Turistas estrangeiros

José Horta Manzano

Você sabia?

Quando a contagem ficou pronta, o Ministério do Turismo, orgulhoso, anunciou: “Em 2017, o Brasil recebeu a visita de 6,5 milhões de turistas!”. Dito assim, parece número respeitável. Analisando mais a fundo, a realidade é menos deslumbrante.

Crédito: jakubmarian.com

Aqui acima mostro um mapa da Europa com o número (em milhões) de turistas estrangeiros recebido por cada país. A França continua imbatível no primeiríssimo lugar, com quase 83 milhões de visitantes ‒ melhor até que os EUA. A Espanha e a Itália sobressaem. No geral, com exceção de pequenas nações do leste europeu, todos se saem bem.

Crédito: jakubmarian.com

Vejam agora este outro mapa. Ele compara os turistas recebidos com a população do país. A França, por exemplo, recebeu 120 estrangeiros para cada 100 habitantes, enquanto a Inglaterra foi visitada por 50 estrangeiros por 100 habitantes. A Turquia está em boa posição, com 40 chegadas por 100 turcos. A Rússia tem melhorado estes últimos anos: já recebe 20 turistas para cada 100 russos.

E o Brasil, como é que fica nessa conta? Depois de multiplicar, dividir e tirar os noves fora, chega-se ao resultado. Nosso país recebe apenas 3 visitantes para cada 100 brasileiros. Magrinho, não? É malogro que, na Europa, só a pequenina, distante e esquecida Moldávia consegue alcançar.

Se quiser justificar sua existência, o Ministério do Turismo ainda tem trabalho espinhoso pela frente.

Caiu do mapa

José Horta Manzano

Com apenas 37 anos de idade, Jacinda Ardern ocupa o cargo de primeira-ministra da Nova Zelândia, o posto mais importante do Executivo. Inscreve-se na atual onda de renovação política que alcança numerosos países. Ms Ardern faz companhia ao canadense Justin Trudeau (46 anos), ao francês Emmanuel Macron (40 anos), ao austríaco Sebastian Kurz (31 anos). E até ao norte-coreano Kim Jong-un, que se supõe ter 34 anos.

Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia

Políticos jovens podem não ter ainda a experiência de velhas raposas, em compensação, são mais abertos a modernidades. Estão mais sintonizados com o mundo atual. A dirigente neo-zelandesa acaba de dar mostra disso.

Apesar de ter o dobro da superfície da Grécia e de ser até maior do que o Reino Unido, a Nova Zelândia não aparece em alguns mapas. O fenômeno deve-se ao fato de, em nossa habitual representação do mundo ‒ com a África no centro ‒, o país ficar no canto inferior direito. Algum cartógrafo distraído pode até esquecer de desenhá-lo.

Valendo-se desse pretexto, a primeira-ministra aparece num vídeo de dois minutos e meio que visa a reforçar a imagem turística do país. O enredo é divertido. Descobre-se que a Nova Zelândia, vítima de uma conspiração, está desaparecendo dos mapas. Vêm aí as conjecturas. Será a Austrália que tenta ficar com todos os turistas? Ou quem sabe a Inglaterra quer se apoderar da equipe nacional de rugby ‒ a melhor do mundo? Talvez seja a França que se empenha em ficar com os vinhos da Nova Zelândia?

O intuito é realmente promover a vinda de visitantes. O responsável pelo turismo explica que o país é maior que a Alemanha, tem um lago do tamanho de Singapura, uma cadeia de montanhas maior que os Alpes, e litoral mais extenso que o da Califórnia. A campanha foi bolada a partir do dia em que se deram conta de que o mapa exposto num Starbucks dos EUA omitia a Nova Zelândia.

Turismo à nossa custa

José Horta Manzano

Corrupção, peculato, prevaricação, concussão, malversação são termos que se ouvem quotidianamente. Embora se os chame pudicamente «malfeitos», são atos criminosos tipificados pelo Código Penal Brasileiro no capítulo que trata dos crimes praticados por funcionário público(*) contra a administração.

Estes últimos anos, o aumento de volume deles coincidiu com a expansão vertiginosa da propagação de notícias. O resultado é um jorro contínuo de coisas tortas. Francamente, não dá pra esconder mais nada. Mesmo assim, na maior parte do tempo, terminam em nada. Ou em pizza, se preferirem.

O exemplo mais recente de malversação de dinheiro público está sendo dado estes dias por ninguém menos que o presidente da Câmara Federal ‒ o primeiro nome na atual linha sucessória da presidência da República. Doutor Maia convocou a esposa e mais nove(!) deputados federais para um giro de uma semana por Oriente Médio, Itália e Portugal. A orla mediterrânea tem clima muito quente no verão, razão que deve ter levado Sua Excelência a escolher este comecinho de novembro. Passeia-se mais à vontade.

A razão oficial da viagem não ficou clara. Falou-se vagamente em «motivação diplomática», seja lá o que isso queira dizer. Vários indícios põem em dúvida a alegação. O primeiro-ministro de Israel recusou-se a receber os parlamentares. O prefeito de Jerusalém idem. Dois ou três encontros com parlamentares locais foram de mera cortesia e não duraram mais que 20 minutos. Na maior parte do trajeto, a presença de jornalistas e de fotógrafos não foi admitida.

A viagem se fez em avião da FAB. Hospedagem em hotel de cinco estrelas e alimentação também vão para a conta do contribuinte brasileiro. O deputado Orlando Silva, do Partido Comunista, faz parte da comitiva. É aquele que foi ministro do Esporte tanto do Lula quanto da doutora. O moço é lembrado por ter usado cartão corporativo do governo federal, certa ocasião, para pagar uma tapioca. Supõe-se que, no Oriente Médio, não se tenha contentado com churrasquinho grego. Por lá, há restaurantes supimpas. Os preços são elevados, mas… que importa? Quem paga somos nós.

Sabe o distinto leitor o que vai acontecer com esses parlamentares quando voltarem? É claro que sabe: nada.

Malversación
Semana passada, os deputados regionais da Catalunha (Espanha) votaram a independência do território. Considerando que os parlamentares cometeram uma ilegalidade e violaram a Constituição, a Justiça nacional abriu processo contra os principais implicados.

Entre os crimes dos quais são acusados, está a malversação, o desbarato de dinheiro do contribuinte. De fato, o plebiscito que organizaram, à valentona, em 1° de outubro custou mais de um milhão de euros aos cofres públicos. Caso sejam considerados culpados com circunstâncias agravantes, a pena pode chegar a oito anos de prisão acrescida de perda dos direitos civis por um prazo de até 20 anos.

Se o mesmo rigor fosse aplicado aos parlamentares brasileiros, não sobraria muita gente no Congresso.

(*) Funcionário público
No Artigo 327, o Código Penal Brasileiro define como funcionário público, para efeitos penais, «quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública». Durante o exercício do respectivo mandato, portanto, todo parlamentar é funcionário público.

O turista estrangeiro e o custo Brasil

José Horta Manzano

Em meados do século passado, era habitual que cada país contasse com (pelo menos) uma companhia aérea nacional. Era um dos componentes do orgulho e do sentimento de autossuficiência da nação. Todo país importante ‒ e até algum menor ‒ contava com «sua» empresa aérea. Se não fosse o único proprietário, o Estado era acionista majoritário.

O sistema vigorou até pelos anos 1980. Varig, Swissair, Pluna, Air France, PanAm, Iberia, Alitalia se encaixavam no modelo. Até a Bolívia tinha seu Lloyd Aereo. Estado que não possuísse empresa aérea nacional era olhado com comiseração.

Pelas voltas que o mundo dá, os últimos trinta anos trouxeram grandes turbulências. Varig, Pluna, Lloyd Aereo Boliviano sumiram do mapa. Swissair, quem diria, fez falência e foi engolida pela LuftHansa. A Alitalia, no miserê há anos, funciona sob perfusão. A Air France e a holandesa KLM, para não entrar em colapso, tiveram de se unir em casamento forçado. A PanAm, que chegou a ser uma das maiores do mundo, simplesmente fechou portas e escotilhas. Em matéria de companhia aérea, o conceito de «orgulho nacional» se esvaziou. Hoje vale quem pode, não necessariamente quem quer.

Está em tramitação no Congresso do Brasil um projeto de lei para permitir a abertura irrestrita do setor aéreo ao capital privado ‒ dispositivo considerado pecado mortal até um passado recente. Se aprovado, será passo na boa direção. Toda medida que possa trazer benefício ao usuário será sempre bem-vinda, pouco importando quem sejam os investidores da empresa. Por evidente, nenhum investidor vai botar seu dinheiro em saco sem fundo. De tabela, o risco de corrupção será menor.

Em entrevista concedida estes dias, o presidente da Embratur se pronuncia a favor da medida. Até aí, estamos de acordo. Dado que o Brasil se encontra distante dos centros geradores de turistas, os aeroportos são o principal portão de entrada. A nova lei tende a atrair companhias de baixo custo, fato que será apreciado tanto por turistas que chegam quanto por brasileiros que saem.

A certa altura, o entrevistado diz achar que o maior entrave à vinda de turistas estrangeiros é o «custo Brasil». Ignoro o sentido que ele empresta a essa expressão. Se ele se refere ao nível de preços de transporte, alojamento e alimentação, incorre em equívoco. Paris e Londres, apesar de figurar entre as cidades mais caras, encabeçam a lista das mais visitadas. Esse fato tende a demonstrar que o custo (monetário) não é empecilho.

by José Miguel Pereira de Sampaio (1927-2016), desenhista gaúcho
Charge publicada em 1949 na Revista do Globo
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Para quem vê o Brasil de longe, como este blogueiro, salta aos olhos que a criminalidade ‒ também conhecida como violência ‒ é a primeiríssima barreira. De pouco adianta mostrar fotos de praias paradisíacas quando, no instante seguinte, o candidato a turista lê na mídia que um arrastão acaba de depenar banhistas em Copacabana. Ou que um grupo que fazia trilha foi violentado. Ou que um estrangeiro desavisado, tendo entrado por engano numa favela, foi assassinado com rajada de metralhadora.

O buraco é bem mais embaixo. Em massa, turistas europeus visitam a China, que fica a 12 horas de voo. Em massa, norte-americanos fazem turismo na Europa, numa viagem que não sai em conta. Multidões de japoneses e outros extremo-orientais atravessam o Pacífico, numa viagem cansativa e interminável, para conhecer os EUA.

Por que é que tão poucos chegam até o Brasil? Por que será que desprezam praias, florestas tropicais, metrópoles gigantescas, pousadas encantadoras, relíquias coloniais, fauna e flora prodigiosos, sol e calor garantidos? Não será pelos preços elevados nem pela falta de conexões aéreas. A maior barreira é o temor de serem vítimas de assalto ou de bala perdida.

Espantando turistas

José Horta Manzano

As estatísticas de turismo global mais recentes datam de 2014. Naquele ano, a França ficou com o primeiro lugar disparado. Recebeu nada menos que 84 milhões de turistas (para 67 milhões de habitantes). Em seguida, praticamente empatados, vêm os EUA e a Espanha, com 65-66 milhões de visitantes. Seguem-se a China, a Itália e a Turquia, com mais de 30 milhões de turistas cada uma.

A lista apresenta certas curiosidades. A Arábia Saudita, por exemplo, que aparece na 16a. posição, é terra desértica, sem grande atrativo. As 18 milhões de entradas registradas referem-se a peregrinos maometanos.

navio-4Outro dado surpreendente é que 13 milhões de pessoas tenham visitado Macau, exíguo território de 30km2, equivalente a um pequeno bairro. A explicação para tanta afluência é bem profana e desprovida de toda religiosidade: a jogatina. Na prática, a única atividade da antiga colônia portuguesa são os cassinos. A cada dia, chegam multidões de turistas convencidos de que vão tirar a sorte grande.

E o Brasil tropical, das praias com palmeiras, da água de coco com casquinha de siri, da floresta amazônica, do Pantanal, dos ouros das cidades históricas ‒ como é que fica? Em 2014, ano de Copa do Mundo, conseguimos nos classificar num magro 43° lugar. Recebemos pouco mais de 5 milhões de turistas, o que nos deixou atrás da Argentina, da Bulgária, do Egito, da Croácia e até da Indonésia.

No começo do século XX, navios de imigrantes saídos da Europa com destino à Argentina tranquilizavam os passageiros: «Este navio não fará escala no Brasil». A febre amarela, endêmica nos baixios de Santos e do Rio, assustavam.

Macau: cassino

Macau: cassino

Hoje os problemas são outros. Mudaram de nome. A zika substituiu a malária, embora continue assustando. A criminalidade e a violência se adicionaram à pobreza. A falta de apoio das autoridades, que não conseguem enxergar no turismo uma fonte apreciável de entrada de divisas, só faz atrapalhar. Para completar, apareceu outro vilão: a carestia.

De fato, o elevado custo de atracação e de estadia nos portos brasileiros está afugentando operadoras de cruzeiros marítimos. É incrível, parece que fazemos de propósito! Quem viaja num cruzeiro quer sol, boa-vida, festa e alegria. Que a embarcação faça escala em Ilhabela, no Rio, em Salvador ou em Aruba, tanto faz. Resumo da ópera: os organizadores andam procurando portos mais acolhedores.

Ásia, Oceânia, China e até Cuba estão na fila. Para eles, o descaso tupiniquim para com o turismo estrangeiro vem a calhar. Saem ganhando. E nós, evidentemente, perdemos um pouco mais a cada dia.

Não viaje, fique em casa

José Horta Manzano

Li ontem que a Câmara Federal converteu em lei uma medida provisória que reduz de 25% para 6% a mordida que a Receita Federal dá em cada montante que brasileiros enviam ao exterior.

O distinto leitor pode até nem acreditar, mas este blogueiro não sabia que o fisco cobrasse imposto dito «de renda» sobre remessas que cidadãos comuns fazem para o estrangeiro. Não sei se é uma «jabuticaba» (especificidade brasileira) ou se existe em outras terras. O fato é que eu nunca tinha imaginado que tal aberração pudesse existir.

Guichê 1Embora a alíquota tenha sido suavizada, o pedágio continua a ser cobrado a cada envio de fundos. Que seja para viagem de turismo, de negócios, de serviço, de treinamento, tanto faz. Até fundos enviados por cidadãos viajando em missão oficial são puncionados. É uma enormidade. A cobrança é injusta, burra e extravagante.

É injusta porque soa como punição imposta aos que tiverem ousado trabalhar, economizar e alcançar condições de fazer turismo fora do país. A mensagem profunda é: «Não vale a pena se esforçar para subir na vida, cidadão. Toda ascensão social será castigada!»

É burra porque penaliza empresários em viagem de negócios ou de serviços. Passa por cima do fato que nosso país, com parque industrial em desmonte acelerado, busca desesperadamente clientes e oportunidades novas no exterior. Esse imposto burro só faz aumentar o custo Brasil. Viagens de negócios deveriam, ao contrário, ser incentivadas.

Dinheiro 5É extravagante porque pune viagens de treinamento. A tecnologia invade, cada dia com mais força, a vida do cidadão comum. Ideias novas, aparelhos novos, dispositivos novos, técnicas novas requerem operadores bem formados. Se um cidadão viaja ao estrangeiro para receber treinamento, voltará sabendo mais do que sabia ao deixar o país. Deve-se concluir que a ideologia oficial é barrar aos brasileiros o caminho do aprendizado?

É verdade que, desde sempre, o Brasil cultivou seu isolamento e seu provincianismo. Tempos houve em que, para poder viajar ao exterior, a gente precisava de um visto de saída expedido pela Polícia Federal. Isso felizmente acabou, mas sobrou esse imposto. Podia fazer sentido em outras épocas. Hoje, combina com Cuba e Venezuela. No Brasil, dá recado ambíguo.

Interligne 18hNota a jato
Espero que o fisco federal tenha pensado em cobrar o devido imposto “de renda” de todos os que, pressionados pela Lava a Jato, estão devolvendo o que roubaram. Afinal, essa bolada saiu do Brasil livre de impostos. Sem prejuízo do processo penal, que o devido tributo seja calculado pela alíquota de 25%, que estava em vigor à época. E que se aplique multa e correção.

Porta aberta

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 5 dez° 2015

Vicente CelestinoNo longínquo ano de 1946, com vozeirão potente que caracterizava cantores da era anterior à chegada do microfone, Vicente Celestino lançou a toada Porta Aberta. Fez sucesso retumbante. Falava da porta de uma igreja que, simbolicamente, se abria para acolher de volta uma ovelha desgarrada, um vivente abandonado pela sorte.

Toda casa costuma ter porta. À discrição do dono, visitas são recebidas ou rechaçadas. A porta se abre para os bem-vindos, cheguem eles para visita de médico, para algumas horas ou até para pousar. Quanto aos indesejados, que procurem outra freguesia. Dono não é obrigado a permitir entrada a quem não lhe convém.

Porta 1Assim como igrejas e casas, país soberano também tem porta. Virtual, ela não está presa por gonzos a nenhum batente. Os nacionais, que têm franqueada a saída do país e a volta a ele, quase não se dão conta da sutil barreira. É que não lhes faz falta nenhuma autorização especial, o que não ocorre com estrangeiros.

Afora casos especiais em que a livre passagem tenha sido sacramentada por tratados – como acontece entre alguns países da União Europeia –, não se entra em terra estrangeira como se adentra o botequim da esquina. Nem todos os viajantes são iguais perante inspetor de alfândega e polícia de fronteiras.

Trafic 4Caso o viajante seja titular de passaporte emitido por país com o qual foi assinado acordo de liberação de visto, terá direito a entrar como turista, por período limitado, sem exercer atividade remunerada. No Brasil e na maior parte do mundo, a permanência padrão é de 90 dias. Na hipótese de o estrangeiro vir a trabalho ou estar planejando longa estada, é imperativo ter obtido previamente visto específico emitido por representação consular brasileira.

Visando a regrar a exigência de documentos, o Brasil – nação soberana e responsável – assinou, ao longo dos anos, convenções com a quase totalidade dos países. Esses acordos, fruto de tratativas cuidadosas, respondem a interesses mútuos. Cidadãos de numerosos países estão dispensados de visto para visita turística de até 90 dias a nosso país. Por razões ligadas à segurança do território e dos habitantes, o Estado brasileiro decidiu não conceder a mesma facilidade a todos. Cidadãos de determinados países só pisarão nosso chão se estiverem munidos de visto obtido no estrangeiro.

Não é segredo para ninguém que a política econômica dos últimos anos deixou o país em estado calamitoso. Rapinagem crônica e gestão arrevesada esvaziaram as burras. Para remediar, nosso governo anda no sufoco, raspando fundo de gaveta e matando cachorro a grito. Na esperança de incrementar o número de turistas que acudirão aos JOs 2016, mentes iluminadas imaginaram suspender a exigência de visto de entrada… para cidadãos de todos os países!

Passaporte 2Sancionada por dona Dilma, a lei já está em vigor. Vale até setembro do ano que vem. Abriu-se um hiato de dez meses durante os quais nosso país virou casa de mãe joana: entra quem quiser. O Brasil abre mão de um dos atributos maiores da soberania tão cara a nosso governo popular: o direito de filtrar a entrada do território. Durante quase um ano, passa qualquer um. Entre sem bater, minha gente, que a boca é livre!

Num mundo assolado por atentados, ataques terroristas e migrações de proporções bíblicas, a decisão é, no mínimo, temerária. Os caraminguás que um hipotético acréscimo de turistas trará não compensam a amplificação dos riscos. Um atentado perpetrado durante os JOs sairá bem mais caro que os dólares adicionais.

Passaporte 1A outra ameaça evidente é a de um acréscimo descontrolado da imigração ilegal. Sem a triagem do visto prévio, qualquer um vai poder se achegar. Ninguém é capaz de predizer o volume desse afluxo. Não é impossível que, daqui a um ano, tenhamos recebido milhões de estrangeiros aos quais, em circunstâncias normais, teria sido negado o visto. É lícito supor que centenas de milhares de viventes abandonados pela sorte – como cantava Vicente Celestino – aproveitem a porta aberta, entrem e não queiram mais sair. Estará armada uma sinuca de bico.

Um quarto de século atrás, o socialista Michel Rocard, então primeiro-ministro da França, pronunciou frase célebre: «La France ne peut pas accueillir toute la misère du monde» – a França não pode acolher toda a miséria do mundo. O Brasil tampouco. No intuito de vestir um santo, estamos despindo outro. Com todos os problemas que já temos, não precisamos correr atrás de mais um. Arrombada a porta, minha gente, será tarde pra botar tranca.

De uma tragédia a outra

Piramide 1José Horta Manzano

Cada nova tragédia tira o foco da precedente. Os sangrentos acontecimentos de Paris tiraram do mapa a recente catástrofe ocorrida na península do Sinai. Refiro-me ao Airbus russo que caiu no deserto egípcio faz pouco mais de duas semanas. Vale lembrar que ambos entram na categoria dos atentados.

Se a importância de calamidades fosse medida em função do número de mortos, o desastre aéreo, com 224 vidas ceifadas, teria sido mais significativo que o da França. Mas a contabilidade macabra não funciona assim – outros fatores entram no cálculo.

A matança de Paris ocorreu… em Paris, cidade mítica. Toda agressão contra a Cidade Luz é ressentida como afronta ao mundo todo. Tivesse o atentado acontecido em Londres, Berlim ou Madrid, a comoção não teria sido tão intensa.

Avião 13No entanto, a queda do avião russo traz consequências catastróficas. Para o Egito, pobre e superpovoado – com mais de 80 milhões de habitantes – os rendimentos do turismo são cruciais. O balneário de Charm El-Cheikh, no litoral do Mar Vermelho, é pérola preciosa entre as atrações turísticas do país.

Na Rússia, desde que o rublo começou a degringolar, o povo empobreceu rapidamente. A partir daí, intensificou-se o tráfego aéreo entre Moscou ou São Petersburgo e a estância egípcia, destino de baixo custo, ao alcance do turista padrão. Diariamente, multidões de russos fugiam das neves subárticas para espreguiçar sob o sol do Mar Vermelho.

A confirmação de que o desastre aéreo foi provocado por bomba instalada a bordo por terroristas desfere duro golpe. As companhias aéreas já suspenderam, por tempo indeterminado, voos em direção ao Egito. Evitam, em especial, o aeroporto de Charm El-Cheikh.

Praia Charm El-CheikhComo consequência, turistas russos não podem mais passar uma semanazinha de férias num dos únicos lugares quentes que estavam ainda ao alcance de seu bolso. Pior que isso, o Egito deixa de recolher preciosas divisas estrangeiras. Estima-se que a perda será de 300 milhões de dólares mensais – três bilhões e meio por ano.

Se os terroristas queriam castigar o país dos farós, o objetivo foi atingido.

Falam de nós – 15

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Violência em foco
Assalto 1Ao dar a notícia do enésimo tiroteio ocorrido no Rio de Janeiro este ano, a RTBFRadio Televisão Belga de expressão francesa – dá ênfase ao fato de estarmos a menos de um ano da abertura dos Jogos Olímpicos de verão. Que terão lugar, como todos sabem, na cidade de São Sebastião.

O artigo ressalta que nosso país, com média de 29 assassinatos anuais por 100 mil habitantes, é um dos mais violentos do mundo. Pela definição da ONU, taxa superior a 10 homicídios por 100 mil habitantes indica violência endêmica.

O Rio que se prepare. Durante estes meses que nos separam da abertura dos JOs, suas tripas estarão expostas à análise planetária.

Santana é nosso!
Rumores corriam na Argentina de que o ‘mago’ João Santana, marqueteiro titular do Partido dos Trabalhadores, estaria fazendo um bico na campanha de señor Scioli, candidato kirchnerista à presidência da república hermana.

O diário portenho La Nación traz a resposta firme e peremptória vinda do Brasil: «Nem João Santana nem ninguém de sua equipe estão participando da campanha de Daniel Scioli.»

O esclarecimento vem em boa hora. Señor Macri, candidado de oposição, tem boas chances de vencer o pleito. Marqueteiro nenhum deseja carregar no currículo uma eleição perdida.

2015-1103-01 La NacionNunca é tarde pra consertar
A veneranda BBC dá destaque ao pedido de destituição da presidente da República, apresentado por Hélio Bicudo. Como sabem todos, o doutor Bicudo é petista pentito. Pentito é termo italiano usado para designar todo aquele que, tendo feito parte de organização criminosa, se regenerou.

Desigualdade social
O diário Tages Anzeiger, um dos maiores jornais suíços, faz um balanço das perspectivas turísticas do país. Tendo em vista que o câmbio atual sobrevaloriza o franco suíço, uma temporada nas montanhas francesas ou austríacas sai bem mais em conta.

Nada se pode fazer contra a cotação da moeda, é verdade. Mais vale ir buscar categorias de turistas com poder aquisitivo suficiente para enfrentar um passeio pelas neves helvéticas.

Promotores turísticos espicham o olho para essa clientela afortunada. E onde é que vão buscar essas pérolas raras? Especialmente em dois improváveis países: na China e… no Brasil. Quem diria, hein!

Expo 1Brasil leiloado
Fim de semana passado, depois de seis meses, a Exposição Universal de Milão (Itália) fechou as portas. Pouco comentada no Brasil, a feira italiana atingiu o incrível patamar de 20 milhões de visitantes, uma cifra enorme. Cada país montou pavilhão, como é costume. O do Brasil foi um dos mais visitados, tendo recebido 5,3 milhões de pessoas.

O que mais chamava atenção no pavilhão brasileiro era uma rede suspensa sobre a qual o público podia caminhar. Não sei se a intenção dos organizadores terá sido transmitir a sensação de areia movediça e de insegurança que caracteriza nosso país. Será apenas coincidência.

Fato é que, terminada a exposição, os pavilhões foram a leilão. Orgulhoso, o jornal La Provincia di Lecco, da cidade homônima situada a 65km de Milão, informa que o pavilhão brasileiro foi arrebatado por uma empresa local especializada em montagem de eventos. O lance final foi de um milhão e oitocentos mil euros, bem abaixo do custo de construção.

Manif 10Cada qual como lhe convém
A emissora estatal venezuelana de tevê Telesur, também conhecida como «tevê do Chávez», dá em manchete, com visível alívio, a notícia de que o Exército Brasileiro descarta toda possibilidade de golpe de Estado contra dona Dilma.

A tevê destaca que os militares não têm intenção de se alevantar, em que pesem os continuados escândalos de corrupção.

Fiel a sua missão de guardiã do bolivarianismo – mas um tanto esquizofrênica –, a emissora inclui fotos e vídeos de manifestações em que alguns gatos pingados, vestidos de vermelho, protestam contra o ajuste fiscal decidido pelo próprio governo de dona Dilma. Vá entender…

A escapada do ministro

José Horta Manzano

Estadio 3Sábado passado, em Berlim, teve lugar a final da Liga dos Campeões, campeonato que congrega os mais prestigiados times europeus de futebol. Os finalistas eram o espanhol Barcelona – grande favorito – e o italiano Juventus. O jogo, retransmitido ao vivo para meio mundo, prendeu a atenção de europeus, africanos, mongóis e patagões.

Gente fina veio de longe para assistir ao vivo. A procissão de visitantes incluiu o primeiro-ministro da França, Manuel Valls. Convém ressaltar que Monsieur Valls é francês naturalizado. Nasceu espanhol – barcelonês, para ser mais exato.

Caso pouco comum, o homem tem três nacionalidades: herdou a cidadania espanhola do pai, a suíça da mãe e, para coroar, tornou-se francês por naturalização. É perfeitamente quadrilíngue. Domina o espanhol, o catalão, o italiano e o francês. O Barça é seu time do coração, todo o mundo sabe disso.

Mesmo inconfesso, ficou claro que o objetivo da visita relâmpago a Berlim era assistir ao jogo. Monsieur Valls não foi sozinho: deu carona a dois de seu filhos adolescentes. Hoje em dia, como sabe o distinto leitor, não se consegue esconder mais nada. No dia seguinte, a notícia estava no jornal, no rádio, na tevê, nas redes sociais.

Manuel Valls

Manuel Valls, primeiro-ministro da França

Políticos da oposição não deixaram escapar a ocasião. Unanimemente, condenaram a largueza do primeiro-ministro, acusado de fazer turismo em família à custa do contribuinte. É verdade que cada viagem num avião Falcon do governo movimenta grande número de colaboradores, técnicos, seguranças e custa uma nota preta, coisa de quatro mil euros por hora. Sem contar o combustível.

Acuado, Monsieur Valls pediu socorro a Michel Platini, que preside a Uefa – a organizadora do campeonato. Monsieur Platini confirmou que o primeiro-ministro tinha viajado a Berlim a seu convite. Não funcionou. Na França, a grita só fez aumentar. Nesta quarta-feira, a mídia não falava em outra coisa. Uma providência tinha de ser tomada para apagar o incêndio.

Crédito: Kopelnitsky, EUA

Crédito: Kopelnitsky, EUA

Monsieur Valls decidiu vir a público fazer seu mea-culpa. Não pediu desculpas, mas fez pronunciamento contrito e apaziguador. Disse que, se fosse possível voltar no tempo, não refaria a viagem. Prometeu ressarcir o erário do valor da passagem dos filhos: 2500 euros.

Pronto, pode-se virar a página. Malfeito confessado é malfeito (quase) perdoado.

Fiquei pensando no petrolão. Fiz as contas, comparei, pesei e… achei melhor pensar em outra coisa. Pra evitar ficar deprimido. Afinal, a primavera está tão linda, as árvores com folhas novas, os passarinhos cantando. Uma beleza.

Sangria de gente e de dinheiro

José Horta Manzano

Interligne vertical 12«Pregúntele a los brasileños acaudalados por qué se están mudando al sur de Florida y mencionarán las altas tasas de criminalidad y la moribunda economía de su país.

Sin embargo, hay otra explicación que Alyce M. Robertson, directora de la Autoridad de Desarrollo del Centro de Miami, escuchó con frecuencia en sus recientes viajes de negocios a Brasil: “Dilma”.»

Meus distintos e cultos leitores hão de ter entendido a citação acima, extraída do jornal hondurenho La Prensa, 8 fev° 2015. De fato, o artigo informa que brasileiros endinheirados buscam o sul da Florida para escapar da violência e da «economia moribunda» do Brasil. Outro motivo citado com frequência para a fuga é simplesmente: “Dilma”. Sem comentários.

Imigração 5Ninguém quer ser o último a sair do País, aquele que vai apagar a luz do aeroporto. Embora o êxodo se esteja acentuando estes últimos anos, não é de hoje que brasileiros abastados procuram escapulir do ambiente agressivo do país de origem. Uns poucos optam pela Europa, mas a grande maioria gosta mesmo é dos EUA.

Já repararam que todo latino-americano tem uma quedinha especial pelo grande irmão do Norte? Isso vale até para os que nutrem forte antipatia por aquele país. Ou alguém já viu algum arauto do antiamericanismo transferir-se, de mala e cuia, para Cuba ou para a Venezuela?

Miami 1O jornal hondurenho ressalta que Miami se tornou a maior cidade brasileira fora do Brasil. Estimativas indicam que 300 mil compatriotas vivem nos arredores daquela metrópole. As estatísticas mostram também que 51% dos turistas que visitam a região são brasileiros.

Em 2010, os brasileiros investiram menos de um bilhão de dólares em compra de imóveis no exterior. Três anos depois, a cifra subiu para perto de três bilhões e meio. De dólares.

Os pioneiros, aqueles que se transferiram ao sul da Florida décadas atrás, constituíram o pedestal sobre o qual se assenta a corrente migratória atual. Os primeiros que lá chegaram abriram as primeiras lojas dedicadas a brasileiros, supermercados, bares, restaurantes, açougues, cabeleireiros, agências imobiliárias. Todos os serviços, enfim, aos quais estamos acostumados.

Compra de propriedades no exterior por brasileiros 2007 a 2013, em bilhões de dólares

Compra de propriedades no exterior por brasileiros
2007 a 2013, em bilhões de dólares

Ao encontrar infraestrutura montada, os novos imigrantes se sentem em casa. E vão ficando. E contribuem para reforçar o pedestal onde se virão apoiar novos imigrantes. Está formado o círculo virtuoso.

Imigração 3Ninguém abandona a terra natal de coração leve. Se centenas de milhares de conterrâneos se foram – e justamente os mais endinheirados – é porque a coisa tá realmente preta. É uma pena. É de mau agouro para o Brasil de amanhã.

Os mais abastados são os que mandarão os filhos às melhores escolas. Estatisticamente, essa segunda geração será mais bem formada do que a média de nossa juventude nacional. Sendo jovens criados e escolarizados nos EUA, é pouco provável que retornem à terra dos pais. Prejuízo para quem ficou pra trás.

Enfim, que fazer? Esse é mais um efeito colateral do inacreditável descalabro que transpira por todos os poros da administração pública brasileira.

Falam de nós – 4

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Algemas 1Estelionatário
O jornal irlandês The Irish Times dá destaque ao voto do STF em favor da extradição de um certo Michael Lynn, cidadão da República da Irlanda. O homem é procurado por dezenas de crimes de estelionato. Está encarcerado em Pernambuco.

Em princípio – digo bem em princípio – a presidente deve assinar, em breve, o decreto de extradição. Com aquela gente, nunca se sabe. Está ainda na memória de todos o caso Battisti. Foi quando assistimos todos ao constrangente espetáculo de ver o italiano, acusado de numerosos crimes de sangue, ser acolhido pelo Brasil companheiro como perseguido político.

Portanto, todo cuidado é pouco. Talvez seja um pouco tarde para salvar o fugitivo irlandês. Se ele tivesse pensado em se afiliar ao partido dominante, quem sabe? Teria muita chance de ser acolhido nesta terra onde ainda sobram algumas palmeiras e poucos sabiás.

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Plataforma petróleoInvestimento
O portal financeiro alemão Finanzen informa que o governo brasileiro pretende investir estes próximos anos na construção naval e portuária. O objetivo é apoiar a exportação de petróleo, cuja produção deve dobrar daqui a seis anos.

Li e reli para ter certeza de que o que estava escrito era isso mesmo. Era. Não sou previsor financeiro nem perito em exploração de petróleo. Mas a situação atual aponta para um futuro menos risonho. O bom senso faz crer que seis anos não serão suficientes para desempacar a construção naval e a extração de petróleo. Muito menos para fazê-los subir de patamar.

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Visto americano
O Portal Univisión – braço da gigante mexicana Televisa – traz informe interessante. Transcreve estudo solicitado pelo governo dos EUA sobre as consequências de hipotética ab-rogação da obrigatoriedade de visto para brasileiros que desejem viajar àquele país.

Disneylandia 1Caso fosse concedida isenção, estima-se que turistas brasileiros deixariam nos EUA 5,5 bilhões de dólares extras nos próximos cinco anos. É mais de um bilhão por ano, quantia significativa até para político corrupto ou para assaltante da Petrobrás.

Com a abolição do visto, o período 2015-2019 deveria registrar afluxo de 14,3 milhões de brasileiros. Desse total, calcula-se que 1,2 milhões terão decidido viajar em consequência da queda do visto.

Com a exceção dos dinossauros que se deixam guiar por ideologia jurássica para orientar a política externa brasileira, autoridades não costumam desprezar entrada de divisas. Portanto, é forte a probabilidade de a exigência de visto cair.

Vamos! Enterre o boné no cocuruto e vamos andar de xícara!

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Efeito colateral

José Horta Manzano

Um dos trunfos da Suíça é a atratividade turística. E não é de hoje: este é considerado o primeiro país a ter hospedado turistas regulares.

DiligenciaAté 150 anos atrás, viajar era muito complicado. Por mais dinheiro que se tivesse, viajava-se em desconfortáveis carroças puxadas por cavalos. Estradas eram pedregosas, pontes eram precárias e estalagens de beira de estrada, duvidosas.

A Revolução Industrial, que desabrochou no Reino Unido duzentos anos atrás, teve duas consequências que afetaram diretamente o deslocamento das gentes. Por um lado, a invenção da máquina a vapor permitiu a implantação de estradas de ferro, que facilitaram as viagens. Por outro, famílias burguesas subitamente enriquecidas passaram a ansiar por temporadas longe das brumas britânicas.

Para essa gente enricada, a Suíça era excelente opção. Não temos aqui o sol nem o calor da Itália ou do sul da França. Em compensação, para quem vem da Inglaterra, a distância é menor e a viagem, mais rápida. Como na orla mediterrânea, aqui também os britânicos escapam à umidade, à chuva e ao vento – fenômenos constantes em suas ilhas.

Suisse 3Naqueles tempos, eles não vinham para alguns dias. Quando viajavam, traziam família, armas e bagagens. Vinham para temporada de alguns meses. Montreux era ponto turístico apreciado, assim como toda a orla do Lago Léman.

Turismo 3Mas o mundo gira e as coisas mudam. Nas terras da rainha Elisabeth, a sociedade se transformou um bocado. A Suíça já não é o destino principal de ingleses e escoceses. Com o passar das décadas, outros visitantes foram substituindo os ingleses ricos.

Antes da popularização dos voos fretados (em brasileiro: charter flights), turistas da Europa do Norte eram fregueses habituais. Hoje em dia, a Tailândia e a República Dominicana, accessíveis em poucas horas de viagem, nos fazem concorrência. E os preços são até inferiores.

Ricos árabes dos Emirados continuam a visitar estas montanhas. Vêm nos meses de verão para escapar da fornalha em que se transformam suas terras desérticas. Russos e chineses endinheirados também apreciam esta região.

Mas, no fundo, bom mesmo é turista brasileiro rico. São gente animada, vêm com a família inteira, ficam semanas, gastam muito, dão gorjetas de nababo, compram tudo o que lhes passa pela frente. São clientes ideais para as butiques de luxo, bem-vindos onde quer que apareçam. Qual é o comerciante que não abre os braços para freguês abonado?

Suisse 2Mas… tudo o que é bom acaba. Juízes malvados estão mandando nossos amados visitantes para a cadeia, pode? É muito injusto. O comércio helvético já está começando a se ressentir da falta desses preciosos turistas.

Já ouvi dizer que associações comerciais helvéticas estão preparando um protesto oficial a ser encaminhado a quem de direito, no Brasil. Rogam às autoridades brasileiras que sejam clementes. Imploram a juízes que ponham a mão na consciência e não permitam que a ausência prolongada desses figurões – verdadeiros benfeitores do comércio suíço – provoque uma crise no país alpino.

Como veem meus distintos leitores, a alegria de uns pode ser a tristeza de outros.

Hôtel de Ville

José Horta Manzano

Você sabia?

Uma distinta e cara leitora me pergunta a razão pela qual os franceses dão o nome de «Hôtel de Ville» à sede do Executivo municipal. Resolvi responder-lhe num post, assim, todos aproveitam. A explicação é interessante.

Com a popularização gerada pelo turismo, de cem anos para cá, o termo francês «hôtel» ganhou mundo com o sentido de lugar que dá cama e comida a gente de passagem. Substituiu palavras tradicionais como paragem, albergaria, pousada, estalagem, locanda, hostal.

A língua que mais resiste ao termo é o italiano. Na península, a antiga forma «albergo» continua firme e forte. Na fachada, escrevem “hotel”, que é palavra internacional. Na hora de falar, no entanto, todos se referem a «albergo». E ninguém abre mão.

Hotel des FinancesHá uma curiosidade, no entanto. Em francês, pasme!, a acepção primeira de «hôtel» é «demeure vaste et somptueuse» ― solar vasto e suntuoso. Usada nesse sentido, a palavra «hôtel» será mais bem traduzida em nossa língua por «palácio» ou, melhor ainda, pelo desueto e charmoso «palacete».

É justamente esse o sentido presente na expressão «Hôtel de Ville»: Palácio da Cidade. Que, aliás, anda de mãos dadas como nosso «Palácio da Justiça».

Os dois soberbos Palacetes Prates, em São Paulo (ambos já substituídos por insossas torres de vidro) Foto de Theodor Preising (1883-1962), fotógrafo alemão

Os dois soberbos Palacetes Prates, em São Paulo
(ambos já substituídos por insossas torres de vidro)
Foto de Theodor Preising (1883-1962), fotógrafo alemão

Ao edifício-sede do fisco também se costuma dar o nome de hotel. Temos, aqui em Genebra, o «Hôtel des Finances», correspondente genebrino da Receita Federal. Parece que, de vez em quando, algum desavisado turista estrangeiro se achega à recepção pra perguntar se tem quarto livre.

Não justifica

José Horta Manzano

Aporrinhado por uma hecatombe de acontecimentos ruins ― derrota doída no gramado, vaias e apupos recorrentes, inflação em alta e outros males crônicos ― o Planalto se vê na urgente e ingrata obrigação de encontrar notícias boas.

Já faz fários anos, o ministro Mercadante, fiel escudeiro da Casa Civil, disse uma vez que havia tomado a decisão irrevogável de retirar-se do governo. Não só não saiu, como até hoje está lá. A firmeza e a exatidão de suas palavras têm, desde então, o valor que cada um queira lhes atribuir.

Turismo 3Pois bem, o senhor Mercadante acaba de apresentar balanço turístico do período da «Copa das copas». Afirmou, com indisfarçado orgulho, que mais de um milhão de turistas estrangeiros visitaram o Brasil.

Um número isolado, sem referencial, é pouco significativo. Para ser avaliado, falta saber quantos turistas costumam visitar o País a cada ano. Melhor ainda, é bom verificar como se situa nosso país-continente na escala internacional da movimentação turística.

Dados do Ministério do Turismo garantem que 5,7 milhões de turistas estrangeiros aportaram no Brasil em 2012. Grosso modo, ano sim, outro também, dá meio milhão de pessoas por mês. Portanto, do milhão de indivíduos assinalados pelo senhor Mercadante durante o mês do mundial, há que subtrair o meio milhão que viria de qualquer maneira. No frigir dos ovos, o campeonato atraiu apenas 500 mil visitantes extras.

Agora, convenhamos. Considerando que a Copa exigiu investimento de 25 bilhões, o resultado é pífio. Com muitíssimo menos, o Ministério do Turismo deveria poder atrair turistas ― afinal, é para isso que ele serve. Se não tem conseguido alçar o número de visitantes, é por incompetência.

Torneios de futebol, embora sejam eventos de repercussão planetária, têm duração muito curta. Efêmeros, seus efeitos não se prolongam no tempo. Senão, vejamos: alguém se sente impelido a visitar a África do Sul na esteira da Copa que ali se realizou quatro anos atrás?

Reproduzo aqui dados da Organização Mundial do Turismo, órgão da ONU, relativos ao movimento turístico global:

Número de turistas estrangeiros recebidos
em cada país – Dados de 2012
———————————-———————————-——————————————-
 1. França         84,0 milhões
 2. EUA            63,3 milhões
 3. Espanha        58,7 milhões
 4. China          58,6 milhões
 5. Itália         46,1 milhões
 6. Turquia        36,7 milhões
 7. Reino Unido    29,2 milhões
 8. Alemanha       28,4 milhões
 9. Malásia        24,1 milhões
10. México         23,4 milhões
11. Áustria        23,0 milhões
12. Rússia         22,6 milhões
13. Hong Kong      22,3 milhões
14. Ucrânia        21,4 milhões
15. Tailândia      19,0 milhões
16. Canadá         18,2 milhões
17. Saudi-Arábia   17,6 milhões
18. Grécia         14,4 milhões
19. Polônia        13,3 milhões
20. Macau          12,9 milhões
21. Holanda        11,3 milhões
22. Singapura      10,3 milhões
23. Hungria        10,2 milhões
24. Croácia         9,9 milhões
25. Coreia do Sul   9,7 milhões
26. Egito           9,4 milhões
27. Marrocos        9,3 milhões
28. Dinamarca       8,7 milhões
29. Rep.Tcheca      8,7 milhões
30. Suiça           8,5 milhões
——————————-
… Brasil          5,7 milhões

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Receitas trazidas pelo turismo internacional
a cada país – Dados de 2012 (em dólares)
—————————————–—————————————–—————————-
 1. EUA          126,2 bilhões
 2. Espanha       55,9 bilhões
 3. França        53,7 bilhões
 4. China         50,0 bilhões
 5. Macau         43,7 bilhões
 6. Itália        41,2 bilhões
 7. Alemanha      38,1 bilhões
 8. Reino Unido   36,4 bilhões
 9. Hong Kong     32,1 bilhões
10. Austrália     31,5 bilhões
——————————–
… Brasil         6,6 bilhões

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Verificamos que cada estrangeiro em visita ao Brasil gasta em média 1160 dólares. Portanto, os turistas suplementares que a “Copa das copas” nos trouxe hão de ter gasto menos de 600 milhões no total.

É muito pouco para justificar os bilhões investidos. É urgente procurar outro legado.

De camisa florida

José Horta Manzano

Você sabia?

Palmeira 1Se eu lhes perguntar qual é o país mais visitado do mundo, que é que me responderão? Pois eu lhes conto: em números absolutos, a França, com 83 milhões de visitantes, ganha de longe.

Mas há uma outra resposta. Se considerarmos a quantidade de turistas como porcentagem da população residente, o panorama é mais nuançado. Com magros 800 habitantes, o minúsculo Estado do Vaticano ganha disparado, milhas à frente do segundo classificado. Cinco milhões e meio de estrangeiros passam por lá a cada ano, o que dá 6500 visitas por habitante. Uma enormidade.

Há que conceder que mini- e microestados falseiam as estatísticas. São ponto fora da curva ― expressão em voga atualmente. Melhor observar o que se passa em países de tamanho habitual.

Pelo critério de visitantes como porcentagem da população, os países europeus são campeões. Em primeiro, aparece a Áustria que, com população de 8 milhões e meio, acolhe 24 milhões de visitantes a cada ano. Dá quase três turistas por habitante! Logo atrás, vem a Croácia, destino apreciado para as férias de verão. No total, uns dez estados europeus recebem turistas em número superior ao de sua própria população.

Turismo no mundo Fonte: The Telegraph, UK

Turismo no mundo
Fonte: The Telegraph, UK

E como é que ficam as Américas? Ao norte, o Canadá se sai bem: os visitantes representam 46% da população. Os EUA, onde os forasteiros de passagem equivalem a 21% da população também não podem reclamar. As Antilhas são constituídas por microestados, fato que perturba o resultado estatístico.

Vamos falar da América do Sul. Quem seria o campeão? Difícil adivinhar, não é? Pois é nosso vizinho Uruguai. Visitantes representam 80% da população do país. Atrás dele, está o Suriname (45%). A Guiana (22%), o Chile (20%) e a Argentina (14%) seguem mais descolados.

E nosso país, como é que anda? Pois saibam que fica na rabeira da classificação continental, em penúltimo lugar. Os 5 milhões e meio de pessoas que visitam o Brasil perfazem apenas 2,86% da população local. Pior que nós, só a Venezuela.

Turismo 2E por que um afluxo de turistas tão diminuto em nossas terras? A lógica ensina que, quanto maiores forem os atrativos turísticos, mais visitantes virão. O Brasil tem beleza natural de sobra, cachoeiras, praias, pantanais, sol, calor. O que é que atravanca a vinda de mais gente?

A distância não há de ser: China, Nova Zelândia, Chile ― todos longe dos grandes centros emissores ― recebem proporcionalmente mais turistas que nós. Até Paraguai e Bolívia nos ultrapassam.

Não tenho respostas, infelizmente. Tenho apenas conjecturas ― e elas não são nada risonhas.

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Obs 1: Os dados vêm da Organização Mundial do Turismo, órgão da ONU, e se referem ao ano de 2012.

Obs 2: Vale a pena examinar de perto o resultado de cada país. Clique no mapa para ter acesso ao site do jornal inglês The Telegraph. Em seguida, uma clicada em cada país vai-lhe dar a população, o número de visitantes e a porcentagem.

Imagem esgarçada

José Horta Manzano

Um caro amigo me pergunta como o Brasil está sendo visto ultimamente do exterior. Aproveito a ocasião para compartilhar minhas impressões com todos os leitores.

Durante 500 anos, o Brasil acumulou, junto aos europeus, um forte capital de simpatia. Até o século XIX, nosso país era visto como um eldorado: belo e rico, embora longínquo e inatingível.

A partir dos anos 1850, com o aparecimento do navio a vapor, terras antes apenas sonhadas passaram a ser alcançáveis. Ainda não era propriamente o que hoje conhecemos como turismo. Os que desembarcavam no Brasil e noutros destinos norte e sul-americanos vinham para ficar. Eram imigrantes.

Um pouco por orgulho, um pouco porque era verdade, um pouco para não dar preocupação aos que tinham ficado na terra de origem, os imigrantes costumavam ocultar as agruras de seu quotidiano e dar somente as boas notícias. Douravam a realidade.

O passar dos anos firmou no imaginário europeu a ideia de uma América povoada por gente rica, próspera, feliz e sem problemas.

Fare l’America (=fazer a América), expressão hoje em franco desuso, era, para os italianos, sinônimo de enriquecer.

Oh, ce n’est pas le Pérou! (=oh, não é o Peru!) equivale até hoje, entre os franceses, ao nosso popular não é nenhuma Brastemp, para significar que algo não é lá tão precioso assim. Sinal evidente de que, na fantasia europeia, o eldorado se situava em terras sul-americanas.

La vie parisienne Jacques Offenbach, 1866

La vie parisienne
Jacques Offenbach, 1866

No primeiro ato da Vie Parisienne (1866), ópera-bufa de Jacques Offenbach (1819-1880), aparece o ultrafamoso Rondó du Brésilien. A letra, muito extensa, começa assim:

Interligne 3eJe suis brésilien, j’ai de l’or
Et j’arrive de Rio-de-Janère
Plus riche aujourd’hui que naguère
Paris, je te reviens encore!

Sou brasileiro, trago ouro
e estou chegando do Rio de Janeiro
mais rico hoje do que antes.
Paris, volto mais uma vez!

É uma caricatura, mas deixa entrever o brilho que surgia nos olhos europeus quando se mencionava o nome de nosso País.

Até não muitos anos atrás, o Brasil conservava intacta essa imagem de conto de fadas. Quem assistiu ao filme L’homme de Rio (=o homem do Rio), que Philippe de Broca fez em 1964, pôde constatar a simpatia com que nossa terra era encarada.Interligne 37g

Passaram os anos. Hoje em dia, tudo se sabe, não dá mais para esconder. Já faz uns 20 ou 30 anos que os Europeus começaram a se dar conta de que, embora habitado por gente sorridente e acolhedora, nosso País tem problemas pesados. O que assusta quem vem a passeio não é a situação econômica, a inflação, o sistema nacional de saúde, a instrução pública. O que afugenta os turistas é a criminalidade.

Para piorar o quadro, todos os estrangeiros ficaram com um pé atrás ao constatar que, de uns 10 anos para cá, o Brasil tem insistido em se meter em más companhias. Ser sócio do mesmo clube que Ahmadinejad, os Castros, Chávez e outros mandarins de mesmo jaez não enche de confiança os turistas potenciais.

L'homme de Rio Philippe de Broca, 1964

L’homme de Rio
Philippe de Broca, 1964

A inacreditável imagem de um cantor de rap assassinado em pleno palco, quando se apresentava em Campinas, deu a volta ao mundo. Aqui está um exemplo, no jornal suíço Le Matin. Os comentários dos leitores são sintomáticos.

Para completar o cenário, a convulsão social generalizada que se viu durante a copinha não ajudou. Pelo contrário. Ninguém teria a ideia de fazer turismo atualmente no Afeganistão, no Iraque ou no Egito. Por que razão viriam ao Brasil, se os riscos de violência são de mesma natureza?

Os clichês costumam durar. A aura de simpatia que emoldurava o Brasil anda se esgarçando. Mas ainda não está tudo perdido. No dia em que nossos mandachuvas decidirem ― de bom grado ou à força ― a servir ao povo que os elegeu, teremos entrado no caminho da recuperação. Vamos torcer para que esse dia chegue logo.

De caniço e samburá

2006-0117-30a

Este não pode

Você sabia?
José Horta Manzano

Na maior parte dos países europeus, a pesca de lazer é regulamentada. Não pesca quem quer, onde quer, como quer, nem quanto quer. Tem de ser tudo direitinho, como manda o figurino.

Alguns anos atrás, recebi por alguns dias a visita de um amigo japonês. Era verão, estávamos na França à beira de um lago, e meu amigo ― pescador diletante ― exprimiu seu desejo: gostaria de pescar por aqui. Que peixe dá?

Eu não sabia, mas fui-me informar. As variedades de peixes consegui logo descobrir, esse não foi o problema. A complicação veio em seguida. Para pescar na França, precisa ser membro de uma das 4200 associações reconhecidas pelo estado. Os sócios pagam uma anuidade que lhes dá o direito de pescar.

Mas a França é país altamente turístico. Os visitantes de passagem, como meu amigo, não foram esquecidos. Pode-se pagar por uma autorização temporária de uma ou duas semanas. Sai proporcionalmente mais caro, mas, pelo menos, o turista poderá empunhar seu caniço dentro da lei.

Dentro da lei? Um momentinho, ainda faltam algumas instruções. As associações de pescadores amadores fornecem um manual com as regras a serem absolutamente respeitadas. Não é um manualzinho, é um livrão, mais impressionante que esses catálogos escritos em 42 línguas, que acompanham os eletrodomésticos.

2006-1027-03a

Este pode

Meu amigo japonês quase caiu de costas quando ficou sabendo. Disse que, no Japão, a coisa é bem diferente. A pesca de lazer é livre, cada um pesca o peixe que quiser, onde preferir. No entanto, neste vasto mundo, nem que o pescador se chame Raimundo encontrará a solução. (Com a necessária piscadela cúmplice a Drummond.)

Leigo no assunto, sou incapaz de traduzir em tupiniquim o jargão do mundo da pesca amadora. As técnicas descritas no manual são sete. Há cinco tipos diferentes de material de base, sem contar os accessórios. A pesca pode ter lugar em água doce em movimento, em água doce parada, no mar próximo à terra, em mar aberto. A variedade de iscas, nós, linhas é vasta. Há lugares onde é permitido pescar. Vinte metros mais à frente, já pode ser proibido. O bom pescador terá obrigatoriamente de carregar ― no bolso ou no samburá ― um mapa especificamente desenhado para a pesca naquela precisa região.

Não se pesca a qualquer momento do ano, não. Tudo varia conforme a região, o tipo de linha, o tipo de material, o ponto do rio ou do lago. Certas espécies podem ser pescadas o ano inteiro, enquanto outras só podem ser apanhadas algumas semanas por ano.

Há variedades de animais protegidos. Se, por desventura, um deles vier a ser capturado, tem de ser solto e devolvido imediatamente à água. O bom pescador tem de ir à faina munido de uma régua. Cada espécie de peixe tem um comprimento mínimo, abaixo do qual terá de ser devolvido à vida.

E ai de quem ousar desobedecer. Fiscais estão à espreita para aplicar multa aos contraventores. E a multa pode ser pesada, cuidado!

Meu amigo japonês achou que era mais simples comer um sushi num restaurante típico. Mesmo que não fosse preparado na hora, na frente do freguês…