Governo concordou

Cláudio Humberto (*)

O governo Dilma soube com antecedência dos planos do governo venezuelano de destacar um grupo de militares à paisana, passando por manifestantes, para hostilizar os senadores que foram a Caracas visitar presos políticos. Também a embaixada brasileira demonstrou saber da operação de intimidação: diplomatas tinham ordem para não acompanhar os senadores na van que seria alvo dos milicianos.

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

O embaixador brasileiro Ruy Pereira entrou no avião dos senadores antes que desembarcassem, cumprimentou-os e “vazou”.

Os pilotos da FAB que conduziram os senadores foram avisados pelas autoridades venezuelanas para preparar o voo de volta imediatamente.

Após o desembarque dos senadores em Caracas, os pilotos da FAB foram de novo abordados e aconselhados a “nem almoçar” na cidade.

O grupo de senadores de oposição foi a Caracas visitar presos políticos venezuelanos, mas mal conseguiu sair do aeroporto.

(*) Cláudio Humberto, bem informado jornalista, publica coluna diária no Diário do Poder.

Dilma e a girafa

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 6 julho 2013

Faz vários anos, tive um funcionário, gente fina, pau pra toda obra. Às vezes eu tinha de confiar-lhe alguma tarefa mais ingrata, mais maçante. Com tato, eu pedia: «Então, Jorge, você não se importa de fazer isto?». E a resposta vinha, certeira: «Oh, imagine! Fazer isso ou pintar a girafa é a mesma coisa, tanto faz».

Até hoje estou sem saber que diabo era aquela história de pintar a girafa. Mas a mensagem era clara: ao velho Jorge, pago para trabalhar, pouco importava qual fosse a tarefa. Se era para fazer, arregaçava as mangas e fazia. Lembrei-me dele estes dias.

Girafa

Girafa

Dois anos e meio atrás, os brasileiros elegeram uma presidente para sua República. Iludidos ou conscientes, bem ou mal informados, ricos ou pobres, poderosos ou dominados, pouco importa a razão da escolha. Dilma foi ungida pelas urnas. Foi ela, mas, tivesse sido outra pessoa, no fundo, tanto faz. Os tempos absolutistas em que um único medalhão mandava e desmandava sozinho já sumiram na névoa do passado, junto com a guilhotina e a caixinha de rapé. A presidente que temos é essa, e com essa ficaremos. Mesmo poderoso, um presidente não é dono do País nem governa sozinho. Felizmente.

Pensando bem, mais vale ter no topo da República uma personagem menos brilhante, pouco exuberante, nada carismática. Se não é a melhor figura política que o Brasil já conheceu, a presidente atual tampouco é a pior. Tem suas carências, mas quem não as tem? Falta-lhe jogo de cintura, é verdade. Ainda assim, mais vale a rigidez de uma Dilma ― ainda que tisnada de rudeza e de rispidez ― que a exagerada plasticidade de seu antecessor, dono de uma indulgência que frisava a leniência e que abria caminho para toda sorte de desvios e «malfeitos».

Já vai para quase um mês que a sociedade brasileira está em efervescência. O que querem os manifestantes? O que dizem as ruas? Como deve o governo lidar com essa cena não prevista no roteiro original? Dizem que ninguém sabe ao certo por que os manifestantes manifestam. Não sejamos hipócritas. Sabemos bem o que querem. Querem o que queremos todos. Exatamente aquilo que está escrito bem no meio da bandeira verde-amarela: ordem e progresso.

Queremos um país em que os representantes do povo exerçam seu papel com seriedade. Queremos que a bandalheira deixe de ser a regra e volte a ser exceção. Queremos que malfeitores sejam punidos. Queremos que condenados cumpram suas penas. Queremos que enfermos sejam atendidos com dignidade. Não queremos ser república de bananas nem fazer parte do sinistro clube de países autoritários, sanguinários, populistas, irrelevantes. Queremos ordem. Uma vez instalada, o progresso fluirá naturalmente.

Não precisamos de plebiscitos para nos distrair. Nosso país reclama um gesto forte e imediato, um sinal claro que indique uma guinada real na governança. Nosso regime não permite à presidente destituir parlamentares. Mas ela pode, sim, demitir ministros. A nomeação (e a exoneração) de auxiliares diretos é prerrogativa pessoal da mandatária.

Sabem todos que Dilma Rousseff não faz parte do clube dos corruptos. Aliás, sua popularidade foi às alturas quando, de uma vassourada, mandou meia dúzia de ministros plantar batata.

Dilma Rousseff por Lezio Jr.

Dilma Rousseff
por Lezio Jr.

Para grandes males, grandes remédios. Se ela quiser resgatar sua imagem ― que se esfarela dia após dia ― só lhe resta um caminho: exigir que todos os titulares de seu inchado corpo ministerial apresentem sua demissão. Todos, sem exceção. Ninguém poderá dizer que foi demitido, as aparências serão salvas e estará feita a tábula rasa. O sinal enviado à nação será tremendo. Todos entenderão que, por fim, a presidente realmente ouviu a voz das ruas e está disposta a recomeçar com o pé direito.

Para seguir a lógica até o fim, Dilma deverá escolher os novos titulares não mais por afiliação partidária ou por apadrinhamento, mas pela competência. Pisará o pé de muita gente, mas, é certeza, mostrará sua coragem vencerá a parada.

E o Congresso? E a base aliada? Vão todos desertar? Ora, que bobagem. A grande massa de nossos representantes funciona na base da cooptação e de seu corolário, o medo. O pavor de não serem reeleitos é maior que qualquer ideologia. Todos se bandearão para o lado vencedor. Qual dos representantes ousará contestar a audácia da presidente?

Em vez de pintar a girafa ou de planejar plebiscitos, dona Dilma deveria assumir com firmeza as rédeas do governo. Pulso, intrepidez e energia não lhe faltam. Que diga adeus a gurus, marqueteiros e messias. Seguindo essa via sem tergiversar, apaziguará as ruas e garantirá sua reeleição.

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Que reformas?

José Horta Manzano

O País está convulsionado. O governo, acuado. Correr feito barata tonta é expressão desgastada pelo uso constante, mas ainda é a que melhor espelha a situação atual.

Correm os manifestantes sem saber exatamente o que querem. Estão contra tudo isso que está aí. Mas isso que está aí é o quê?

Reivindicação

Reivindicação

Correm os governantes sem saber exatamente para onde ir. Querem estancar a agitação popular. Mas qual é o caminho?

Messias e marqueteiros são consultados. A doutora Dilma apresenta, com ar compenetrado, propostas que, tudo indica, emanam de cabeças alheias. Quem acompanhou o percurso da mandachuva maior sabe que seu forte não é exatamente a negociação, muito menos a conciliação. Mas a política é a arte de engolir sapos, e ela está passando por um aprendizado rápido, intensivo e doloroso.

Dez anos depois de se terem instalado no poder, a senhora Rousseff e seus cortesãos se dão conta, repentinamente, de que uma parcela importante da população anda muito descontente. Pior ainda: os indignados descobriram o meio de se fazerem ouvir.

Ainda atordoados, messias e marqueteiros propuseram à presidente que anunciasse uma ampla reforma política. Ninguém explica o que vem a ser, mas espera-se que a gostosa palavra reforma soe bem e acalme o populacho. Afinal, pior do que está, dificilmente pode ficar.

Algumas perguntas ficam no ar. Por que não foi feita nenhuma reforma enquanto o povo estava anestesiado, e os índices de aprovação presidencial eram estratosféricos? Por que esperaram que a tempestade balançasse o coreto para, só então, se darem conta de que foram eleitos para servir ao povo e não para se servir dele?

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A palavra mais ouvida nesta semana espremida entre São João e São Pedro é plebiscito. Que bicho é esse? É bicho antigo, vem de longe. É parente de plebe e de plebeu, mas não tem carga ofensiva. Dois milênios atrás, os romanos já se valiam desse termo para definir consultas feitas diretamente à plebe. Os plebeus se contrapunham aos patrícios, situados em patamar superior na escala social.

Passeata

Passeata

Por sua própria natureza, os plebiscitos não costumam buscar respostas nuançadas. O povo consultado terá simplesmente de responder sim ou não a uma pergunta. Ou aprova, ou reprova. Pode-se sempre inovar, evidentemente, fazendo duas, três, quatro perguntas. Mas isso não é comum.

Um projeto de reforma política contará dezenas de artigos. Esses ítens dificilmente poderão ser submetidos, um por um, ao voto popular. Seria de uma monstruosa complexidade.

Como fazer, então? Na medida que o povo brasileiro não tem grande confiança em seus representantes, estamos metidos num beco sem saída. Os artigos, parágrafos e alíneas serão costurados por Suas Excelências. A população terá, em seguida, duas únicas opções: aceitar o pacote inteiro ou rejeitá-lo.

É por isso que não me parece boa essa ideia de plebiscito. Traz uma desconfortável sensação de conversa mole para boi dormir. Caso a plebe encampe a ideia, daqui a alguns meses, serenados os ânimos, virá um projetozinho mexendo em alguns pontos de detalhe, sem mexer nas estruturas. Para inglês ver.Interligne 37i

A atualidade política nos traz uma interessante observação referente à adequação vocabular. A imprensa brasileira, acertadamente, utilizou o termo plebiscito. É o que acontece quando se submete um projeto à aprovação do povo.

Manifestação

Manifestação

Já a imprensa portuguesa preferiu o termo referendo. Talvez, no além-mar, as duas palavras sejam sinônimas, não posso garantir. Entre nós, não são. Convoca-se a população a referendar um texto de lei já aprovado pelo parlamento.

Parece igual, mas não é. Recapitulemos. Se uma lei ainda não aprovada pelos representantes for submetida aos eleitores, deve-se falar em plebiscito. Se o povo for apenas chamado a confirmar um texto já votado, estaremos diante de um referendo.Interligne 37a

Há maneiras mais simples, rápidas e diretas de corrigir erros políticos. Não há necessidade de canhão para matar pardais. Não são leis que andam fazendo falta: o que falta é vergonha na cara.