Traficante de armas

José Horta Manzano

Segundo comunicado da Polícia Federal repercutido pela Agência Reuters, foi detido nos EUA o maior traficante brasileiro de armas. Cá entre nós, pra atribuir-lhe o título de «o maior traficante», precisa ter certeza de conhecer todos os que traficam armas e o volume de negócios de cada um. Como não se pode ter certeza de conhecê-los todos, difícil será afirmar que este ou aquele é «o maior». Seria como apontar o político que mais roubou. Quem pode saber com segurança?

Enfim, deixa pra lá, que não é tão importante. Importante é que a Justiça brasileira pleiteia a extradição desse cavalheiro para que seja julgado no Brasil. A pretensão é pra lá de problemática.

Como demonstrei em meu artigo Quem é brasileiro?, publicado mês passado no Correio Braziliense, o STF firmou doutrina segundo a qual o brasileiro que adquirir nacionalidade estrangeira por decisão voluntária perde a cidadania brasileira. No presente caso, a dedução é simples: dado que o criminoso em questão se naturalizou americano, perdeu a nacionalidade originária. Deixou de ser brasileiro. É hoje tão estrangeiro quanto o rei do Sião.

Portanto, o quadro atual é o de um cidadão americano, que vive em território dos EUA onde é acusado de dedicar-se a atividades criminosas. Não faz sentido requerer sua extradição. A exportação ilegal de armas é prática delituosa por lá também. Todos sabem que a lei norte-americana é rigorosa e apta para tratar do caso.

Cabe às autoridades brasileiras fornecer à Justiça americana os dados de que dispõe para instruir o processo. É questão de bom senso. Já temos suficientes criminosos aqui, não precisamos repatriar ovelhas que atuam em outras paróquias. Com menos chicanas e menos ‘embargos infringentes’, os tribunais daquele país saberão julgar esse indivíduo e, em caso de condenação, tirá-lo da circulação e mantê-lo abrigado num acolhedor presídio de segurança por longos anos. Melhor para todos.

Ah, se Bolivar soubesse…

José Horta Manzano

«Brasil pede que Venezuela realize eleições se Chávez morrer», proclamou a Folha de SP.

O Jornal do Brasil foi mais incisivo: «Brasil quer (sic) novas eleições em caso de morte de Chávez».

A Agência Reuters seguiu na mesma linha: «Exclusivo: Brasil quer (sic de novo) eleição na Venezuela se Chávez morrer».

Nenhum deles mencionou claramente suas fontes. Mas, pela convergência das afirmações, é de acreditar que a «vontade» do Brasil emane de esferas pra lá de elevadas. O desejo terá sido expresso por gabinetes estreitamente ligados ao Planalto. Talvez a ânsia venha dos mesmos aposentos que abrigam os sombrios personagens que já vêm se manifestando há alguns dias.

Mas que história é essa de «o Brasil quer»? A Venezuela não é um protetorado brasileiro. Ao que se saiba, não pediu a opinião ― e muito menos solicitou a intervenção ― de Brasília.

Fico curioso tentando adivinhar qual seria a reação de nossos mandachuvas se a situação fosse inversa. Imaginemos por um instante ― é somente um exercício hipotético, que não me atribuam votos nefastos! ― que o inquilino do nosso Planalto estivesse nos estertores, a um pé da cova, como diz o povo.

Suponhamos ainda ― continuo no campo da teoria, que ninguém me atire pedras ― que um governo estrangeiro se atrevesse a declarar abertamente como quer (sic) que a transição se passe em nossas plagas.

Dá para imaginar a indignação e o fuzuê que isso causaria por aqui?

Brasil e Venezuela 1

Tanto a sofrida Venezuela quanto o sofrido Brasil são, até segunda ordem, Estados (em teoria) civilizados, soberanos, organizados, reconhecidos internacionalmente e, acima de tudo, regidos por uma Constituição. A Venezuela, como todo país de direito, conta com uma Lei Maior que indica o caminho a seguir em caso de impedimento, ausência ou falecimento do primeiro mandatário. Não cabe a outros dar-lhe lições para enfrentar situações políticas particulares.

As regras geralmente aceitas de convivência pacífica entre nações não preveem, em hipótese alguma, que uma potência estrangeira intervenha com tal descaramento no destino de outro país. Pelo menos, não de maneira tão desabrida. Pelo menos, não em tempo de paz.

Troca de notas diplomáticas sigilosas sempre houve e sempre haverá. Faz parte do jogo. O que não tem cabimento é a publicidade que se tem dado a autoridades que, ao exprimir anseios pessoais, embaraçam e comprometem uma nação inteira.

Como dizem os ingleses, se cada um varresse diante de sua própria porta, o mundo inteiro seria mais limpo.