Aventura no consulado

José Horta Manzano

Faz alguns dias, publiquei um artigo sobre o preço exagerado do passaporte brasileiro. Mostrei também minha indignação com a profusão de nossas representações diplomáticas em partes do mundo onde são claramente supérfluas.

Semana passada, estive no consulado do Brasil em Genebra para tirar novo passaporte, que o meu acaba de vencer. Comparado com o de dez anos atrás, o atendimento melhorou, está mais civilizado. Ainda assim, a recepção me pareceu fria e distante. Está mais com cara de repartição pública do que tinha sido da última vez, cinco anos atrás.

Dizem que todo grupo de pessoas assume características do chefe. Tive o prazer de conhecer o embaixador que exercia as funções de cônsul-geral até poucos anos atrás, um gaúcho boa cepa. O atendimento de então se parecia com ele. A acolhida amistosa fazia que a gente se sentisse bem-vindo. Por razões que não cabe aqui explicar, o embaixador foi despachado para o outro lado do planeta. O atual ocupante do cargo será talvez dono de personalidade mais austera, o que explicaria a acolhida menos efusiva.

Para ser atendido, convém marcar hora por internet ou por telefone (agora se deve dizer «agendar», verbo com o qual tenho dificuldade em me acostumar). No consulado, apesar da aparência de modernidade, a marca da negligência nacional continua presente. O burburinho e a agitação dos presentes contrastam com o comportamento silencioso e organizado do país. Como se sabe, no Brasil, as coisas não costumam ser claras e nítidas. Tudo é mais ou menos. No consulado de Genebra, essa impressão já começa pelo prédio. Há outros escritórios e firmas no mesmo edifício. No térreo, há elevador dos dois lados. Não está escrito qual deles serve o consulado. Talvez todos cheguem lá, mas não há indicação.

Vencida a etapa do elevador, você chega ao andar e entra. No imenso salão, logo enxerga, à sua frente, quatro guichês numerados de 1 a 4. Entre você e os guichês, umas três fileiras de quatro cadeiras cada uma, todas de frente para os guichês, como se estivesse lá um palco. Para o lado direito, o salão se espicha, largo e comprido. Serão uns dez metros de largura. Não dá pra ver o fim, de tão longo que é.

Falta cor no chão, nas paredes, no sóbrio mobiliário, no teto rebaixado. Através de uma parede de vidro, percebe-se um jardim interno, dotado de iluminação natural. A entrada não é franqueada ao distinto público. Acostumados à sociedade compartimentada do Brasil, os frequentadores devem achar normal. Não há nenhuma máquina distribuidora de café, bebidas e salgadinhos. Dado que são aparelhos que não acarretam custo ao consulado, a gente fica sem entender por que ninguém pensou nisso.

Vê-se gente por aqui e por ali, grupinhos conversando, um ou outro apoiado em mesinha preenchendo um formulário, dois ou três carrinhos de bebê sem passageiro. Nenhum relógio nas paredes. Várias telas de vídeo, todas com imagens fixas, imóveis e inúteis que teimam em indicar: «guichê n° 1, senha n° 1». Não vi distribuidor de senhas.

Você pára, olha, e fica sem saber o que fazer. Não há um estandezinho de informações para orientar. Nenhuma indicação escrita. Estava eu parado, olhando para um lado e para o outro, sem saber se corria ou se gritava. De repente, uma mocinha mais caridosa, atrás de um guichê vazio, fez sinal pra me aproximar. Dei meu nome. Depois de conferir no computador, ela me disse, apontando para o fundo do corredor comprido: “O senhor pode esperar em frente aos guichês, que será chamado pelo nome”. Agradeci. Os guichês? ‒ pensei. Haverá outros? Caminhei até a outra ponta do corredor, uns 100 passos. A paisagem era idêntica à da entrada: outros quatro guichês enfileirados, numerados de 1 a 4, e as fileiras de cadeiras alinhadas em frente. Sentei-me numa delas e esperei.

Passeando os olhos ao redor, vi cartazes com os dizeres «Você nunca é culpada! Chame 180». Fiquei imaginando o que pudesse significar. Mais tarde, soube pela internet que é o número de telefone de uma central que, no Brasil, cuida de mulheres maltratadas. Fiquei sem entender a razão pela qual esses cartazes enfeitavam paredes aqui, a dez mil quilômetros de distância. Cogitei que seria mais útil criar uma hipotética Central de Amparo ao Imigrante Clandestino. Juro que a central telefônica havia de explodir.

De repente, uma mocinha detrás de um dos guichês me chama pelo nome. Me senti muito importante! Com certa decepção, constatei que atendentes não sorriem mais. Executam ordens. Mostrei os documentos. Me mandou encostar os dedinhos (os dez!), um por vez, no visor de vidro de uma geringonça que tira impressões digitais. O paninho e o vidro de álcool desinfetante, presentes da vez anterior, não estavam mais lá. Vivemos tempos de penúria. Deixei de lado o nojo e me verguei à ordem. Ainda argumentei que já tinha deixado ali minhas impressões digitais cinco anos antes. Por que repetir o processo? Data de nascimento e impressões digitais não costumam mudar. Ela retrucou que o sistema era assim mesmo e que, por favor, seguisse as instruções. Segui.

Daí mostrei o recibo do pagamento de 150 francos (quase 500 reais), feito oito dias antes em agência de correio, em benefício do consulado. Ela olhou e me disse que ia conferir se o dinheiro tinha chegado. Já um tanto incomodado, esclareci que, aqui na Suíça, os Correios são uma instituição. O carimbo aposto no papelzinho garante que o pagamento foi efetuado. Tem fé pública e não permite discussões. Ela não pareceu abalada. Guardou o recibo assim mesmo para conferir. Eu já estava começando a ficar alterado. Afinal, faz décadas que renovo meu passaporte no mesmo consulado. Já deviam ter um arquivo com meus dados, não?

Nisso, a mocinha viu de relance, na minha pasta de documentos, minha cédula de identidade e meu título de eleitor, documentos não exigidos para renovar o passaporte. Pediu os dois. Eu fiz notar que meu RG, tirado 52 anos atrás, mostra uma foto que já não identifica o titular. Quanto ao título, que hoje é um papelzinho sem foto, não identifica ninguém. E tem mais: para fins eleitorais, sou domiciliado exatamente naquele consulado que, portanto, tem todos os meus dados.

Ela foi-se embora dizendo que ia «processar» meu passaporte. Fiquei imaginando como se «processa» um passaporte. A primeira impressão que me veio à mente foi a de uma fábrica de salsicha ‒ com ou sem papelão, tanto faz. Acho que ela quis simplesmente dizer que ia «fazer», «preparar» ou «aprontar» o documento. Me pediu que voltasse à poltroninha e que lá aguardasse. Fui e fiquei quietinho.

Apreciei de novo, de longe, os cartazes insistindo pra eu ligar, sem medo, para o 180. Ao lado, havia outro cartaz mencionando que a lei número tal confere prioridade no atendimento a pessoas com mais de 60 anos, grávidas, portando criança de colo e com sobrepeso. Fiquei matutando como seria possível alguém ter mais de 60 anos, estar grávida, obesa e ainda aparecer carregando criança no colo. Ah, essas negligências na formulação de leis ainda hão de nos atormentar por muito tempo.

O tempo de espera começou a parecer longo. Divaguei. Empaquei nessa lei que privilegia uns com base na aparência. Considerei que velhice não é doença. Gravidez tampouco. Para carregar criança, existem hoje em dia carrinhos muito práticos e levinhos. Constatei que a lei se limitava a casos visíveis, omitindo os demais. Como ficam pessoas com câncer, insuficiência cardíaca, reumatismo, dor na espinha, calo no pé? Ou bem se ajuda a todos os que precisam ou não se ajuda a ninguém. A tal lei me pareceu capenga.

Reparei ainda numa coleção de uma dezena de gravuras penduradas na parede do fundo do imenso salão, reprodução de obras do século 17. Cada gravura de uns 30cm de altura por um metro de largura traz a silhueta, traçada a bico de pena, de cidades europeias. Berlim, Berna, Bordeaux, Antuérpia, Bruxelas estão ali. Tudo coisa fina. Fiquei um tanto nostálgico com a ausência das araras, dos papagaios, do bondinho do Pão de Açúcar, da calçada de Copacabana que costumavam aparecer nos cartazes de antigamente. Os velhos posters da Varig desapareceram com a própria.

Uma hora, a mocinha reaparece e me chama, sempre exibindo fisionomia de esfinge sem sorriso. Vou até lá e, antes de mais nada, boto reparo nas mãos dela. «Ufa!» ‒ pensei ‒ «Ela vem com dois passaportes, sinal de que o novo saiu.» De fato, devem ter constatado que meu pagamento chegou. Com os passaportes, me devolveu o RG e o título de eleitor, mas não o recibo de pagamento. Perguntei onde estava. «O recibo é nosso» ‒ me diz ela. Aí, me empertiguei. «Não, senhora, o recibo é de quem pagou. Vocês ficam com o dinheiro e eu, com o recibo. Sem meu recibo, não saio daqui». Sem saber como reagir, ela me pediu um instantinho e desapareceu.

O instantinho foi longo. Deu pra ouvir um vozerio lá atrás. Acho que não é todos os dias que aparece um conterrâneo tão chato. Mas, sacumé, como eu falo grosso e uso argumentação lógica, costumo obter o que peço. Depois de um tempo, volta a moça com um recibo emitido pelo consulado, com papel timbrado com as armas da República, tudo em cores, numa folha de papel A5, chique que só vendo. Senti-me satisfeito. Desejei à mocinha boa continuação, virei as costas e fui-me embora.

Com meu limitado senso de orientação, foi difícil encontrar a saída. Cheguei a enxergar até a porta do banheiro, mas nada de saída. Não ocorreu ao pessoal do consulado instalar um cavalete com uma seta indicando por onde se deve passar. Acabei encontrando e saí. Sem lenço, mas… com documento.

Deu uma pontinha de saudade do tempo em que a salinha do consulado não tinha mais de dez ou doze metros quadrados. Era um em que, por falta de conterrâneos nesta parte do mundo, o atendente ‒ havia um só ‒ era um simpático senhor português. Era um tempo em que a gente dava uma passadinha no consulado só pelo prazer de manusear um exemplar amarrotado d’O Cruzeiro ou da Manchete ou, com sorte, um exemplar do Estadão ou d’O Globo com notícias do mês anterior. Eram o cordão umbilical de um tempo sem internet. Que fazer? Ninguém segura o progresso.

O preço do passaporte

José Horta Manzano

Coisa mais irritante ter de pagar pela besteira alheia! Pior ainda é ter de pagar pela desonestidade e pela malandragem dos outros. É insuportável. Vamos aos detalhes. Para os que vivem no exterior, documentos brasileiros são de pouca valia. CNH, carteira de identidade, CPF, carteira profissional & assemelhados não ajudam. Um único documento é indispensável: o passaporte.

Com celular, nunca me preocupei. Estou entre os derradeiros a resistir ‒ não por convicção religiosa, mas simplesmente porque até hoje não me fez falta. No dia em que fizer, adoto a moda e entro pro cordão. Passaporte é outra coisa. Não tem jeito, é obrigatório tê-lo. E dentro do prazo de validade.

Outro dia, tive a inspiração de dar uma olhada no meu. Susto: está pra vencer estes dias. Ainda me lembro bem da última vez que renovei, parece que foi ontem. O atendimento no consulado, que antigamente era na base da cotovelada, estava mudado. Gente sorridente e atenciosa, hora marcada, um «faz favor» aqui, um «obrigado» ali, um primor. Na época, cheguei a publicar um artigo sobre o caso. Examinei o documento de novo e vi que, realmente, cinco anos se passaram. Bom, o jeito é renovar mais uma vez.

Renovar é maneira de dizer. Nos tempos em que Matusalém ainda vivia, quando tirei passaporte pela primeira vez, as regras eram outras. O documento era válido por dois anos. Em seguida, podia ser renovado duas vezes, por mais dois anos cada vez. O livretinho ganhava um carimbo atestando a extensão de validade. Depois do sexto ano, era obrigatório devolver o passaporte antigo e receber um novo. Faz já um tempinho que a coisa mudou, mas alguns ainda falam em «renovação». O uso do cachimbo faz a boca torta.

Segui o caminho de qualquer plebeu. Fui ao site do consulado, tomei nota das instruções, preenchi o extenso formulário e marquei hora. Ao descobrir o preço atual do documento, levei um susto. Pedem 150 francos suíços (quase 500 reais)! É dinheiro pra caramba. Não me lembrava de ter pagado tanto assim da última vez. Fui verificar. De fato, cinco anos atrás custou 60 francos, o que já era considerável.

Passaporte brasileiro – modelo novo

Bem, vamos ser coerentes. Os emolumentos que cobram atualmente dão direito a um passaporte válido por dez anos, o dobro da validade antiga. Assim mesmo, a conta não bate. Se cobravam 60 por cinco anos, deviam cobrar 120 por dez, pois não? Levando em conta que a inflação, nesta parte do mundo, é nula há muitos anos, vê-se que o aumento de 25% é real. Um despropósito.

Infelizmente, em matéria de passaporte, não há como negociar. O preço é aquele e fim de papo. Assim mesmo, fico matutando. Sabe-se que enorme contingente de brasileiros vive clandestinamente na Suíça, na União Europeia ou em outras partes do mundo. Em situação irregular, a maioria tem emprego precário, sem registro, com salário de miséria. Não é justo que se os obrigue a desembolsar quantia tão elevada. Pra quem ganha pouco, qualquer despesa extra pesa.

Mas por que é mesmo que as tarifas subiram, se não há inflação? Ah, distinto leitor, os mandos e desmandos da ‘tchurma’ que nos governou estes últimos anos explica muita coisa. De tanto roubar, deixaram o país com uma mão na frente e outra atrás. A conta sobrou pra nós, como punição coletiva. Somos todos obrigados a cobrir o rombo da rapina. Formulo votos ardentes de que todos os responsáveis apodreçam atrás das grades. Do primeiro ao último.

Nota
Na época em que as cartas eram distribuídas pelo megalomaníaco Lula, (mal) aconselhado por «Top-top» Garcia & alii, o Brasil abriu representações no exterior a torto e a direito. Acreditavam que, com isso, transmitiam imagem de país “importante”.

Embaixada do Brasil em Bridgetown, Barbados

Manter uma embaixada funcionando implica custo elevado. Num momento de penúria como o atual, numerosas delas deveriam ser fechadas. Quem precisa de representação em lugares como Barbados, Coreia do Norte, Dominica, Guiné Equatorial, Santa Lúcia, Saint Kitt & Nevis? Que se as elimine! A economia gerada beneficiará brasileiros que, lá fora, dão duro por salário de fome.

Porta aberta

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 5 dez° 2015

Vicente CelestinoNo longínquo ano de 1946, com vozeirão potente que caracterizava cantores da era anterior à chegada do microfone, Vicente Celestino lançou a toada Porta Aberta. Fez sucesso retumbante. Falava da porta de uma igreja que, simbolicamente, se abria para acolher de volta uma ovelha desgarrada, um vivente abandonado pela sorte.

Toda casa costuma ter porta. À discrição do dono, visitas são recebidas ou rechaçadas. A porta se abre para os bem-vindos, cheguem eles para visita de médico, para algumas horas ou até para pousar. Quanto aos indesejados, que procurem outra freguesia. Dono não é obrigado a permitir entrada a quem não lhe convém.

Porta 1Assim como igrejas e casas, país soberano também tem porta. Virtual, ela não está presa por gonzos a nenhum batente. Os nacionais, que têm franqueada a saída do país e a volta a ele, quase não se dão conta da sutil barreira. É que não lhes faz falta nenhuma autorização especial, o que não ocorre com estrangeiros.

Afora casos especiais em que a livre passagem tenha sido sacramentada por tratados – como acontece entre alguns países da União Europeia –, não se entra em terra estrangeira como se adentra o botequim da esquina. Nem todos os viajantes são iguais perante inspetor de alfândega e polícia de fronteiras.

Trafic 4Caso o viajante seja titular de passaporte emitido por país com o qual foi assinado acordo de liberação de visto, terá direito a entrar como turista, por período limitado, sem exercer atividade remunerada. No Brasil e na maior parte do mundo, a permanência padrão é de 90 dias. Na hipótese de o estrangeiro vir a trabalho ou estar planejando longa estada, é imperativo ter obtido previamente visto específico emitido por representação consular brasileira.

Visando a regrar a exigência de documentos, o Brasil – nação soberana e responsável – assinou, ao longo dos anos, convenções com a quase totalidade dos países. Esses acordos, fruto de tratativas cuidadosas, respondem a interesses mútuos. Cidadãos de numerosos países estão dispensados de visto para visita turística de até 90 dias a nosso país. Por razões ligadas à segurança do território e dos habitantes, o Estado brasileiro decidiu não conceder a mesma facilidade a todos. Cidadãos de determinados países só pisarão nosso chão se estiverem munidos de visto obtido no estrangeiro.

Não é segredo para ninguém que a política econômica dos últimos anos deixou o país em estado calamitoso. Rapinagem crônica e gestão arrevesada esvaziaram as burras. Para remediar, nosso governo anda no sufoco, raspando fundo de gaveta e matando cachorro a grito. Na esperança de incrementar o número de turistas que acudirão aos JOs 2016, mentes iluminadas imaginaram suspender a exigência de visto de entrada… para cidadãos de todos os países!

Passaporte 2Sancionada por dona Dilma, a lei já está em vigor. Vale até setembro do ano que vem. Abriu-se um hiato de dez meses durante os quais nosso país virou casa de mãe joana: entra quem quiser. O Brasil abre mão de um dos atributos maiores da soberania tão cara a nosso governo popular: o direito de filtrar a entrada do território. Durante quase um ano, passa qualquer um. Entre sem bater, minha gente, que a boca é livre!

Num mundo assolado por atentados, ataques terroristas e migrações de proporções bíblicas, a decisão é, no mínimo, temerária. Os caraminguás que um hipotético acréscimo de turistas trará não compensam a amplificação dos riscos. Um atentado perpetrado durante os JOs sairá bem mais caro que os dólares adicionais.

Passaporte 1A outra ameaça evidente é a de um acréscimo descontrolado da imigração ilegal. Sem a triagem do visto prévio, qualquer um vai poder se achegar. Ninguém é capaz de predizer o volume desse afluxo. Não é impossível que, daqui a um ano, tenhamos recebido milhões de estrangeiros aos quais, em circunstâncias normais, teria sido negado o visto. É lícito supor que centenas de milhares de viventes abandonados pela sorte – como cantava Vicente Celestino – aproveitem a porta aberta, entrem e não queiram mais sair. Estará armada uma sinuca de bico.

Um quarto de século atrás, o socialista Michel Rocard, então primeiro-ministro da França, pronunciou frase célebre: «La France ne peut pas accueillir toute la misère du monde» – a França não pode acolher toda a miséria do mundo. O Brasil tampouco. No intuito de vestir um santo, estamos despindo outro. Com todos os problemas que já temos, não precisamos correr atrás de mais um. Arrombada a porta, minha gente, será tarde pra botar tranca.

Os de fora ‒ 1

José Horta Manzano

Nós, de fora, também temos obrigação de votar. É só meio voto, mas já é melhor que nada. Por que meio voto? Porque só nos obrigam a escolher o presidente, chefe do Executivo. Quanto a nossos representantes no parlamento, aqueles que levam nossa voz até lá, não os temos. Do ponto de vista da representação democrática, somos cidadãos de segunda linha.

Voto inteiro ou meio voto, o fato é que mais 350 mil conterrâneos que vivem fora das fronteiras estavam inscritos e habilitados a votar. Muitos, desse contingente, se dirigiram àquela maquineta esquisita e despositaram ali crença e esperança.

2014 Exterior Turno 1É compreensível que a taxa de abstenção dos que votam no exterior seja elevada. Diferentemente dos que residem em terras de Santa Cruz, a urna mais próxima não está ali na esquina: pode estar a centenas de quilômetros de distância. Nem todos têm tempo, dinheiro e paciência para fazer o trajeto.

Assim mesmo, formamos contingente de eleitores maior que o do Estado de Roraima. Visto sob o aspecto eleitoral, os brasileiros do exterior constituem a 28a. unidade federativa da República.

Por definição, vivemos todos mergulhados num universo diferente da pátria-mãe. Não fomos bombardeados com propaganda eleitoral. Nenhum de nós recebe bolsa isto ou bolsa aquilo. Nem cesta básica. Isso nos confere certa isenção na hora de votar. Se a gente vota neste ou naquele candidato, será mais por acreditar que levará o País a bom porto, e menos por algum interesse pessoal.

Acredito que a esmagadora maioria dos expatriados brasileiros esteja feliz com os resultados vindos do exterior. Dona Dilma foi a preferida de apenas 18,3% de nós. Dona Marina foi sufragada por 26,1% dos expatriados. E Aécio levou a parte do leão: 49,5%. Por um trisquinho, não teria sido eleito no primeiro turno!

Andei examinando o voto dos brasileiros ao redor do mundo. Salvo alguma discrepância notável, a tendência foi a mesma: Aécio em primeiro, bem distanciado. Marina em segundo. E, na rabeira, dona Dilma.

Discrepâncias, há. Duas são mais gritantes.

Entre os brasileiros residentes em Havana (Cuba), dona Dilma sugou 84% dos votos – um espanto! Eu disse espanto? Nem tanto assim. Pensando bem, Cuba não é exatamente o paraíso sonhado de todo candidato à emigração. Em sua esmagadora maioria, os gatos pingados que vivem na capital cubana hão de ser gente ligada a interesses diferentes do dia a dia do comum dos mortais: Porto de Mariel, pessoal diplomático, pessoal das empreiteiras, espiões, olheiros, lobistas. O voto faz sentido.

Colégio Eleitoral de Caracas, Venezuela

Colégio Eleitoral de Caracas, Venezuela

A surpresa grande está em outro lugar: na velha, boa e muy bolivariana cidade de Caracas (Venezuela). Naquele reduto controlado com o braço armado de um certo señor Maduro, os eleitores puseram Aécio Neves na cabeça. Com 50,75% dos votos, seria eleito no primeiro turno! Sei não. Nossos compatriotas estabelecidos no paraíso moldado por Chávez não dão a impressão de estar muito felizes com a situação.

O meio voto

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 4 out° 2014

O grande dia está aí. Todos os eleitores brasileiros vão escolher presidente, governador, senador e deputado. Infelizmente, felicidade perfeita não existe: o voto, por ter caráter compulsório, deixa de ser direito para tornar-se obrigação, o que, convenhamos, tira a graça e estraga a festa.

Expat 1Melhor dizer que os eleitores brasileiros serão obrigados a comparecer às urnas amanhã. Para escapar (de graça), só há duas vias: voto nulo ou voto em branco. Ao fim e ao cabo, se o cidadão ficasse em casa, o efeito seria o mesmo. Por que, então, obrigá-lo a declarar pessoalmente, a uma máquina, que não lhe apetece escolher ninguém? Um dia alguém ainda há de desvendar essa norma bizantina.

Seja como for, é melhor que nada. Considerando que metade da humanidade não goza do direito de designar dirigentes nem representantes, não podemos nos queixar. E é bom ter juízo ao escolher. Depois, não vale reclamar com o bispo.

Muita gente desconfia daquela engenhoca eletrônica que aposentou e substituiu a boa e velha urna. Prática, ela é. Mas por que será que nenhum outro país sucumbiu a seus encantos nem ao avanço revolucionário que ela garante? Tão prática, segura e rápida, mas… ninguém quer saber dela. Sei não. Fico meio cismado com essa singularidade nacional.

Chega de divagar – vamos aos fatos. Nossa Constituição reza que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são Poderes da União, independentes e harmônicos. Diz ainda que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos.

Expat 2A lei exige a escolha, por sufrágio universal e direto, do chefe do Executivo e dos membros do Legislativo. Características específicas do Poder Judiciário fazem que seus dignitários sejam designados por concurso ou por nomeação. Então, regozijemo-nos! Todos os eleitores brasileiros estão prestes a escolher os protagonistas do Executivo e do Legislativo. Correto?

Não, a verdade é outra. Todos os brasileiros não são iguais perante a urna. Importante franja de cidadãos – maiores, vacinados, civilmente capazes e munidos de título de eleitor – não votará como os demais. Falo dos que residem fora do território nacional, entre os quais me incluo.

Expat 3Se a obrigatoriedade do voto já incomoda muito brasileiro domiciliado em terra pátria, nós outros, residentes em outras plagas, vivemos situação ainda mais esquisita. Somos obrigados a votar, pouco importando que centenas de quilômetros possam nos separar da urna mais próxima. No entanto, nosso voto é cerceado, circunscrito à escolha do chefe do Executivo nacional. Não nos é permitido escolher nosso representante no Legislativo. Temos direito a meio voto. Por que essa bizarria?

Porque a lei não prevê representação para os 3 milhões de brasileiros do exterior – população mais numerosa que a do DF ou a de Mato Grosso do Sul! E pensar que somos justamente os que não reivindicam bolsa nenhuma. Ao contrário, as remessas enviadas pelos compatriotas do estrangeiro revigoram as finanças nacionais. Estima-se que entre 6 e 7 bilhões de dólares sejam por nós injetados, ano sim, outro também, na Economia nacional. Em moeda forte, líquida e certa.

Em 1988, quando se fez a Constituição, brasileiros no exterior eram poucos. De lá para cá, o aumento foi exponencial, mas o legislador não se deu conta. Para defender nossos interesses, continuamos a depender da boa vontade de algum parlamentar caridoso.

Expat 4A França, que tem apenas um milhão e meio de expatriados, acode seus filhos distantes. A Itália também. Ambas permitem que os não residentes elejam certo número de parlamentares para representá-los. Nós não temos esse direito.

Há injustiça e incoerência nessa negação de representação democrática. Se servimos para escolher o presidente, não há razão para que nos soneguem o direito de eleger nossos deputados. Nossos interesses são específicos: transmissão da nacionalidade, serviço militar, casamento misto, registro civil, atos notariais, compra de uma casinha em Xiririca do Brejo, validação de contribuição previdenciária feita no exterior para aposentadoria no Brasil, dupla cidadania, acordos de bitributação. E muito mais.

Para esta eleição, já não há mais jeito, que as apostas estão feitas e a roleta está girando. Rien ne va plus! Só nos resta torcer para que algum parlamentar clarividente – escolhido pelo distinto leitor e pela gentil leitora – se apiade de nossa desdita e lance um projeto de emenda constitucional.

Quem sabe, daqui a quatro anos, o brasileiro do exterior já terá deixado de ser o primo pobre da República.

Comparecimento imediato

José Horta Manzano

Você sabia?

No Brasil, quem sai fora da linha não arrisca muito. Tendo um bom advogado e alguma folga financeira, aí então é moleza. Na falta de dinheiro, o apoio de uma ong qualquer também funciona.

Habeas corpus, prisão domiciliar, regime semiaberto, recursos, chicanas, entrevistas à mídia, protestos, faixas, passeatas contam-se aos montes. Até pedido de asilo político em consulado do Uruguai anda na moda. Cadeia é mesmo só pra pobre desdentado. Gente fina sempre dá um jeito.

Em outras partes do mundo, a coisa não funciona exatamente assim, que lugar adequado para quem afronta a lei é cadeia.

Um grupo havia solicitado à polícia francesa autorização para organizar uma manifestação em solidariedade com o povo palestino. As autoridades não deram permissão. Os manifestantes resolveram passar por cima e sair em passeata assim mesmo. Foi em Sarcelles, arredores de Paris, domingo passado.

Manif 2O que tinha de acontecer, aconteceu. Elementos perturbadores infiltraram-se na passeata e transformaram o cortejo pacífico em manifestação violenta. Vitrinas quebradas, lojas saqueadas, degradação de patrimônio público.

Tivesse ocorrido em nosso País, teria dado em nada. Ultimamente, os deveres andam meio esquecidos ― só valem os direitos. A expressão violenta da opinião de uns poucos tem prioridade sobre o direito à paz e à tranquilidade de que a esmagadora maioria de cidadãos deveria poder gozar.

Na França, tem disso não. A polícia deteve 18 arruaceiros. Foram divididos em grupos, conforme o delito cometido. Os primeiros foram apresentados à Justiça num procedimento dito de comparution immédiate ― comparecimento imediato. Essa fórmula é frequentemente utilizada em caso de pequenos crimes.

Os quatro primeiros foram julgados e condenados já na terça-feira, dois dias depois do tumulto. Três deles pegaram pena de dez meses de prisão ― os quatro primeiros meses em regime fechado e os seis últimos no semiaberto.

Não há consulado do Uruguai em Sarcelles. Nem que houvesse, não adiantaria nada. Preso político é uma coisa, baderneiro é outra.

Que vexame!

José Horta Manzano

«Enquanto não recebermos o salário em dia, não retomaremos o atendimento», disseram os funcionários do Consulado-Geral do Brasil em Paris enquanto fechavam as portas.

Atendimento restrito a emergências

Atendimento restrito a emergências
devido à falta de pagamento dos auxiliares locais

Quem nos traz a notícia é Roberta Namour, correspondente em Paris do site 247.

Como se não bastassem os desacertos de nossa diplomacia, os compatriotas do exterior são largados ao deus-dará. De barriga cheia, nossas autoridades se esquecem de que o mundo não se resume às mordomias palacianas de Brasília.

Deveriam ter sempre em mente que:

Interligne vertical 91. Todo trabalho merece salário.

2. Há três milhões de brasileiros no exterior.

3. Os bilhões de dólares enviados mensalmente ao Brasil pelos expatriados não são dinheiro especulativo. São fundos injetados definitivamente na economia nacional, sem contrapartida.

4. Os brasileiros do exterior votam para presidente da República.

Crédito: 247.com.br

Crédito: 247.com.br

Fica desbeiçada a imagem de Brasil grande que nossa atual administração gostaria de ressuscitar. O país mostra que continua com pés de barro. Deixar de pagar seus funcionários não é sinal de grandeza. Muito pelo contrário.

Hipocrisia

José Horta Manzano

Desde que o mundo é mundo, espia-se o próximo. Desde a esposa que remexe nos bolsos da calça do marido (e vice-versa) até altas esferas do governo do país A que bisbilhota os assuntos internos do país B. Desde o mordomo que escuta atrás da cortina, como nos filmes, até organizações oficiais ― complexas, estruturadas e gordamente financiadas ― especializadas no ramo.

Sempre foi assim e sempre será. No entanto, em nome da coabitação harmoniosa, convém tomar cuidado para manter a discrição. Seja debaixo do teto familiar, seja entre países. Assim como os mafiosos, os espiões também têm sua omertà, seu código de conduta.

Embora não se faça muito alarde sobre o assunto, a cada ano são organizadas em vários países (inclusive no Brasil) dezenas de feiras e exposições especializadas em armamentos. Expõem-se revólveres, carabinas, espingardas, bombas de fragmentação, minas antipessoais, até tanques de guerra. As balas são apresentadas em estojos almofadados. Coisa de louco.

Faz algum tempo, num salão desse tipo organizado em Paris, descobriu-se que os chineses haviam montado, no interior de seu estande, uma complexa central de escuta telefônica. Conseguiam captar todas as comunicações que circulassem via telefone celular no recinto da feira. Alguns poucos jornalistas ficaram sabendo. Para evitar um incidente diplomático, o Estado francês fez questão de abafar o acontecido. Ficou tudo por isso mesmo.

A História (não) registrou milhares de outros episódios de mesmo tipo. Dar publicidade a certos fatos pode ser mais danoso do que fazer de conta que não aconteceu.

Interligne 34e

Estes dias, um jovem com vocação para salvador do mundo tomou a ousada decisão de subir ao telhado para anunciar que espiões espionam. Não contou nenhuma novidade, o infeliz. Nada disse que especialistas no assunto já não soubessem. Mas rompeu velho acordo tácito, atributo básico da velha profissão de espião: manter a discrição a todo custo.

Os países espionados ― os quais, sejamos claros, também se espionam entre si ― mostraram-se indignados. «Oh! Como é possível? Entre amigos?» Esqueceram-se todos de que até marido e mulher cometem a mesma incorreção. Mutuamente, às vezes.

Aeroporto Шереметьево Chirimiêtiva Moscou, Rússia

Aeroporto Шереметьево Chirimiêtiva
Moscou, Rússia

Enfim, cada um tem de representar seu papel nesta grande comédia planetária. Ao mesmo tempo que juram respeito e amizade eterna, todos os países transgridem como podem. Espionam-se uns aos outros na medida da tecnologia de que cada um dispõe. Quando um é apanhado com a boca na botija, vem a grita generalizada: «Céus! Nunca esperava isso de você!».

Quanta hipocrisia! No final, vai ficar tudo por isso mesmo. O mundo não vai acabar. O infeliz denunciante, que tenha feito isso por ingenuidade ou por estrelismo, será o único prejudicado.

Que seja acolhido no Equador, na Venezuela ou no Sultanato de Omã, está condenado a viver em aflição permanente até o fim de seus dias. Terá palpitações a cada vez que tocar o telefone ou a campainha de casa. Não se quebram as regras do métier impunemente.

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Preguiça mental
O site Wikileaks informa que o jovem imprudente enviou pedido de asilo a mais de 20 países. Não sei se por erro de digitação ou por ignorância, a nota informa que o Consulado Russo (sic) no Aeroporto de Шереметьево(*) está despachando os pedidos às embaixadas que os países solicitados mantêm em Moscou. Consulado russo em Moscou? É tão incongruente quanto falar de um consulado brasileiro em Brasília. Vivendo e aprendendo…

Mas não pára por aí. Os funcionários de plantão na Folha de São Paulo e no Estadão, meio sonolentos, repercutiram a informação tal qual a receberam. Engoliram sem mastigar. Confirmam todos a existência de um consulado da Rússia dentro da própria Rússia.

Mundo, mundo, vasto mundo…

 .

(*) Шереметьево = Na Rússia, a pronúncia “Cheremetiêvo” é considerada inculta. Faça como os moscovitas, diga Chirimiêtchiva, numa pronúncia proparoxítona.

Sem cartório, nada feito

José Horta Manzano

Vamos aproveitar que estamos em época de revisões constitucionais, emendas, remendos, ajustes, plebiscitos, referendos e quejandos. Ainda há muita poeira a remover de nosso arsenal legislativo.

Até uns 20 ou 30 anos atrás, o Brasil era país de imigração, um ímã que atraía pobres e menos pobres, deserdados e bem-nascidos dos quatro cantos do mundo. A não ser por razões muito especiais, brasileiros não costumavam fazer o percurso inverso. Nossos conterrâneos estabelecidos no estrangeiro eram poucos. Se lá estavam, era por alguma razão pessoal ligada a trabalho, a casamento, a parentesco.

Consulado

Consulado

Os anos que se seguiram à redemocratização ― a chamada década perdida ― agravaram problemas econômicos já existentes desde o fim dos anos 70, quando se evaporou o chamado «milagre brasileiro». O descontrole chegou a tal ponto que uma ideia antes inimaginável começou a germinar na cabeça de muitos brasileirinhos: deixar o País.

Muitos se dispuseram então a emigrar, atitude inconcebível até poucos anos antes. Os motivos eram os que, desde sempre, empurraram populações inteiras: a busca de melhores condições de vida.

O fato é que hoje, dentro ou fora da legalidade, milhões de brasileiros vivem fora do país natal. Com o passar do tempo, seus descendentes foram aparecendo, todos nascidos no exterior. Em alguns casos, a terceira geração já está despontando.

Diferentemente do que acontece em países que exportam gente há séculos, nossa legislação não estava preparada para esse novo cenário. Na cabeça da maioria dos brasileiros, quem nasce na China é chinês, quem nasce na Alemanha é alemão, e assim por diante. Imaginam que o nascimento determine a nacionalidade.

Como expliquei num artigo de algumas semanas atrás, não é bem assim que acontece. A maioria dos países não concede automaticamente a nacionalidade aos que nascem em seu território.

Parece espantoso, mas os que tricotaram a Constituição de 1988 certamente ignoravam esse fato. Os dispositivos constitucionais passaram a engendrar legiões de apátridas: filhos de brasileiros nascidos no exterior não eram brasileiros, nem cidadãos do país onde haviam nascido. Uma situação singular.

Foi preciso esperar até 2007, para ver a Emenda Constitucional n° 54 aprovada. Com ela, abriu-se enfim a possibilidade de conceder a nacionalidade brasileira aos nascidos no exterior. A legião de apátridas começou a desaparecer. Será mesmo?

Não totalmente. A nova redação do artigo 12, inciso I, alínea c da Constituição da República considera brasileiros os nascidos no exterior, desde que sejam filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira e que sejam registrados em repartição brasileira competente (…). Ora, um bom passo foi dado, mas ainda não chegamos ao fim da linha. É incompreensível que os nascidos fora sejam dessa maneira discriminados.

Consulado

Consulado

Se um pequerrucho nascer no interior do Piauí e, por ignorância ou displicência dos pais, não for registrado, será brasileiro de qualquer maneira. Por que, então, exigir dos nascidos no exterior que passem pela burocracia cartorial? É aberrante. Cabe à lei comum regulamentar a emissão de cédula de identidade ou de passaporte. A Lei Maior tem de reconhecer o fato, não deve descer à minúcia.

Filho de brasileiro ou de brasileira é brasileiro. Ponto e basta. É o que deveria estipular a Constituição. Que o sujeito nasça em Xiririca do Brejo ou na Mongólia, tanto faz. É uma questão de princípios. São todos iguais em direito. Ou não?

Já disse e repito: gato que nasce no forno não é biscoito ― continua sendo gato. Aproveitemos esta época de ajustes para consertar o artigo constitucional e eliminar essa extravagância. Reconhecimento de cidadania não pode ser atrelada a um registro cartorial.