Fugir para a Arábia?

José Horta Manzano

Todo o mundo já sabe, mas não custa repetir para que fique bem claro: o maior pavor do capitão é a cadeia. Por certo, essa não é a preocupação maior nem do distinto leitor nem deste escriba. Mas o capitão arrasta um passado complicado. Ele deve conhecer os motivos pra tanto medo.

Em diversas ocasiões, ele já bradou que ninguém jamais o tiraria do palácio e que nunca iria preso. A contradição da primeira parte de sua profecia já está aí: vai sair do palácio sim, senhor. Falta a segunda parte. Minha avó dizia: “Quem não deve, não teme”. Por que será que ele teme – e treme?

As especulações correm soltas sobre uma eventual fuga de Bolsonaro para o exterior. Não será simples. Se decidir seguir esse caminho em busca de asilo, terá de escolher um país com o qual o Brasil não mantém tratado de extradição.

Uma fuga para um país governado por dirigente autoritário de extrema-direita pode ser uma opção. A Hungria ou a Polônia, por exemplo. Mas… e se o governo de lá mudar de cor política amanhã e anular o asilo, como é que fica? Bora fugir de novo de mala e cuia?

Reinos, sultanatos e emirados do Oriente Médio são outra opção. Por lá, o risco de mudança de regime é quase inexistente. Mas… não deve ser fácil ter de passar o resto da vida numa bolha de ar condicionado, com samambaias artificiais, rodeado de deserto por todos os lados, com temperatura externa próxima de 50 graus. Tem quem aguente: Juan Carlos, que foi rei da Espanha, envolveu-se há dois anos num escândalo de corrupção e refugiou-se no emirado de Abu Dabi. Está lá até hoje.

O site Metrópoles informa que os filhos n°01 e n°03 do presidente estiveram na embaixada da Itália em Brasília terça-feira passada para tentar apressar o processo de reconhecimento da cidadania italiana para o clã. Entrevistado, o filho mais velho disse que deram início ao processo em 2019. Não explicou a razão da súbita pressa em ver o fim do túnel.

É permitido especular que, longe de cogitar uma aposentadoria na gelada Hungria ou no escaldante Oriente Médio, Bolsonaro esteja de olho na obtenção do passaporte italiano para dar o fora daqui. Num primeiro momento, até que parece boa ideia, mas o porto não é tão seguro como ele está imaginando.

Aconteceu não faz dez anos. Nos tempos em que a Lava a Jato comia feio, um senhor chamado Henrique Pizzolato, diretor de marketing do Banco do Brasil, encontrava-se em situação semelhante à do capitão hoje: era alvo da justiça brasileira e possuía dupla nacionalidade – italiana e brasileira. Às vésperas de ser preso, fugiu para a Itália.

Despistou a PF, saiu em direção à Argentina e de lá tomou avião para a Itália. Imaginou-se para sempre a salvo. Estava enganado. Quando souberam de seu paradeiro, as autoridades judiciárias de Brasília requereram sua extradição. Pizzolato tinha confundido a lei brasileira com a lei italiana. Imaginou que, como o Brasil, a Itália não extraditasse seus nacionais. Não é bem assim que funciona.

A lei italiana não impede a extradição de cidadãos do país. Com base no Acordo de Extradição firmado entre a Itália e o Brasil em 1989, cada caso será estudado individualmente. O fujão permaneceu dois anos na Península enquanto a batalha judicial corria solta. Num primeiro momento, sua extradição foi negada pela justiça italiana. O Brasil entrou com recurso, o caso foi para Roma, e a Corte de Apelação finalmente concedeu a extradição. Com o rabo entre as pernas, Pizzolato foi trazido pela PF a Brasília. De jatinho. Do aeroporto, foi direto para a Papuda purgar sua pena.

Se você, distinto leitor, for íntimo do clã do (ainda) presidente, procure fazer chegar este recado à família: “Lembrem-se do Pizzolato!”.

Se fugir já é uma vergonha, imagine só o que deve ser fugir, ser apanhado e trazido de volta pela PF. Vexame supremo! O capitão não vai querer arriscar. Ou vai?

Na ilustração, o avião que trouxe Henrique Pizzolato de volta para o Brasil.

O mundo de olho

“Debate venenoso entre Bolsonaro e Lula”
Le Monde, França – 30 set° 2022

José Horta Manzano

Antes deste ano da graça de 2022, nunca jamais uma eleição presidencial brasileira tinha despertado tamanho interesse além-fronteiras. No tempo dos militares, nem se fala. A “eleição” estava mais pra nomeação e não levantava paixões. Desde a redemocratização, o interesse aumentou, mas não resultou em entusiasmo internacional.

Este ano é diferente. O mundo está assustado. Assustado com o espantalho de um Trump ameaçando voltar a se apossar do governo da maior potência do planeta. Assustado com a ditadura de Putin, que aterroriza com suas bombas atômicas. Assustado com regimes populistas e autoritários que pipocam no coração da Europa: Hungria, Polônia. Assustado com as eleições da semana passada na Itália, que deram a vitória a uma extrema-direita populista e xenófoba.

O mundo civilizado tem acompanhado os quatro anos do desastre bolsonárico. Embora dirigentes dos principais países respeitem o dever de reserva que se exige deles, sabe-se que todos estão preocupados com as eleições brasileiras.

O temor de um autogolpe, presente até pouco tempo atrás, arrefeceu. Bolsonaro, decerto por não receber o apoio que esperava, anda mais calmo. E todos nós nos damos conta de que o perigo de uma reviravolta no regime, se não estiver de todo esconjurado, está menos ameaçador.

Resta o risco de uma reeleição do capitão, fato considerado um verdadeiro desastre. Bolsonaro, com sua visão simplória de geopolítica, não tem capacidade de entender o perigo representado pela ditadura totalitária de Putin. Chegou a declarar que “o Brasil é solidário à (sic) Rússia”. Dirigentes de visão sentem calafrios ao imaginar o Brasil entrando no clube das pseudodemocracias autoritárias.

Não se passa um dia sem que se fale de nosso país e destas eleições. Estações de rádio e de tevê mandaram enviados especiais, que já estão no país à espera do domingo. Diariamente, há bloco nos telejornais especialmente para analisar o Brasil pelo direito e pelo avesso. Os jornais seguem na mesma linha. Assisti estes dias a dois longos documentários sobre o clã dos Bolsonaros. O primeiro, com uma hora de duração, passou na tevê suíça; o outro, de três horas espalhadas por três capítulos, passou na britânica BBC.

Até o debate de ontem já apareceu na imprensa europeia. A ilustração mostra longo artigo com boa análise feita praticamente no fogo da ação.

Faz bem ao ego ver que o mundo se interessa pelo país da gente. Só que, francamente, eu preferia que esse interesse fosse por aspectos mais civilizados de nossa sociedade, e não por esse indivíduo repulsivo.

Que ele seja logo despachado de volta pr’a geleia geral dos baixos círculos milicianos. De onde nunca deveria ter saído.

Ucrânia: os refugiados

Fluxo de refugiados que deixam a Ucrânia
Crédito Infográfico: Alto-Comissariado da ONU para Refugiados

José Horta Manzano

Na terça-feira 29 de março, a contagem oficial dos ucranianos que deixaram o país em busca de refúgio no exterior atingiu a marca simbólica e impressionante de 4 milhões. Pela contagem do Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados, exatamente 4.019.287 pessoas tinham atravessado a fronteira.

A imensa maioria de solicitantes de asilo é constituída de mulheres, crianças e anciãos. De fato, todos os homens com idade entre 18 e 60 anos foram convocados pelo Ministério da Defesa. Não podem partir. Têm de ficar para defender a pátria agredida.

Embora todas as mulheres tenham permissão para ir-se, muitas delas preferiram ficar para ajudar como podem. Enfermeiras, parteiras, médicas e outras terapeutas estão nesse caso. Mas outras, ainda que não estejam familiarizadas com funções médicas nem paramédicas, contribuem na logística, na preparação de refeições para os combatentes, na confecção de peças de camuflagem e em outras atividades que não exijam extraordinária força física.

Mais da metade dos ucranianos que buscam refúgio no estrangeiro se dirigiram à Polônia. Exatamente 2.336.800 pessoas entraram no país, segundo o governo polonês. Há duas razões para isso. Em primeiro lugar, entre as fronteiras da Ucrânia com países ocidentais, a polonesa é a mais extensa. Em segundo lugar, a Polônia sofre com falta crônica de mão de obra, provocada pela emigração de muitíssimos poloneses que partiram em busca de trabalho mais bem remunerado em outros países da Europa.

Os países europeus – incluindo a Suíça, que não é membro da União Europeia – decidiram, em conjunto, conceder gratuidade de transporte a todo titular de passaporte ucraniano. Os requerentes de asilo podem viajar de ônibus ou de trem sem pagar. Quando passa o controlador, basta exibir o passaporte. É medida simbólica, simpática e extremamente útil. Muitos deles deixaram tudo pra trás e não têm mais que a roupa do corpo.

Faz muito tempo que a Europa não assistia a uma onda de solidariedade tão intensa. A última vez tinha sido em 1956, quando a Rússia (sempre ela!), que se chamava então União Soviética, mandou suas tropas à Hungria para esmagar no nascedouro um levante popular contra o autoritarismo do regime comunista, vassalo de Moscou. Os refugiados húngaros de então se espalharam por toda a Europa ocidental. Mas dois grandes fatores fazem a grande diferença entre os civis que fugiram da Hungria em 1956 e os ucranianos de hoje.

O primeiro é uma simples questão de volume; os húngaros eram “apenas” 200 mil, ao passo que os ucranianos já passam de 4 milhões – 20 vezes mais. Em seguida, o que talvez seja a diferença mais importante. Os húngaros deixaram o país natal em família (homens, mulheres, crianças e até anciãos), ou seja, saíram para não mais voltar. Já os refugiados ucranianos são praticamente só mulheres e crianças; as famílias estão separadas. Todos têm em mente a ideia fixa de reunir a família e retomar a vida de antes.

Assim, prevê-se que a maioria dos ucranianos expatriados retornará ao país natal assim que as coisas se acalmarem e que o ogro russo tiver voltado a hibernar nas neves da Sibéria. Até despertar de novo.

Notícias do front

José Horta Manzano

Com tanques de guerra russos passeando pelas avenidas de Kyiv, a população civil procura escapar. “É melhor dar por perdidos os bens, desde que nos sobre a vida” – é o reflexo coletivo.

Só no dia de ontem, sexta-feira, 50 mil ucranianos fugiram do país. Ao leste, está a Rússia, o ogro; ao norte, fica a Bielo-Rússia, cúmplice do papão; ao sul, é o Mar Negro. A única rota de fuga é na direção do oeste.

Cinco países fazem fronteira com a Ucrânia: a Polônia, a Eslováquia, a Hungria, a Romênia e a Moldávia. Com exceção da Moldávia, todos fazem parte da União Europeia. Mas quem foge de homens armados não escolhe caminho.

Na Polônia, vivem já centenas de milhares de ucranianos, talvez cheguem a um milhão e meio. São imigrantes, alguns de longa data, todos vindos em busca de melhores oportunidades. Este país será o destino mais procurado pela nova onda de refugiados. Generosa, a Polônia já declarou que aceitará todos os ucranianos que se apresentarem à fronteira.

Viktor Orbán, o ultranacionalista dirigente da Hungria, conhecido por suas posições anti-imigrantes, não há de estar encantado. Assim mesmo, decerto para não fazer feio diante dos demais dirigentes do continente, declarou que seu país está “preparado para acolhê-los com rapidez e eficiência”. Não deu mais precisões. Calcula-se que 600 mil ucranianos podem bater à porta do país nos próximos dias.

A Eslováquia, que tem alguns quilômetros de fronteira com a Ucrânia, afirma estar preparada para acolher os que vierem. Numa previsão de que os combates possam penetrar no país, as autoridades incitaram a população a doar sangue e informaram já ter preparado alojamento para até 5500 militares do exército ou da ONU.

A Romênia é o país mais pobre da União Europeia e os ucranianos sabem disso. Os poucos refugiados que penetraram no país ontem, cerca de 5300 pessoas, têm intenção de seguir viagem em direção à Tchéquia ou à Polônia.

O último vizinho, a Moldávia, não é membro da Otan nem da União Europeia. Assim mesmo, o pavor do invasor russo é tamanho, que 4000 refugiados ucranianos já atravessaram a fronteira nestas primeiras horas.

A Alemanha e a França, embora não tenham fronteira comum com a Ucrânia, já prometeram ajuda maciça aos Estados que acolherem refugiados, em especial a Polônia.

Monsieur Emmanuel Macron, presidente da França, declarou, na manhã deste sábado, que “a guerra será longa” e que “temos de estar preparados”.

O HCR (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) trabalha com a expectativa de até 5 milhões de ucranianos abandonarem o país e pedirem asilo no estrangeiro. Isso representa entre 11% e 12% da população do país. Aplicando a mesma proporção ao Brasil, é como se 25 milhões deixassem o país. Exceto São Paulo, nenhum estado brasileiro tem população tão grande. É um mundaréu de gente.

Resta esperar que as coisas se acalmem logo e, na hipótese mais otimista, Putin abandone suas pretensões desatinadas e chame a tropa de volta. Não custa sonhar.

“Notícias do front” era a expressão usada pela imprensa durante as guerras europeias do século passado. Todos imaginavam que a expressão pertencia aos livros de História. Engano. A insanidade de Vladímir Putin acaba de desempoeirá-la.

“Front” é palavra francesa que se traduz por linha de frente.

Pária

José Horta Manzano

Nosso peculiar chanceler declarou outro dia que se orgulha de ver o Brasil na posição de pária entre os países do planeta. Invejoso, Bolsonaro sentiu o golpe. “Como assim? Pária ele? Mais pária sou eu, pô!” – babou.

E não é que nosso presidente está mostrando ser realmente campeão imbatível entre os dirigentes marginalizados?

Bolsonaro está conseguindo a façanha de ser duplamente pária. Não somente está excluído do círculo dos governantes de países civilizados, mas está se tornando pária até entre dirigentes extremistas e negacionistas.

Trump, que era páreo duro para nosso pária nacional, já se foi. Pode até voltar um dia, mas, atualmente, é carta fora do baralho. Pelo mundo, sobraram poucos “colegas” de Bolsonaro. Um deles acaba de se render ao bom senso. E assinou a capitulação diante de câmeras e holofotes.

Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, ao ser vacinado.

Trata-se de Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria. Um ano atrás, quando apareceu a pandemia, ensaiou seguir os passos negacionistas de Trump e Bolsonaro. Hoje, com os hospitais lotados e o povo impaciente clamando por uma solução, mudou de ideia.

Com gente morrendo às pencas, tornou-se entusiasta da vacinação. Não só aprovou, como fez questão de ser vacinado em público. E não o fez com as vacinas homologadas pela Agência Europeia do Medicamento (equivalente a nossa Anvisa). Escolheu a vacina da Sinopharm, um laboratório chinês(!).

O gesto tem dois objetivos. Por um lado, tranquiliza a população da Hungria; por outro, faz gesto de independência e de desafio à Europa, que ainda não homologou essa vacina. Uma no cravo, outra na ferradura.

E assim vai a vida. Preocupado em afastar os rebentos da cadeia e em garantir uma reeleição que lhe permita postergar os inevitáveis processos que virão, Bolsonaro continua a mostrar desdém pelo povo que o elegeu. Mostra-se mais impiedoso que seus pares de outros países. No patamar em que está, faz companhia a Maduro (Venezuela) e Kim Jong-un (Coreia do Norte), dois dirigentes conhecidos pelos maus-tratos que infligem à população.

Bolsonaro: um nome predestinado

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 4 abril 2020.

Nos tempos de antigamente, epidemias eram frequentes. Em razão do saber científico rudimentar, os remédios disponíveis eram chá de alguma erva e reza braba. A propagação era lenta, visto que quase ninguém se deslocava – viagens são costume relativamente recente. A evolução da ciência trouxe conhecimentos importantes; ensinou o modo de transmissão de doenças infecciosas e, em muitos casos, o remédio que cura. O complicador é que o homem já não vive na imobilidade medieval; hoje, viajam todos. Viajam muito e longe. O resultado é que, quando de ataques virais como o Covid-19, a doença se propaga como a peste, e continuamos tão desarmados como os antigos. O remédio é o mesmo de mil anos atrás: afastamento, isolamento e confinamento.

Em meio à desgraça e à tristeza causadas pela epidemia, o Brasil levou um premiozinho de consolação. A viagem que doutor Bolsonaro faria à Europa por estes dias saiu da pauta; por motivos óbvios, foi adiada sine die. Ele não ia cumprir o roteiro das grandes capitais – Paris, Berlim, Londres, nossos aliados tradicionais e fortes parceiros comerciais. Tencionava visitar unicamente a Hungria e a Polônia, países que, juntos, recebem 0,4% de nossas exportações. Estava evidente que o objetivo da excursão não era «vender» o Brasil. Nosso presidente tinha intenção de papear com dirigentes populistas extremistas, que ele imagina possam ser úteis a seu projeto de poder. Toda essa farra à custa do contribuinte, note-se. Mas desta, o Brasil se livrou. Por enquanto.

Aproveitando a viagem custeada por nós, Bolsonaro, que descende de italianos, estava pensando em dar uma ‘esticadinha’ até a Itália para ver se encontra algum parente. Diz ele, referindo-se a eventuais primos por descobrir, que quer «conhecer os mafiosos da família», tipo de brincadeira estúpida que, na Itália, tem poder explosivo. Seus antepassados chegaram ao Brasil na grande leva do fim do século XIX. Como tantas famílias italianas, a sua também perdeu contacto com os que ficaram e a memória acabou se esgarçando.

Sabe-se que doutor Bolsonaro é homem de parcos conhecimentos. Aborrece ainda mais vê-lo cercado de gente sem muito expediente. Em vez de perder tempo a tuitar boçalidades, tinham mais é de ajudar o chefe a buscar as origens. O sobrenome está mal transcrito. No original, é Bolzonaro, com z. Cem anos atrás, tanto os imigrantes quanto o agente que os registrava eram de poucas letras. Pronunciado à moda vêneta, o nome foi transcrito foneticamente e o z virou s.

O presidente disse acreditar que o berço da família é a cidade de Lucca, na Toscana. É a indicação incrustada na memória familiar. A meu ver, ele está enganado. Rápida consulta à lista telefônica nacional italiana mostra que 70% dos Bolzonaro vivem na região do Vêneto – indicação certeira de que o nome é originário de lá. Na região, há uma cidadezinha chamada Lugo, na província de Vicenza. Dado que, na transmissão familiar oral, de Lugo a Lucca a confusão é plausível, eu começaria minhas buscas por Lugo e esqueceria Lucca. Fica a dica.

Para fechar, uma curiosidade. As palavras italianas terminadas em aro indicam nome de ofício ou profissão. O Dicionário do Dialeto Veneziano, obra caudalosa do século 19, informa que bolzòn é palavra ligada ao universo das armas. Dá nome a um tipo de flecha medieval e também a antigo instrumento bélico, espécie de aríete usado para derrubar muros de cidade fortificada. É bem possível que, lá pelos anos 1300, quando as pessoas começaram a ganhar sobrenome, um longínquo antepassado de nosso presidente tenha trabalhado na contrução desses artefatos.

Com o desaparecimento de flechas e aríetes, o campo semântico da palavra se alargou. Ela ressurge no verbo alemão bolzen, com o sentido de golpear com furor. Aparece também no verbo inglês to bolt, com o significado de mover-se de modo nervoso, sair fora de controle. Flecha, aríete, ataque, descontrole… Qualquer semelhança entre a profissão do patriarca da linhagem e o comportamento agressivo e belicoso de nosso presidente há de ser mera coincidência. Ou não.

Para conferir no site do Correio Braziliense.

Nada é eterno, doutor!

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 27 abril 2019.

Para quem se apresentava como o único candidato capaz de acabar com política contaminada por ideologia, doutor Bolsonaro está saindo melhor que a encomenda. Por detrás de cada ato, de cada nomeação, de cada pronunciamento, cochila um laivo doutrinário. As viagens presidenciais ao exterior, por exemplo, têm vindo embaladas pra presente, descritas como importantes para reforçar laços comerciais. Rasgado o invólucro vistoso, aparece o papel pardo de armazém chinfrim a denunciar que a motivação era, na realidade, ideológica.

Uma regra não escrita determina que a primeira viagem de todo presidente nosso seja a Buenos Aires. A razão é simples: ainda que não seja o maior cliente de nossas exportações, a Argentina é nosso mais importante vizinho de parede. Ainda que acontecimentos extraordinários deixem o mundo de ponta-cabeça, nossos hermanos estarão sempre ali, colados, do outro lado da fronteira. Pra viver em harmonia, convém tratar bem a vizinhança. Doutor Bolsonaro preferiu passar por cima dessa lógica trivial. Reservou a primeira saída internacional para uma visita ao Chile. Na volta, a geografia não havia mudado: a Argentina continuava vizinha. Vizinha e de nariz torcido.

Faz uns vinte anos, formou-se nos EUA o Congresso Mundial das Famílias, movimento ultraconservador dirigido contra os homossexuais, contra o divórcio, contra direitos LGBTs, contra o aborto, contra tudo que escape aos rígidos limites do que entendem ser a família tradicional. Desconfio um pouco desses movimentos que são contra. É mais produtivo ser a favor. As armas para lutar em prol de alguma coisa são sempre menos agressivas do que as que se utilizam pra lutar contra. Ser contra tanta coisa ao mesmo tempo só pode ser fonte de mau humor. Nas reuniões desse movimento, sorriso há de ser artigo raro. Vade-retro!

Cruzada medieval

Os congressos mundiais do grupo têm lugar anualmente. Dos três últimos, realizados na Geórgia, na Hungria e na Moldávia, pouco se falou. Este ano, dado que a honra de acolher a edição coube à Itália, o evento cresceu em importância. Quando alguém declara não ter «nada contra homossexuais, cada um que viva a vida que escolheu», fique de pé atrás, distinto leitor. É quase certo que se trata de alguém digno de ostentar carteirinha de sócio do Congresso das Famílias. Usando declaração desse teor como guarda-chuva, Matteo Salvini, vice-primeiro-ministro da Itália, avalizou o evento com sua presença. Impossibilitado de comparecer, doutor Bolsonaro fez-se representar pela secretária nacional da Família – que prestigiou o congresso com um discurso. Para um presidente que prometia acabar com ideologias, está de bom tamanho.

Faz dez dias, na preparação de nova estrepolia, doutor Bolsonaro mandou um dos filhos em viagem exploratória a países da Europa, selecionados a dedo, que pretende visitar ainda este ano. São a Polônia e a Hungria, destinos que, somados, respondem por 0,4% de nossas exportações. Já se vê que a motivação comercial é pouca pra abalar presidente. À boca pequena, corre explicação mais convincente. O objetivo é inscrever nosso país no bloco ultraconservador cujos contornos já se desenham em forma de «cinturão bíblico» a proteger a Europa contra hipotéticas hordas de incréus. E lá vamos nós comprar mais uma guerra que não é nossa.

Mas a história é cíclica e o destino inexorável de todo bloco é o desmanche. Os de direita e os de esquerda se desfazem. Tanto o temível eixo Berlim/Roma quanto a poderosa URSS desmoronaram bonito. A vertigem do poder costuma cegar e impedir os ungidos de enxergar essa evidência. No entanto, se os filhos ainda não têm maturidade para entender, doutor Bolsonaro já tem idade e experiência pra se convencer de que o importante é melhorar as condições de vida do povo brasileiro, objetivo maior de seu mandato. Blocos, fugazes por natureza, fazem-se e desfazem-se ao sabor da alternância de dirigentes. O que vale hoje pode já não valer amanhã. Penduradas as chuteiras, melhor será ser lembrado por ter construído um Brasil melhor do que por ter sido membro de um grupo que virou pó.

Guinada à direita extrema

José Horta Manzano

Estes últimos anos, a Europa tem sido palco de forte afluxo migratório composto pelos que fogem de situações de conflito e pelos que simplesmente buscam um futuro melhor. Nem sempre é fácil fazer a distinção entre os perseguidos pela guerra e os que fogem da fome. Se bem que, no fundo, são todos fugitivos. É legítimo que todo ser humano busque melhores condições de vida.

No entanto, por maior que seja a benevolência, o volume de clandestinos que chegam diariamente é tão elevado que causa problemas. Os recém-chegados desconhecem a língua e os costumes do país que os acolhe. Muitas vezes, professam religião diferente e raramente têm formação profissional. Acabam se sentindo como se tivessem desembarcado noutro planeta. Quanto aos nativos, assustados com a quantidade de novos imigrantes, tendem a rejeitá-los.

Reichstag ‒ o palácio que acolhe o Parlamento alemão

Anos atrás, um primeiro-ministro francês ‒ aliás, membro do Partido Socialista ‒ disse algo como «A França não pode acolher toda a miséria do mundo». Se as palavras não foram exatamente essas, a fala mostrava um certo desalento. Quanta miséria a França pode acolher? A pergunta ficou no ar. E está sem resposta até hoje.

Na época, era só a França, mas hoje praticamente toda a Europa enfrenta a mesma questão. Que fazer? Fechar fronteiras? Construir muros à moda de Mister Trump? Instalar cercas de arame farpado? Ou deixar entrar quem quiser? Não é fácil encontrar solução. Por mais segura que seja a canoa, a capacidade de receber passageiros é limitada. Ultrapassado o limite, ela periga afundar. Como é que fica, então?

A consequência inevitável desse estado de coisas é o fortalecimento de sentimentos nacionalistas, antieuropeus e xenófobos. Partidos de extrema-direita, que haviam desaparecido desde o fim da Segunda Guerra, ressuscitam revigorados. O fenômeno é visível, já faz alguns anos, na Itália, na França, no Reino Unido. Ultimamente, Hungria, Polônia e República Tcheca acompanham o movimento. Até poucas semanas atrás, a Alemanha se mantinha fora do clube. Isso acabou.

Sessão do Bundestag ‒ os deputados federais alemães

As recentes eleições legislativas deram força à AfD (Alternativa para a Alemanha), partido de extrema-direita. Conseguiram eleger, de uma vez, 92 deputados para o Bundestag, a câmara baixa. É a primeira vez, desde 1945, que a direita extrema logra eleger deputado. O partido tornou-se, da noite para o dia, a terceira força política do país. É pra deixar muito alemão horrorizado. Os fantasmas do passado tenebroso estão saindo do baú.

Abre-se esta semana a nova legislatura do Bundestag. Por tradição, o discurso inaugural é feito pelo deputado mais idoso, seja ele de que partido for. O problema é que, desta feita, o mais velho era justamente um senhor eleito pelo partido de extrema-direita. Pior que isso, Herr von Gottfried (77 anos) é ferrenho adepto da corrente negacionista, daqueles que garantem que as câmaras de gás nunca existiram e que a exterminação dos judeus não passa de um mito.

Às pressas, o regulamento do parlamento foi modificado. O discurso de abertura passou a ser confiado ao deputado mais antigo, não ao mais idoso. A manobra salva as aparências mas, infelizmente, o problema continua tal e qual. A subida de forças nacionalistas de extrema-direita é pra lá de inquietante. Principalmente na Alemanha.

Discurso falsificado

José Horta Manzano

Em visita aos Estados Unidos, Sir Winston Churchill pronunciou um discurso no qual cunhou uma expressão que definiria a divisão político-militar do planeta pelos quarenta anos seguintes. A fala pronunciada em 5 de março de 1946 no Westminster College (Fulton, Missouri) entraria para a história como «The Iron Curtain Speech» ‒ o Discurso da Cortina de Ferro.

“From Stettin in the Baltic to Trieste in the Adriatic an “iron curtain” has descended across the continent.” ‒ de Stettin, no Mar Báltico a Trieste, no Mar Adriático, uma cortina de ferro baixou sobre o continente. Tinha razão o velho inglês. A divisão marcou o destino dos países que ficaram de cada lado. Enquanto os ‘do lado de cá’, abertos e livres, progrediam, os ‘do lado de lá’ empacaram. Dizia-se jocosamente que, na Europa Oriental daqueles tempos, tudo era proibido, até mesmo o que era permitido.

Cardeal Mindszenty

Países como a Polônia e a Hungria, que ousaram, ainda que timidamente, afrontar a dominação absoluta de Moscou, pagaram caro pelo destemor. Na Polônia, povoada de católicos fervorosos, a religião foi reprimida e o cardeal Wyszyński, primaz do país, encarcerado por três anos. Procissões e manifestações religiosas foram proibidas. O povo não baixou a cabeça. Desafiou o regime que, com o passar dos anos, cedeu passo a passo até cair definitivamente em 1990.

Na Hungria, o porta-bandeira foi o cardeal József Mindszenty. Batalhador desde a juventude, já tinha sido encarcerado por rebeldia aos vinte e poucos anos. Em 1944, em plena vigência do regime fascista, repeteco: o homem foi forçado a nova passagem pela prisão.

Terminada a guerra, instalou-se o regime comunista com sua proverbial aversão a toda prática religiosa. Em 1948, o cardeal Mindszenty, acusado de traição e desrespeito às leis do novo regime, foi condenado à prisão perpétua. Permaneceu atrás das grades até ser libertado por ocasião da insurreição de 1956, aquela que trouxe esperança ao país até ser esmagada pelo exército vermelho.

Durante esse breve período de liberdade, o prelado se dirigiu à rádio estatal para pronunciar discurso favorável à revolta popular. Como a revolução acabou dando com os burros n’água, o regime comunista se manteve firme. As autoridades puseram-se então à cata do cardeal para levá-lo de volta à cadeia. Por um fio, o eclesiástico conseguiu escapar. Refugiou-se na embaixada dos EUA em Budapeste.

Permaneceu 15 anos trancafiado no edifício. Durante esse período, as autoridades comunistas publicaram uma versão falsificada do áudio do discurso de 1956 ‒ uma falsificação assaz grosseira, cheia de cortes, mas suficiente para impressionar as massas. Um compromisso só foi alcançado em 1971, quando o prelado foi autorizado a deixar o país para exilar-se em Viena, onde viveu o resto de seus dias sem poder retornar à terra natal.

O recente escândalo de falsificação de gravação de conversa entre o presidente da República brasileira e poderoso empresário me fez lembrar o episódio húngaro. Quem diria que, sessenta anos depois, o mesmos procedimentos ainda seriam utilizados. Apesar da evolução das técnicas de gravação, o estratagema de adulterar declarações continua na ordem do dia.

Felizmente, a mentira, ontem como hoje, tem perna curta. Mais dia, menos dia, todo trambique acaba desmascarado. O lado negativo é que, apesar da descoberta da fraude, a mensagem fica desconexa. Ninguém é capaz de distinguir entre o que foi realmente dito e o que foi editado.

Reino desunido

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 25 junho 2016

Ontem, a Europa despertou aturdida e zonza com o veredicto dos eleitores britânicos: «Good bye, Europe!», o divórcio estava sacramentado. O Brexit, como é chamada a retirada do Reino Unido da UE, põe um ponto final na Europa do pós-guerra e prenuncia uma redistribuição de cartas no pano verde planetário. É cedo para imaginar como será o equilíbrio mundial daqui a dez anos. A poeira levantada pela decisão britânica vai demorar a baixar e a onda de choque vai-se propagar além da Europa. Marolinhas hão de chegar até nossos verdes mares.

Brexit 2O voto escancara a caixa de Pandora. Os britânicos não estão de acordo nem entre si. Enquanto os ingleses e os galeses votaram pelo divórcio, os escoceses e os irlandeses do norte optaram por ficar. Está plantada, dentro do próprio reino, a semente da discórdia. Os aguerridos escoceses, que se viam menos oprimidos ao ostentar passaporte europeu, voltam a sentir-se cidadãos de segunda classe, confundidos com ingleses, morando de favor no puxadinho de um reino ora desunido. Feridas seculares se reabrem.

No resto da Europa, populistas, separatistas, regionalistas e extremistas sentem-se encorajados. Na França, a Frente Nacional, de extrema-direita, exulta. Não sonhavam que, a um ano das eleições gerais, lhes caísse no colo um presente tão precioso. Há anos pregam o abandono da UE como remédio para frear imigração indesejada e recuperar a soberania perdida. Na Espanha, dinâmicas separatistas – sensíveis na Catalunha mas não só – se revigoram. Se os outros podem, por que não nós?

Dinheiro 6A decisão britânica influencia, por tabela, a política interna da Hungria e da Áustria, dando sustento a inquietantes correntes ultranacionalistas. O federalismo belga, costurado para evitar a cisão do país, treme nas bases. Movimentos separatistas que dormitam, em estado latente, no norte da Itália ganham alento. Até na longínqua Letônia, cuja população conta com quase 40% de russos, os dirigentes hão de estar inquietos.

Que fazer? A razão de ser da União Europeia foi evitar nova guerra. Nos anos 50, poucos anos depois do conflito, fazia sentido. Todos os dirigentes e figurões tinham vivenciado a conflagração. Prevenir novo enfrentamento era necessidade absoluta, uma evidência. Com o passar das décadas, a preocupação se dissipou. Nenhum dirigente atual conheceu a guerra. Paz e concórdia, hoje, parecem favas contadas.

Brexit 1Ao longo dos anos, dois erros capitais plantaram as sementes do desenlace atual. Um deles foi a não designação de uma língua comum. Um falar compartilhado por todos aplaina dificuldades, apara arestas e facilita, ao fim e ao cabo, compreensão, acordos e conciliações. Dos seis países fundadores da UE, três eram grandes. Desse três, dois haviam perdido a Segunda Guerra. A França, encaixada no campo dos vencedores, dava as cartas.

Logo nos primeiros anos, cogitou-se introduzir ensino obrigatório de um segundo idioma, paralelo ao falar materno de cada país. O esperanto, língua bem estruturada, apolítica e neutra, não privilegiaria nenhum dos povos. A França, comandada à época por Charles de Gaulle, enterrou a ideia. O general imaginou que o francês pudesse recobrar o prestígio perdido e se tornar língua continental. Não deu certo.

O segundo equívoco foi apostar na expansão territorial intempestiva, com agregação desenfreada de novos membros. Em 2004, a entrada, de uma tacada só, de dez países foi temporã. Nem os recém-chegados estavam maduros para integrar a UE nem o clube estava preparado para digerir os debutantes. Eliminadas as antigas fronteiras, populações em estágio de desenvolvimento assimétrico afluíram à Europa Ocidental. A crise de 2008 só fez agravar o sentimento de invasão que agora levou britânicos a optarem por fechar as comportas.

by Yasar 'Yasko' Kemal Turan, desenhista turco

by Yasar ‘Yasko’ Kemal Turan, desenhista turco

E como é que fica? Ninguém sabe. Fronteiras vão-se reerguer. Qual será o estatuto dos (agora) estrangeiros que vivem no Reino Unido? E que será dos britânicos que vivem na UE? Em que medida barreiras alfandegárias serão ressuscitadas? E os milhares de tratados e convenções, alinhavados durante um casamento de 43 anos, como ficam? Serão todos abolidos ou só alguns? Nem o mais arguto dos observadores terá, neste momento, resposta pronta.

Temos, nós, nosso mambembe Mercosul, criado sob evidente inspiração da UE. A desordem em que a Europa acaba de mergulhar é momento propício para reflexão. É hora de repensar, reestruturar e, numa hipótese extrema, proclamar um «BrasExit» tropical. Quando o bonde enguiça, é melhor andar com as próprias pernas.

Melhores destinos para expatriados

José Horta Manzano

O marketing governamental carece de visão de futuro. Pode ser instrumento excelente para tapar buracos pequenos e imediatos, mas, no capítulo das previsões, é um desastre. Só se dá conta dos problemas quando já aconteceram. E aí, é mais difícil dar jeito. Precisa competência, artigo raro entre nossos mandarins.

Assim como o Brasil tem o Valor Econômico, publicação que preencheu o vazio deixado pela extinção da Gazeta Mercantil, a França tem as revistas Capital e Management. A versão online das duas está alojada no sítio Capital.fr.

Mês passado ― antes dos protestos das ruas brasileiras ― o especialista publicou um interessante artigo, bastante documentado, com recomendações aos franceses que pretendem se estabelecer no estrangeiro.

Bandeiras do mundo Para onde ir?

Bandeiras do mundo
Para onde ir?

Descreve, com os comos e os porquês, os oito países mais interessantes para os futuros expatriados. Atenção: não estamos mais falando da imigração de 100 anos atrás, quando levas de agricultores pobres e iletrados saíam em busca de vida menos apertada. Falamos aqui de deslocamento voluntário de gente que tem formação técnica ou intelectual e competência para exercer funções de responsabilidade.

Para cada um dos países, o artigo indica quais são os setores onde os expatriados terão melhores chances de descolar uma boa posição. Dá também algum conselho útil para quem chega a terra desconhecida.

Os oito países são: o México, a Índia, a República Dominicana, a Turquia, a Indonésia, o Marrocos, a Suíça e a Hungria. Não necessariamente nessa ordem.

Notou falta de alguma coisa? Pois é, eu também reparei. Falta o Brasil, o novo eldorado cantado em verso e prosa pelo marketing oficial.

É assaz incômodo ficar sabendo que empresários estrangeiros nos enxergam como um país com menos oportunidades que um México ou uma Indonésia. Pior: na visão deles, até Índia e República Dominicana nos ultrapassam.

Que outras realidades o marketing do Planalto nos oculta?

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Salve-se quem puder

José Horta Manzano

Faz alguns dias, a França mandou suas tropas para o Mali.

Antes de ir mais adiante, vamos pôr as coisas claras: os habitantes do país lhe dão o nome de Mali (LÍ, com acento tônico na última sílaba). Ouvi dizer que locutores da televisão brasileira andam pronunciado Male, como se a palavra fosse paroxítona. Não me parece correto. Fico com Mali (LÍ). Afinal, quem deu o nome ao país não fomos nós.

Como todos sabem, a França e mais 26 parceiros integram um organismo supranacional chamado União Europeia, união cada vez mais estranha, em que cada um faz o que lhe apraz, no momento em que decide, da maneira que lhe parece mais conveniente, sem se preocupar com os outros sócios.

Desde que Shakespeare pôs na boca de seu Hamlet a celebérrima réplica “to be, or not to be: that’s the question”, a humanidade se deu conta de que não se pode ser e não ser ao mesmo tempo. A gente não se associa somente para as horas do bem-bom, para, em seguida, se fingir de morto quando o negócio azeda. Ultimamente, é assim que tem funcionado esta União. Desde que estourou a crise económica, já faz alguns anos, o clube navega à deriva, sem eira nem beira, tapando um buraco aqui e outro ali.

Na intervenção em terras africanas, o intuito declarado do governo francês é cortar na raiz a ameaça ― concreta ― de que terroristas fanáticos façam da região uma base, um refúgio. É uma opção militar forte, mas não destituída de lógica.

Em matéria de ingerência em países estrangeiros, há precedentes, alguns bem sucedidos, outros não.Marché commun

Nos anos 60, os EUA intervieram no distante Vietnã com o mesmo propósito. Acabou em desastre.

Canhões soviéticos calaram revoluções na Hungria (1956) e na Tchecoslováquia (1968). Conseguiram o que queriam. Tudo viria a desmoronar junto com o Muro de Berlim, anos mais tarde, mas essa já é uma outra história.

Há muitos e muitos outros exemplos de intromissão na casa dos outros. Mas cada caso é um caso, não vamos explorá-los todos neste espaço.

Voltando ao problema do Mali, os 26 parceiros da França ― falo dos demais membros da União Europeia ― já declararam que não enviarão reforço militar. Se Paris tomou essa decisão com desenvoltura e sem consultar os sócios, que siga seu caminho solitário até o fim.

Não discuto sobre a conveniência da decisão francesa. Soberano, seu governo fez o que achava que devia. O que me surpreende é o fato de a União, após mais de 50 anos de convivência, ainda ser incapaz de combinar antes de agir.

Cada dia fica mais claro que este agrupamento de países está perdendo sua razão de ser. Nascido de um consenso, vai aos poucos se esfiapando, como tecido mal alinhavado.

Não faz sentido expor ao resto do planeta uma falta de coesão tão profunda. Tudo isso acaba deixando uma impressão de desordem que não bate com a imagem de civilidade e de civilização que os 27 gostariam de exibir.

Ao fim e ao cabo, não sobra mais que uma confraria de comerciantes. Que fariam seus negócios de qualquer maneira, com tratados ou sem eles.