Complemento ao post anterior

José Horta Manzano

Em sua coluna do jornal O Globo de 12 fev° 2022, a jornalista Bela Megale relata o que ouviu de funcionários do Itamaraty:

“[…] um dos principais focos da viagem é discutir uma cooperação de tecnologia militar entre os governos brasileiro e russo e que, por isso, a comitiva será formada majoritariamente por militares”.

O bom senso ensina que espionagem, em nível de Estado, é tecnologia militar. Logo…

Esse esclarecimento vem reforçar a ideia que expus no post A razão da visita de Bolsonaro.

A sala de visitas de Putin

José Horta Manzano

Em diversos países da Europa, o uso comercial da expressão “saldos” é protegida. Isso quer dizer que toda venda de saldos é regulamentada. A palavra não pode ser usada por qualquer comerciante, pra vender qualquer tipo de mercadoria, a qualquer preço, em qualquer época do ano. Só pode ser usada durante a época fixada pelas autoridades que regulam o comércio. Nem antes, nem depois. Isso lhe agrega valor. A época dos saldos é aguardada ansiosamente.

O período dos saldos é especialmente apreciado por comerciantes de roupas. E por seus clientes, naturalmente. É que o comércio de peças de vestuário, além de sazonal, é sujeito às variações da moda. Os saldos são autorizados durante algumas semanas em janeiro (para liquidar o estoque encalhado de roupas de inverno) e, de novo, em julho (para o vestuário de verão).

Conforme o país, as vendas especiais duram de 3 a 4 semanas, às vezes até mais. Os primeiros dias têm o efeito de uma sexta-feira negra (em português: black Friday). Antes da abertura das lojas, já tem gente encostada à porta. Comerciantes que não trabalham com vestuário também aproveitam o embalo pra fazer caixa, vendendo alguns de seus artigos a preço de pechincha.

Quinta-feira passada, Señor Alberto Fernández, presidente da Argentina, esteve de visita a Vladímir Putin, em Moscou. Na foto, entre os dois dirigentes, aparece uma mesinha dessas que se usam pra pousar uma xícara de chá e, se der, pra ajeitar um pratinho (pequeno) para o bolo. Na mesinha que separava os dois, de tão minúscula, acho que nem bolo ia caber.

Terminada a visita, chegou o fim de semana. Vladímir Putin, que não tem o hábito de ir à feira comer frango com farofa, deve ter inventado outro programa. A agenda do dirigente russo não confirma, mas é possível que ele tenha aproveitado a folga pra dar uma espiada nos saldos de alguma loja de móveis. Não conheço os costumes locais, mas pode ser que os saldos de Moscou se estendam até fevereiro.

O fato é que, na segunda-feira 7, Monsieur Emmanuel Macron veio visitá-lo. A exígua mesinha de chá tinha desaparecido. Não se sabe onde foi comprada nem quanto custou a mesa ao redor da qual se sentaram Macron e Putin, mas, convenhamos, ela é im-pres-sio-nan-te!

Daqui a alguns dias, será a vez de nosso capitão fazer sua peregrinaçãozinha nas neves moscovitas. Vamos ver qual das duas mesas sairá na foto. A mini de chá ou a XXL dos saldos? A conferir.

Em tempo
Quem lê jornais em vez de ficar mergulhado na bolha sabe que a Rússia e a Ucrânia estão em pé de guerra. Putin encostou na fronteira com a Ucrânia um contingente militar de assustar. Fotos de satélite avaliam que cem mil homens estão ali, à espera da ordem de atacar. Um tiro de chumbinho na hora errada pode ser suficiente pra assustar todo o mundo e desencadear uma carnificina.

Macron, que bobo não é, entendeu a fragilidade da situação. Numa hora dessas, visitar um e ignorar o outro significa automaticamente que se tomou partido na briga. É exatamente o que Macron, a França e a Europa querem evitar. Nesta terça-feira, terminada a visita a Moscou, o presidente francês está em Kiev para uma conversa com o presidente ucraniano, Zelensky – que, por coincidência, também é Vladimir (ou Volodímir, como dizem eles). Se o encontro vai evitar a guerra, só o futuro dirá. Mas, pelo menos, Macron guardará o mérito de haver tentado.

Nosso capitão, que bobo é, vai se meter onde não foi chamado. O infeliz não consegue entender o frágil e o delicado da situação. Com os dois a ponto de se morderem mutuamente a orelha, lá vai o paspalhão visitar um dos contendores, ignorando o outro. Em linguagem diplomática, que é entendida por todos os governos do planeta, essa visita significa alinhamento com um dos beligerantes. Uma imensa estupidez para um Brasil que não tem nada a ver com aquele peixe. Não temos nada a ganhar com essa demonstração explícita de preferência por um dos lados.

A visita unilateral de Bolsonaro vai acrescentar agressão gratuita e desnecessária a mais um povo. O gesto será somado à longa lista das afrontas que já fizeram, ele e seu clã, aos EUA, à França, à Itália, à Alemanha, à Noruega, à Argentina, ao Chile, ao Peru. E, naturalmente, à China, vítima preferencial de suas ofensas de babaca boca-suja.

Ucrânia, seja bem-vinda ao clube! Sinta-se honrada! Amigo do capitão bom sujeito não é.

Bolsonaro na Itália – benvenuto?

José Horta Manzano

Saudades do tempo em que visita de chefe de Estado estrangeiro era um acontecimento. Tanto cá quanto além-fronteiras, era a mesma festa. Algumas visitas chegaram a marcar a história.

Em 1961, finzinho de maio e começo de junho, John F. Kennedy, então presidente dos EUA, esteve de visita à França, presidida pelo general De Gaulle. Durante a estada, Jacqueline Kennedy, a esposa do visitante, chamou a atenção de todos. Era bela, tinha uma graça especial e, qualidade maior: falava francês. O velho general se derreteu.

Foi engraçado o dia em que a senhora Kennedy, orgulhosa das origens de sua família, contou a De Gaulle: “O senhor sabe, eu tenho ascendência francesa!”. E o general, de bate-pronto: “Pois imagine a senhora que eu também!”.

Pouco antes de embarcar de volta para os EUA, o presidente americano deu uma entrevista coletiva. Logo na abertura, o homem mais poderoso do planeta mostrou que tinha forte senso de humor. Fez cara dramática e declarou, sério: “I do not think it altogether inappropriate to introduce myself to this audience. I am the man who accompanied Jacqueline Kennedy to Paris. And I have enjoyed it.” Trocando em miúdos, fica mais ou menos assim: “Pensando bem, não acho inapropriado me apresentar a esta plateia. Sou o homem que acompanhou Jacqueline Kennedy em Paris. E gostei muito.

A tradição de visitas de dirigentes brasileiros a países estrangeiros é antiga. Começou já nos tempos do imperador, quando viagens eram vagarosas e podiam demorar semanas. Das menos antigas, lembro de JK nos EUA, de FHC na França, de Lula passeando de carruagem com a rainha da Inglaterra. Todos sempre foram bem recebidos. Aliás, todos os dirigentes brasileiros sempre foram recebidos com simpatia aonde quer que se dirigissem. Correligionário ou não do presidente, todo brasileiro sentia uma pontinha de orgulho.

Agora que terminou a vilegiatura que nosso capitão fez em terras italianas, a gente sente muita tristeza. Não me lembro de ter jamais visto, no exterior, manifestações de protesto contra a visita de presidente nosso. Essas viagens costumam ser instantes de confraternização, aqueles momentos em se põem (temporariamente) as querelas de molho. Com Bolsonaro, não foi possível. Como dizem por aqui, “sua fama o precede” – antes mesmo de ele apontar na esquina, todos já sabem de que barro é feito o personagem.

Falando do capitão, Elio Gaspari resumiu com maestria: “Pisou no pé da chanceler alemã Angela Merkel, teve uma conversa desconexa com o presidente turco, conversou com garçons e, por não usar máscara nem tomar vacina, ficou sem o aperto de mão do primeiro-ministro Mário Draghi.”. Foi um vexame atrás do outro.

O capítulo mais impressionante ocorreu justamente no deslocamento sentimental ao vilarejo de origem da família. Era pra ser um momento apolítico, que não se prestava a manifestações. Mas deu chabu. A proverbial belicosidade do capitão suscita sentimentos pouco pacíficos. Aconteceu o contrário do esperado.

Em Pádua, os manifestantes estavam tão exaltados, que a polícia teve de intervir com canhões de água. A visita à basílica de Santo Antônio teve de ser cancelada. O bispo da diocese negou-se a receber Bolsonaro. Disse que, se o presidente desejasse, podia vir como um fiel comum, mas que não seria recebido com honras de visitante especial. O capitão desistiu.

Em Anguillara Veneta, a cidadezinha de origem da família, estava prevista uma recepção na prefeitura, para entrega do diploma de cidadão honorário. A intensidade das manifestações de rua não permitiram. De última hora, mudou-se o programa. O almoço e a entrega do canudo foram feitos num restaurante situado fora da cidade, instalado num casarão do século 19. Para não fomentar uma revolta entre os moradores, a prefeita resolveu pagar do próprio bolso. Pelo jeitão sofisticado do restaurante (e pelo volume da comitiva presidencial), imagino que a prefeita se  arrependeu da hora em que teve a ideia de conferir o título de cidadão a Bolsonaro.

 

 

E assim continuamos. Se já era malvisto, o capitão confirmou a fama e virou empestiado, daqueles que todos querem ver pelas costas. Nenhum dirigente estrangeiro quer ser visto em sua companhia, que é pra não perder popularidade nem votos no país natal.

Na COP26, Ninguém acreditou nas boas intenções do Brasil; a ausência do chefe dá dois recados. Primeiro, de que ele não esta ligando a mínima para aquele circo; segundo, de que o compromisso brasileiro não passa de encenação pra inglês ver – perdão! – pra escocês ver (a conferência é na Escócia).

Se a Lega (partido da extrema-direita italiana) já era vista com desconfiança, as honras oferecidas a Bolsonaro hão de ter tido o efeito contrário. Fortaleceram a convicção de que se trata de um agrupamento de gente pouco recomendável. Quem é amigo de Bolsonaro bom sujeito não é.

Resumo da ópera
Eles, que estão longe, ainda podem dar-se ao luxo de se esquivar do capitão, de ignorá-lo, de dar-lhe as costas, de fingir que não viram. Os que estão no Brasil e são obrigados a sobreviver com os sustos diários aplicados no país por aquele estropício, ah!, isso já é uma outra história. Deve fazer parte de nosso carma coletivo.

Disclaimer
No título, usei a palavra italiana benvenuto, que se traduz por bem-vindo. É ironia.

Bolsonaro cabulou

G20 em Roma
O isolamento do negacionista Bolsonaro: os outros líderes o evitam e o brasileiro se comporta como turista.
Il Messaggero, Roma

José Horta Manzano

Na escola, quando alguém fugia pra não assistir a alguma aula, a gente dizia que “fulano cabulou a aula”. Muito tempo depois, quando a escola tinha ficado no passado, aprendi que cabular é verbo intransitivo. Segundo o dicionário, não se deve dizer que “fulano cabulou a aula”, mas simplesmente que “fulano cabulou”.

Soa esquisito, concordo com o distinto leitor. Mas dado que são os falantes que fazem a língua, acho que já passou da hora de o dicionário registrar essa maneira nossa de falar.

Dito isso, chegamos aonde eu queria: Bolsonaro cabulou. Cabulou o quê, minha gente? Cabulou o miolo do G20, a cúpula que reúne os dirigentes dos países que respondem por 80% do PIB mundial. Não é coisa pouca.

Mas ele foi a Roma!, dirão vocês. É verdade, foi, mas não participou de todas as palestras. Tirando o encontro com o presidente da Itália – que, por ser o anfitrião, recebeu protocolarmente todos os dirigentes estrangeiros –, não aproveitou a proximidade física dos grandes do planeta para nenhum colóquio bilateral. Nenhum. Cabulou boa parte do encontro.

E o que é que o capitão foi fazer em Roma? Turismo. Aproveitando o bom tempo e o clima ameno destes dias de outono, visitou a Fontana di Trevi – aquela onde se joga uma moedinha. Mas evitou ir lá com os demais dirigentes, que foram todos juntos. Foi numa “excursão privada”, cercado por seus 20 ou 30 cães de guarda. Sentindo-se protegido, passeou por ruas e ruelas, comeu de balcão, fez o que todo turista faz. Vê-se que o G20 não passou de pretexto para a vilegiatura.

Il Messaggero, tradicional jornal romano com história de quase século e meio, reparou na solidão do negacionista Bolsonaro: “os outros líderes do G20 o evitam, e o brasileiro vai de turista”. Sublinha a “boa ação” da alemã Merkel que, condoída do isolamento a que o capitão estava sendo submetido, deu com ele algumas palavrinhas de cortesia. Me pergunto em que língua ele terá respondido à boa ação. Se é que respondeu.

O jornal lembra a seus leitores o pesadíssimo relatório da comissão do Senado brasileiro (CPI), um ato de acusação de mais de 1.200 páginas no qual 9 crimes e delitos lhe são atribuídos, entre os quais, crime contra a humanidade. Menciona ainda os mais de 600 mil mortos de covid no Brasil.

Il Messaggero ressalta ainda que, se Bolsonaro se mostrou inerte nos trabalhos do G20, esteve ativíssimo nos giros turísticos pela capital. É verdade que ninguém imaginava que, da noite para o dia, ele se transformasse em soldado engajado na luta contra o aquecimento global, mas é incompreensível que, ao não organizar nenhum encontro bilateral, tenha deixado escapar todas as ocasiões de se entreter com os colegas.

Mas Bolsonaro está em boa companhia. Dois grandes poluidores globais também esnobaram o G20: o chinês Xi Jinping e o russo Vladimir Putin. Só que os dois tiveram a decência de manter-se à distância de Roma, enquanto nosso capitão não resistiu a levar sua avantajada comitiva de dezenas de participantes para um alegre passeio turístico pela capital italiana, enquanto líderes mais civilizados discutiam o futuro da humanidade. Ir a Roma e não ver o papa, pode?

Diferentemente dos demais dirigentes, Bolsonaro negou-se a conceder entrevista coletiva à imprensa. Mas deixe estar, já está previsto um encontro dele com Matteo Salvini, o líder da extrema-direita italiana. Será esta terça-feira em Pistoia, cidade toscana que abriga o cemitério militar brasileiro. O capitão participará de cerimônia em memória dos quase 500 pracinhas da Força Expedicionária Brasileira caídos na Segunda Guerra.

O trágico da história é que os soldados brasileiros foram enviados à Itália em 1944 justamente para combater o nazi-fascismo, doutrina admirada por Bolsonaro, Salvini e respectivos devotos. Os gestos, os atos e as falas dos dois tendem a confirmar que teriam preferido que nazistas e fascistas tivessem vencido a guerra.

Como se vê, cá como lá, a hipocrisia não tem limites.

A visita da duquesa

José Horta Manzano

Beatrix Amelie Ehrengard Eilika von Storch, duquesa de Oldenburg, é uma mulher política alemã. Nascida em 1971, tem sólida formação jurídica adquirida nas Universidades de Heidelberg (Alemanha) e de Lausanne (Suíça). Foi eleita deputada junto ao Parlamento Europeu em 2014 num grupo conservador. Três anos mais tarde, tendo sido eleita para o parlamento alemão, renunciou ao mandato europeu. A essa altura, já estava afiliada a novo partido.

Fundado em 2013, o novo partido da duquesa se chama AfD (=Alternativa para a Alemanha). O agrupamento segue um ideário rigoroso, que inclui: descrença na União Europeia, ultranacionalismo alemão, populismo de direita, negacionismo climático, oposição à imigração, anti-islamismo, antifeminismo. Propagam a saída da Alemanha da UE, a expulsão dos estrangeiros, a perseguição aos muçulmanos, a abolição de políticas feministas. Como se vê, os afiliados são gente fina.

A duquesa, que segue linha mais dura que a do partido, vai mais longe. Costuma ser descrita como “reacionária descomplexada”, homofóbica, violentamente contrária a tudo o que não for alemão. É o protótipo da xenófoba caricatural. É vista como anti-islamista militante, desejosa de “empreender uma cruzada contra o Islã”.

Como se não bastasse, Frau von Storch é visceral e agressivamente contrária à contracepção, ao aborto voluntário e ao casamento homossexual. A distinta senhora não esconde o fato de ter “chorado de alegria” assim que foi anunciado o Brexit. No seu raciocínio, era o prenúncio do desmanche da Europa unida.

Como se pode imaginar, já se declarou contrária à presença de jogadores não-descendentes de pura estirpe alemã na seleção nacional de futebol. Traduzindo em miúdos, fica assim: pretos, árabes e descendentes de estrangeiros… fora!

Pelo lado materno, é neta do conde Schwerin von Krosigk (1887-1977), jurista e homem político, que foi ministro das Finanças da Alemanha durante todo o período nazista. Com a derrota da Alemanha, o conde foi acusado de crimes de guerra, julgado em 1949 e condenado a 10 anos de cadeia. Dois anos mais tarde, no bojo de uma anistia, foi liberado.

Resumi o percurso de vida do avô só pra constar. Acredito que ninguém deva pagar pelos crimes de um outro, ainda que seja seu avô. Além do mais, o homem foi julgado e pagou a pena.

Contei a historinha de Frau Storch só pra dar ao distinto leitor umas pinceladas sobre a personalidade da deputada alemã que um sorridente capitão recebeu outro dia em palácio – fora da agenda, registre-se. Nosso presidente, conhecemos. Agora que temos melhor ideia de quem é a convidada, o encontro dos dois me faz pensar num abraço de afogados.

Chacoalhada na Alemanha em razão de seu extremismo, a duquesa precisava aparecer numa foto com o presidente de um país grande. Pouco importa que fosse Bolsonaro; quem está na situação dela não escolhe.

Chacoalhado no Brasil pelo conjunto de sua obra e visto pelo mundo como um pestilento do qual ninguém quer passar perto, o capitão precisava aparecer numa foto com uma personalidade estrangeira. Pouco importa que fosse uma duquesa extremista; quem está na situação dele não escolhe.

Ambos se equivalem. O marketing está de bom tamanho. Como dizia minha avó, “Pra quem é, goiabada basta”.

Esqueceram de aprender com os erros

José Horta Manzano

Em abril do ano passado, a epidemia de covid começava a assustar o mundo. No entanto, no Brasil, muita gente fina jurava que a doença nunca chegaria ao país, visto que o clima tropical não convinha ao vírus. Era a primeira de uma longa série de patacoadas pronunciadas desde então. A fala da ‘gripezinha’, obra de nosso capitão, veio logo engrossar a série. Aliás, em qualquer série de patacoadas, a participação do presidente é garantia de boas pérolas.

Naquele momento, pouco ou nada se sabia sobre o novo vírus. Na Europa, por uma razão ignorada, a Itália foi atingida mais cedo e mais duramente que os vizinhos. Embora o país conte com estrutura sanitária de alto nível, o súbito aumento no volume de doentes apanhou a todos de surpresa. Hospitais lotados, pacientes em macas nos corredores, cortejos de carros fúnebres circulando na escuridão da noite – foram cenas chocantes que marcaram aquelas semanas.

Primeiro país a sofrer um assalto maior da epidemia, a Itália se defendeu como pôde. A maciça investida do vírus desequilibrou a ação do governo e transtornou a vida dos cidadãos. Toda essa confusão estava ligada à emergência da situação e à inexistência de precedentes. Foi compreensível.

Quando se alastrou com força para os outros países, que já tinham assistido aos dissabores italianos e já tinham tido tempo pra se preparar, o ataque viral encontrou terreno mais organizado. O horror visto na Itália nas primeiras semanas não se repetiu nos vizinhos.

O princípio de que o ser humano aprende com as desgraças não parece aplicar-se, infelizmente, a nosso país. Os erros se repetem e, como é sabido, acarretam as mesmas consequências.

by Kleber Sales

Neste segundo ano em que o planeta vive em função da pandemia e mergulhado nela, o que está acontecendo estes dias em Manaus é um rematado absurdo. É situação surreal, inconcebível, insuportável. Estivéssemos num país africano miserável, ainda passava. Mas no Brasil? Como é que conseguimos chegar a esse ponto de descaso?

Há certamente uma cadeia de responsabilidades, que incluem a direção de hospitais, autoridades municipais, estaduais e federais. No nível operacional, como é possível que os encarregados esperem que pacientes morram asfixiados para só então botar a boca no trombone pra denunciar a falta de oxigênio? Por outra, se denunciaram e não foram escutados, aí o enguiço é feio. Até que nível chegou o grito de alarme? Até o topo? Doutor Pazuello, o mago da logística, é a autoridade máxima. Acima dele, somente o doutor maior, Jair Bolsonaro. Estavam a par da catástrofe anunciada?

Tivemos quase um ano para nos preparar. Somos 200 milhões de almas, com um sistema nacional de saúde que funciona há décadas, com um corpo médico e paramédico de excelência, com indústria que produz os insumos básicos para assistir os doentes de covid. Numa federação como a nossa, não se podem tolerar horrores como os de Manaus. São a negação da solidariedade e da coesão nacional.

Pergunta
A simbólica visita de reconforto a um hospital manauara, que nosso chefe de Estado está programando, foi marcada para quando mesmo?

Cada um procura sua turma

José Horta Manzano

Monsieur Nicolas Dupont-Aignan, deputado francês, já se candidatou duas vezes à Presidência de seu país. É candidato nanico, mas continua insistindo. Segue a linha política dita «soberanista», doutrina que pleiteia a saída da França da União Europeia, o abandono do euro e o retorno ao franco, o controle rigoroso das fronteiras nacionais, o isolacionismo. Em resumo, o receituário completo da extrema-direita, um belo programa.

As regras eleitorais francesas impõem que cada candidato à Presidência financie os próprios gastos de campanha. Em seguida, somente os que obtiverem pelo menos 5% dos votos válidos serão reembolsados com dinheiro público. Quanto aos outros, ficam chupando dedo. Monsieur Dupont-Aignan nunca atingiu a marca mínima; portanto, nunca foi ressarcido. Parece-me uma boa regra, na medida que inibe a multiplicação de candidaturas nanicas – aquele pessoal que só se candidata de olho no financiamento.

No primeiro turno das eleições de 2017, o deputado ficou em 6° lugar entre 11 concorrentes. No segundo turno, apoiou Madame Le Pen, candidata que também adota o ideário nacionalista e isolacionista característico da extrema-direita. No confronto final, de cada 3 eleitores, 2 votaram em Macron enquanto só 1 preferiu Madame.

A próxima presidencial francesa será, como a nossa, em 2022. Com bastante adiantamento, Dupont-Aignan se prepara para a terceira tentativa. Com esse propósito, esteve ontem de visita a Brasília, onde teve uma audiência de 15 minutos com doutor Bolsonaro. Aproveitou a ocasião para se encontrar com um dos bolsonarinhos, aquele mais deslumbrado, que um dia chegou a imaginar-se embaixador em Washington.

Já se sabe que, com covid ou sem ela, nenhum estrangeiro importante quer ser visto ao lado de Bolsonaro. Nenhuma personalidade de destaque visita mais Brasília. Nosso presidente, por seu lado, não recebe mais convite para visitar país nenhum. O encontro com o deputado francês deixa no ar um gosto meio amargo de reunião de segunda classe, do tipo «quem não tem cão caça com gato».

Visita ao Piauí

José Horta Manzano

Doutor Bolsonaro visitou o interior do Piauí. Visita de médico, rapidinha. E pensar que médicos fazem falta por aquelas lonjuras. Talvez a população gostasse mais de receber um doutor de verdade, daqueles que examinam e dão remédio. Mas remédio que cura, não desses fajutos que a gente vê por aí, pô!

by Antônio Carlos Nicolielo (1948-), artista paulista

Visita de doutor de araque é como chuva no sertão. Vem de repente, faz um barulhão e deixa todo o mundo alegre. Mas vai-se embora logo, deixa a terra mais seca que antes, não tem serventia. É mera ilusão, que hoje responde pelo nome mais sofisticado de marketing eleitoral.

Curiosidade
Você sabia que a palavra piauiense reúne 5 vogais grudadas umas nas outras? Em nossa língua, está aí a mais extensa coleção de vogais, em sequência, numa só palavra.

Outras línguas ostentam impressionantes sequências de consoantes. O alemão, por exemplo, tem o sobrenome Schürch, um cacho de 6 consoantes para uma vogalzinha. Enquanto isso, o gênio do português é conviver com fileiras de vogais. E ninguém se assusta com isso. Uai, é? Ô, é e é, uai!

Bolsonaro: um nome predestinado

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 4 abril 2020.

Nos tempos de antigamente, epidemias eram frequentes. Em razão do saber científico rudimentar, os remédios disponíveis eram chá de alguma erva e reza braba. A propagação era lenta, visto que quase ninguém se deslocava – viagens são costume relativamente recente. A evolução da ciência trouxe conhecimentos importantes; ensinou o modo de transmissão de doenças infecciosas e, em muitos casos, o remédio que cura. O complicador é que o homem já não vive na imobilidade medieval; hoje, viajam todos. Viajam muito e longe. O resultado é que, quando de ataques virais como o Covid-19, a doença se propaga como a peste, e continuamos tão desarmados como os antigos. O remédio é o mesmo de mil anos atrás: afastamento, isolamento e confinamento.

Em meio à desgraça e à tristeza causadas pela epidemia, o Brasil levou um premiozinho de consolação. A viagem que doutor Bolsonaro faria à Europa por estes dias saiu da pauta; por motivos óbvios, foi adiada sine die. Ele não ia cumprir o roteiro das grandes capitais – Paris, Berlim, Londres, nossos aliados tradicionais e fortes parceiros comerciais. Tencionava visitar unicamente a Hungria e a Polônia, países que, juntos, recebem 0,4% de nossas exportações. Estava evidente que o objetivo da excursão não era «vender» o Brasil. Nosso presidente tinha intenção de papear com dirigentes populistas extremistas, que ele imagina possam ser úteis a seu projeto de poder. Toda essa farra à custa do contribuinte, note-se. Mas desta, o Brasil se livrou. Por enquanto.

Aproveitando a viagem custeada por nós, Bolsonaro, que descende de italianos, estava pensando em dar uma ‘esticadinha’ até a Itália para ver se encontra algum parente. Diz ele, referindo-se a eventuais primos por descobrir, que quer «conhecer os mafiosos da família», tipo de brincadeira estúpida que, na Itália, tem poder explosivo. Seus antepassados chegaram ao Brasil na grande leva do fim do século XIX. Como tantas famílias italianas, a sua também perdeu contacto com os que ficaram e a memória acabou se esgarçando.

Sabe-se que doutor Bolsonaro é homem de parcos conhecimentos. Aborrece ainda mais vê-lo cercado de gente sem muito expediente. Em vez de perder tempo a tuitar boçalidades, tinham mais é de ajudar o chefe a buscar as origens. O sobrenome está mal transcrito. No original, é Bolzonaro, com z. Cem anos atrás, tanto os imigrantes quanto o agente que os registrava eram de poucas letras. Pronunciado à moda vêneta, o nome foi transcrito foneticamente e o z virou s.

O presidente disse acreditar que o berço da família é a cidade de Lucca, na Toscana. É a indicação incrustada na memória familiar. A meu ver, ele está enganado. Rápida consulta à lista telefônica nacional italiana mostra que 70% dos Bolzonaro vivem na região do Vêneto – indicação certeira de que o nome é originário de lá. Na região, há uma cidadezinha chamada Lugo, na província de Vicenza. Dado que, na transmissão familiar oral, de Lugo a Lucca a confusão é plausível, eu começaria minhas buscas por Lugo e esqueceria Lucca. Fica a dica.

Para fechar, uma curiosidade. As palavras italianas terminadas em aro indicam nome de ofício ou profissão. O Dicionário do Dialeto Veneziano, obra caudalosa do século 19, informa que bolzòn é palavra ligada ao universo das armas. Dá nome a um tipo de flecha medieval e também a antigo instrumento bélico, espécie de aríete usado para derrubar muros de cidade fortificada. É bem possível que, lá pelos anos 1300, quando as pessoas começaram a ganhar sobrenome, um longínquo antepassado de nosso presidente tenha trabalhado na contrução desses artefatos.

Com o desaparecimento de flechas e aríetes, o campo semântico da palavra se alargou. Ela ressurge no verbo alemão bolzen, com o sentido de golpear com furor. Aparece também no verbo inglês to bolt, com o significado de mover-se de modo nervoso, sair fora de controle. Flecha, aríete, ataque, descontrole… Qualquer semelhança entre a profissão do patriarca da linhagem e o comportamento agressivo e belicoso de nosso presidente há de ser mera coincidência. Ou não.

Para conferir no site do Correio Braziliense.

The dinner

José Horta Manzano

A foto publicada por The New York Times mostra o jantar oferecido por Donald Trump a doutor Bolsonaro. A refeição não foi servida numa residência oficial da presidência, mas numa propriedade pessoal do presidente dos EUA. Pode ser que a intenção tenha sido instalar clima de maior cordialidade. Também pode ser que Mr. Trump, como todos os que enricaram muito rápido, tenha feito questão de reafirmar sua sólida riqueza e exibir sua suntuosa propriedade, situada numa restinga de Palm Beach.

A foto foi batida antes de o jantar ser servido. Alguns detalhes surpreendem este blogueiro que, na longínqua juventude, trabalhou em hotéis de esplêndida categoria.

É verdade que a perspectiva distorce a imagem; assim mesmo, noto que o vaso de flores e a dobra da toalha não coincidem. Das duas uma: ou o vaso está descentrado, ou a toalha foi mal colocada. Ambas as possibilidades depõem contra o excelso anfitrião.

Outro ponto me chama a atenção; em restaurantes de alta categoria, a toalha é passada a ferro diretamente em cima da mesa – justamente pra evitar dobras e amarfanhados que possam enfeiar o conjunto. Vê-se que os integrantes da governança da propriedade de Mr. Trump faltaram a essa aula.

by Juan de Juanes (1523-1579), artista da renascença espanhola

O número de convivas é simbólico: são 12 ao redor da mesa. Em posição de Deus-Pai, o presidente americano sobressai. O conjunto evoca vagamente uma Santa Ceia com um personagem a menos. Só não fica claro qual dos apóstolos está faltando. Note-se, à esquerda, quase caindo da foto, um doutor Bolsonarinho – aquele que é deputado – pasmado diante da sabedoria que emana do dono da casa.

As demais mesinhas redondas que aparecem ao fundo destoam. Por lembrar prosaica festa caipira, elas atrapalham a alteza da cena. Esclareça-se que os dois personagens postados atrás dos presidentes não são apóstolos. São funcionários intérpretes, cada um a serviço do respectivo governo. Doutor Bolsonaro, que passou a vida preso à dura labuta de sete mandatos consecutivos de deputado federal, não teve tempo de aprender inglês, a língua das comunicações internacionais. Continua monoglota. Ou monolíngue, que soa mais chique.

Uma última observação. Comentaristas políticos se perguntam todos os dias quando é que Bolsonaro vai aprender isto ou aquilo. A foto dá uma pista. Reparem que, durante o solene discurso do anfitrião, todos se mantêm empertigados, em posição de respeito. Todos? Não. Doutor Bolsonaro, que não prestou atenção na postura dos demais, continua dentro de sua bolha estreita e aparece debruçado sobre a mesa, como se em casa estivesse.

Conclusão: quem não costuma observar o mundo a seu redor dá mostra de não ter capacidade de aprender. Assim sendo, está condenado a carregar suas lacunas até o fim.

Clandestinos deportados

José Horta Manzano

Devo ter falado sobre este assunto, mas vale a pena reiterar; as recaídas são frequentes. Refiro-me à besteiras que figurões proferem quando de viagem ao estrangeiro. Chefes de Estado – mas não só – são vítimas dessa arapuca. Serão os ares diferentes, tropicais ou árticos, do lugar visitado. Serão os colares de flores que recebem de moças jovens e sorridentes. Serão os rituais de compressão e descompressão atmosférica a que são submetidos no avião.

Até hoje, ninguém veio com explicação convincente. Até o papa já falou demais e acabou dizendo o que não devia quando de viagem aérea, rodeado de jornalistas e fotógrafos. Nosso doutor Bolsonaro – logo ele! – não havia de ser exceção.

Logo após a chegada à Índia, perguntaram-lhe o que pensava da recente deportação de uma leva de brasileiros por parte dos EUA. Numa curta fala de menos de 50 palavras, soltou duas enormidades.

Como todo bom populista, nosso presidente encontrou solução simples para um problema espinhoso. Para evitar expulsão, pontificou: «É só você não ir para os Estados Unidos de forma ilegal». Equivale a responder ao honesto cidadão que reclama de ter de esperar muito na fila do SUS: «É só você não ficar doente, pô!» Excelente maneira de transferir à vítima o ônus do sufoco.

Colar de flores para acolher visitantes

Não ficou nisso. Na mesma fala, um Bolsonaro inebriado pelos eflúvios da cozinha indiana passou atestado de fracasso na condução do país onde o escolheram para presidente. Como justificativa para o fato de um brasileiro se arriscar a entrar de penetra nos EUA, foi taxativo: «Qual país está dando certo? Brasil ou Estados Unidos?». Não deu a resposta, nem precisava. Pelo contexto – cidadãos abandonando um país para tentar se estabelecer em outro – evidente está que o ‘outro’ está dando certo. Por oposição, o país de origem não está.

Já vivi muitos anos. Já morei em vários países. Já ouvi quantidade de presidentes. Juro que é a primeira vez que ouço um chefe de Estado que, depois de ter governado por um ano inteiro, declara que o país cuja direção lhe foi confiada não está dando certo. É grave, distinto leitor. Em terras onde houvesse ouvidos mais atentos, um clamor se levantaria pra exigir demissão imediata. Se o chefe do projeto constata (e confessa) que seu trabalho não está dando resultado, a solução é simples: porta e rua! Confissão de fracasso dá lugar ao encerramento da missão. No mundo normal, é assim que funciona. Já aqui…

Não dá mais tempo, mas deixo a sugestão para uso de doutor Bolsonaro da próxima vez. (Não cobro direitos autorais; pode usar e abusar sem citar fonte.) O caminho a seguir deveria ter sido:

Nossos jovens foram abandonados durante anos por esses comunistas da esquerda, taoquei? E deu nisso aí, ó: tá tudo mais pra mendigo que pra cidadão normal. Mas ‘tamo trabalhando duro pra consertar isso aí, taoquei? Garanto que, no fim do meu governo, até esses aí, ó, se quiserem viajar, vai ser pra visitar a Disney e não pra entrar de clandestino, taoquei?

Pronto, é isso que se espera de um presidente. Bom senso, principalmente na hora de falar em público. Um pouco de jogo de cintura não faz mal a ninguém. Do titular atual, não se pode esperar muito. Não se tira leite de pedra.

A fama já chegou lá

José Horta Manzano

Doutor Bolsonaro chega à Índia como convidado especial para assistir aos festejos do R-Day, festa nacional que comemora a República.

Por essa ocasião, o jornal anglófono Times of India botou na capa um resumo da biografia do convidado. E fecha com a informação principal: “Conhecido como Donald Trump brasileiro”.

O Trump brasileiro
Times of India

Eu me sentiria incomodado com a comparação. Quanto a nosso doutor, acredito que se sinta elogiado. Cada qual com seu cada qual.

Beicinho

José Horta Manzano

Como se ainda precisasse, doutor Bolsonaro deu mais uma prova de não ter entendido em que consiste sua função. Para o bem ou para o mal, ele representa nosso país perante as demais nações do planeta. Nossa Constituição estipula que, além de chefe do governo, ele é chefe do Estado brasileiro – realidade que ainda não lhe entrou na cabeça. São dois bonés. A cada momento, precisa saber qual deles enfiar no cocuruto.

A função de chefe de Estado é honra suprema. Governos são efêmeros, o Estado fica. Mas nossa Constituição determina que assim seja; não há nada que se possa fazer, a não ser mudar a Lei Maior. Enquanto isso não acontece, temos de ir levando o barco com os remos que temos.

O chefe de Estado é o representante maior do povo brasileiro. Em relações exteriores, principalmente, não convém misturar as duas funções. Governo, com suas futricas, intrigas e conchavos, é uma coisa; Estado é bem diferente.

Faz algumas semanas, señor Fernández foi eleito presidente da Argentina, país vizinho e hermano. É praxe que se prestigie a tomada de posse de todo novo dirigente de país vizinho e hermano. Não se espera que doutor Bolsonaro compareça pessoalmente à cerimônia de entronização de todos os presidentes do mundo. Fizesse isso, passaria o tempo todo viajando, coisa que, em princípio, não é conveniente. Para nós, no entanto, a Argentina não é um país qualquer. Terceiro parceiro comercial do Brasil, sócio no Mercosul, vizinho de parede. O par Brasil – Argentina corresponde ao casal França – Alemanha: vizinhos, rivais tradicionais, sócios, parceiros inseparáveis.

Ao ser informado de que Lula da Silva e Evo Morales perigam aparecer na hora da festa, doutor Bolsonaro fez beicinho e bateu o pé: «Eu não vou, nem ninguém do governo vai.»

O que é isso, santo Deus? Tomada de posse de presidente não é festa de família, em que parentes brigados não comparecem, com medo de dar de cara. Doutor Bolsonaro não se dá conta de que, ao se comportar dessa maneira, dá recado errado. É como se o Brasil inteiro estivesse menosprezando o chefe do Estado vizinho. O Brasil inteiro fazendo beicinho e batendo o pé. Isso é coisa de adolescente espinhudo que ainda não consegue entender o mundo em que vive.

O próprio Bolsonaro já fez coisa parecida, se não pior. Quando tomou posse, todos hão de se lembrar que o convidado de honra era Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, pessoa detestada por meio mundo. Que se saiba, nenhum convidado deixou de comparecer em virtude da antipatia do hóspede incômodo. É sempre possível evitar aparecer na mesma foto que um desafeto. Presidentes dispõem de um exército de assessores justamente pra cuidar dessa parte.

Pessoalmente, não tenho nenhuma simpatia por Lula da Silva nem por Evo Morales. Mas, gostemos ou não, ambos foram presidentes. Por muitos anos. Não me parece anormal que sejam convidados para a cerimônia em Buenos Aires.

Mas não adianta. Ainda que passasse anos no Planalto, doutor Bolsonaro dificilmente se compenetraria do alcance de suas palavras e da solenidade de suas funções. Ele não consegue desgrudar do chão e alçar voo majestoso para mostrar que está acima dessas platitudes. Um presidente que faz beicinho para o vizinho… Mas vejam só. Só faltava essa.

Pior a emenda

(Adendo acrescentado em 10 dez° 2019)

Depois de levar uma cotovelada de alguém de bom senso, doutor Bolsonaro resolveu mandar o vice-presidente como representante do Brasil na cerimônia de tomada de posse de señor Fernández. Seria mal menor, mas o estrago já estava feito. Não tivesse feito beicinho e batido o pé, até seria uma saída honrosa mandar o segundo personagem do Estado. Mas… honra é artigo raro na prateleira de qualidades presidenciais. Fazer o quê?

China capitalista

José Horta Manzano

Não consegui ficar sabendo quais foram os resultados comerciais da visita de doutor Bolsonaro a seu colega chinês, Xi Jinping. O que mais se ficou sabendo é que nosso presidente afirmou estar «num país capitalista» – versão que há de ter irritado muita gente na alta cúpula de Pequim. Doutor Bolsonaro tem o dom de, com poucas palavras, demolir estratégias cuja construção havia levado meses. Visita de Estado não se resolve assim, da noite pro dia.

A tolerância dos dirigentes chineses, em certos temas, é limitada. O sistema de governo é um deles. Melhor não tocar no assunto. Bolsonaro não sabia. Ninguém nasceu sabendo, é verdade, mas seus ineficazes assessores deveriam ter-lhe ensinado. Eles também não nasceram sabendo. Deviam ter estudado mas, sacumé, dá um trabalho!

Aqui entre nós, numa escala de zero a cem, eu classificaria o regime chinês como 75% capitalista com 25% de comunismo remanescente. Mais que comunista ou capitalista, o regime de Pequim é au-to-ri-tá-rio. Essa é a palavra-chave. Mas eu, José Horta Manzano, posso dizer isso à vontade. Falo em meu nome, não represento ninguém. O presidente do Brasil é a voz oficial da República Brasileira, cáspite! Ele não pode dizer esse tipo de coisa. Não devia dizer, mas disse. Quem nasceu pra tostão dificilmente chegará a milréis.

Se alguém ficou sabendo do montante total dos contratos firmados durante a visita, faça a gentileza de me avisar. Não encontrei em lugar nenhum. Para compensar, tenho outra história de visita presidencial.

Emmanuel Macron e Xi Jinping

Emmanuel Macron, presidente da França, está hoje encerrando sua visita a Pequim. (Será que Xi Jinping tem tempo pra outra coisa que não seja receber chefes de Estado estrangeiros?) Orgulhosa, a imprensa francesa publicou o montante total dos contratos firmados. São 15 bilhões de dólares (= 61 bilhões de reais – 61 bi!) Macron confirmou – num discurso pronunciado ao lado de Xi Jinping, portanto, sem mentira possível – ter tido uma conversa franca com o colega chinês. Disse ter falado da preocupação francesa com a pouca atenção que a China presta à proteção de certos direitos humanos. Disse haver externado sua inquietude com os distúrbios que, há meses, castigam Hong Kong. Mostrou-se especialmente aflito com o destino dos numerosos cidadãos franceses que vivem na antiga colônia britânica.

Bem treinado e escolado, Emmanuel Macron não se preocupou em dar sua avaliação, em público, sobre as características do regime – comunismo ou capitalismo. Nem precisava. Pra quê? Só pra irritar os donos da casa? Nesse tema, a palavra mais inocente periga ser mal interpretada.

Já doutor Bolsonaro tinha de botar reparo numa declaração malcriada e arrogante que havia feito, meses atrás: a de que a China podia comprar do Brasil, mas não o Brasil. Em matéria de declaração desajeitada, essa figura entre as dez mais. Deve ter acreditado que chamar o regime de «capitalista» fosse elogio. Para Pequim, não é. Em vez de suavizar a besteira que havia dito quando ainda candidato, pisou na bola de novo.

Qual é mesmo o montante total dos contratos comerciais firmados entre doutor Bolsonaro e Xi Jinping?

Fim do Mercosul?

José Horta Manzano

Uma maldição pesa sobre chefes de Estado quando fazem visita ao estrangeiro. Não acontece só com o Brasil, mas com o planeta inteiro. Faz alguns anos, o papa fez declarações de arrepiar os cabelos quando de um voo transatlântico. Jacques Chirac e François Hollande, que foram presidentes da França, fizeram o mesmo: abriram-se em confidências que nunca deveriam ter saído dos salões aveludados do governo francês. Até nosso Lula da Silva andou confessando o que não devia, faz muitos anos, quando de viagem à Inglaterra.

Doutor Bolsonaro não escapa à maldição. No caso dele, o problema é duplo. De ordinário, seu quotidiano já costuma ser recheado das barbaridades que profere – e que convivem com as cobras e os lagartos criados no gabinete do ódio, vizinho ao seu. Quando viaja, então, nosso presidente se torna perigo maior. Ao ver-se rodeado de jornalistas nacionais e estrangeiros, empolga-se, solta o verbo e profere desatinos pesados.

O mais recente exemplo de disparate acaba de ser proferido no Japão. Doutor Bolsonaro confessou ter mandado avaliar os comos, os porquês e as consequências de uma saída do Brasil do Mercosul. Consistente, valeu-se da ocasião para criticar de novo o mais que provável próximo governo argentino.

A queda do Brasil derrubaria todos os vizinhos

Não passaria pela cabeça de nenhum empresário, ainda que fosse medíocre, ofender seu terceiro maior cliente. Muito menos assim, gratuitamente, sem ter sido provocado. Só a cabeça de um incapaz pode parir esse tipo de coisa. Pois é justamente o que Jair Messias faz, em nosso nome, contra o terceiro parceiro comercial do Brasil. O drama é que esse incapaz ainda vai segurar, por algum tempo, as rédeas de nosso destino coletivo.

«Sair do Mercosul», como planeja Sua Excelência, significa acabar com o bloco, enterrá-lo e rezar missa de réquiem. O Brasil representa mais de 70% do peso demográfico e econômico do Mercosul. Os parcos 30% que restariam não dão camisa a ninguém. Sem o Brasil, o mercado comum não se sustenta.

Espero que o sistema de pesos e contrapesos da República não permita que esse presidente sem eira nem beira destrua um edifício que vem sendo construído, com muita dificuldade, há quase 30 anos. Seria o tipo de coisa em que não haveria vencedor: Brasil e demais sócios sairiam perdendo. Decisão dessa magnitude não pode ser tomada por um só, ainda que fosse indivíduo extremamente capaz. E nosso presidente, infelizmente, não é.

L’État c’est moi

José Horta Manzano

Monsieur Jean-Luc Mélenchon é um político francês. Candidato às últimas eleições presidenciais, seus 19,6% de votos não foram suficientes pra impedir que Emmanuel Macron (24%) e Marine Le Pen (21,3%) fossem alavancados ao segundo turno e o deixassem a comer poeira.

Suas origens espanholas vêm à tona no verbo inflamado. O homem tem cultura sólida, atestada por dois diplomas: Letras e Filosofia. Excelente orador, sua aparição em debates é garantia de animação. Ninguém cochila enquanto ele discursa. Desde a adolescência sua simpatia foi para a esquerda. Milita desde os tempos de estudante.

Faz alguns anos, fundou partido próprio: La France Insoumise – A França Insubmissa, situado à extrema-esquerda do espectro político. Entre os seguidores, muitos são jovens que cuidam de defender a classe trabalhadora. Na realidade, em virtude da acentuada desindustrialização, o operariado tradicional anda rarefeito, em via de extinção. Mas o dom de oratória de Monsieur Mélenchon é magnético. Seu discurso é tão persuasivo que a gente fica com a impressão de que tudo o que ele diz há de ser verdade.

Mélenchon em Curitiba – 5 set° 2019

A justiça francesa não é necessariamente da mesma opinião. Desconfiada de irregularidades cometidas pelo partido dele na prestação de contas da última campanha presidencial, mandou uma equipe em missão de busca e apreensão na sede do partido. Aos berros, um furioso Mélenchon resistiu à ação de procuradores e policiais. Gesticulou, insultou, tentou arrombar uma porta, empurrou gente e até derrubou dois agentes. A um dado momento, em meio a impropérios, lançou: «La République c’est moi! – A República sou eu!».

Pegou mal. Principalmente porque evocou a frase «L’État c’est moi! – O Estado sou eu!», que o rei Luís XIV teria pronunciado faz quase 400 anos. O monarca tinha direito a dizer o que dizem que disse. Afinal, reinava absoluto, e sua palavra era a lei. Quanto a Mélenchon, a tirada soou um tanto grotesca. É muita pretensão pretender encarnar a República.

Ontem, 5 de setembro, o político francês esteve de visita a Curitiba. Foi tomar a bênção de Lula da Silva, político brasileiro que muita gente fina acredita ser de esquerda. Ao sair da sede da PF, onde o ex-presidente está instalado, Mélenchon revelou ter vindo «tomar forças» com o encarcerado.

Embora remota, a possibilidade existe de o tribuno francês ir parar na cadeia, o que explica ter vindo aconselhar-se com o Lula, mestre na matéria.

O barraco armado por Mélenchon quando da chegada dos policiais em missão de busca e apreensão está aqui.

As declarações do francês à saída da PF de Curitiba estão aqui e também aqui.

Reunião na cadeia

José Horta Manzano

Artigo do jornal argentino Clarín relata a visita feita por Alberto Fernández a Lula da Silva, em Curitiba. Señor Fernández é candidato ao cargo de presidente da Argentina. Sua chapa tem, como vice, ninguém menos que Cristina Kirchner. A ex-presidente, figurinha carimbada da política do país hermano, está atualmente enrolada com a justiça por suspeita de corrupção. Seu processo só não avança devido ao fato de ela ser senadora, cargo que lhe garante imunidade.

O promotor da viagem e mestre-sala do candidato em Curitiba foi o inoxidável Celso Amorim, responsável pela bizarra orientação da política externa brasileira durante os dois mandatos de Lula da Silva.

A frase soltada pelo candidato à presidência argentina, mencionada no início deste escrito, faz sentido. Doutor Bolsonaro é visto com desconfiança pelos argentinos. Mauricio Macri, atual presidente e candidato à reeleição, anda mal das pernas, maltratado pelas pesquisas. Bolsonaro tem dado apoio explícito a Macri. Ao fim e ao cabo, visto que apoiador e apoiado estão na berlinda, cada elogio do apoiador reforça a síndrome do abraço de afogados. Nessa briga, quem sai ganhando mesmo é o candidato Fernández – que leva Cristina a tiracolo. Daí o comentário debochado reproduzido na entrada deste artigo.

Curitiba: o candidato Fernández e o inoxidável Amorim

É consternante notar que, entre os dirigentes latino-americanos, desapareceu toda cautela para evitar acidente diplomático. A própria noção de incidente diplomático está em recesso.

Desde que os governos petistas se puseram a apoiar explicitamente candidatos nas eleições do Equador, da Bolívia, da Venezuela e de outros países ‘amigos’, liberou geral. Atitudes inimáginaveis, pelos cânones da diplomacia tradicional, tornaram-se corriqueiras.

Apoio declarado à reeleição de Trump é o pão nosso de cada dia do entourage de nosso presidente. O próprio doutor Bolsonaro declarou com todas as letras que, caso a dupla Fernández/Kirchner vença as eleições argentinas, o país vai virar uma Venezuela. O troco veio rápido. Em visita a nosso território, o candidato ofendido se permite debochar de nosso presidente. E tudo bem. Admirável mundo novo!

Bando de cagão

José Horta Manzano

Tinha previsto algum escrito mais ameno pra este domingo. Mas certas notícias deixam de olho arregalado e pedem reação imediata. Não dá pra deixar esfriar.

É de conhecimento de todos que doutor Bolsonaro está de viagem pra Washington para visitar Mister Trump. Até aí, nada de extraordinário. Com as facilidades atuais de transporte, encontros entre chefes de Estado se multiplicam, o que só pode ajudar. O problema, desta vez, é que um dos primeiros-filhos viajou um dia antes pra participar de encontro com duas personalidades. Um deles é senhor Olavo de Carvalho, apresentado como seu guru. O outro é nada menos que Steve Bannon, sulfuroso personagem, um dos maiores desafetos de Donald Trump. Mister Bannon é figurinha carimbada da extrema-direita internacional, ligado a personagens racistas e supremacistas como a francesa Marine Le Pen e o holandês Geert Wilders.

Todos sabem que o clã Bolsonaro age e trabalha em uníssono. Na hora do vamos ver, o presidente tende sistematicamente a tomar o partido dos filhos contra todos os que se situarem ao exterior da família. Já aconteceu até com o superministro Moro, humilhado e obrigado a voltar atrás numa decisão que havia tomado, pra satisfazer ao capricho de um dos bolsonarinhos. Portanto, a presença do primeiro-filho na homenagem prestada a Mr. Bannon equivale à presença do próprio presidente.

Aproveitar da visita a Trump pra se encontrar com um de seus declarados inimigos é descortesia, pra dizer o mínimo. É atitude desajeitada, fruto da falta de traquejo social e político que caracteriza o clã que nos dirige. É um passo que nada agrega de bom. Pior que isso, lança uma sombra sobre a visita presidencial. Seria como se um chefe de Estado estrangeiro, em visita a doutor Bolsonaro, decidisse visitar antes Lula da Silva na cadeia. É tapa na cara que pega mal pra caramba.

Nos EUA com Steve Bannon.
A foto é sugestiva. Para o caso de o governo não vingar, a porta de saída já está preparada lá no fundo.

Nem Mr. Trump ‒ que ninguém acusaria de ser moderado ‒ guardou muito tempo Steve Bannon em seu entourage. Por que raios o clã Bolsonaro faz questão de adotar figura que o próprio ídolo deles já descartou? A pergunta complementar é: por que é que fazem isso em público e à luz do dia?

Agora vamos falar do estranho título deste artigo. Não é de mim, é citação naturalmente. Quem me conhece sabe que sou avesso a palavras de calão. Não fazem o estilo da casa. Citei, no título, uma frase elegante proferida pelo guru do clã Bolsonaro. Falo de senhor Olavo de Carvalho, descrito ora como professor, ora como filósofo, escritor ou pensador. Referindo-se à suposta inação de doutor Bolsonaro quando atingido por críticas, ele disse textualmente: «Ele não reage porque aquele bando de milico que o cerca é tudo um bando de cagão, que tem medo da mídia». Que distinção, não é mesmo?

Fico imaginando um linguajar desse jaez na boca de ilustres filósofos que antecederam senhor Carvalho. De Santo Agostinho a Leibniz, de Descartes a Schopenhauer, não dá pra cogitar algum deles tratando uma classe inteira de cidadãos de «bando de cagão». Em público! Isso está mais pra bêbado boca-suja em conversa de botequim depois das dez da noite.

Na entrevista concedida a jornalistas, o guru foi mais longe e deu diagnóstico taxativo. Disse que, a continuar do jeito que vai, esse governo não dura mais que seis meses. Se realmente o governo for pro espaço, senhor Olavo de Carvalho terá dado contribuição consistente para tal desfecho.

Justiça enrolada e ineficaz

«O presidente do Chile, Sebastián Piñera, aproveitou a viagem oficial ao Brasil para fazer uma visita ao Supremo Tribunal Federal, onde foi recebido pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, e pelos ministros Dias Toffoli e Edson Fachin, relator da Lava Jato.

Em rápida passagem de pouco mais de vinte minutos, Piñera disse que acompanha sessões do Supremo. Afirmou saber como pensa cada um dos ministros e disparou uma série de perguntas sobre o funcionamento da Corte.

“Quando falha a Suprema Corte, a quem se recorre?”, perguntou Piñera. Depois de Cármen e Fachin responderem que não cabe recurso, o presidente do Chile insistiu: “Então cabe a Deus?”

Nessa altura, o ministro Edson Fachin interveio na conversa e ressaltou que a “a última palavra, no sentido amplo e largo, é da sociedade”. O chileno então retrucou, indagando se a sociedade poderia revogar uma decisão da Suprema Corte. Os ministros responderam que não.»

Trecho de artigo publicado pelo Estadão de 27 abr 2018, assinado por Rafael Moraes Moura e Amanda Pupo.

Nota deste blogueiro
Nós, que assistimos diariamente ao deprimente balé de recursos, apelações, embargos, liminares, decisões, contradições e esquisitices do STF, não conseguimos mais nos dar conta da imagem ridícula que nossa Justiça lança ao mundo.

A desbragada ironia do visitante acende a luz vermelha. Embora não logremos enxergar, o rei está nu. Fora do país, estão todos a sorrir abanando a cabeça.

Cada uma!

José Horta Manzano

Visitantes no cárcere
Uma caravana de políticos, incluindo senadores da República, solicitou ‒ e obteve! ‒ autorização especial para visita ‘de inspeção’ à cela onde está recolhido o cidadão Lula da Silva. Desejavam conferir se o cômodo estava nos conformes e se o encarcerado estava sendo bem tratado.

Da solicitação, destaco a arrogante petulância. Imperdoável, principalmente por serem senadores da República. Haja cara de pau!

Da autorização, depreende-se que o sistema carcerário ainda não se livrou da praga do «jeitinho». As normas de visitação não preveem caravanas, ainda mais quando não são compostas de parentes ou amigos íntimos do preso. Não há razão pra flexibilizar regras. A “visita de inspeção” é insultante para as autoridades que cuidam da execução das penas.

Um ponto positivo: nenhum dos visitantes denunciou a má qualidade das condições carcerárias. Conclui-se que devem ser pra lá de boas. Se assim não fosse, imaginem a gritaria.

Aécio candidato
É verdade que um escândalo a mais ou a menos pouca diferença faz nesta terra castigada. Assim mesmo, alguns deles conseguem chocar mais.

by Renato Luiz Campos Aroeira, desenhista carioca

Semana passada, doutor Aécio, aquele que ludibriou metade do eleitorado nas últimas eleições, passou à condição de réu em processo criminal. E nesta semana, o que é que se lê? Que o ora acusado «ainda vai resolver se se candidata à presidência da República».

Como é que é? Com acusação confirmada pelo egrégio STF, ainda pensa em se candidatar? Pouca vergonha! Devia mais é ser expulso do partido.

Perguntar não ofende: quem é mais descarado, o candidato ou quem votar nele?

Lula roubado
O veículo de Lula, confiado a um de seus oito assessores, foi assaltado. Furtaram pertences do encarcerado, objetos que a gente se pergunta o que é que estariam fazendo lá. Um frigobar, um telefone celular, peças de roupa, passaporte. Tudo declarado como pertencente a Lula da Silva. Agora vêm as inevitáveis perguntas.

O que fazia um frigobar (repleto?) no carro do Lula? A intenção era subornar um carcereiro e introduzir o objeto na cela? Fora isso, que raios fazia essa geladeira num automóvel?

Telefone celular? Do Lula? Era destinado ao preso? E eu que, ingênuo, acreditava que presos fossem proibidos de guardar celular.

E o passaporte então? Preso não costuma passar fronteira, portanto não precisa de passaporte. Pra quê o documento estava lá?

No dia seguinte ao do furto, doutora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, botou a boca no trombone para denunciar o provável envolvimento da “zelite” no assalto. Exigiu que tudo fosse investigado a fundo. Um dia mais tarde, dando-se conta de que indagações surgiriam e que o feitiço perigava virar-se contra o feiticeiro, esqueceu o assunto. E não falou mais nisso, que a emenda podia ficar pior que o soneto.