Medo de vaia

Folha de SP, 5 dez° 2023

 

José Horta Manzano

É incrível ver como, passados dezesseis anos daquele fatídico 13 de julho de 2007, o Lula ainda empalidece a cada ocasião em que sente o risco de levar vaia.

Pra quem não se lembra, era a cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos, espetáculo que só se realiza de quatro em quatro anos. Era a vez do Brasil, e a cerimônia tinha lugar no Maracanã.

Lula, então presidente da República, estava sentadinho ao lado da esposa, antegozando a ovação que havia de receber daquelas dezenas de milhares de populares.

Estava previsto que Luiz Inácio fizesse um breve discurso e declarasse abertos os Jogos. Assim que seu nome foi pronunciado e que ele foi chamado ao palco, em vez de ovação, o que se ouviu foi uma longa, terrível e acabrunhante vaia. O estádio inteiro – ou quase – desabou naquele interminável apupo.

Assustado, Lula desistiu do discurso. Foi o presidente do COB quem fez o discurso de abertura. Apesar dos anos que escorreram de lá pra cá, Luiz Inácio fez fixação no apuro por que passou aquele dia – e que jurou nunca repetir.

Javier Milei, que havia ofendido Lula durante a campanha, deu-se conta de que, eleito, tinha de descer do palanque e se comportar como presidente.

Mandou convite a Lula para assistir à posse, numa simbólica oferta de cachimbo da paz. Para reforçar, mandou a Brasília sua futura chanceler visitar nosso presidente. Durante semanas, Lula hesitou. E parece que agora bateu o martelo: não fará a viagem até Buenos Aires. Vai mandar nosso ministro de Relações Exteriores representá-lo na cerimônia.

Não é por receio de ser mal acolhido. Tampouco é por receio de lá se encontrar com Bolsonaro. O pavor, na verdade, é de receber uma sonora vaia em algum ponto do caminho: aeroporto, saída do hotel, entrada nos palácios portenhos. As ocasiões de risco são inúmeras. Melhor não ir.

É pena que, além de ter medo de vaia, ele também não tenha pavor de falar besteira. Se sentisse medo de passar ridículo quando fala de improviso, calaria a boca mais frequentemente e nossa política externa estaria em melhor estado.

Lula em Berlim

José Horta Manzano

O quarto em que Lula da Silva esteve acomodado em Curitiba por ano e meio não era nenhuma masmorra. Assim mesmo, não há de ter sido um prazer ter de viver em espaço confinado por tanto tempo. Acima de tudo, faltou a nosso guia o calor de plateias amestradas.

É surpreendente constatar que os presidentes de nossa República, tanto o Lula quanto o atual, recusam contacto com audiência que não esteja pronta a aplaudir e a dizer amém. Ambos temem enfrentar plateia heterogênea. Lula da Silva deixou de se arriscar diante de público normal desde o dia em que foi vaiado nos Jogos Pan-americanos de 2007, faz 13 anos. Quanto a Bolsonaro, é paranoico de nascença. E tudo sugere que vai piorando. Não sai da bolha de jeito nenhum.

Aproveitando que está livre, Lula da Silva foi-se para a Europa. Passou por Paris e Genebra, visitas que renderam quatro artigos neste blogue: Lula no palanque, Lula em Paris, Lula em Genebra e Lula levanta poeira. Em seguida, já que estava em terras europeias, seguiu viagem. Seus admiradores organizaram uma apresentação para 500 pessoas em Berlim.

Nosso guia, exprimindo-se em português para uma plateia entusiasmada, disse o que se imagina que pudesse dizer. Criticou o governo atual mas confessou não achar que o presidente venha a sofrer impeachment – “Temos que amargar Bolsonaro por quatro anos”. Mas garantiu que o povo brasileiro “lutará pela democracia”. Insinuou apoio ao ditador Maduro ao criticar Señor Guaidó, o autodeclarado presidente.

Quanto às eleições de 2022, deixou o suspense no ar: não se declarou candidato. Por enquanto.