Speranza

José Horta Manzano

É provável que o distinto leitor e a graciosa leitora já tenham lido algum dia a frase


Lasciate ogne speranza, voi ch’intrate (*)
Abandonai toda esperança, vós que entrais


É o 9° verso do terceiro canto do Inferno, parte da obra A Divina Comédia, escrita por Dante Alighieri há 700 anos. A frase terrível está gravada na porta do inferno, aconselhando aos recém-chegados que percam as esperanças – estão entrando ali para nunca mais sair, que o castigo é eterno.

A frase é frequentemente usada como citação, como paródia ou como metáfora. Usa-se a frase, por exemplo, quando nos referimos a uma situação tão complicada que é melhor não insistir porque não há solução possível.

Lembrei disso hoje ao observar os altos e baixos da política externa do Brasil, inconstante como uma montanha russa de parque de diversões. Aliás, mais inconstante ainda. Uma montanha russa, apesar dos sustos que prega nos viajantes, tem percurso delineado, balizado, fixo, previsível. Ao término da sessão, costuma-se desembarcar inteiro, são e salvo. Já nossa política exterior não tem mostrado ser balizada nem previsível.

Lula, que imaginava ser candidato prioritário ao Nobel da Paz, tem bombardeado a própria candidatura com inacreditável frequência. Não falo tanto das ações internas, que essas têm visibilidade pequena para quem está fora. Falo das tomadas de posição do chefe do Estado brasileiro em assuntos internacionais, o melhor termômetro para aqueles que, de Estocolmo e de Oslo, observam, selecionam e julgam os candidatos finalistas para a premiação do Nobel.

Em disputas internacionais, Luiz Inácio parece fazer de propósito: coloca-se sistematicamente do lado que choca o mundo civilizado – justamente aquele que lhe poderia atribuir o almejado Nobel. Quando assumiu o trono, deu honras especiais ao ditador da Venezuela, recebido 24h antes dos demais e paparicado à beça. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, pôs-se ao lado da Rússia. Quando o grupo terrorista Hamas atacou populações civis em Israel, condecorou o embaixador da Palestina em Brasília. Parece ou não parece que ele faz de propósito?

A cada pronunciamento, mormente se for espontâneo, sem script, pode se preparar porque lá vem alguma enormidade.

Dizem, com razão, que a mentalidade de Lula estacionou nos anos 1970 e de lá nunca mais saiu. Há quem tenha esperança de que, com o tempo, ele consiga tirar os pés da areia movediça em que se enfiaram e assim arejar a mente e adaptar seu pensamento ao mundo do século 21.

Quanto a mim, não boto fé. Lula está a dois dedos de completar 80 anos. Nessa idade, falo de cátedra, não se muda mais. O que tinha de mudar, já mudou. O que está, é pra ficar. Seu antiamericanismo infantil está cristalizado. Encruou, não tem mais jeito. Já foi presidente por 9 anos, já viajou mundo, já conversou com reis, rainhas, presidentes, chefes de Estado e de governo. O que tinha de aprender, já aprendeu.

Não tem remédio: continua preferindo ditadores e chefes de regime fechado e autoritário. E não vai mudar. Continuará assim até o último suspiro.

Lasciate ogni speranza!

(*) Essa é a grafia original proposta por Dante. Em italiano moderno, escreve-se Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate.

Lasciate ogni speranza…

José Horta Manzano

Inferno de Dante by Salvador Dalí (1904-1989), Marquês de Dalí de Púbol

Inferno de Dante
by Salvador Dalí (1904-1989),
Marquês de Dalí de Púbol

Muitos têm a nítida sensação de que o País mergulha, cada dia mais fundo, num lamaçal espesso. O líquido visguento abraça todos os viventes, reboca todas as coisas, tolda a visão, baralha as ideias e embaça o discernimento.

Muitos acham que era preferível viver num país mais pobrezinho do que num atoleiro rico mas inglório. «Somos pobres, mas honrados!» – é divisa que deixou de fazer sentido.

Muitos sentem saudade de um tempo em que, embora andássemos a pé, íamos na certeza de chegar ao destino sãos e salvos. Sequer nos passava pela cabeça que algum perigo nos rodeasse.

Muitos lembram com nostalgia o tempo em que vaga em escola pública era valorizada e disputada. Pode parecer exagero para os que não conheceram aqueles tempos, mas é verdade: em certos estabelecimentos públicos de maior prestígio, só entrava quem dispusesse de um bom pistolão – hoje diríamos recomendação ou «Q.I.».

Alguns ainda se recordam que político de alto coturno podia ser processado e condenado por ter-se apoderado de objeto pertencente ao patrimônio público. Um caso retumbante envolveu Adhemar de Barros, destacada figura política dos anos 40 e 50. O figurão foi um dia processado por ter levado pra casa um pote de barro, no episódio que passou à história como o da urna marajoara.

Sem admitir abertamente, muita gente deposita numa intervenção militar suas últimas esperanças de tirar o País do charco em que se afunda a cada dia. Dá pra entender. Nós, contribuintes ignaros, estamos descobrindo os capítulos de tenebrosa novela que nos dá detalhes de como a maior empresa do Brasil foi saqueada por uma camarilha de cidadãos da elite que habita o andar de cima. Pior, mesmo, é saber que tudo isso terminará em nada. Alguém duvida?

Sem admitir abertamente, muita gente deposita numa intervenção militar a última esperança de arrancar o País do atoleiro. Que percam toda fantasia, que abandonem toda ilusão. Tudo indica que os uniformizados continuarão no banco de reservas, timoratos e paralisados.

Inferno de Dante - Mosaico do Batistério de Florença

Inferno de Dante – Mosaico do Batistério de Florença

Como é que eu sei? Transcrevo aqui o ponto levantado pelo sempre bem informado jornalista Claudio Humberto em seu Diário do Poder, 11 out° 2014.

Interligne vertical 10«Os comandantes do Exército e da Aeronáutica se fingem de mortos. Dois anos após a condenação por corrupção dos mensaleiros José Genoino e José Dirceu, ainda não cumpriram a legislação que os obriga a cassar as condecorações concedidas à dupla de presidiários. Ambos têm medo de contrariar a cúpula do PT e sobretudo a presidente Dilma. A condenação da dupla completou dois anos no dia 3 passado.

O Decreto n° 3446/2000, ignorado pelos comandantes, manda cassar medalhas de condenado por crime contra o erário, como é o caso.

José Genoino foi homenageado com a Medalha do Pacificador, uma das mais importantes do Exército. E a mantém até hoje.

José Dirceu ganhou a condecoração da Ordem do Mérito Aeronáutico, também entregue a Genoino quando ele era réu do mensalão, no STF.

O Ministério da Defesa e os comandantes militares se escondem para não dar explicações sobre o medo de cumprir a lei e cassar medalhas.»

Interligne 18b

(*) Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate – Abandonai toda esperança, vós que entrais.
Transcrição, em italiano moderno, de ultracitado decassílabo da Divina Commedia do poeta Dante Alighieri (1265-1321).
A advertência aparece no Canto Terceiro da terrível descrição do inferno e dirige-se a todos os que chegam.