Resenha – 1

Lula 3: o ministério.
Ao fundo, a logomarca do novo governo.

Novo logo
Tenho uma certa birra com essa alteração da dita “Marca Brasil” que presidentes se acostumaram a fazer no início do mandato. Nossa Constituição elenca os símbolos do país. Logotipo e logomarca não estão entre eles. Não conheço o sistema em vigor em cada um dos países do mundo, mas, daqueles que conheço, nenhum criou esse costume bizarro.

Mas vamos ser condescendentes: ainda que não esteja estipulado pela Carta Magna, proibido não é. O que atrapalha é que cada novo presidente imponha sua marca e jogue fora a anterior. Fica claro que a intenção é mostrar os feitos de seu governo e não de outros. Não me parece boa coisa.

Além disso, o logo do governo atual me parece infantiloide, colorido demais. Me faz lembrar quando apareceram as primeiras impressoras em cor. Para experimentar a deliciosa novidade, muita gente escreveu cartinhas de amor em que cada letra tinha uma cor.

Esse logo aquareloso de Lula 3 parece ser resposta ao desafio lançado pelos ultrabolsonaristas:

“– Nossa bandeira nunca será vermelha!”

“– É, mas nosso logo será multicolor! E vê se não amola!”

Bolsa de apostas
Não sei se já está circulando algum bolão de apostas sobre o tempo que Bolsonaro permanecerá em autoexílio no exterior. Há quem diga que, para o fim do mês ou, no máximo, em fevereiro estará de volta. Não é o que eu acho. Vamos raciocinar.

Por que é que ele fugiu para o estrangeiro pouco antes do fim do mandato? Para permitir que o Lula ficasse sozinho e à vontade debaixo dos holofotes? Claro que não. Fugiu porque tinha medo de ser preso à zero hora do dia 1° de janeiro.

Aceita essa premissa, a conclusão é que o capitão não voltará enquanto o risco de prisão existir. Não lhe parece coerente?

Com seu comportamento cavalar, Bolsonaro arrebanhou uma penca de inimigos nestes últimos quatro anos. Entre eles, os ministros do STF, com principal ênfase em Alexandre de Morais. Não se imagina que esses magistrados venham a dar moleza para quem os insultou dia sim, outro também.

Portanto, o risco de cadeia é elevado e assim vai continuar por muito tempo. Bolsonaro não volta tão cedo.

O 6 de janeiro
Faz hoje 2 anos que violentos apoiadores de Donald Trump – incitados pelo próprio – decidiram tomar de assalto o Congresso dos EUA. Pensando bem, a ideia de que um bando de pessoas, em sua maioria armadas de telefones celulares, fossem capazes de derrubar o governo americano só podia caber na cachola de terraplanistas alienados.

Nosso 6 de janeiro tupiniquim foi bem mais melancólico. A turba de apoiadores extremistas do presidente perdeu o embalo ao constatar que o chefe tinha abandonado a arena para refugiar-se no exterior. Desistiram de invadir imóveis e queimar veículos. Jururus e murchinhos, baixaram as orelhas e tomaram chá de sumiço. De lembrança, deixaram a sujeira na porta do quartel.

Reunião ministerial
Bem fez Lula quando, em sua primeira reunião ministerial, advertiu os 37 ministros que “quem fizer algo errado será convidado a deixar o governo”. O caminho é esse. A nação espera que não tenham sido palavras ao vento, lançadas só pra enfeitar a ata do encontro.

Que a advertência seja efetiva e impeça que ministros escorreguem para a prática de “malfeitos”. Se essa prática tivesse estado em vigor desde o início de Lula 1, não teriam existido nem mensalão nem petrolão.

Feliz ano novo a todos!

Despesas lá e cá

Carlos Brickmann (*)

As de cá
Afinal de contas, é preciso pagar despesas inadiáveis como as novíssimas universidades, que só terão custos mas não terão vaga para nenhum estudante. E para pagar coisas como a farra aérea de agosto passado, quando Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, requisitou avião da FAB para viajar de Brasília a São Paulo com Michelle Bolsonaro, para assistir a um evento do programa Pátria Voluntária, coordenado pela primeira-dama.

Decreto do Governo Federal determina que a comitiva que acompanha a autoridade no avião deverá ser ligada à agenda a ser cumprida. Mas, apesar do decreto, o avião – cujas despesas o caro leitor paga – transportou sete parentes da primeira-dama, mais a esposa do ministro do Turismo, Sarita Pessoa, de carona.

À noite, Damares e Michelle participaram da festa de aniversário do maquiador Agustín Fernandez. Na volta, Agustín Fernandez também pegou carona no voo, ao lado da filha mais velha, de três irmãos, de uma cunhada e de dois sobrinhos de Michelle, e de Sarita Pessoa.

As de lá
Num país evidentemente muito mais pobre que o Brasil, a Alemanha, a primeira-ministra, Angela Merkel, passou as férias na Croácia com o marido. Ela, por questão de segurança, viajou no avião oficial.

O marido foi em voo comercial. E explicou: se tivesse viajado no avião oficial, teria de pagar tarifa cheia de primeira classe, sem desconto. Preferiu economizar: voou em linha comercial, ida e volta, classe turística.

Aliás, em recente entrevista, Angela Merkel revelou que, em 16 anos de poder, continuou morando em seu apartamento, sem empregada. Deixa o governo sem precisar fazer mudança.

(*) Carlos Brickmann é jornalista, consultor de comunicação e colunista.

Se está sobrando…

Ascânio Seleme (*)

De acordo com levantamento do Tribunal de Contas da União, 6.157 militares das três Forças Armadas servem em postos civis no governo Bolsonaro. Destes, 3.029 são da ativa, segundo o Ministério da Defesa. Com o contingente desviado de função, dá para montar uns cinco ou seis batalhões de infantaria do Exército. Se esse volume de gente não faz falta às Forças Armadas, não seria o caso de reduzir o tamanho do aparato todo e economizar recursos?

(*) Ascânio Seleme é jornalista. O texto foi publicado no jornal O Globo de 27 fev° 2021.

A simbologia da foto

José Horta Manzano

Desde que o primeiro vírus chegou ao Brasil, viajando de avião, Bolsonaro fez o que pôde para minimizar a gravidade da pandemia de covid. Negou, desdenhou, zombou, escarneceu, debochou.

O vírus, que é estrangeiro e não entende a língua do presidente (quem entende?), se fez de desentendido. E continuou seu trabalho paciente, ceifando um aqui, estropiando outro ali, desgraçando mais um acolá. Como convém a todo bom micróbio comunista, não discrimina ninguém: pobre ou rico, preto ou branco, importante ou zé-ninguém, tanto faz. Diante do infortúnio, todos são iguais.

Logo no início da pandemia, o pessoal do Planalto, incluindo o presidente, impacientes de estrear o novo coronavírus, deram carteirada pra furar a fila. Foram à Florida e fizeram importação direta do bichinho. Na volta daquela malfadada viagem em que se hospedaram no resort privado de Trump, duas dúzias de medalhões estavam infectados. O alto escalão de nossa República tornou-se importante foco de infecção.

Faz alguns dias, um assessor mais atirado do presidente tomou coragem e, com muito jeito, alertou o chefe para o desgaste que ele se está autoinfligindo. O homem está prestes a cortar o último fio que o liga à população. A reação do chefe mostra que ele entendeu a mensagem e se apavorou.

Na contramão da pregação negacionista em vigor há 9 meses, um plano de vacinação foi rascunhado às pressas e apresentado ao distinto público em cerimônia solene. É tentativa de recuperar o tempo e o esforço desperdiçados desde que o presidente soltou seu primeiro sarcasmo, em março passado.

A ocasião rendeu uma foto oficial que merece ser analisada com vagar.

Cadeiras
Surpreende a qualidade e o tamanho das cadeiras. Elas podem até servir para decorar restaurante chinfrim mas, para reunião ministerial solene, não caem bem. Aquele tipo de cadeira fica bem para decorar corredores; pra dar assento a ministro e aparecer na tevê, não. Considerando a dinheirama que engorda a contabilidade do Planalto, é curioso que não invistam em cadeiras decentes e apresentáveis. Além disso, visto o tamanho ‘king size’ de alguns personagens, cujas nádegas extravasam, o mobiliário não vão durar muito – o barato sai caro.

Mesa
Falta uma mesa instalada à frente dos participantes. Ainda que não tenha outra utilidade, uma mesa (coberta com toalha roçando o chão) ajuda a disfarçar posturas inadequadas.

Fundo roxo
Este blogueiro é do tempo em que, na Quaresma, era costume da Igreja cobrir crucifixos e estátuas com um pano roxo. Imagino que ainda seja assim. A intenção é ressaltar que se está atravessando um período de recolhimento e reflexão. No imaginário popular, no entanto, a cor ficou estreitamente ligada à tristeza e à morte. Por sinal, caixão de defunto de segunda linha (o caixão de segunda linha, não o defunto) costuma ter detalhes dessa cor.

Quando se está anunciando ao povo que a redenção dos males está chegando, usar o roxo como cor dominante não é boa ideia.

Paridade chacoalhada
A paridade entre sexos é meta perseguida em todas as instâncias. Em escolas e repartições públicas, por exemplo. A lei eleitoral chega a impor quotas para os sexos. Pois bem, a foto escancara o profundo desprezo que doutor Bolsonaro tem por essa paridade.

Dos 17 personagens visíveis, apenas 2 são mulheres. Há ainda 2 ou 3 escondidos, que parecem ser homens. Uma das mulheres (aquela da bananeira) está quase oculta na fila de trás; a outra foi relegada a uma extremidade, quase caindo da foto, como se estivesse sentada num banco rebatível (daqueles que há nos teatros e que são utilizados em dias de forte afluência).

Em matéria de paridade entre sexos, a composição da assessoria presidencial é desbalanceada e machista, à imagem e semelhança do chefe.

Tênis
Um dos figurantes, de terno escuro e gravata, veio de tênis. É composição vestimentária moderninha, que cai bem numa festinha descontraída ou num convescote com amigos. De ministros que comparecem engravatados a uma solenidade, espera-se mais recato. (Taí um dos horrores que mesa e toalha teriam escondido.)

Naquela mesa…
Na ponta esquerda, aparece uma cadeira vazia. A legenda não informa quem é o ocupante. Terá ido fazer pipi? Ou não compareceu?
… tá faltando ele
Se não havia ninguém para ocupá-la, por que é que a cadeira foi deixada lá? É desleixo? Quem souber ganha uma passagem de ida simples para Caracas. De ônibus.

Time unido
Até time de futebol, que é composto de jogadores cuja juventude lhes permite certa dose de indisciplina, costuma ser mais organizado que o grupo da foto.

Dos 17 personagens, 9 estão mascarados e 8 temerários aparecem sem máscara. Numa reunião que trata da pandemia! É constrangedor ver um grupo partido ao meio, deixando a impressão de que, na falta de uma orientação vinda do chefe, cada um faz o que lhe dá na telha. Há os que obedecem ao instinto de sobrevivência – esses vestem máscara. E há os que preferem arriscar a vida para agradar ao chefe – esses estão de rosto nu. É flagrante a impressão de um time de bate-cabeças.

É verdade que fica esquisito, justo no momento de apresentar a vacina à nação, ver que metade dos figurantes abandonaram a principal medida adotada no mundo para conter a epidemia e proteger a população. Dada sem máscara, a recomendação de que todos devem tomar a vacina soa falsa, feita pra inglês ver.

Bolsonaro & assessores estão sempre de olho em gente comendo banana na rua. Assim que enxergam uma casca no chão, atravessam a rua e correm para pisar nela e escorregar. Ainda outro dia, o doutor chamou de maricas aqueles que se protegem contra a epidemia. Depois de ter dado essa mostra de coragem e desprendimento, realmente cai mal pra caramba aparecer de máscara. Que vergonha! O que é que a turma lá de casa vai pensar? E os do boteco então?

Conclusão
Essa simples foto é um símbolo do microcosmo que nos governa: um agrupamento heterogêneo e desarticulado cuja última preocupação é o bem do povo que paga seus salários. Valei-nos, São Benedito!

Aprovação presidencial

José Horta Manzano

O Brasil é um poço de problemas. É um pote até aqui de injustiça, desigualdade e desesperança. Como resolver? Nada é impossível, mas a tarefa é gigantesca. Seria coisa pra duas ou três gerações. Essa conta só vale se houver verdadeira vontade. Como sabemos, verdadeira vontade não há. Portanto, nada vai começar a mudar. Vamos continuar esperando o messias, que esse que está aí não serve.

Toda e qualquer tentativa de esvaziar o poço de problemas e de elevar o nível civilizatório das gerações futuras passa obrigatoriamente pela educação. Não é razoável nem necessário exigir que todos recebam formação acadêmica; escola fundamental já está de bom tamanho, desde que a instrução seja de boa qualidade.

Se alguém ainda duvidava que uma pessoa instruída enxerga o mundo com outros olhos, eis um cala-boca: a mais recente pesquisa do Instituto Atlas. A sondagem, que acaba de ser publicada, constata que 56% da população reprova a atuação do presidente Bolsonaro, enquanto 40% a aprovam.

Esse é o número total, o somatório de todos os entrevistados. Veja agora a diferença que um pouco de estudo faz na capacidade de entendimento de cada um. Dos que fizeram curso superior, 70% reprovam o presidente, enquanto 30% aprovam (ou não respondem). Na outra margem, entre os que não foram além do ensino fundamental, as proporções praticamente se invertem: 60% o aprovam, enquanto 40% desaprovam (ou não sabem).

O distinto leitor sabe que o doutor é um estropício, uma pedra no caminho do Brasil, um prenúncio de tempos ainda mais difíceis que os atuais. Mas essa clareza de visão é privilégio de quem recebeu boa formação – aquela que abre as portas para a boa informação.

Nos tempos do lulopetismo, ainda havia a desculpa da ideologia – muitos se recusavam a admitir que os elevados ideais eram anulados pela vil roubalheira. Hoje, essa desculpa desapareceu. Ideologia não há, o que há é a ignorância rasteira de um governo que está mais para associação mafiosa. Só não se dá conta quem não consegue.

Lista dos corruptos

José Horta Manzano

É desagradável constatar, mas é a pura verdade: vivemos imersos na corrupção. Ela não está unicamente nas altas esferas da República. Está no quotidiano de todos, nas pequenas transgressões que fazemos sem prestar muita atenção. Somados, esses pequenos deslizes vão pesando na conta geral da percepção da corrupção.

A respeitada Transparency International acaba de publicar o índice global da corrupção, país por país, versão 2019. É assustador. São 180 países, alinhados como em lista de chamada escolar, não mais por ordem de prenome, mas por ordem de corrupção nacional.

Como na escola primária do meu tempo, a pontuação vai de zero (corrupção total e absoluta) a 100 (ausência absoluta de corrupção). Nenhum país consegue a façanha de levar zero nem 100. Viver num país de nota mínima significaria que, pra ganhar um beijo da namorada ou pra entrar de visita no prédio onde mora a avó, precisasse pagar – à namorada ou ao porteiro, conforme o caso. Em nenhum lugar se chega a esse ponto. Na outra ponta, nenhum país chega a levar um 100 pra casa.

Faz anos que o pior lugar da lista é ocupado pela Somália, imersa em guerra de clãs, lugar onde o poder do governo central não vai além dos portões do palácio. Lá fora, na vida real, mandam os chefes de guerra, todos levando uma Kalachnikof a tiracolo. Pra tudo, paga-se. A Somália ganhou nota 9, próxima do zero absoluto.

Os melhores se alternam nos dez ou doze primeiros lugares. Sobem um pouquinho, descem um pouquinho, mas estão sempre ali. Tomaram assinatura. São os países escandinavos, a Suíça, a Alemanha, a Holanda. Assim mesmo, nem a Dinamarca e a Nova Zelândia, que empataram em primeiro lugar, levaram 100. Ficaram no 87. É sinal de que, mesmo nesses países bem-comportados, muito discretamente, ainda se consegue dar um ou outro jeitinho. Coisa leve, hein!

Nas Américas, o Canadá é o primeirão, no 12° lugar mundial. Em seguida, surpreendentemente, vem o Uruguai, em 21°, mais bem colocado que França e EUA. Segue-se o Chile em 26°. Costa Rica, o próximo, só aparece bem mais abaixo, em 44° lugar. Daí pra frente, começa o elenco da vergonha. Quem estiver vendo a lista na tela do computador, tem de rolar um bocado até encontrar o Brasil.

Estamos em 106° lugar, um susto! Uma baciada de países esquisitos nos precedem, com índice de corrupção menos pesado que nós. Por exemplo: Albânia, Kosovo, Etiópia, Equador, Turquia, Indonésia, Marrocos, Benin, Ghana, Bulgária, Romênia, Senegal. Até nossos hermanos da Argentina nos deixam pra trás: estão em 66° lugar.

O mal é muito profundo. Mas alguém tem de ser o primeiro a dar o exemplo. Em vez de brigar por escola com partido ou escola sem partido, por que não inculcar na meninada os princípios da honestidade? Custa pouco e sempre pode dar algum resultado.

Cargos & encargos

José Horta Manzano

Ultimamente, os diagnósticos emitidos por gente que entende de política são convergentes quando apontam a causa da paralisia do governo Bolsonaro. Tirando as traquinagens dos bolsonarinhos, que atrapalham mas não paralisam, o motivo maior é o descontentamento de parlamentares. Suas Excelências não estariam sendo contemplados com os cargos que esperavam receber do governo.

Peço vênia para discordar. Suas Excelências não querem cargos. Vamos refletir um pouco.

A palavra cargo pentence a extensa família espalhada por todas as línguas latinas. Em italiano: carica, caricare, incarico, caricatura. Em francês: charge, charger, chargement, décharger. Em espanhol: carga, cargar, encargue, encargamiento. E em nossa língua: carga, carregar, encargo, encarregar, recarregar, descarregar, carregamento. Está também atestada a presença do termo medieval carcare.

Como pode o distinto leitor perceber, todas essas palavras, de perto ou de longe, têm a ver com peso, que lembra esforço, que lembra cansaço, que lembra deus me livre. Cargo é sinônimo de encargo, que é sinônimo de trabalho. Ora a distância que costuma separar nossos parlamentares da noção de esforço se mede em anos-luz. Quer um exemplo? No começo de maio, um dia feriado caiu numa quarta-feira. Foi a conta: a semana inteira foi praticamente enforcada no Congresso. Ninguém ficou em Brasília. Na caradura.

Agora diga-me com toda sinceridade: vosmicê acredita que Suas Excelências estejam buscando cargos? Nem aqui, nem na Lua! Os nobres parlamentares se contentam com as benesses que eventuais cargos lhes possam propiciar. Na verdade, dispensam os cargos. Bastam as benesses. Os governos petistas, especialistas no assunto, tinham entendido isso. Em vez de perder tempo com fachada, distribuíam diretamente as propinas.

Com o passar do tempo, talvez doutor Bolsonaro venha a ser obrigado a dobrar-se à realidade da mecânica parlamentar. Ou quem sabe encontrará a solução miraculosa na qual ninguém havia ainda pensado. Será?

Sinais trocados?

José Horta Manzano

Quando doutor Bolsonaro assumiu as funções no Planalto, o Brasil entrou em compasso de espera. Foi um breque no samba do crioulo doido(*). De respiração suspensa, ficamos todos presos àquele curto instante que corre entre o clarão do raio e o estampido do trovão. É quando a gente sabe que o barulho virá, mas não dá pra determinar a intensidade. Será trovoada longínqua ou estrondo de assustar cachorro e despertar criança?

Por enquanto, há muita conversa e pouco efeito. As promessas de «eu bato e arrebento» andam meio murchinhas, desenxabidas. Fica a desagradável mas nítida impressão de que mais se fala do que se faz. Dizem muitos que a ideologia dos atuais dirigentes é como a dos anteriores, só que com sinal trocado. Discordo.

É inegável que os atuais ocupantes do andar de cima emitem sinais de adesão ao ideário conservador. Ressalte-se que o brasileiro, de qualquer modo, vê com desconfiança todo sacolejo brusco da sociedade. Mudanças, sim, desde que não sacudam demais o coqueiro. Na oposição entre o statu quo e a revolução, não há dúvida: preferimos conservar o que temos.

Tirando a tendência conservadora, que eu hesitaria em classificar como ‘ideologia’, o atual governo mostra, sim, inclinações ideológicas de caráter místico e messiânico. Doutor Araújo, ministro de Relações Exteriores, e Doutora Damares, ministra dos Direitos Humanos, são a face mais visível da moeda.

Revolução

Já o período anterior, o lulopetismo, carecia de ideologia. Alguns enxergam naqueles tristes anos uma tendência ‘esquerdista’ de trocas Sul-Sul, de alinhamento com países pobres, de políticas de amparo aos deserdados do planeta. Eu não vejo nada disso. Tudo que consigo enxergar é uma política malandra de fazer negócios com governos estrangeiros que aceitassem compartilhar os bilhões com a clique que comandava o Planalto. Construir vias expressas na África não é a melhor maneira de ajudar populações que não têm o que comer. Não é por acaso que países de regime ditatorial foram o alvo preferencial da política de ‘ajuda fraterna’ lulopetista. São os mais abertos a obscuras transações.

Estão aí, de maneira resumida, as razões pelas quais concordo que o atual governo se deixa guiar, até certo ponto, por ideologia. Estão aí também as razões que me levam a refutar toda ideologia no sistema petista de gerir a coisa pública. Organizar rapina do erário não é manifestação ideológica. É pura bandidagem.

(*) Em seu discurso de entronização, doutor Bolsonaro propôs um desafogo na dura lei do politicamente correto. É de supor que a nova orientação já esteja em vigor. Se não estiver, corrija-se: onde se lê crioulo doido, leia-se afrodescendente com deficiência intelectual.

Suicídio à catalã

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 28 outubro 2017.

Em 1939, disparado o último tiro da sangrenta guerra civil, a Espanha mergulhou numa ditadura longeva. Foram quase quarenta anos durante os quais nem Catalunha nem província espanhola alguma tinha direito de utilizar a língua regional. Pra se exprimir na língua materna, catalães, bascos, galegos e demais bilíngues tinham de fechar portas e janelas. E falar baixo, que o controle era pesado. Foram décadas de medo e de opressão, em que pai desconfiava de filho e irmão desconhecia irmão.

Promulgada três anos depois da morte do caudilho, a Constituição de 1978 devolveu aos cidadãos espanhóis as liberdades que lhes haviam sido sonegadas pela ditadura. Ampla autonomia foi concedida às províncias históricas. Dos catalães, o referendo convocado para validar a carta magna recebeu aprovação de 91%, taxa superior à média nacional. A língua local ganhou estatuto oficial em pé de igualdade com o castelhano. De lá pra cá, nas ruas, nas escolas, nas administrações e no governo provincial, o catalão é língua veicular. Nove em cada dez funcionários públicos respondem à administração local e não a Madrid. Os cidadãos contam com assembleia provincial eleita pelo sufrágio universal. Têm até um corpo de polícia regional. Não se pode, em sã consciência, classificar os catalães como povo oprimido.

No entanto, já faz anos que os dirigentes da província vêm soprando as brasas do sentimento nacionalista. Cada um dos sucessivos presidentes da região parece nutrir a vaidade de se tornar um Bolívar dos tempos modernos, um herói da independência. De tanto apregoarem que a secessão traria riqueza e felicidade para todos, conseguiram convencer parte dos cidadãos. Muitos acreditaram e o movimento foi crescendo até desembocar num plebiscito organizado à valentona e considerado ilegal por Madrid.

A partir daí, episódios desastrosos se sucederam. Por um lado, manifestações independentistas; por outro, passeatas unionistas. Intervenção enérgica da polícia nacional contra benevolência da polícia local. Declarações madrilenhas ancoradas na Constituição versus pronunciamentos barceloneses assentados numa (romântica) exaltação nacionalista. Se revoluções não estivessem fora de moda, todas as condições estariam reunidas para um levante armado. Por sorte, povo de barriga cheia não costuma pegar em armas.

Mas o dinheiro ‒ ou a perspectiva de empobrecer ‒ está forçando os catalães a encarar a realidade. Inquietas com a querela, muitas empresas se estão prevenindo contra más surpresas. Cerca de 1500 delas, por recear dupla tributação, já se transferiram para outros recantos da Espanha. De fato, o temor é de que tanto Madrid quanto a província rebelde cobrem impostos, o que criaria um enrosco fiscal inaceitável.

Tem mais. Para existir, um estado independente tem de ser reconhecido. A União Europeia já deixou claro que não reconhecerá o novo país. Dado que numerosas regiões europeias nutrem veleidades separatistas, a aceitação da independência catalã encorajaria movimentos semelhantes na França, na Itália, na Bélgica, no leste europeu. Nenhum Estado vê com bons olhos manobras que possam afetar sua integridade territorial. O novo país teria até dificuldade em se tornar membro da ONU, pois França, Rússia e China, que têm direito a veto, tenderiam a bloquear a adesão. Uma Catalunha independente periga ficar solta no mapa, como navio fantasma, um Estado não reconhecido.

Na altura em que escrevo, é impossível prever o desenrolar dos fatos num futuro próximo. Os dirigentes provinciais ultrapassaram a linha vermelha e se meteram num dramático dilema. A opinião pública catalã exige que cumpram o que alardearam e proclamem, por fim, a independência. Se o fizerem, no entanto, incorrerão em crime de alta traição, passível de ser punido pela justiça espanhola com 30 anos de cárcere. Foram longe demais, ultrapassaram a encruzilhada. Sero in periclis est consilium quærere ‒ quando se está no meio do perigo, é tarde demais para pedir conselho.

Por essas e outras, os independentistas catalães têm de botar água na fervura. Na (remota) hipótese de conseguirem o que pretendem, seriam rejeitados e boicotados por todos os vizinhos. Não teriam outra solução senão tornar-se semicolônia russa ou chinesa. Ou centro europeu de jogatina, uma espécie de Las Vegas mediterrânea. Seria verdadeiro suicídio. Mais vale deixar como está.

Nota
Artigo escrito antes do simulacro de proclamação de independência encenado pela assembleia provincial catalã em 27 de outubro.

Um resultado, duas análises

José Horta Manzano

Saíram esta semana os resultados de extensa pesquisa feita no Brasil pelo instituto Ipsos, de origem francesa. A sondagem avalia a percepção que o eleitorado brasileiro tem da política em geral e do momento atual em particular.

Perguntas referentes a doutor Temer, a doutora Dilma, a deputados e senadores são inevitáveis. As respostas mostram que o eleitor não vota nem avalia com o cérebro, mas com o fígado. Tem até os que julgam com o estômago. De fato, com o país atravessando momento difícil, com aumento de preços e queda na oferta de empregos, a população tende a culpar os dirigentes de turno. Ainda que não tenha responsabilidade direta sobre a situação atual do país, doutor Temer encarna o vilão da novela.

É interessante notar que cada analista enxerga nos resultados aqueles que vão de par com suas próprias convicções. Passando por cima das respostas que não lhe agradam, cada um dá ênfase aos resultados que vão ao encontro de suas teses. Senão vejamos.

O Estadão, jornal que nunca escondeu sua oposição à visão de mundo lulopetista, focalizou sua análise na ojeriza crescente inspirada pelos políticos. Destacou o fato da rejeição que atinge a totalidade dos políticos. Mencionou que, de cada quatro brasileiros, três são contra o voto obrigatório. Tece outras considerações sem se deter ao modo de governar de doutor Temer. Acrescenta que os brasileiros não se sentem representados por nenhum político.

Já o portal Gente de Opinião, que mostra simpatia para com o lulopetismo, analisa os resultados de outro jeito. Destaca que a democracia não é respeitada e explica que isso era previsível «desde que um impeachment afastou a presidente legítima e permitiu que o poder fosse usurpado (sic) pelo vice Michel Temer, que a traiu». Diz também que noventa e tantos porcento dos eleitores não se sentem representados por «Temer e sua turma».

Ao final, a gente fica pensativo. Pra que servem mesmo essas sondagens? Cada um vê o que quer ver, entende o que quer entender, analisa como lhe convém, chega à conclusão que lhe apraz. Eta, mundão grande… e hipócrita!

Frase do dia — 307

«Chegamos a um ponto em que já despontou um germe de conflito entre Poderes, a classe política está desmoralizada e de todos os lados se tenta enfraquecer o governo. Mas poucos ignoram que, se o atual governo não chegar a dezembro de 2018, será porque foi dado o passo que faltava para o colapso final.»

José Augusto Guilhon Albuquerque, cientista político, em artigo do Estadão, 13 jul° 2016.

Pas d’amis

José Horta Manzano

«Les États n’ont pas d’amis. Ils n’ont que des intérêts.»

«Estados não têm amigos. Têm apenas interesses.»

Colera 3A frase contundente é de Charles de Gaulle. O velho general tinha queda pronunciada por frases de efeito. Credencial para assistir a qualquer uma de suas coletivas de imprensa era disputada a tapa. Cada uma delas era acontecimento que ninguém queria perder, verdadeiro espetáculo teatral de alto nível.

Seja como for, a sentença corresponde rigorosamente à verdade. Perde tempo e esforço quem acreditar na benevolência ou no altruísmo de algum Estado ‒ ou de governo que o represente. Se o próprio do Estado é ter interesses, a função do governo é defendê-los.

Em desespero crescente, ao dar-se conta de que poder e benesses se lhes escapam inexoravelmente, cortesãos da presidente afastada passaram a abusar da jus sperneandi. Em juridiquês, chama-se ‘chororô de perdedor’.

Colera 2Em recente coletiva concedida pelo porta-voz do Departamento de Estado americano ‒ entrevista que nada tinha que ver com assuntos brasileiros ‒, um jornalista fez estranha pergunta. Presumivelmente teleguiado pela intelligentsia petista, formulou longa indagação na qual mencionou Romero Jucá, Dilma Rousseff, Michel Temer. Na intenção de levar o porta-voz a admitir que o afastamento da presidente brasileira fosse resultado de um «golpe» inconstitucional, o rapaz procurou confundir ideias, distorcer a verdade e baralhar conceitos.

Não conseguiu o intento, naturalmente. O Departamento de Estado dos EUA não costuma pôr qualquer um na linha de frente. Até chegar lá, o funcionário passa por intenso treinamento. Tem de estar preparado para esse tipo de armadilha. É um profissional.

Ardilosos mas ingênuos, os componentes da tropa de choque do Partido dos Trabalhadores estão longe de ter traquejo internacional. Certas coisas não se improvisam, e eles não foram preparados para isso. Os mentores passaram os últimos 13 anos tranquilos, refestelados em berço esplêndido, na certeza de que tudo estava dominado. Não estava. O berço desmoronou.

Dilma e TemerEntre Estados civilizados, não há particular interesse em desvendar se houve ou não golpe na destituição de dona Dilma. O que mais anima são os sinais de que nossa economia tem boas chances de se recuperar. Será muito lento, mas são sensíveis as perspectivas de melhora.

A ninguém interessa um Brasil atrasado, pobre, endividado, apartado do concerto econômico planetário. Para Estados estrangeiros, pouco importa que nosso país seja povoado por gente simpática e cordial. Não é isso que conta. Veem-nos como parceiros comerciais, fornecedores e compradores.

«Les États n’ont pas d’amis. Ils n’ont que des intérêts.»

O pote de mágoa

José Horta Manzano

Temer 2Fez furor hoje a carta que senhor Temer enviou a dona Dilma. O fato dá que pensar. Antes de prosseguir, quero deixar claro que não jogo no time de nenhum dos dois. Para mim, ambos – como dizia minha avó – são do tipo que não fede nem cheira.

Senhor Temer afirma que a carta é pessoal. O fato de ter permitido seu vazamento à imprensa desmente toda intenção de discrição. Fica claro que, longe de ser pessoal, a missiva visa o grande público.

Senhor Temer assevera que o desabafo já devia ter sido feito há tempos. Então, por que esperou? E por que, diabos, se decidiu justamente agora?

Carta 1Senhor Temer fala em lealdade, qualidade que não combina com a política. Os atores do andar de cima são movidos a manobras, golpes, traições, conchavos, propinas, troca de favores, conciliábulos, conspirações, conluios, acordos. Lealdade, francamente, é conceito desconhecido.

Senhor Temer menciona, entre outros protestos, o fato de apaniguados seus terem sido maltratados por dona Dilma. Num ato falho, o vice desvela o fundo do pensamento: queixa-se de a presidente ter-se recusado a ratificar seu nepotismo explícito.

Em pelo menos dois trechos da carta aberta, senhor Temer deixa claro que dona Dilma e ele são as «duas maiores autoridades do país». Ao mesmo tempo, queixa-se de que «o governo» tenciona provocar cisão no PMDB. Ninguém pode ser e não ser ao mesmo tempo. O missivista precisa, de uma vez por todas, assumir seu posto. Ou faz parte do «governo» ou não.

Dilma Lula TemerAo final, fica uma pergunta intrigante. O vice-presidente confessa ter-se sentido figura decorativa durante os quatro anos do primeiro mandato. A pergunta é: por que, raios, aceitou candidatar-se de novo?

Uma derradeira consideração. Descontente e frustrado que está, carregar o fardo imposto pelo cargo deve ser-lhe insuportável. Em vez de continuar guardando mágoa em pote, o caminho mais adequado para senhor Temer seria a renúncia. Por que não se decide? Será por abnegado espírito público?

Quem paga?

José Horta Manzano

«Governo terá que pagar 57 bilhões por pedaladas fiscais.»

Bicicleta 9Foi assim que a Folha de São Paulo deu a notícia. Como sabemos todos, «pedalada» é eufemismo inventado sabe-se lá por quem para evitar palavra que defina, de fato, o que aconteceu. Trapaça, pilantragem, embuste, vigarice, tramoia, trambique dariam o recado mais bem dado. Cada boi tem nome próprio e dispensa alcunha.

Dito isso, garanto-lhes que não é nesses termos que a informação apareceria em países nos quais a população é mais consciente. Quando se menciona «o governo», a grande massa dos brasileiros fica com a impressão de que esse tal de «governo» – pai de nós todos – vai bondosamente enfiar a mão no bolso e tirar de lá 57 bilhões pra resgatar seus pecados.

No Brasil, fica por isso mesmo. Lida a notícia, vira-se a página e passa-se a outro assunto. Em outras plagas, não seria tão simples. Poucos são, entre nossos conterrâneos, os que se dão conta de que a conta será paga por todos.

Chamada da Folha de São Paulo, 4 nov° 2015

Chamada da Folha de São Paulo, 4 nov° 2015

O governo, ao fazer mal seu trabalho, meteu o Estado brasileiro em maus lençóis. O prejuízo é nosso, de todos os brasileiros, do primeiro ao último. Caberá a cada um de nós contribuir para reparar o mal, para tapar o buraco cavado pela vigarice do Planalto.

Uns sentirão no bolso, outros sofrerão na fila do SUS. Há quem receberá formação escolar ainda mais precária que de costume. Serviços públicos funcionarão de forma ainda mais primitiva. O policiamento enfraquecido aumentará a insegurança de todos os cidadãos. Estradas ganharão mais buracos. A carestia vai se agravar. Todos pagarão.

Distraída, a grande imprensa ainda não se deu conta da força das palavras e do impacto das frases. Em vez de anunciar que «o governo» pagará bilhões, melhor seria afirmar:

«Brasileiros pagarão 57 bilhões por trambiques do governo.»

Governo embolsou

Cláudio Humberto (*)

Arca 1As receitas do governo Dilma bateram esta semana nos R$ 2 trilhões, só em 2015. O governo dispõe de mais de 1.160 formas de arrecadação, como impostos, multas, rendas, execuções fiscais, etc, para abastecer os cofres que sustentam sua fabulosa máquina administrativa – tão ineficiente e corrupta quanto cara.

Apesar da choradeira, até agora o governo já faturou o equivalente a 90% do que tinha arrecadado no ano inteiro de 2014.

(*) Cláudio Humberto, bem informado jornalista, publica coluna diária no Diário do Poder.

Frase do dia — 258

«Não é preciso procurar muito para encontrar os verdadeiros sabotadores do governo: uns estão de camisa vermelha nas ruas, outros estão na bancada governista no Congresso. Mas o principal mesmo é a própria Dilma.»

Editorial do Estadão, 6 jun 2015.

Conversa de cachorro

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Minha cachorra mais velha e mais sábia me chamou para conversar. Tenho notado, disse ela como introdução, que você anda um tanto ressabiada, irritada mesmo com os últimos acontecimentos políticos, não é verdade?

Nuvens 2Amuada, respondi que estava me sentindo cansada com tanto vai e vem nos humores da população e dos governantes. Acho que a desesperança tomou conta de mim, admiti constrangida.

A cachorra aprumou-se e continuou: Vocês não têm um ditado que diz que, para quem não sabe aonde quer ir, nenhum vento é favorável? Pois então, sinto que você está perdida em divagações sobre o que vai acontecer do lado de fora e não se dá conta de que o mais importante é encontrar um caminho interno. Você não acha que já está mais do que na hora de parar de ficar apontando a responsabilidade de outras pessoas pela escolha do atual curso de ação e começar a se investir desse mesmo poder?

by Alex Gregory, desenhista americano

by Alex Gregory, desenhista americano

Fez uma pausa estratégica para me dar tempo para pensar e prosseguiu num tom professoral: Lembra quando eu lhe disse que, entre nós, não há questionamentos sobre a capacidade do líder? Se um líder de matilha nos conduzisse para a beira de um precipício ou para lugares onde não haja comida nem água – coisa inimaginável para nossas mentes, diga-se de passagem – a matilha simplesmente deixaria de segui-lo.

Briga 5Mas, interrompi, as coisas não são tão simples assim entre nós humanos. Há sempre alguns que continuam seguindo o líder mesmo quando os sinais de que ele está se aproximando de um beco sem saída já são evidentes. Nossa matilha então se divide e tem início uma verdadeira guerra de opiniões, cada um querendo seguir para um lado.

Presta atenção, continuou enfática a cachorra. Você está confundindo liderança com chefia e isso não é nada bom. Em qualquer espécie, se um dirigente não consegue envolver e comprometer todos os membros de um grupo, então ele não é líder de ninguém. Pode até concentrar o poder por um tempo, mas, se não souber abrir caminhos, será rapidamente abandonado e descartado. A indecisão ou fragilidade do condutor só faz abrir caminho para ferozes lutas internas e ele próprio acaba correndo o risco de ser despedaçado durante um confronto qualquer.

Pois é, disse eu, eu acho que é exatamente isso o que está acontecendo agora. Já enfrentei muitos problemas em meu trabalho de consultoria organizacional por causa disso. Muitos executivos insistem em acreditar que o bom líder é aquele que produz resultados e eu já levei muita mordida por discordar e afirmar que líder é aquele que alcançou a excelência no gerenciamento de processos. É preciso que cada membro do grupo se sinta incentivado a buscar por conta própria maneiras de garantir autonomia, responsabilização e visão altruística. As competências críticas para garantir a sobrevida do grupo não podem ser prerrogativa apenas do dirigente. Se as pessoas não assumirem o próprio poder de escolha e decisão, não há esperança. Como dizem os orientais, quando dois elefantes brigam quem paga é a floresta.

by Leo Cullum (1942-2010), desenhista americano

by Leo Cullum (1942-2010), desenhista americano

Se você sabe de tudo isso, provocou minha cachorra, por que se desespera? Chame para si mesma a tarefa de desenvolver novos processos de envolvimento e comprometimento de todos com o mundo político. Você estudou para isso. Acho que já estou velha e cansada demais para absorver uma missão tão gigantesca e complexa como essa, repliquei aborrecida.

Guia 1A missão da velhice, alfinetou uma vez mais minha cachorra, não é pôr-se em marcha intempestivamente, mas sim iluminar possíveis novos caminhos. Intimidada, fiquei sem resposta por algum tempo. Não queria passar recibo da minha falta de humildade. Foi então que lembrei de uma matriz de concordância-confiança que me foi apresentada por uma amiga querida como ferramenta para desenvolver pensamento estratégico. A concordância, dizia ela, flutua muito ao sabor do tema em pauta. A confiança, por outro lado, tende a ser muito mais estável ao longo do tempo. No entanto, se por um acidente qualquer, for quebrada, revela sua natureza de cristal delicado. Se ele se parte, por maior que seja o esforço para consertá-lo, jamais voltará a ser como antes.

Uma onda de energia repentinamente tomou conta de mim. É isso, repeti para mim mesma em voz alta: “Caminhante, não há caminhos. O caminho se faz ao caminhar.”

Só mesmo uma cachorra para me lembrar que sou, antes de mais nada, um animal.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Carta aberta ao gato do José

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Cachorro 22Prezado amigo felino,

Sabíamos que você, gato inspirado,
Estava deveras acabrunhado e curioso
Dos motivos do tal instituto ter entrado
Em um sono misterioso

Alvíssaras, prezado companheiro,
Folgamos em lhe dizer que o pessoal acordou
E colocou mais brasa no braseiro
Através de duas pesquisas o fim do governo indicou

Informam que a rejeição subiu, como já sabíamos todos
E que a oposição seu patrimônio manteve intacto
E esperavam, impávidos, com esses dados causar impacto
Resgatar sua credibilidade junto aos tolos

Mas, oh, quanta ingenuidade
Já mais ninguém aguenta
Constatar a desdita da presidenta
E desacreditar no fim de sua impunidade

Só faltou explicar
Se, para tudo isso, contribuiu o ocorrido na Venezuela
Ou se o que eles buscavam era só confirmar
Que o Brasil não mais comporta esse bando de Zé Arruela.

Em tempo, será que o Papa Francisco podia
Rezar uma missa de réquiem e colocar um ponto final nessa agonia?

Um abraço carinhoso de suas amigas cachorras.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.