Para um 22 de abril

Descobrimento do Brasil
by Oscar Pereira da Silva (1867-1939)

José Horta Manzano

Você sabia?

 


Insegurança é componente importante do espírito brasileiro.

Vivemos num persistente estado de insegurança de raiz.


 

A desonestidade e a criminalidade onipresentes geram insegurança e transformam o honesto cidadão em refém da violência de criminosos.

Na política, fica a impressão de que os do andar de cima, embora podres, conseguem sempre escapar dos raios da justiça.

Para os do andar de baixo, a insegurança jurídica é proverbial. Vai-se dormir à noite sem ter certeza de que, no dia seguinte, leis e regulamentos ainda serão os mesmos.

Essas incertezas não vêm de hoje. Marcam a história do país desde o dia em que foi lavrada sua “certidão de nascimento”. Falo da carta de Pero Vaz de Caminha, bordada com arte e carinho pelo escriba da esquadra de Cabral.

A missiva é cristalina ao datar a descoberta – ou o achamento, como prefiram – da terra tropical. Diz ela: “nos 21 dias de abril (…) topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho”. No dia seguinte, foi avistado um «monte mui alto e redondo», além de serras e de terra chã com grandes arvoredos. Pronto, o Brasil estava achado. E era 22 de abril.

Acontece que essa carta, devidamente guardada nalgum escaninho da burocracia lusa, sumiu durante 300 anos e acabou esquecida. Só viria a ressurgir no século XIX. Enquanto isso, o Brasil já se havia declarado independente da metrópole. Logo após a independência, na complexa organização do novo país, foi buscada uma data de descobrimento. Na falta de informação segura, foi designado o dia 3 de maio. E por quê?

A insegurança gerada pela ausência de provas documentais fez supor que o primeiro nome dado à terra – Vera Cruz – viesse do dia que a Igreja consagra à celebração da verdadeira cruz, justamente o 3 de maio.

Em 1889, ao fixar os feriados oficiais da nova república, o governo provisório manteve a comemoração da chegada dos primeiros europeus em 3 de maio. Por essa altura, a carta de Pero Vaz já havia reaparecido – portanto, já se sabia que a verdadeira data não era aquela. Assim mesmo, por comodidade, deu-se preferência a manter a celebração no dia de Vera Cruz. Como o dia de Tiradentes, 21 de abril, já era dia de festa, não convinha fixar dois feriados seguidos.

Não foi senão durante a ditadura de Getúlio Vargas que a História se rendeu oficialmente à evidência: estava-se comemorando no dia errado. Resolveram corrigir. De uma tacada, vieram duas modificações: o descobrimento passou a ser celebrado dia 22 de abril e, ao mesmo tempo, deixou de ser dia feriado.

Quando eu era criança, meus pais me diziam que o Brasil tinha sido descoberto em 3 de maio e eu não entendia por que, na escola, me ensinavam data diferente. A insegurança sobre as datas só se desfez muitos anos depois, quando eu descobri que meus pais estavam apenas me transmitindo o que haviam aprendido nos tempos de grupo escolar.

O distinto leitor há de convir que, numa terra que já começou com provas documentais desaparecendo de circulação, não espanta que a insegurança continue sobressaindo. Fazer sumir provas tornou-se esporte nacional. Antes, eram documentos que desapareciam; hoje em dia, são as fitas das câmeras do Palácio do Planalto.

Francamente, continuamos a viver na terra do “eu não sabia de nada”.

Vai ter Carnaval?

José Horta Manzano

Você sabia?

Feriado é dia em que assalariado recebe sem precisar trabalhar. Em princípio, o dispositivo se aplica a todos. No entanto, por óbvio, certas profissões e funções não podem seguir à risca. Nem todos são iguais diante dos feriados oficiais. Bombeiros, urgentistas, policiais, controladores aéreos, taxistas, cozinheiros, enfermeiros, motoristas fazem parte das exceções.

Feriados oficiais mudam com o vento e variam com o tempo. Tentar enumerar, num conjunto lógico, os feriados nacionais brasileiros é pisar terreno pantanoso. Leis, decretos, resoluções e calendários nem sempre estão em sintonia. O emaranhado de dias festivos nacionais, estaduais e municipais tem muito cipó.

Para complicar a questão, persiste entre nós o «ponto facultativo», figura singular, de perfume arcaico. Não é impossível que sua origem seja o «bank holiday» inglês. Nesses dias, o trabalho pode até ser ‘facultativo’, mas não se costuma ver ninguém batendo ponto.

Quando jovem, este blogueiro chegou a ter emprego em que era obrigatório “bater ponto” na entrada e na saída. Mas isso foi no tempo em que os bichos falavam. Não sei se o método ainda é hoje utilizado. Muito provavelmente já foi substituído por algum sistema de identificação digital, facial ou equivalente.

Salvo melhor juizo, os sete feriados nacionais oficiais estão elencados em lei de 2002. São eles: 1° janeiro, 21 abril, 1° maio, 7 setembro, 2 novembro, 15 novembro e 25 dezembro. Fora dessa lista, há os mencionados ‘pontos facultativos’, além dos dias festivos estaduais e municipais.

Achei interessante comparar as festas nacionais atuais com as de um século atrás. Em 1916, eram dez dias, três a mais que hoje. Em compensação, não se falava ainda em pontos facultativos. Conclui-se que o trabalho nesses dias era, de certo modo, proibido.

Entre os feriados de 1916, alguns ainda são comemorados. Outros desapareceram. Entre os que sumiram, estão:

24 de fevereiro
Festejava-se a promulgação da Constituição Federal de 1891. Dado que, depois dessa, já tivemos quase meia dúzia, o feriado desapareceu. Não faz sentido mudar a data a cada 15 ou 20 anos. Ou festejar todas, o que ia acabar afetando o PIB nacional.

3 de maio
Comemorava-se a descoberta do Brasil. A escolha do dia 3 de maio devia-se a um erro histórico. Aprendemos na escola que o primeiro nome dado às terras avistadas por Pedro Álvares Cabral foi Ilha da Vera Cruz. A liturgia católica consagra o 3 de maio à celebração da verdadeira cruz de Cristo, a Vera Cruz. A carta de Pero Vaz de Caminha, com a data exata, andou extraviada por uns trezentos anos. Na falta de outro indício, determinou-se que o dia do descobrimento só podia coincidir com o dia da festa religiosa. E ficou combinado de celebrar o descobrimento em 3 de maio. Hoje se sabe que foi num 22 de abril, mas a informação chegou atrasada: o feriado já tinha caído.

13 de maio
Era a festa da «extincção da escravatura». Já faz tempo que deixou de ser feriado. Talvez porque, num país de desigualdades abissais como o nosso, o sistema escravagista, no fundo, não tenha sido totalmente “extincto”.

14 de julho
Como sabem meus cultos leitores, é o dia da Tomada da Bastilha, festa nacional francesa. A comemoração foi abrasileirada, digamos assim. No Brasil, o 14 de julho passou a comemorar a liberdade e a independência dos povos americanos. De todos os povos americanos, ressalte-se, e não somente daqueles cuja ideologia presidencial bata com a de nosso presidente de turno. Também esse dia já deixou de ser festa entre nós.

12 de outubro
Era o dia do Descobrimento da América. Por coincidência, hoje é um daqueles feriados ‘informais’. Já não faz mais alusão a Cristóvão Colombo, mas a Nossa Senhora Aparecida.

Reparem que não se comemoravam nem o 7 de Setembro, nem o 15 de Novembro, nem o Dia de Tiradentes. Quais serão os feriados daqui a um século? Nossos bisnetos saberão.

Observação
Vai ter Carnaval este ano? No fim de semana que vem, teremos a resposta. De qualquer modo, Carnaval não é feriado nacional oficial.

Publicado originalmente em 25 jul° 2016.

Coreia do Norte e Venezuela

José Horta Manzano

Duas maneiras de lidar com a paranoia

Coreia do Norte e Venezuela são países com vários pontos em comum. Têm população comparável: 25 milhões para o primeiro, 30 milhões para o segundo. Têm ambos a economia em frangalhos, com o povo passando fome enquanto a nomenklatura se farta de champanhe e caviar. Os dois países são atormentados por uma ditadura ‒ a da Coreia é hereditária e a da Venezuela segue adiante com sucessor designado.

Talvez a semelhança maior entre as duas nações seja a ignorância manifesta da classe dirigente, que parece viver num outro planeta, à margem da civilização. É certo que ambas as cliques vivem numa situação de paranoia permanente. Com ou sem razão, acreditam estar prestes a ser atacados por forças militares estrangeiras. Os tuítes estrambóticos do atual inquilino da Casa Branca não fazem senão reforçar esse sentimento. O folclórico personagem já ameaçou os coreanos com «fogo e furor» e não excluiu intervenção armada no nosso vizinho do norte.

Kim Jong-un, ditador da Coreia do Norte

Agora falemos das diferenças. A Coreia do Norte não foi agraciada pelos deuses na hora da distribuição das riquezas. O solo é pobre, as reservas minerais não são significativas. Como o país não fornece estatísticas oficiais, é difícil conhecer a economia no detalhe. Estima-se um baixíssimo PIB per capita, entre 1000 e 1500 dólares por ano. Para comparação, o do Brasil é dez vezes mais elevado.

Já a Venezuela passou três vezes na fila da distribuição de riquezas. Tem petróleo a dar com o pau ‒ a maior reserva do mundo. O solo é rico e o sol, generoso. Se tivesse lá aportado, Pero Vaz de Caminha não hesitaria em afirmar: «em se plantando, dar-se-á nela tudo». No entanto… o povo passa fome. Um paradoxo.

Ambos os países são governados por gente ignorante e paranoica, disso já sabemos. Mas há sensível diferença na maneira que cada qual encontrou pra lidar com essa sensação de iminente ataque externo.

A Coreia do Norte investiu (e continua investindo) o pouco que tem em armamento dissuasivo. E tem tido sucesso. Os testes balísticos destes últimos meses nem de longe têm intenção de atingir o Japão, nem Guam, nem quem quer que seja. Servem apenas de advertência: «Não brinquem conosco, que temos como nos defender». E olhe que tem funcionado. Alguém ousaria atacar o país?

Nicolás Maduro, ditador da Venezuela

Já a Venezuela, ai, santa ignorância! Como já fazia seu finado mentor, señor Maduro tem se contentado em subir o nível das bravatas. Incapaz de alimentar o povo, com o país expulso de facto do Mercosul, abandonado pelas companhias aéreas e impossibilitado de importar a não ser que pague adiantado, o bobão veio ontem com a enésima fanfarronice. Prometeu enviar «ajuda humanitária» de cinco milhões de dólares para as vítimas das enchentes de Houston.

O mandachuva de um país cujos cidadãos fogem aos milhares por falta do que comer não tem o direito de cometer tamanho escárnio. Os estragos causados pelas inundações no Texas são estimados, por alto, em 100 bilhões de dólares. Os cinco milhões doados por Caracas não vão além de 0,005% do total. Francamente, melhor faria señor Maduro se destinasse a bolada a comprar esparadrapo para seus hospitais.

Em resumo: a ditadura dinástica coreana está garantida por muitos anos. Quanto à Venezuela, ninguém apostaria um vintém furado na permanência do hermano bigodudo e paspalhão à frente da anacrônica ditadura.

O imaginário europeu

Luiz F. Zanin Oricchio (*)

De certa forma, o Brasil repete a mitologia e a nega. O imaginário europeu consagrou o País como uma espécie de paraíso na Terra. “Em se plantando tudo dá”, garantiu o primeiro cronista, Pero Vaz de Caminha, encantado com a fertilidade do solo e com a beleza sem pudor dos habitantes originários.

Praia 3A fama se firmou ao longo dos séculos. Aquele era um país pobre, cheio de problemas, mas também povoado por gente feliz e acolhedora, praias maravilhosas, florestas a perder de vista, rios imensos de água pura. Livre do frio e de calores extremos, sem terremotos, sem vulcões, sem grandes conflitos. Um país de povo criativo, músicos geniais, e que celebram a festa coletiva do Carnaval como nenhum outro.

Alguns estrangeiros ainda pensam assim. Nós não pensamos mais. Já fazia algum tempo, aliás. Mas 2016 foi o ano da queda definitiva do mito do Homo Brasilis.

(*) Luiz F. Zanin Oricchio é jornalista. O texto reproduzido é trecho de artigo publicado no Estadão, 31 dez° 2016.

Insegurança de raiz

José Horta Manzano

Você sabia?

Insegurança é componente importante do espírito brasílico.

A desonestidade e a criminalidade geram insegurança e transformam o honesto cidadão em refém da violência de criminosos.

Caravela 2As artes da política transmitem tremenda insegurança – fica a impressão de que todos os do andar de cima, embora podres, sejam intocáveis.

A insegurança jurídica é proverbial. Vai-se dormir à noite sem ter certeza de que, no dia seguinte, leis e regulamentos ainda serão os mesmos.

Essas incertezas não vêm de hoje. Marcam a história do país desde o dia em que foi lavrada sua «certidão de nascimento». Falo da carta de Pero Vaz de Caminha, bordada com arte e carinho pelo escriba da esquadra de Cabral.

A missiva é cristalina ao datar a descoberta – ou o achamento, como prefiram – da terra tropical. Diz ela: «nos 21 dias de abril (…) topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho». No dia seguinte, foi avistado um «monte mui alto e redondo», além de serras e de terra chã com grandes arvoredos. Pronto o Brasil estava achado. E era 22 de abril.

Acontece que essa carta, devidamente guardada nalgum escaninho da burocracia lusa, não foi consultada durante 300 anos e acabou esquecida. Só viria a ressurgir no século XIX. Enquanto isso, o Brasil já se havia declarado independente da metrópole. Na complexa organização do novo país, foi buscada uma data de fundação. Na falta de informação segura, foi privilegiado o dia 3 de maio. E por quê?

Descobrimento 1A insegurança gerada pela ausência de provas documentais fez supor que o primeiro nome dado à terra – Vera Cruz – viesse do dia que a hagiologia católica consagra à celebração da verdadeira cruz, justamente o 3 de maio. (Entre parênteses: com o nome de Cruz de Mayo, esse dia ainda é festejado em alguns países da América Hispânica.)

Carta de Pero Vaz sobre o achamento

Carta de Pero Vaz sobre o achamento

Ao fixar os feriados oficiais, a República fundada em 1889 manteve a comemoração da chegada dos primeiros europeus em 3 de maio. Por essa altura, a carta de Pero Vaz já havia reaparecido – portanto, já se sabia que a verdadeira data não era aquela. Assim mesmo, por comodidade, deu-se preferência a manter a celebração no dia de Vera Cruz. Como o dia de Tiradentes, 21 de abril, já era dia de festa, não convinha impor dois feriados seguidos.

Não foi senão durante a ditadura de Getúlio Vargas que a História se rendeu oficialmente à evidência: estava-se comemorando no dia errado. De uma pedrada, derrubaram dois coelhos: o descobrimento passou a ser celebrado dia 22 de abril que, ao mesmo tempo, deixou de ser dia feriado.

Eu não seiMeus pais me contavam que o Brasil tinha sido descoberto em 3 de maio e eu não entendia por que, na escola, me ensinavam data diferente. A insegurança sobre as datas só se desfez muitos anos depois, quando eu descobri que eles me ensinavam tal como haviam aprendido na escola.

O distinto leitor há de convir que, numa terra que já começou com provas documentais desaparecendo de circulação, não espanta que a insegurança continue sobressaindo. Fazer sumir provas tornou-se esporte nacional. Decididamente, vivemos na terra do «eu não sabia de nada».

Buscando a receita

José Horta Manzano

Há males que vêm pra bem é expressão conhecida e usada com frequência. Em contraposição, também há casos em que coisas boas acabam atrapalhando a vida e infernizando a existência.

Company logo 6No caso de males que, no final, se revelam úteis, há exemplos aos montes. Guerras, se trazem destruição, desgraça e morte, contribuem para o progresso. Os grandes conflitos do século XX são responsáveis pela invenção ou pelo desenvolvimento de técnicas de grande utilidade. Falo da radiologia, da traumatologia de reconstituição, do avião a jato, dos antibióticos e de numerosos outros «subprodutos».

Bens, quando chegam de repente e sem que o beneficiado tenha tido de fazer grande esforço, podem causar transtorno. É o caso daqueles que tiraram a sorte grande nalguma loteria, enricaram, e… acabaram se perdendo. Escritos bíblicos já contavam a história do filho pródigo, aquele que dissipou num piscar de olhos a fortuna recebida de mão beijada.

Company logo 2No Brasil, desde que a gente é criança, nos convencem de que o País é rico, que tem enorme riqueza mineral, a maior floresta do mundo, clima excelente, povo cordial, diversidade biológica fantástica, petróleo, litoral extenso, vizinhos amigos, paz social, habitantes talentosos, as mais lindas praias, terras ainda não desbravadas, subsolo riquíssimo, água à vontade, território livre de terremotos e tsunamis. Em três palavras: um paraíso terrestre.

Company logo 4Nosso País é um dos raros capazes de exibir certificado de nascimento. Falo da carta que Pero Vaz de Caminha escreveu a Dom Manuel dando notícia do achamento de novas terras. Quando o escrivão previu: «a terra é de tal maneira tão maravilhosa que em se plantando dar-se-á nela tudo», estava, sem se dar conta, vaticinando o futuro da nação.

O chato é que as gerações que se seguiram passaram por cima da condição (em se plantando) e se aferraram direto à conclusão (dar-se-á nela tudo). Faz 500 anos que a característica nacional é permanecer, mão estendida, à espera do fruto que a terra bendita nos vai fazer cair na palma da mão.

Company logo 3As benesses inerentes à terra brasileira atrapalham mais que ajudam, acreditem. Nações menos aquinhoadas nos dão a prova. Senão, vejamos.

Estes dias, dona Dilma está viajando pela Europa do Norte: a Suécia primeiro, a Finlândia depois. São nações com escassas riquezas minerais, clima rude, pouca diversidade biológica, agricultura quase impossível, nem uma gota de petróleo, praias frias e infrequentáveis, vizinhos nem sempre cordiais – a Finlândia é colada à Rússia, da qual, aliás, já foi província.

Company logo 1No entanto… são países ricos. Em 2013, a Suécia registrou 58 mil dólares de PIB por habitante, enquanto a Finlândia chegou a 49 mil dólares. Para efeito de comparação, o Brasil não passou de 11 mil dólares. E como é possível que territórios pouco habitados e abandonados pela natureza possam enriquecer dessa maneira?

Company logo 5Dona Dilma há de ter escrito um lembrete na caderneta pra não esquecer de perguntar isso a eles. Aos figurões suecos, ela vai indagar como é possível um país de natureza pobre, com menos de 10 milhões de habitantes, ter 220 empresas(!) implantadas em solo brasileiro, que dão emprego a 50 mil conterrâneos. Na pequena Finlândia, ela perguntará como fez um país de pouco mais de 5 milhões de almas, onde mal e mal se cultiva um pé de repolho, para estabelecer 50 empresas(!) em solo tupiniquim.

Quem sabe ela não trará a receita pra nos tirar do buraco? Há que ser otimista, camaradas!

A galega

José Horta Manzano

Você sabia?

Gaita 2Se alguém lhe perguntasse qual foi o primeiro instrumento musical estrangeiro a chegar ao Brasil depois do descobrimento, que é que você responderia? A guitarra? A flauta? A trombeta? Que nada, tá gelado!

Muitos distintos leitores hão de se surpreender com o que vem agora. O primeiro instrumento – que veio já na esquadrilha de Pedro Álvares Cabral – não foi nenhum dos que mencionei acima. Foi a gaita. Quando digo gaita, refiro-me à gaita de foles ou gaita galega, não à gaita de boca. Agora vem a prova:

Gaita 3«Passou-se então além do rio Diogo Dias, almoxarife que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita

Fragmento da carta que Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra de Cabral, enviou a El-Rey D. Manuel I para dar a boa-nova do achamento de novas terras.

Gaita 4As origens desse instrumento de sopro se perdem na poeira do tempo. Indícios de sua existência já foram encontrados até junto à tumba de faraós que viveram cinco mil anos atrás.

Ao longo dos séculos, surgiram dezenas de variedades de gaita, engenhoso instrumento de sopro. Diferentemente de seus congêneres, que dependem do sopro direto do executante, a gaita de foles dispõe de uma bolsa onde o ar fica armazenado.

Portanto, o esforço do músico para encher a bexiga não corresponde necessariamente à saída do fluxo de ar. A vantagem é que a gaita de foles é capaz de produzir som contínuo, independentemente do ritmo de respiração do instrumentista. Nenhum outro instrumento de sopro permite essa façanha.

Gaita 1Desde a Antiguidade, cada região da Europa conheceu sua versão de gaita. Hoje em dia, ela está praticamente esquecida na maioria dos países. Ainda é cultuada no mundo celta: Escócia, País de Gales, Irlanda, Bretanha (França), Galiza (Espanha), norte de Portugal.

Gaita 5O portal La Voz de Galicia dá informação curiosa. O Brasil tem uma única fábrica de gaita de foles. Ela se encontra nos arrabaldes de São Paulo e produz meia dúzia de modelos diferentes. O fabricante, artesão que conta apenas com a ajuda da esposa, é autodidata.

Construir gaita dá trabalho e leva tempo. Quem estiver interessado, tem de entrar numa lista de espera de 6 meses. Robles Luques, o artesão, sonha com o dia em que o primeiro instrumento chegado ao País se popularizará.

O momento atual assenta como luva: com a “Pátria Educadora” em ação, Robles encontrará com facilidade o encorajamento e o financiamento que lhe fazem falta. Que os anjos digam amém.

Senhora idosa

Dad Squarisi (*)

Corrupção 2Metáforas têm superpoder. São capazes de ir além do que dizem. Quando o pão pão, queijo queijo perde o viço e o dom de surpreender, a gente apela para o sentido figurado. Oba! Desvencilha-se das amarras e avança em significados. Foi o que fez a presidente Dilma Rousseff.

Ao dizer que a corrupção é “senhora idosa”, não saiu do óbvio. Não saiu do óbvio também quando afirmou que é anterior ao governo do PT. Até as pedras sabem que veio na caravana de Pedro Álvares Cabral. Está registrada lá, na carta de Pero Vaz de Caminha.

De óbvio em óbvio, a metáfora conduz a outro. Idosos morrem. (Jovens também.) A morte faz parte do ciclo da vida. Quem contraria a lei natural colhe resultado certo — o fracasso. Mas muitos insistem. Desde que o mundo é mundo, há relatos de atrevimentos. A mitologia está repleta de exemplos. Um deles: o de Sibila.

Vovó 1A profetisa se tornou porta-voz de Apolo. O mais belo deus do Olimpo apaixonou-se por ela. Caidinho de amor, prometeu satisfazer todos os desejos da amada. Ela pediu loooonga vida. Talvez a eternidade. Ele a atendeu. A moça foi ficando velhinha, velhinha — pequena e ressequida.

Alguém a pôs numa gaiola e a pendurou no templo de Apolo. Sibila ficou ali ano após ano, década após década, século após século. Visitantes pensavam que se tratasse de uma cigarra. Quando descobriam que era uma pessoa, perguntavam o que ela mais queria. A resposta: “Quero morrer”.

Gaiola 1A voz de Sibila ecoa de norte a sul do Brasil. A multidão que vestiu as ruas de verde-amarelo deixou recado claro — deixem a corrupção morrer. Cartazes, alto-falantes e bordões recusavam a prática embolorada que se agigantou com desenvoltura ímpar. Sem escrúpulos, jogou nas cordas até a Petrobrás, a mais simbólica empresa brasileira.

Velha como a senhora idosa foi a resposta do Planalto. Ao olhar pra trás, o discurso ressequido lavou as mãos. (Assim era, assim será.) Deixou de mirar o novo que tomou as ruas. São pessoas conectadas que exigem mudanças. Estavam lá como sociedade organizada que se recusa a pagar a supervitamina que mantém vivo cadáver sem sintonia com o contemporâneo.

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura. Edita o Blog da Dad.

Vamos de férias?

José Horta Manzano

Você sabia?

A revista Manager Magazin, do grupo editorial alemão Stern, anunciou estes dias o resultado de uma pesquisa interessante sobre o tempo de lazer ao qual têm direito os assalariados de dez países selecionados. O estudo, publicado sexta-feira última no meio da ponte do feriado de 1° de maio, caiu como uma luva.

Pelo levantamento da revista, o «país do samba, do Carnaval e do futebol», com 30 dias de férias legais e 11 feriados, encabeça a classificação. O único país que se lhe pode cotejar é a Lituânia. No resto do mundo, ninguém tem direito a tantos dias de folga.

Férias e feriados ― comparação entre 10 países selecionados Azul: número de dias de férias legais Verde: dias feriados

Férias e feriados ― comparação entre 10 países selecionados
Azul: número de dias de férias legais
Verde: dias feriados

Franceses e austríacos, que contam respectivamente com 40 e 38 dias por ano, não podem se queixar. Bem abaixo, vem a Alemanha com seus 20 dias de férias e 10 feriados.

Na rabeira, aparecem a China e o Canadá. Pequim concede a seu povo 10 dias de férias mais 11 feriados. Ottawa também garante 10 dias de férias mas somente 9 feriados. Os EUA, se aparecessem na na lista, se situariam entre a Índia e a China, com um total de 25 dias de folga.

Quando relatou a Dom Manuel I o achamento da nova terra, Pero Vaz de Caminha sublinhou: «a terra é de tal maneira tão maravilhosa que em se plantando dar-se-á nela tudo».

Infelizmente, Pero Vaz não deixou explícito quem deveria se encarregar do plantio. Até hoje estamos esperando que alguém o faça. Enquanto isso, vamos de férias, moçada, que ninguém é de ferro!

Interligne 18d

PS: Os feriados especiais previstos no Brasil em função da «Copa das copas» não estão incluídos. Entram na categoria das receitas não-contabilizadas.