um prefeito (ou um governador ou até o presidente) se encontre impossibilitado de continuar no cargo, aplica-se o mesmo sistema. Vota-se de novo e escolhe-se novo titular.

by Jacques Sardat (aka Cled'12), desenhista francês

by Jacques Sardat (aka Cled’12), desenhista francês

O sistema funciona, sem grandes traumas, em numerosos países. Na França, quando Georges Pompidou morreu em pleno exercício da presidência da República, novas eleições foram convocadas. Três meses mais tarde, novo presidente estava eleito para mandato integral.

Se, no Brasil, não tivéssemos vice-presidente da República, o abalo da destituição de Dilma teria incomodado menos. Caída a doutora, nova eleição teria sido convocada. Em três meses, teríamos presidente novinho em folha pronto para dar melhor rumo ao país.

Como resultado das recentes eleições para prefeito, 18 deputados federais devem abandonar o cargo para se tornar alcaides(*). Na Câmara, assumirão suplentes. Teremos assim deputados novos, desconhecidos, que sequer foram eleitos. Tem cabimento?

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Nota etimológica
A palavra alcaide vem da língua árabe. Em nossa língua, é sinônimo de prefeito. No original, significa «o guia», «o chefe da tribo». O termo é utilizado em francês coloquial, sob a forma «caïd» (pronúncia: caíd). Carrega nuance pejorativa e designa o chefe de um bando de malfeitores. No Brasil, assumiu significado menos sinistro. Se bem que…

Eleições gerais?

José Horta Manzano

Um senador baiano acaba de propor que a Constituição seja emendada a fim de fazer coincidir o mandato de todos os eleitos. Fosse aprovada, a PEC eliminaria as eleições a cada dois anos, como ocorre atualmente. Suprapartidária, a proposta arregimentou, logo de cara, 34 senadores a favor, distribuídos num amplo espectro que vai do PSDB ao PT.

A justificativa maior é a diminuição de gastos de campanha, uma economia de escala. Cem mil santinhos impressos não custam o dobro de cinquenta mil. Num mesmo palanque, há lugar para candidatos a diferentes níveis. Coligações partidárias ficariam mais claras ‒ de fato, não faria sentido que coalizões federais e municipais divergissem.

Urna 7Sob um ar de bondade, no entanto, uma armadilha está sendo montada. Suas excelências estão-se aproveitando do atual clamor popular para ajeitar o sistema em benefício próprio. Estão misturando estações. Todos sabem que as finanças nacionais não foram arruinadas por campanhas milionárias, mas pela incompetência no trato da coisa pública e, acima de tudo, pelo extraordinário assalto ao erário.

A proposta do senador, qual emplastro em perna de pau, não vai curar o doente. Reforma bem mais profunda terá de ser feita. A criação de partidos tem de ser de alguma maneira refreada. A representação proporcional dos Estados na Câmara, atualmente distorcida, tem de ser corrigida. As regras de financiamento público de partidos ‒ o famigerado Fundo Partidário ‒ têm de ser repensadas.

Urna transparente

Urna transparente

O vigor de uma democracia mede-se, entre outros parâmetros, pela frequência de eleições e outras votações. Dependesse de mim, faria o inverso: aumentaria a periodicidade das votações.

Instituiria, para começo de conversa, o voto distrital. Acabaria com as bizarras figuras de vices e de suplentes. Quando um eleito ‒ fosse ele vereador, prefeito, deputado, senador, governador ou presidente ‒ não pudesse mais exercer a função, eleição parcial seria convocada.

Urna 2Numa democracia sólida e vigorosa como a França, é assim que se procede. Acreditem, eleição regional não causa trauma nacional. Pelo contrário: quantas mais há, melhor fica. Se, por fatalidade, um deputado falece, organizam-se novas eleições unicamente no distrito que ele representava.

Voto 1Na Suíça, o povo é consultado, em média, quatro vezes por ano. A cada consulta, três, quatro, cinco assuntos costumam ser tratados. Algumas consultas são meramente locais, enquanto outras abrangem o país inteiro. O voto, naturalmente, não é obrigatório. Vota-se majoritariamente por correspondência, duas ou três semanas antes do dia D. De voto eletrônico, ninguém quer ouvir falar.

Num país como o Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes, há de ser possível organizar, sem tropeços, votos parciais e nacionais. É questão de hábito. De todo modo, o preço a pagar pelo vigor democrático é a multiplicação de votos, eleições e consultas ao povo.