Frase do dia — 334

«Se quiser garantir o futuro do seu filho, mande-o para a advocacia. Com as denúncias expondo um corrupto por minuto, nunca no Brasil os serviços dos advogados foram tão disputados.

Claro, nem todos terão o desafio de defender os indefensáveis ‒ Temer, Lula, Dilma, Aécio, Cunha, Cabral (alguns deles contratam até 20 defensores) ‒, mas sempre lhes sobrará um Renan, uma Gleisi, um Palocci, também suculentos.»

Ruy Castro (1948-), escritor, biógrafo, jornalista e colunista.

Florão da América

José Horta Manzano

Querem uma prova de como a gente sai formatado da escola? Aprendemos todos que, em 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil. E aprendemos também que oito anos antes, em 12 de outubro de 1492, Cristóvão Colombo tinha descoberto a América.

Fatos excludentes não podem coexistir. Se um for verdadeiro, o outro não o será. Se a América já tinha sido ‘descoberta’, o Brasil não podia usufruir de descobertazinha particular, só pra ele. A não ser que não faça parte da América. E vice-versa. Se o Brasil foi realmente descoberto em 1500, a descoberta do genovês Colombo se restringiu à Ilha Hispaniola, que abriga hoje o Haiti e a República Dominicana. Portanto, não se lhe deve atribuir o achamento da América.

Não me recordo que alguém tenha apontado essa flagrante incongruência nas aulas de História de então. Foi só alguns anos depois que a contradição me pareceu evidente. Já era tarde demais pra questionar a professora. Ignoro se a perspicácia dos estudantes de hoje é mais aguda.

Na segunda série do antigo ginásio ‒ que mudou de nome e hoje corresponde ao sexto ano de estudo ‒ o ensino da História era dividido em duas matérias, lecionadas por professores diferentes. Um dava História Geral enquanto outro ensinava História da América. Nas aulas de um, dava-se uma perpassada na história da civilização europeia e médio-oriental, dos Sumérios à Revolução Francesa. Nas do outro, adquiria-se uma visão geral do Novo Mundo, que começava com os ameríndios, passava por Colombo, pelos peregrinos do Mayflower, mencionava as façanhas de Bolívar e de San Martín, mostrava pinceladas da Guerra de Secessão e chegava até a independência de Cuba, última colônia ibérica na América.

Naquela época, enxergávamos a América como um todo do qual o Brasil fazia parte. Aliás, está aí nosso hino que eleva o país ao pedestal de «florão da América»(*). De uns decênios pra cá, a noção tem-se esvaído. Embora não tenha sido o iniciador dessa tendência, o lulopetismo deu-lhe boa acelerada. Em virtude de virtual amputação, a América desmembrou-se entre América Latina e as antigas colônias britânicas do norte. Antigas possessões francesas e holandesas ficaram no meio do caminho, sem estatuto definido.

Ficou esquisito. De um lado, temos hoje a América Latina, formada essencialmente pelas terras colonizadas pelos ibéricos. De outro, a América (tout court, sem adjetivo), formada pelas ex-colônias inglesas. A gente fica sem entender por que isso foi feito. Será por ideologia? Mas… de que ideologia estamos tratando? Será por rejeição da língua inglesa? Mas… se é a primeira língua que todo latino-americano anseia aprender. Será por afinidade? Mas… por que o Brasil estaria mais afinado com Honduras e com a República Dominicana do que com os EUA ou com o Canadá?

Um doce pra quem apontar a razão dessa bizarrice.

(*) No sentido próprio, florão é o ornamento em forma de flor que se destaca na fachada de catedrais góticas. O termo é mais usado em sentido figurado ‒ como em nosso hino ‒ com o significado de joia, coisa preciosa. Portanto, florão da América = joia da América.

Lembrete

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Atenção, políticos, parlamentares, ministros e presidente da República, que estão tentando blindar o homem forte do atual governo:

Quem ignora as lições da história está fadado a repeti-la como farsa.

palhaco-3Pretendendo estar acima do bem e do mal e imaginando que a população os vê como últimos biscoitos do pacote, vocês acabam de se dar um comovente abraço de afogados.

Remember: Dilma, Delcídio, Mercadante, Lula, Dirceu, Genoino, Suplicy, Collor, Sarney, Cunha, Cabral, Garotinho, Maduro, Cristina Kirchner, Hillary Clinton, Margareth Thatcher, Sarkozy, Berlusconi, Gadafi, Ceausescu…

Não se esqueçam ainda que o povo também é humano (desculpem-me chocá-los com a revelação!) e, portanto, passível de errar ‒ e nem sempre disposto a persistir no erro.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Insegurança de raiz

José Horta Manzano

Você sabia?

Insegurança é componente importante do espírito brasílico.

A desonestidade e a criminalidade geram insegurança e transformam o honesto cidadão em refém da violência de criminosos.

Caravela 2As artes da política transmitem tremenda insegurança – fica a impressão de que todos os do andar de cima, embora podres, sejam intocáveis.

A insegurança jurídica é proverbial. Vai-se dormir à noite sem ter certeza de que, no dia seguinte, leis e regulamentos ainda serão os mesmos.

Essas incertezas não vêm de hoje. Marcam a história do país desde o dia em que foi lavrada sua «certidão de nascimento». Falo da carta de Pero Vaz de Caminha, bordada com arte e carinho pelo escriba da esquadra de Cabral.

A missiva é cristalina ao datar a descoberta – ou o achamento, como prefiram – da terra tropical. Diz ela: «nos 21 dias de abril (…) topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho». No dia seguinte, foi avistado um «monte mui alto e redondo», além de serras e de terra chã com grandes arvoredos. Pronto o Brasil estava achado. E era 22 de abril.

Acontece que essa carta, devidamente guardada nalgum escaninho da burocracia lusa, não foi consultada durante 300 anos e acabou esquecida. Só viria a ressurgir no século XIX. Enquanto isso, o Brasil já se havia declarado independente da metrópole. Na complexa organização do novo país, foi buscada uma data de fundação. Na falta de informação segura, foi privilegiado o dia 3 de maio. E por quê?

Descobrimento 1A insegurança gerada pela ausência de provas documentais fez supor que o primeiro nome dado à terra – Vera Cruz – viesse do dia que a hagiologia católica consagra à celebração da verdadeira cruz, justamente o 3 de maio. (Entre parênteses: com o nome de Cruz de Mayo, esse dia ainda é festejado em alguns países da América Hispânica.)

Carta de Pero Vaz sobre o achamento

Carta de Pero Vaz sobre o achamento

Ao fixar os feriados oficiais, a República fundada em 1889 manteve a comemoração da chegada dos primeiros europeus em 3 de maio. Por essa altura, a carta de Pero Vaz já havia reaparecido – portanto, já se sabia que a verdadeira data não era aquela. Assim mesmo, por comodidade, deu-se preferência a manter a celebração no dia de Vera Cruz. Como o dia de Tiradentes, 21 de abril, já era dia de festa, não convinha impor dois feriados seguidos.

Não foi senão durante a ditadura de Getúlio Vargas que a História se rendeu oficialmente à evidência: estava-se comemorando no dia errado. De uma pedrada, derrubaram dois coelhos: o descobrimento passou a ser celebrado dia 22 de abril que, ao mesmo tempo, deixou de ser dia feriado.

Eu não seiMeus pais me contavam que o Brasil tinha sido descoberto em 3 de maio e eu não entendia por que, na escola, me ensinavam data diferente. A insegurança sobre as datas só se desfez muitos anos depois, quando eu descobri que eles me ensinavam tal como haviam aprendido na escola.

O distinto leitor há de convir que, numa terra que já começou com provas documentais desaparecendo de circulação, não espanta que a insegurança continue sobressaindo. Fazer sumir provas tornou-se esporte nacional. Decididamente, vivemos na terra do «eu não sabia de nada».

Deus é mesmo brasileiro?

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Deus triangulo 2Bom, eu não costumo achar que conheço a vontade de Deus ou seus planos para nosso futuro. Não posso nem mesmo argumentar que mantenho diálogos frequentes com a divindade, durante os quais Ele me explica os detalhes de algum acontecimento que não compreendo de imediato.

Esforço-me apenas para identificar os sinais de Sua intervenção em nosso cotidiano. E, se tenho feito a lição de casa com denodo e precisão, parece que Ele não se sente lá muito à vontade em ser nosso compatriota. Se não, vejamos:

Interligne vertical 11c1. Ele indicou recentemente como seu lídimo representante aqui na terra um argentino e, pior, não foi a única vez que preferiu apostar num cidadão de outro país. Ao contrário, em todos os pleitos anteriores, foi sempre um estrangeiro o escolhido;

2. Levou de nosso convívio nos últimos meses os mais doces e apaixonantes personagens de nossa cena artística, literária e educacional. Gente talentosa como Millôr Fernandes, José Wilker, Ariano Suassuna, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves. Acaba de atacar desta vez no plano político, levando-nos de um só golpe e sem aviso prévio um promissor integrante da nova geração de políticos brasileiros, Eduardo Campos. Não me entendam mal, não conheci Campos pessoalmente e entrei em contato com muito poucas de suas ideias. Nem o fato de ele ser neto de uma figura respeitável como Miguel Arraes me servia de garantia de que os rumos de nosso país seriam de fato mudados. Apenas ele me parecia ter um fogo que há muito tempo não se via por estas bandas e um brilho especial nos olhos. No conjunto, Deus nos levou todo um punhado de pessoas intelectualmente articuladas, bem humoradas, de bem com a vida e capazes de nos colocar na boca o gosto bom da esperança;

3. Essa última perda reeditou em meu peito a dor angustiante da perda de outro nome emblemático na história política nacional: Tancredo Neves. Depois de vinte e um longos anos de chumbo e sombras, desapareceu aquele que talvez tenha sido nosso último estadista. Já os ratos de porão de nossa elite política continuam vicejando e engordando, sempre tramando novos esquemas pelas nossas costas e levando seus parentes e pets para passear em jatos da FAB: Maluf, o clã Sarney, Renan, Collor, Arruda, Cabral, Lula, José Dirceu, Genoíno… a lista de nomes politicamente asquerosos não termina nunca;

4. Mesmo mantendo-o vivo, afastou de nós e do nosso território um personagem do calibre do ministro Joaquim Barbosa, o único magistrado em toda a história republicana que, ao menos a meus olhos, conseguiu se mostrar destemido, dando nome aos bois sem titubear e usando um linguajar simples de ser compreendido, fossem eles seus pares, governantes ou outras figuras públicas.

NuvensAnalisando esse padrão de intervenção divina na história de nossa pátria – ou seja, o de permitir que a tensão vá se acumulando, os ânimos se exacerbando e chegando próximo a um ponto de ruptura, sem que jamais haja uma real chance de descarga e alívio final da tensão – cheguei à conclusão de que só há duas hipóteses para explicar esses últimos acontecimentos: ou Deus quer que nos ferremos todos porque não temos como povo o potencial para gerirmos de maneira satisfatória nossas próprias vidas, ou Ele nos está dando, mais uma vez, um empurrão para que assumamos finalmente as rédeas de nosso destino. Na dúvida, por ignorância ideológica e por ser uma pessoa de boa vontade, opto pela segunda.

Imagino mesmo que se eu O cobrasse, ele diria algo como:

Interligne vertical 11“Mas, minha filha, não coloque toda a responsabilidade exclusivamente nas minhas costas. Eu lhes concedi o dom do livre arbítrio exatamente para que vocês pudessem relativizar o impacto de muitos de meus planos. Se não o fizeram, foi por vontade humana e não divina. Eu lhes dei um país rico em recursos, uma terra generosa e um povo amável e acolhedor. Por que vocês não colocam em prática os valores nos quais acreditam e ficam esperando que lhes caia dos céus a solução de todos seus problemas? O que você quer de mim? Que eu lhe indique o próximo salvador da pátria? Isso não é problema meu, ora bolas!”

P.S.:
Acabo de descobrir uma nova interpretação para a vontade de Deus em levar Eduardo Campos de nosso convívio. O que Ele queria, suponho eu, era assistir de camarote a disputa de quem pode se declarar seu verdadeiro – e único – herdeiro político! Como muitos de nós humanos, ouso acrescentar.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Herdeiros de Caramuru

Percival Puggina (*)

«Agora tem o Brasil das mulheres e o Brasil dos homens até nos discursos das autoridades,
o Brasil dos negros, o Brasil dos brancos e o Brasil dos pardos,
o Brasil dos héteros e o Brasil dos gays, o Brasil dos evangélicos e o Brasil dos católicos,
Brasil com bolsa família e Brasil sem bolsa família e nem sei mais quantas categorias,
tudo dividido direitinho e entremeado de animosidades,
todo mundo agora dispõe de várias categorias para odiar!
A depender do caso, o sujeito está mais para uma delas do que para essa conversa de Brasil,
esquece esse negócio de Brasil, não tem mais nada disso! »
João Ubaldo Ribeiro

O fato é que Cabral não tocou direto para as Índias. Tivesse seguido o riscado, o Brasil de hoje seria o paraíso tropical com que sonham alguns ambientalistas, antropólogos e militantes de qualquer tese que possa gerar encrenca. Os índios do mato continuariam disputando território a flechadas com os do litoral, que índio também gosta de praia, e os portugueses, sem quaisquer remorsos, comeriam seu bacalhau no Campo dos Cebolas. Mas os navegadores lusitanos (assim como os espanhóis) eram abelhudos e iniciaram seu turismo pelos sete mares. Os primeiros descobriram o Brasil e os segundos descobriram tudo ao redor do Brasil.

Bem feito, quem mandou? Agora temos que conviver com leituras da história que nos levaram à situação descrita por João Ubaldo Ribeiro. Segundo elas, até o século 15, o zoneamento era perfeito – brancos na Europa, negros na África, índios na América e amarelos na Ásia. Cada macaco no seu galho. No entanto, graças à bisbilhotice ibérica, estamos nós, herdeiros de Caramuru, com contas imensas a pagar porque os justiceiros da história adoram acertos e indenizações promovidos com os bens alheios. Entre elas, a conta dos índios. Como é fácil fazer justiça expropriando os outros!

O princípio segundo o qual o Brasil era dos índios e deles foi tomado pelos portugueses ganhou sensível impulso com os preceitos do artigo 231 da Constituição de 1988. Mas se o princípio estivesse correto e se quaisquer direitos originais de posse pudessem ser invocados, não sei se alguém, no mundo de hoje, ficaria onde está. Não me refiro sequer aos primeiros fluxos migratórios através dos milênios. Refiro-me às mais recentes e incontáveis invasões e guerras de conquista que marcam a história dos povos. E note-se que as guerras de conquista não geravam indenizações aos vencidos, mas espólios aos vencedores.

Faço estas observações diante do que está em curso em nosso país com os processos de demarcação de terras indígenas. É o próprio Estado brasileiro, através de suas agências, reclamando por extensões mais do que latifundiárias e jogando nas estradas e na miséria legiões de produtores e suas famílias. É o braço do Estado gerando novas hostilidades no ambiente rural do país (como se já não bastassem as estripulias do MST). Índios e não índios merecem ser tratados com igual dignidade. Mas não se pode fazer justiça criando injustiça, nem se pode cuidar do país entregando o país. Não existem outras “nações” dentro da nação brasileira. E é exatamente isso que está em curso, sob pressão de uma difusa mas ativa conspiração internacional, conjugada com o CIMI e a FUNAI, que quer o Brasil e os brasileiros longe da Amazônia, por exemplo.

Índio não é bicho para ser preservado na idade da pedra lascada, como cobaia de antropólogos, num apartheid que desrespeita o natural processo evolutivo. Ou armazenado, como garrafa de vinho, numerado e rotulado, com designação de origem controlada.

(*) Arquiteto, empresário e escritor. Edita o site www.puggina.org