Países que mudam de nome

José Horta Manzano

Um país que muda de nome? Não é coisa que se veja todo dia, mas acontece. As razões são várias. Entre elas, o apagamento da lembrança do antigo colonizador ou a adaptação do nome a nova realidade política.

No século 20, a descolonização da África levou à criação de dezenas de países. Alguns deles nem nome tinham. Outros guardaram o que já levavam desde os tempos coloniais. Uns poucos, por razões que lhes são próprias, decidiram mandar a denominação antiga pra lata do lixo e adotar nova.

Com a explosão da União Soviética e da Iugoslávia, surgiram países novos, que não existiam antes como entidades independentes. Não se pode dizer que tenham trocado de nome ‒ simplesmente a denominação subjacente deixou de ser tabu e veio à luz.

Aqui vai um elenco de países que realmente trocaram de nome.

Alto Volta
O nome vinha do tempo dos descobridores portugueses. Não se sabe bem por que razão, os lusos deram à embocadura de um grande curso d’água o nome de Rio da Volta. Pode ser que pensassem na volta pra casa. Pode ser também que se referissem simplesmente a uma das voltas do rio. Navegando rio acima, chegaram a uma região à qual deram o nome de Alto Volta ‒ em oposição ao estuário, o Baixo Volta. O país que ali se constituiu com a descolonização ficou com esse nome. Em 1984, mudaram para Burkina Faso. Para nós, que temos o Alto Amazonas e o Baixo Guandu, o nome antigo soava mais familiar.

Daomé
O Reino do Daomé aparece até em letra de samba. A República do Daomé virou República do Benin faz pouco mais de 40 anos.

Rodésia
Na parte sul do continente africano, ao tempo da colonização britânica, havia duas regiões bem delimitadas cujo nome homenageava o homem político milionário Cecil Rhodes: a Rodésia do Norte e a do Sul. Independentes, os novos países descartaram o nome antigo. A Rodésia do Norte passou a chamar-se Zâmbia. E a Rodésia do Sul é o atual Zimbábue.

Bechuanaland
Situado ao norte da atual África do Sul, estava um protetorado britânico chamado Bechuanaland ‒ a terra dos Tsuanas, um grupo étnico local. Com a independência, desfizeram a anglicização do nome para aproximá-lo da pronúncia local. A forma britânica bechuana deu lugar ao atual Botsuana.

Congo Belga
O Congo Belga, imenso território equatorial africano quase tão grande quanto a Argentina, não era colônia do Estado Belga, mas propriedade pessoal do rei da Bélgica. Essa condição, no século 21, parece alucinante. Na época, ninguém se escandalizava. Com a descolonização, o país adotou o nome de Zaíre, que é o aportuguesamento de uma palavra local que significa rio. Guardou essa denominação até que o longevo ditador Mobutu se foi, em 1997. Após a morte do mandachuva, o nome tradicional ‒ Congo ‒ foi restabelecido. Esse país teve três nomes diferentes em menos de 50 anos.

Guiana Inglesa e Guiana Holandesa
Até os anos 1950, na fronteira norte no Brasil, havia três Guianas: a inglesa, a holandesa e a francesa. Na onda de descolonizações dos anos 1960, a inglesa e a holandesa viraram países independentes. A antiga Guiana Holandesa é o Suriname. A Guiana Inglesa adotou o originalíssimo nome de… Guiana. A francesa é colônia até hoje. Faz fronteira com o Amapá.

Paquistão Oriental
Em 1947, quando a Índia se libertou do domínio inglês, o imenso território foi dividido, por razões de religião, em dois países: a Índia e o Paquistão. Na Índia, ficavam os fiéis do hinduísmo. No Paquistão, os muçulmanos. O problema é que a religião islâmica era predominante em duas regiões, uma a oeste e outra a leste, com a enorme Índia hinduísta no meio. Os britânicos imaginaram que daria certo inventar, para os maometanos, um país dividido em dois. Foi assim que criaram um Paquistão independente mas dividido em dois pedaços. A complicada situação não durou muito. Depois de muita luta, o Paquistão Oriental se separou do irmão ocidental e adotou o nome de Bangladesh.

Ceilão
A Ilha de Ceilão já foi conhecida como Taprobana, aquele lugar fantástico citado n’Os Lusíadas. Em 1972, o nome, de perfume tão exótico, foi mudado para um sem graça e impronunciável Sri Lanka. Desapareceu o antigo nome, aquele que tinha sabor de especiarias orientais.

Birmânia
Burma era a adaptação para a fonética inglesa do nome do país. Em 1989, numa onda de nacionalismo, o governo militar impôs nova transcrição. Onde se lia Burma, passou-se a ler Mianmar. Nem todos seguiram a ordem. A mídia de língua inglesa acompanhou, mas a francesa não. Afinal, o nome antigo não é ofensivo. Birmanie soa melhor.

Estados Unidos do Brasil
Essa é birra minha. Costumo dizer que meu país mudou de nome sem me consultar. Não nasci na República Federativa do Brasil, mas nos Estados Unidos do Brasil. Tenho certidão de nascimento que não me deixa mentir. Não entendo por que razão o regime de governo tem de aparecer colado ao nome do país. Brasil basta, sem mais nada.

Desalinhados

José Horta Manzano

Você sabia?

No começo dos anos 1960, a Guerra Fria comia solta. O mundo, inquieto, temia que, a qualquer momento, a guerra esquentasse. Já à época, as duas superpotências ‒ EUA e União Soviética ‒ tinham arsenal nuclear capaz de aniquilar a humanidade. Vivia-se em tensão permanente.

Alguns países de importância secundária, na intenção de mostrar-se independentes tanto do bloco americano quanto do soviético, agruparam-se. Com o incentivo do Egito de Nasser, da Iugoslávia de Tito e da Índia de Nehru, dezenas de países médios e pequenos juntaram-se ao Movimento dos Não-Alinhados.

Não é fácil conciliar interesses de países díspares e espalhados pelo planeta. O objetivo do grupo nunca foi muito claro. Por exemplo, Cuba, membro fundador, embora se declarasse “não-alinhado”, estava visceralmente ligado ao bloco comunista, liderado pela União Soviética.

Nasser (Egito), Nehru (Índia) e Tito (Iugoslávia) Mentores do Movimento dos Não-Alinhados, 1961

Nasser (Egito), Nehru (Índia) e Tito (Iugoslávia)
Mentores do Movimento dos Não-Alinhados, 1961

Os países africanos, que acabavam de conquistar independência, entraram quase todos para o Movimento. Como a Cuba dos Castros, a maioria deles estava alinhadíssima com a URSS, ainda que alguns mostrassem simpatia pelo bloco ocidental. Resumindo, grande parte dos membros era constituída de não-alinhados pero no mucho.

Com a queda do Muro de Berlim e o desaparecimento da União Soviética, o Movimento dos Não-Alinhados perdeu a razão de existir. No entanto, por razões que a razão nem sempre explica, não foi dissolvido. Continua, firme e forte, a organizar cúpulas a cada dois, três ou quatro anos. Os interesses dos membros continuam tão divergentes como sempre foram, mas… quem se importa com esse detalhe?

Registre-se que o único país europeu a participar do Movimento é a Bielorrúsia. Quanto aos países ibero-americanos, vários integram o grupo com a notável exceção das três maiores economias: Brasil, México e Argentina. Praticamente todos os africanos são membros. Os grandes deste mundo (EUA, China, Japão, União Europeia, Rússia) não participam da encenação.

Nicolas Maduro by Darío Castillejos, desenhista mexicano

Nicolas Maduro
by Darío Castillejos, desenhista mexicano

Que discutem nas reuniões? Que resoluções tomam? Que ideologia seguem? Difícil dizer. Quando se juntam visões de mundo heterogêneas ‒ Timor Leste, Paquistão, Burundi, Equador, Afeganistão, Suriname ‒ entre dezenas de outros ‒ é complicado chegar a alguma espécie de consenso.

Mas a vida segue e o Movimento dos Não-Alinhados sobrevive. A Venezuela, mergulhada no caos político e econômico, está recebendo a reunião de cúpula de 2016 do clube dos não-alinhados.

Que um país que não consegue alimentar o próprio povo acolha autoridades de mais de cem países ‒ sem contar as respectivas comitivas ‒ é decisão singular. O tiranete Nicolás Maduro há de ter esperança de que a festa distraia, por um momento, o ronco das barrigas vazias dos infelizes venezuelanos.

Tamanho não é documento

José Horta Manzano

A necessidade de aproximação entre países europeus se fez sentir sobre as cinzas fumegantes da Segunda Guerra. Para evitar que nova catástrofe sobreviesse, era urgente enquadrar a Alemanha. Era melhor não bobear. Se nada fosse feito, nova perigava estourar logo logo.

O embrião da atual União Europeia surgiu já no início dos anos 50, com a Ceca – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. São as matérias primas essenciais para fabricar armas e tanques. Controlar essa indústria em conjunto era boa vacina contra surpresas bélicas.

Em 1957, o Tratado de Roma fundou o Mercado Comum. Seis eram os países-membros: a Alemanha (naturalmente), a França, a Itália, a Holanda, a Bélgica e Luxemburgo. Embora o peso econômico dos três grandes fosse incomparavelmente superior ao dos demais, o nível de desenvolvimento e o PIB per capita de todos eram equivalentes.

Europa UEQuase vinte anos depois, nos anos 70, a lembrança da guerra já começava a se esfumar. O clube foi admitindo novos sócios. Afastado o espectro de conflitos armados, foi-se firmando a ideia de que quanto maior fosse o número de sócios melhor seria para todos. Sucessivamente, países foram sendo incorporados até chegar aos atuais 28 membros.

No papel, é bonito. O conjunto conta com meio bilhão de habitantes (duas vezes e meia a população brasileira). Em extensão, é o sétimo território no planeta, logo após Brasil e Argentina. Tem o maior PIB mundial – 18 trilhões de euros. Porém…

Na prática, a teoria é outra. Na ânsia de arrebanhar países, privilegiaram a quantidade em detrimento da qualidade. Deu no que deu, um dramático desequilíbrio entre membros.

Enquanto cada um tinha sua moeda, ainda era possível, por meio de desvalorizações, corrigir discrepâncias entre sócios. Depois que se cometeu a loucura de instituir moeda única para economias díspares – deixando a cada país a liberdade de determinar sua própria política monetária – o desastre estava programado. Taí, estourou. O problema grego escancarou a imprudência.

Macarrão 1O Mercosul está seguindo o mesmo caminho temerário. Já emperrado pelas rusgas crônicas entre o Brasil e a Argentina, chamou a Venezuela e agora a Bolívia. Sem contar a Guiana (ex-inglesa) e o Suriname (antiga Guiana Holandesa), que estão à porta, com um pé dentro. Por que não a Mongólia?

Francamente, está armada a receita do cruz-credo. Se o clube já não funcionava com quatro sócios, por que, diabos, funcionará com sete ou oito? Tamanho não é documento. Como dizem os italianos: “Pochi ma buoni, come i maccheroni” – pouco, mas bom, como o macarrão.

Entre cobras e caranguejeiras

José Horta Manzano

Você sabia?

Alguns dias atrás, contei-lhes o caso curioso de um hotel situado exatamente sobre a linha de fronteira entre França e Suíça, situação singular que faz do estabelecimento um caso à parte em matéria de pertencimento nacional.

O Brasil e o Suriname, como sabem meus cultos leitores, são os únicos países americanos a compartilhar fronteira terrestre com a Europa – melhor dizendo, com algum país europeu.

Fronteira seca entre Brasil e França

Fronteira seca entre Brasil e França

De fato, a Guiana Francesa, nossa vizinha de parede, goza do estatuto de território francês ultramarino. É considerada por Paris parte integrante do país, sujeita às mesmas leis, aos mesmos direitos e aos mesmos deveres. Um guianense é tão francês quanto um parisiense ou um marselhês.

Séculos atrás, quando o Brasil começou a tomar forma como nação, a preocupação em demarcar fronteiras tinha caráter essencialmente militar. Cada Estado procurava proteger-se contra invasão de vizinhos.

Hoje a situação é mais complexa. Petróleo, urânio, tungstênio, manganês, lítio e outras preciosidades entraram na sacola de interesses. Convém definir muito certinho onde acaba meu quintal e onde começa o do outro, que é pra evitar confusão.

A fronteira seca entre o Amapá e a Guiana Francesa mede 320 quilômetros. Foi inspecionada pela última vez em 1962, quando se instalaram sete marcos divisórios. Neste meio século, surgiram GPS, drones, helicópteros, aparelhos de precisão, comida desidratada fácil de transportar, mas… a floresta continua lá, inóspita, úmida, impenetrável.

Borne = marco divisório Trijonction = fronteira tríplice

Borne = marco divisório
Trijonction = fronteira tríplice

Paris e Brasília puseram-se de acordo para conferir o trabalho dos anos sessenta. Organizaram uma expedição binacional incluindo legionários, pesquisadores, geógrafos, botanistas e guias. Estão, estes dias, em plena ação. Segundo o último relato, feito pela televisão francesa, já haviam encontrado quatro dos sete marcos divisórios plantados há 52 anos. Faltam três.

Fizeram descobertas surpreendentes, como um rio não repertoriado na última expedição. Ao final da aventura, a linha de fronteira deverá ser corrigida, uns quilômetros mais pra lá, outros mais pra cá.

Nem só de crise político-criminal vive o Brasil. Faz bem à alma saber que outras atividades continuam se desenvolvendo longe de ratazanas políticas e próximas de cobras, aranhas e macacos.

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Quem quiser dar uma espiada na reportagem de cinco minutos da televisão francesa clique aqui.

Lista vermelha

José Horta Manzano

A Interpol é a maior organização policial do planeta. Conta com 190 países-membros. A rapidez com que as gentes se deslocam atualmente torna o papel da polícia internacional cada dia mais importante.

Mas para que um jogo seja bem jogado, é preciso que todos os participantes aceitem ― e cumpram ― as regras estabelecidas. Se ajoelhou, tem de rezar. Mas nem todos são devotos, como se verá a seguir.

O senhor Désiré Delano Bouterse, personagem de reputação sulfurosa mais conhecido como Desi Bouterse(*), é o atual mandachuva do Suriname (antiga Guiana Holandesa, país vizinho ao nosso). O mandarim aparece na lista vermelha de notificações da Interpol entre outros dez mil criminosos procurados.

Itaquera, 12 jun° 2014  -  Tribuna de honra Foto: Eduardo Knapp, FolhaPress

Itaquera, 12 jun° 2014 – Tribuna de honra
Foto: Eduardo Knapp, FolhaPress

Seu crime? Tráfico de droga. Coisa da pesada: uma tonelada e meia de cocaína despachadas para a Holanda e para a Bélgica. Foi condenado à revelia pela Justiça holandesa faz alguns anos.

O homem não é nenhum principiante em caminhos tortuosos. Controla seu país com pulso firme, braço forte, dinheiro a rodo e o indispensável apoio das forças armadas. Frequenta as manchetes desde os anos 80. Já esteve à frente de dois golpes de Estado para tomar as rédeas do país. Presume-se que seja também assassino, embora ainda não tenha sido julgado por esse tipo de crime.

Para esse senhor, o tráfico internacional de droga parece ser negócio de família. Pelo mesmo crime, seu filho foi preso no ano passado no Panamá e extraditado para os EUA. Resultado disso tudo: o senhor Bouterse está obrigado a viver enclausurado em seu pequeno e pobre país, certo?

Não, distinto leitor, não é bem assim. Pessoas influentes que apareçam na lista vermelha da Interpol podem até viajar ao exterior, desde que as autoridades do país de destino garantam que não vão prendê-lo.

Quanto a outros países, não saberia dizer. Mas nosso Brasil, pisando as regras de convivência civilizada entre nações, passa por cima dessas ninharias e acolhe o medalhão procurado pela polícia. Não só acolhe, como lhe reserva um lugar na tribuna de honra ao lado da presidente da República.

Itaquerão, 12 jun° 2014  -  Tribuna de honra Desi Bouterse, mandarim do Suriname

Itaquerão, 12 jun° 2014
Na tribuna de honra, Desi Bouterse, mandarim do Suriname

Na foto acima, tirada quando do jogo de abertura da «Copa das copas», podem-se identificar personalidades cuja presença se justifica: a presidente e o vice-presidente do Brasil, o presidente do Equador, a presidente do Chile, o presidente do Senado Federal, o presidente da Fifa e o da União Europeia de Futebol, o Secretário-Geral da ONU. Gente graúda, de quem se pode gostar ou não, mas que, ao que se saiba, não aparece em lista oficial de bandidos procurados.

No meio de toda essa gente boa, está o senhor Desi Bouterse. Se veio, é porque lhe garantiram que não seria incomodado durante sua estada em terra tupiniquim.

Já se sabe que nosso governo costuma lançar olhar benévolo a criminosos. Arriscar-se, contudo, a permitir que um procurado pela Interpol frequente a tribuna VIP, tome assento a dois metros da presidente da República e seja visto por bilhões de espectadores é temeridade.

Se entendi bem, a «Copa das copas» tinha sido organizada para mostrar ao mundo as grandezas do Brasil, não suas baixezas.

Interligne 18b(*) Pronunciado à holandesa, o nome fica assim: Báuterse.

Nossa elite dirigente

Dilma, Cristina, Evo e Bouterse

Dilma, Cristina, Evo e Bouterse

«Definitivamente, somos o elo perdido que os cientistas tanto procuram para fazer a ligação entre o período jurássico e a era moderna…»

Comentário de um leitor do blogue do jornalista Políbio Braga ao contemplar a foto estampada acima.

Quem quiser saber quem é o presidente do atual Suriname (antiga Guiana Holandesa), não deve deixar de ler o editorial do Estadão de 8 set° 2013. É edificante.

Y ahora, ¿bailamos?

José Horta Manzano

Interligne vertical 4Em sua nota n° 241, o Itamaraty nos informa sobre a reunião de cúpula de chefes de Estado do Mercosul, que se realizou em Montevidéu, dias 11 e 12 de julho de 2013.

Algumas considerações me ocorrem.

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Objetivo
A visão dos que idealizaram e fundaram a união alfandegária certamente alcançava horizontes mais distantes do que os que conseguimos atingir. Desgraçadamente, a ideologia terceiro-mundista fora de moda que impregnou o governo do Brasil estes últimos dez anos gerou uma distorção. Emperrou o bloco.

Chega a ser grotesco o Brasil acusar a Argentina de atrapalhar o funcionamento da organização. Quando se detém 70% de participação numa associação qualquer, tem-se a faca e o queijo na mão. É o caso do Brasil no Mercosul. Se temos cedido aos caprichos de nossos hermanos, é porque assim foi decidido em nossas altas esferas.

Na ânsia de aparecer como «o bonzinho» e na impossibilidade de montar um verdadeiro império à soviética ou à americana, nosso País perde-se em suas ilusões e fica no meio do caminho ― sem condições de avançar, nem coragem de recuar.

Quem pretende liderar tem de saber meter medo nos liderados. Pouco deveria importar que nossos sócios «gostem» do Brasil ou não. O importante é que respeitem o sócio maior. Para aparecer como o «paladino dos pobres», papel sonhado por nossos dirigentes, um país tem de começar por fazer-se respeitar.

Não temos um exército ameaçador. Não dispomos de arsenal nuclear. Não temos sequer nosso próprio satélite de comunicações. Nosso ministro da Defesa(!) confessou outro dia, candidamente, que desconfiava que seu telefone estivesse sendo grampeado. Tudo isso deixa claro que o Brasil é um país fraco, que não amedronta ninguém. Se, além disso, cedermos a todos os caprichos de nossos hermanos, estaremos cada dia mais longe do objetivo.

Um gigante bobão não assusta.Interligne 07

Cúpula da União Europeia Junho 2012

Cúpula da União Europeia
Junho 2012

Números reveladores
Em sua nota oficial, o Itamaraty revela que, embora represente 80% do PIB da América do Sul, o Mercosul responde unicamente por 65% do comércio exterior do subcontinente. Trocando em miúdos, isso significa que os países sul-americanos não membros do Mercosul exportam, proporcionalmente, muito mais que nós. E tudo isso sem união aduaneira e sem reuniões de cúpula. Não é curioso? Pra que mesmo tem servido nossa associação?Interligne 07

Ambiente cordial
O jornal venezuelano El Mundo publica surpreendentes declarações do presidente Mujica, do Uruguai. O dirigente vizinho se lamenta do volume de burocracia e da quantidade de instituições inúteis que regem o Mercosul.

Mujica não tem papas na língua. Diz textualmente que «quando se tem de falar tanto em livre comércio é porque não há livre comércio». Acrescenta que, na atualidade, os dirigentes passam seu tempo «cada um desconfiando do outro e olhando de soslaio para ver se consegue enganar o colega».

O ambiente, como se vê, é de franca amistad y fraternidad.Interligne 07

Clube político
O próprio de uma associação comercial é fomentar o comércio, seja entre os sócios, seja com parceiros de fora. Quando se observa o Mercosul, constata-se que estamos muito longe do objetivo.

O tema dominante da última reunião de cúpula não tem que ver com o comércio, como seria de esperar. Discutiu-se espionagem, ameaça externa, asilo a Snowden ― o delator destrambelhado.

O jornal gaúcho Zero Hora nos informa que, em comunicado conjunto, os sócios «repudiam» a espionagem americana. Os dirigentes da agência americana de segurança nacional não devem ter dormido à noite de tanto medo.

Reunião de condomínio costuma ser mais produtiva.Interligne 07

Miopia brasileira
Das trevas nasce a luz. Pelo menos, deveria nascer. Mas quem tem cabeça dura não aprende. Incapacidade é defeito difícil de suplantar.

O Planalto tem esperneado desde que tomou conhecimento de que espiões espionam, e que o Brasil, tanto quanto todos os outros países, está na mira dos que têm capacidade de bisbilhotar casa alheia. Em vez de espernear, o governo faria melhor se usasse esse episódio como fonte de inspiração.

Nosso País não dispõe da mesma parafernália tecnológica de grandes potências como EUA, Rússia, China, Reino Unido, França, Alemanha, Japão. Esses, sim, têm os meios necessários e podem se permitir muito mais.

Mas nós temos gente. Temos diplomacia ― ainda que estranhamente direcionada nos últimos doze anos. Deveríamos utilizar nossos canais de informação diplomática, nem que fosse para não fazer papelão.

O Estadão nos informa que, num gesto magnânimo, os membros do Mercosul declararam que permitiriam a volta do Paraguai, suspenso há uma ano por decisão sumária. Só que nossa antigamente festejada diplomacia se esqueceu de combinar com o adversário. Não se preocuparam em perguntar ao sócio se ele queria voltar do castigo.

Pois o presidente eleito do Paraguai, numa resposta corajosa e sintomática, recusou-se a reintegrar o bloquinho. Pelo menos, enquanto a Venezuela estiver no exercício da presidência rotativa.

Nossa diplomacia podia ter ido dormir sem esse tapa na cara. Mais preocupados em costurar termos indignados para «repudiar» espionagens do «hermano del Norte», esqueceram-se de que é importante arrumar a casa e pôr-se de acordo primeiro. Que papelão!Interligne 07

Cúpula do Mercosul Junho 2013

Cúpula do Mercosul
Junho 2013

Conclusão
Como ilustração deste artigo, ponho a foto de uma cúpula europeia e um instantâneo da reunião do Mercosul. O contraste é patético. Quase uniformizados, os europeus transpiram seriedade. Até demais. Já nossos sócios mais parecem estar vestidos para um baile à fantasia. O Mercosul morre um pouco a cada dia.

Mas que os pessimistas não percam a esperança: está sendo preparada a adesão da Guiana, do Suriname e da Bolívia. Agora, vai!

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