O último debate

José Horta Manzano

Os mais velhos talvez se lembrem da campanha para as presidenciais de 1989. O voto do primeiro turno eliminou 19 candidatos e deixou dois finalistas para o segundo turno: Lula e Collor. Poucos dias antes da votação final, as pesquisas mostravam os dois em empate técnico.

Foi nessa reta final que Collor deu o que uns consideram “golpe de mestre” enquanto outros julgam ter sido “golpe baixo”. O alagoano contou ao Brasil inteiro a história de uma filha que Lula tinha tido com uma namorada, fora do casamento. O petista teria incitado a gestante a abortar. Não sendo atendido, não reconheceu a menina.

Um calafrio percorreu a nação. Lula, fortemente abalado pela revelação, preferiu não reagir nem tocar no assunto por ocasião do último grande debate, levado ao ar a dois dias do segundo turno. Foi seu grande erro. O efeito da revelação foi fulminante. Praticamente todos os indecisos deram seu voto a Collor, que ganhou com 53% contra 47% de Lula.

É verdade que revelações de condutas desviantes – crimes, delitos ou até simples infidelidades conjugais – podem impactar o eleitorado e levar um candidato à derrota. Nestas presidenciais de 2022, muita gente receia que, durante o debate da Globo, seu candidato seja surpreendido por uma revelação desairosa, fique sem resposta e entregue os pontos (no sentido real da expressão).

Não acredito que isso possa acontecer. Não que os candidatos sejam anjinhos: se pudessem, nenhum deles hesitaria em pôr à mesa a louça suja do adversário para tentar afundar-lhe a candidatura. A razão de minha descrença é outra.

A atual campanha tem sido cruenta, suja, de baixo nível, rasteira, agressiva, mais acusatória que propositiva, violenta, intimidante. O distinto público já viu e ouviu de tudo. Os mais recentes projéteis que cruzam o ar zunindo se chamam “pintou um clima”, “pacto com o diabo”, “genocida”, “corrupto”, “fascista”, “comunista”. Entre as falsas e as verdadeiras, as acusações têm sido tão numerosas, tão frequentes e tão contundentes, que nada mais pode aparecer que impressione um público blasé.

Ainda que o candidato A trouxesse um filminho em que o candidato B trucidasse a própria mãe em praça pública na frente de cinquenta testemunhas, nem assim o efeito seria devastador. Os adeptos do candidato assassino dariam de ombros alegando tratar-se de vídeo forjado ou editado. E nenhum voto escorregaria.

Portanto, não perca tempo seguindo o debate de amanhã. Em vez disso, escolha um bom filme. Ou vá dormir cedo, que é excelente opção.

The day after

José Horta Manzano

Diante dos resultados oficiais do voto de ontem, ninguém ficou indiferente. Todos se surpreenderam. Grosso modo, metade do eleitorado estourou o champanhe e a outra metade baixou as orelhas e pôs as barbas de molho.

Os institutos de pesquisa levaram uma pancada na moleira – todos eles. Não conseguiram avaliar os sentimentos latentes na população dos grandes colégios eleitorais: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Agora tentam se escorar na explicação de um suposto “voto envergonhado”, fato que não bate com a realidade.

Veja só. Tenho conhecidos que, ao percorrerem o interior do estado de São Paulo seis meses atrás, já tinham me confiado que, naquela região, “todos são bolsonaristas”. Quase não acreditei, pois não é o que as sondagens indicavam. Se um simples cidadão consegue captar esse sentimento dominante, me parece erro grave que institutos especializados não detectem o fenômeno.

Andei fazendo umas continhas. Tomei o desempenho de Lula e Bolsonaro nesta eleição e comparei com eleições passadas. Cheguei a um resultado interessante. Vejam.

Em 2002, Lula conseguiu pela primeira vez passar para o segundo turno. Naquele primeiro turno, cravou 46,4% dos votos.

Na eleição seguinte (2006), depois de passar 4 anos no poder, nosso demiurgo se recandidatou e chegou de novo à final. No primeiro turno daquele ano, fez 48,6% dos votos, um incremento de 2,2 pontos percentuais. Excelente desempenho.

Seguiu-se um hiato de doze anos, em que se sucederam mensalão, petrolão, processos, julgamento, recurso e prisão. Passada a tempestade, Lula voltou à carga e recandidatou-se. Neste primeiro turno de 2022, acaba de obter 48,4%. Ou seja, apesar dos pesares, praticamente igualou sua marca de 12 anos atrás. Haja resiliência!

Em 2018, o candidato Bolsonaro passou para a etapa final. Naquele primeiro turno, atingiu a marca de 46,0% dos votos, excelente para um iniciante. Seguiram-se 4 anos caóticos, com pandemia tratada a bofetadas, destruição da Amazônia, disseminação de armas, insultos e baixarias no varejo e a granel.

Logo após a publicação dos resultados deste primeiro turno de 2022, o capitão se gaba de ter tido mais votos do que em 2018. O que ele omite é que o eleitorado cresceu 10%, proporção muito maior que os votos que ele recebeu a mais.

O TSE confirma que Bolsonaro acaba de cravar 43,2%, uma marca inferior de quase 3 pontos ao resultado de 2018. Uma análise honesta revela que, enquanto Lula soube conservar seu capital eleitoral, o capitão perdeu cerca de 3.300.000 votos (três milhões e trezentos mil). Portanto, teve, sim, menos votos do que em 2018.

Ser abandonado por milhões de eleitores nunca é bom sinal. O básico, para um governante que pretende se reeleger, é reforçar seu patrimônio eleitoral ao longo do primeiro mandato. Se o capitão não conseguiu, apesar de toda a ginástica que tem feito, é porque não leva jeito para a coisa.

Consideração final
Não acredito que metade dos brasileiros seja bolsonarista e que a outra metade seja lulopetista. Não é assim que se devem analisar os resultados. A meu ver, mais do que a adesão às ideias ou ao “programa” de cada um deles, os resultados estão a indicar um voto contra.

É simples: há os antipetistas e há os antibolsonaristas. Uns juram não querer um ladrão na Presidência. Outros afirmam não suportar um cafajeste no Planalto.

Partindo do princípio que, uns mais e outros menos, todos roubam, a escolha não me parece complicada.

Ucrânia: os refugiados

Fluxo de refugiados que deixam a Ucrânia
Crédito Infográfico: Alto-Comissariado da ONU para Refugiados

José Horta Manzano

Na terça-feira 29 de março, a contagem oficial dos ucranianos que deixaram o país em busca de refúgio no exterior atingiu a marca simbólica e impressionante de 4 milhões. Pela contagem do Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados, exatamente 4.019.287 pessoas tinham atravessado a fronteira.

A imensa maioria de solicitantes de asilo é constituída de mulheres, crianças e anciãos. De fato, todos os homens com idade entre 18 e 60 anos foram convocados pelo Ministério da Defesa. Não podem partir. Têm de ficar para defender a pátria agredida.

Embora todas as mulheres tenham permissão para ir-se, muitas delas preferiram ficar para ajudar como podem. Enfermeiras, parteiras, médicas e outras terapeutas estão nesse caso. Mas outras, ainda que não estejam familiarizadas com funções médicas nem paramédicas, contribuem na logística, na preparação de refeições para os combatentes, na confecção de peças de camuflagem e em outras atividades que não exijam extraordinária força física.

Mais da metade dos ucranianos que buscam refúgio no estrangeiro se dirigiram à Polônia. Exatamente 2.336.800 pessoas entraram no país, segundo o governo polonês. Há duas razões para isso. Em primeiro lugar, entre as fronteiras da Ucrânia com países ocidentais, a polonesa é a mais extensa. Em segundo lugar, a Polônia sofre com falta crônica de mão de obra, provocada pela emigração de muitíssimos poloneses que partiram em busca de trabalho mais bem remunerado em outros países da Europa.

Os países europeus – incluindo a Suíça, que não é membro da União Europeia – decidiram, em conjunto, conceder gratuidade de transporte a todo titular de passaporte ucraniano. Os requerentes de asilo podem viajar de ônibus ou de trem sem pagar. Quando passa o controlador, basta exibir o passaporte. É medida simbólica, simpática e extremamente útil. Muitos deles deixaram tudo pra trás e não têm mais que a roupa do corpo.

Faz muito tempo que a Europa não assistia a uma onda de solidariedade tão intensa. A última vez tinha sido em 1956, quando a Rússia (sempre ela!), que se chamava então União Soviética, mandou suas tropas à Hungria para esmagar no nascedouro um levante popular contra o autoritarismo do regime comunista, vassalo de Moscou. Os refugiados húngaros de então se espalharam por toda a Europa ocidental. Mas dois grandes fatores fazem a grande diferença entre os civis que fugiram da Hungria em 1956 e os ucranianos de hoje.

O primeiro é uma simples questão de volume; os húngaros eram “apenas” 200 mil, ao passo que os ucranianos já passam de 4 milhões – 20 vezes mais. Em seguida, o que talvez seja a diferença mais importante. Os húngaros deixaram o país natal em família (homens, mulheres, crianças e até anciãos), ou seja, saíram para não mais voltar. Já os refugiados ucranianos são praticamente só mulheres e crianças; as famílias estão separadas. Todos têm em mente a ideia fixa de reunir a família e retomar a vida de antes.

Assim, prevê-se que a maioria dos ucranianos expatriados retornará ao país natal assim que as coisas se acalmarem e que o ogro russo tiver voltado a hibernar nas neves da Sibéria. Até despertar de novo.

Vai ter Carnaval?

José Horta Manzano

Você sabia?

Feriado é dia em que assalariado recebe sem precisar trabalhar. Em princípio, o dispositivo se aplica a todos. No entanto, por óbvio, certas profissões e funções não podem seguir à risca. Nem todos são iguais diante dos feriados oficiais. Bombeiros, urgentistas, policiais, controladores aéreos, taxistas, cozinheiros, enfermeiros, motoristas fazem parte das exceções.

Feriados oficiais mudam com o vento e variam com o tempo. Tentar enumerar, num conjunto lógico, os feriados nacionais brasileiros é pisar terreno pantanoso. Leis, decretos, resoluções e calendários nem sempre estão em sintonia. O emaranhado de dias festivos nacionais, estaduais e municipais tem muito cipó.

Para complicar a questão, persiste entre nós o «ponto facultativo», figura singular, de perfume arcaico. Não é impossível que sua origem seja o «bank holiday» inglês. Nesses dias, o trabalho pode até ser ‘facultativo’, mas não se costuma ver ninguém batendo ponto.

Quando jovem, este blogueiro chegou a ter emprego em que era obrigatório “bater ponto” na entrada e na saída. Mas isso foi no tempo em que os bichos falavam. Não sei se o método ainda é hoje utilizado. Muito provavelmente já foi substituído por algum sistema de identificação digital, facial ou equivalente.

Salvo melhor juizo, os sete feriados nacionais oficiais estão elencados em lei de 2002. São eles: 1° janeiro, 21 abril, 1° maio, 7 setembro, 2 novembro, 15 novembro e 25 dezembro. Fora dessa lista, há os mencionados ‘pontos facultativos’, além dos dias festivos estaduais e municipais.

Achei interessante comparar as festas nacionais atuais com as de um século atrás. Em 1916, eram dez dias, três a mais que hoje. Em compensação, não se falava ainda em pontos facultativos. Conclui-se que o trabalho nesses dias era, de certo modo, proibido.

Entre os feriados de 1916, alguns ainda são comemorados. Outros desapareceram. Entre os que sumiram, estão:

24 de fevereiro
Festejava-se a promulgação da Constituição Federal de 1891. Dado que, depois dessa, já tivemos quase meia dúzia, o feriado desapareceu. Não faz sentido mudar a data a cada 15 ou 20 anos. Ou festejar todas, o que ia acabar afetando o PIB nacional.

3 de maio
Comemorava-se a descoberta do Brasil. A escolha do dia 3 de maio devia-se a um erro histórico. Aprendemos na escola que o primeiro nome dado às terras avistadas por Pedro Álvares Cabral foi Ilha da Vera Cruz. A liturgia católica consagra o 3 de maio à celebração da verdadeira cruz de Cristo, a Vera Cruz. A carta de Pero Vaz de Caminha, com a data exata, andou extraviada por uns trezentos anos. Na falta de outro indício, determinou-se que o dia do descobrimento só podia coincidir com o dia da festa religiosa. E ficou combinado de celebrar o descobrimento em 3 de maio. Hoje se sabe que foi num 22 de abril, mas a informação chegou atrasada: o feriado já tinha caído.

13 de maio
Era a festa da «extincção da escravatura». Já faz tempo que deixou de ser feriado. Talvez porque, num país de desigualdades abissais como o nosso, o sistema escravagista, no fundo, não tenha sido totalmente “extincto”.

14 de julho
Como sabem meus cultos leitores, é o dia da Tomada da Bastilha, festa nacional francesa. A comemoração foi abrasileirada, digamos assim. No Brasil, o 14 de julho passou a comemorar a liberdade e a independência dos povos americanos. De todos os povos americanos, ressalte-se, e não somente daqueles cuja ideologia presidencial bata com a de nosso presidente de turno. Também esse dia já deixou de ser festa entre nós.

12 de outubro
Era o dia do Descobrimento da América. Por coincidência, hoje é um daqueles feriados ‘informais’. Já não faz mais alusão a Cristóvão Colombo, mas a Nossa Senhora Aparecida.

Reparem que não se comemoravam nem o 7 de Setembro, nem o 15 de Novembro, nem o Dia de Tiradentes. Quais serão os feriados daqui a um século? Nossos bisnetos saberão.

Observação
Vai ter Carnaval este ano? No fim de semana que vem, teremos a resposta. De qualquer modo, Carnaval não é feriado nacional oficial.

Publicado originalmente em 25 jul° 2016.

A moda do “fake” se alastra até a China

José Horta Manzano

Parece que a moda que nos obriga a conviver com uma realidade paralela já chegou até a China. Alguém já imaginou organizar os Jogos Olímpicos de Inverno na região de Garanhuns (PE)? Parece coisa de maluco, não é? Pois deve haver no mundo muito mais malucos do que se imagina. E alguns ocupam cargos de importância planetária. Antes dos finalmentes, vamos aos considerandos.

No Brasil, Olimpíada de Inverno não tem repercussão, o que é compreensível. Pra quem não sabe, ela ocorre de quatro em quatro anos, intercalada com os Jogos de Verão, que já tiveram lugar no Rio de Janeiro e que ficaram na história do país pelo “legado” que deixaram.

A China foi designada para abrigar a edição invernal deste ano, que começa no fim de semana que vem. Até aí, nada de espantoso. O clima do país, em princípio, é compatível com os requisitos dos esportes de gelo e neve. Na região escolhida – Pequim e seus arredores – faz um frio congelante no inverno. Em janeiro, a temperatura oscila entre 7°C abaixo de zero de noite e 3° abaixo de zero no momento mais “quente” do dia. É pra pinguim nenhum botar defeito.

Só que tem um probleminha: não neva. Embora muito morador dos trópicos acredite que basta fazer um frio do cão pra cair neve, não é bem assim. Neve é precipitação, exatamente como chuva. Pra nevar, é preciso que haja nuvens e umidade. Com céu claro e sem nuvens dia e noite, não tem como nevar.

Assim, escolher organizar os Jogos de Inverno em Pequim equivale a escolher organizá-los em Garanhuns. Ambas as cidades têm morros por perto, onde pistas de esqui podem ser facilmente desenhadas. Estádio olímpico, é fácil construir, principalmente com dinheiro público. Propaganda, é fácil fazer. Povo entusiasta, é sempre fácil encontrar. Só que cada uma das sedes tem seu problema. Enquanto Garanhuns não tem frio suficiente pra aguentar a parada, Pequim não tem neve. Como contornar o problema?

Estamos entrando nos Jogos Olímpicos de Inverno mais antiecológicos da história. Primeiro, o leitor precisa saber que, na falta eventual de neve, as pistas de esqui podem ser atapetadas com neve artificial. Não, não se trata de neve de cinema, com floquinhos de plástico. A neve artificial é produzida por canhões de neve, enormes tubos que cospem no ar, geralmente à noite, quando todos dormem, água sob alta pressão. Ao entrar em contacto com o ar muito frio, as gotículas de água vaporizada se tranformam instantaneamente em flocos de neve.

Todas as pistas de esqui do mundo dispõem de dezenas desses dispositivos. Servem para completar o tapete de neve nas pistas, quando já está bastante achatado pela passagem dos esquiadores e quando o tempo anda claro, sem precipitações. Só servem para suprir uma certa porcentagem do cobertor branco.

O problema é que em Pequim, região semidesértica situada junto à poeirenta aridez que recobre a China central e ocidental, toda a neve das pistas será artificial. Todinha. Tudo 100% artificial. A paisagem das colinas onde estão as pistas está sui-generis: faixas brancas que serpenteiam em meio a montes escuros e totalmente desprovidos de neve. Bem pouco natural. (Confira a imagem na entrada do artigo.)

Evidentemente, os canhões espirram água e são movidos a combustível fóssil. Pra começar, precisa levar água até lá em cima, o que consome uma enormidade de energia. Em seguida, o funcionamento de centenas deles durante duas semanas, numa região já altamente poluída, só vai fazer aumentar o grau de poluição que os pequineses terão de respirar. Atenção: respirar sem reclamar, como costuma ser na China. Todos estão convidados a aplaudir. E ai de quem der um pio!

Fica agora uma dúvida ingrata. A escolha do Catar para a Copa do Mundo foi obra dos conchavos e da notória corrupção da Fifa. Onde já se viu jogar futebol no deserto, num país sem nenhuma tradição esportista, onde não se joga nem futebol de várzea (mesmo porque não há várzea)?

Será que o COI (Comitê Olímpico Internacional), que cuida das Olimpíadas, sofre do mesmo mal?

Já são dois

José Horta Manzano

Quando dois argutos analistas políticos cogitam e olham na mesma direção e no mesmo momento, convém prestar atenção. Estou falando de Carlos Brickmann e Eliane Cantanhêde. Neste domingo, cada um deles publicou um artigo apontando uma hipotética candidatura apta a encarar Bolsonaro nas eleições de 2022 – se ele se aguentar no trono até lá, naturalmente. Aqui vai um trecho de cada artigo.

Palpite

Carlos Brickmann

Preste atenção na empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza: caso o plano que vem articulando para vacinar toda a população do país antes do fim do ano dê certo, ela pode ser a novidade eleitoral. Terá feito aquilo que ninguém conseguiu fazer, sua reputação é excelente, já mostrou que é muito competente e capaz de fazer o que é preciso. Mas, exatamente por isso, espere pelos obstáculos que vão colocar-lhe no caminho. Não podemos nos iludir: salvar vidas, ajudar a vencer a pandemia, melhorar a situação da população, nada importa para os lá de cima. Importa é não ter adversário.

E Luiza Trajano?

Eliane Cantanhêde

Doria, Huck, Moro e Luiz Henrique Mandetta são torpedeados antes de alçar voo, mas, como não há vácuo em política, quem pode preencher esse vácuo é uma mulher, empresária, colecionadora de êxitos, com o pé no chão e defensora de boas causas, como cotas, vacinas, menos ideologia e mais resultados. Sim, Luiza Trajano, sem partido e sem traquejo político, mas instada a botar o bloco na rua e, num carnaval tão atípico, animar e atrair um grande aliado de Bolsonaro: o eleitor desiludido, ou desesperado, que só vê o buraco aumentando.

Comentário deste blogueiro
Estes últimos vinte anos, presidentes desastrosos têm reprimido o avanço do país, deixando-nos cada vez mais firmemente ancorados num Terceiro Mundo irrevogável. Pra consertar, os brasileiros bem-intencionados estão apelando pra qualquer um, desde que jure:

  • que a Terra não é plana,
  • que não pretende armar a população,
  • que não prestigiará ditador africano,
  • que não concederá passaporte diplomático aos parentes,
  • que não acreditará no E.T. de Varginha,
  • e, principalmente, que, sim, acredita na vacina e pretende imunizar toda a população.

Se dona Luíza preencher todos os requisitos, vamos de Madame Trajano!

Lula em Berlim

José Horta Manzano

O quarto em que Lula da Silva esteve acomodado em Curitiba por ano e meio não era nenhuma masmorra. Assim mesmo, não há de ter sido um prazer ter de viver em espaço confinado por tanto tempo. Acima de tudo, faltou a nosso guia o calor de plateias amestradas.

É surpreendente constatar que os presidentes de nossa República, tanto o Lula quanto o atual, recusam contacto com audiência que não esteja pronta a aplaudir e a dizer amém. Ambos temem enfrentar plateia heterogênea. Lula da Silva deixou de se arriscar diante de público normal desde o dia em que foi vaiado nos Jogos Pan-americanos de 2007, faz 13 anos. Quanto a Bolsonaro, é paranoico de nascença. E tudo sugere que vai piorando. Não sai da bolha de jeito nenhum.

Aproveitando que está livre, Lula da Silva foi-se para a Europa. Passou por Paris e Genebra, visitas que renderam quatro artigos neste blogue: Lula no palanque, Lula em Paris, Lula em Genebra e Lula levanta poeira. Em seguida, já que estava em terras europeias, seguiu viagem. Seus admiradores organizaram uma apresentação para 500 pessoas em Berlim.

Nosso guia, exprimindo-se em português para uma plateia entusiasmada, disse o que se imagina que pudesse dizer. Criticou o governo atual mas confessou não achar que o presidente venha a sofrer impeachment – “Temos que amargar Bolsonaro por quatro anos”. Mas garantiu que o povo brasileiro “lutará pela democracia”. Insinuou apoio ao ditador Maduro ao criticar Señor Guaidó, o autodeclarado presidente.

Quanto às eleições de 2022, deixou o suspense no ar: não se declarou candidato. Por enquanto.

Eleições: as novas regras

José Horta Manzano

Nas eleições de 2018, quase nenhum dos políticos tinha se dado conta de que o mundo estava mudando. A maioria apostou na permanência dos costumes dos bons velhos tempos, quando a propaganda eleitoral pela tevê reinava poderosa. Perderam o bonde. Não se deram conta de que nova mídia tinha surgido e estava sendo potencializada pelas redes sociais. O único que acreditou nessa força foi doutor Bolsonaro.

Talvez ele tivesse vencido mesmo sem a ebulição de fêices e zaps. Ou, quem sabe, o generalizado sentimento de ojeriza ao lulopetismo, sozinho, não tivesse sido suficiente para garantir-lhe a vitória. O fato é que exasperação contra a corrupção aliada à agitação das redes constituiu combustível suficiente para o sucesso nas urnas.

Será interessante observar a evolução da estratégia dos candidatos na próxima campanha. Agora, que todos já se entenderam que a antiga propaganda eleitoral televisiva morreu, substituída pelo fervilhar das redes, teremos, em princípio, jogo plano. Todos entrarão no páreo sabendo. Todos lutarão com armas idênticas. A nova realidade tende a aplainar, a igualar candidatos. Por detrás de um tuíte, todos se parecem.

Antigamente, construção de uma ponte ou de uma estrada tinha peso capaz de arrecadar votos – e só quem estava na presidência podia cortar a fita da inauguração. Hoje mudou. Tuitar, todos podem. Pra ter legião de seguidores, é só pagar, que robôs e hackers de aluguel estão aí pra isso. Foi-se o tempo em que marqueteiros espertos, com um único slogan maroto, recrutavam milhões de eleitores. A eleição está se democratizando. Não é impossível que tenhamos, daqui a três anos, a disputa de maior suspense desde 1988, quando entrou em vigor a atual Constituição.

Aviso aos futuros candidatos
A eleição começa agora. Não convém esperar a abertura da temporada oficial de campanha pra começar a agir. Quem tiver pretensões a subir ao Planalto tem de começar a agitar já. Uma simples consulta ao google ensina o que é e como se fabrica um ‘bot’ – um robô informático. Pra principiantes, não sai caro. Dá pra faer em casa. Pra atigir escala industrial, custa um bocadinho mais. Mas não muito.

Robô
É termo que se difundiu em todas as línguas europeias a partir dos anos 1920, através de uma peça de ficção científica de Karel Čapek (1890-1938), escritor de língua tcheca, nascido no então Império Austro-Húngaro. O autor povoou sua peça R.U.R. de autômatos dedicados ao trabalho. Chamou-lhes roboty, plural de robot.

Robot é raiz presente em todas as línguas eslavas para designar o trabalho e derivados (trabalhador, trabalhoso). Chegou a nossa língua através do francês.

Compatibilidade

Do site BR18 – Estadão

«O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender suas respostas “sem papas na língua” e recomendou “votar no outro” em 2022 para quem considera seu jeito “incompatível” com o cargo de presidente da República. Bolsonaro respondeu a um jornalista que perguntava se suas falas não acirravam a polarização.

“Você quer que eu seja um vaselina? Um politicamente correto? Um isentão? Não, é resposta direita. Fui eleito assim”, disse, afirmando que respondeu a uma “pergunta idiota” na última semana, quando recomendou para um jornalista “fazer cocô dia sim, dia não” para ajudar o meio ambiente.

“Não é compatível com o presidente? Votem no outro em 2022, é muito simples”, completou.»

Desajeitado no campo da comunicação política, doutor Bolsonaro acaba de dar a partida para a corrida presidencial 2022. Atrapalhado, está incentivando o surgimento de adversários. Mas ele pode estar certo: votarão todos no outro, sim, seja quem for esse outro. (Se não lhe cortarem as asas antes, como aconteceu com doutora Dilma.)

Coleção de imprecisões

José Horta Manzano

Logo de manhã, costumo dar uma olhada nas manchetes de meus jornais habituais. Algumas merecem reflexão. As de hoje estão aqui.

Portal BR18, 6 julho 2019

Do Portal BR18
Maia não vê ‘crime’. Fico aqui tentando adivinhar qual teria sido a misteriosa razão que levou o estagiário a proteger a palavra “crime” com um par de aspas. Esses urubus gráficos se usam em citações. Não é o caso. Podem-se também usar pra sublinhar palavra usada em sentido irônico ou desvirtuado. Não parece ser o caso – doutor Maia acredita realmente que a divulgação não constitui crime. Portanto, salvo melhor juízo, as aspas podem voltar pro armário. (De onde nunca deviam ter saído.)

Até agora, falamos da forma. Agora, vamos ao fundo. A manchete diz que doutor Maia não vê crime. E daí? Ainda que ele esteja no topo do Legislativo, não lhe cabe emitir opinião sobre o grau de criminalidade do que quer que seja. A opinião dele vale tanto quanto a minha ou a de qualquer vivente. Quem deve dizer se há ou não há crime é a Justiça. Ponto final.

Estadão, 6 julho 2019

Do Estadão
Quando o político se vê encurralado e sem argumentos convincentes, costuma apelar para a velha saída do julgamento popular. Costumava aparecer ao pé do patíbulo, como última declaração do supliciado. Getúlio Vargas, que se autossupliciou, escreveu que deixava a vida pra entrar na história. Fidel Castro foi pelo mesmo caminho e disse, com voz trêmula, que a história o absolveria. (Até hoje, não ocorreu.) Lula da Silva ressuscitou a formulação do caudilho cubano ao repetir que a história o absolveria. (Por enquanto, continua cumprindo pena na cadeia.) Doutor Bolsonaro, ao lançar mão desse tipo de argumento, está indo pelo mau caminho. (Pode dar azar.)

Estadão, 6 julho 2019

Do Estadão
Maia de olho em 2022! No andar de cima, a compostura anda fazendo muita falta. Doutor Maia é presidente da Câmara. O cargo, pra lá de importante, deveria absorver todo o seu tempo. Sua preocupação deveria ser com o hoje, com o que está acontecendo agora, com os acertos que serão feitos amanhã de manhã. Não é hora de se preocupar com apoios políticos a vigorar daqui a três anos. Doutor Maia deixa claro que não está nem aí para o que acontece hoje na Casa que preside. Parece mais preocupado com assegurar a continuidade da boquinha.

Estadão, 6 julho 2019

Do Estadão
Um esquema de segurança que deixa passar uma mala com 39 quilos de cocaína num avião da frota presidencial não merece o nome que tem. Esse, sim, merece aspas: esquema de «segurança». Estava na hora de reforçá-lo. Assim mesmo, fica a interrogação sobre o que terá acontecido. Quem carregou a mala? Quem entrou com ela no avião? Por que não passou pelo raio X como toda bagagem? Houve cumplicidades? Quem ganhou com isso? A quem seria entregue? Quem forneceu a mercadoria? Saberemos um dia. Ou não.

Folha de São Paulo, 6 julho 2019

Da Folha
De novo, gente de olho em 2022. Será por isso que somos invadidos por essa sensação difusa de que não há governo. Estão todos fixados no que vai acontecer daqui a três anos. E daqui até lá, como é que fica? Continuamos empurrando com a barriga?

O Globo, 6 julho 2019

Do Globo
Por mais bem-intencionado que esteja o secretário da Desestatização, a afirmação é obtusa. As estatais não são corruptas. Nem mesmo a Odebrecht é corrupta. Nenhuma empresa é corrupta. Quem se deixa corromper são os diretores e demais funcionários dessas empresas. Dizer que uma empresa é corrupta, além de incorreto, é perigoso: acaba criando uma imagem distorcida. Durante os governos petistas, a Petrobrás foi conduzida por gente corrupta e criminosa. A empresa, em si, nunca foi corrupta.

O dilema do presidente

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 29 junho 2019.

A sinceridade não costuma ser a qualidade primeira do homem político. Uns mais, outros menos, todos acabam contornando promessas feitas quando era hora de atrair e cativar eleitores. Tanto faz que tenham sido promessas de raiz ou de circunstância. Virada a página da eleição, faz-se tábula rasa e o passado some. Alguns eleitos exageram no caradurismo. Roçam a desfaçatez. A julgar por declarações dadas recentemente, doutor Bolsonaro parece esforçar-se para aparecer nesta última categoria.

Em visita ao município onde passou a infância, nosso presidente foi claro. (Clareza não é lá seu forte mas, com boa vontade, dá pra entender o que ele quis dizer.) Pra começar, agradeceu aos que votaram nele e, curiosamente, também aos que lhe negaram voto. Dado que essa generosidade d’alma não é comum em suas falas, fica a impressão de ele estar seguindo, a seu modo, o conselho de algum assessor mais antenado. O objetivo nítido era contentar a todos, mas não se sabe se foi atingido. Devotar-se, ao mesmo tempo, a Deus e a Mamom é complicado.

No começo da Copa América de 1997, Zagallo, técnico da Seleção, andava desprestigiado. Ao final, assim que o Brasil conquistou a taça, ele despejou sobre seus críticos: «– Vocês vão ter que me engolir!». Vinte anos mais tarde, Lula da Silva repetiu a tirada de Zagallo. Foi num discurso em Vitória, quando pesquisas lhe sorriam enquanto nuvens judiciárias já lhe escureciam o horizonte. Dirigindo-se à pequena minoria que, em sua imaginação, não votaria nele para presidente, soltou a mesma frase: «– Vocês vão ter que me engolir!». Acabou engolido pelos acontecimentos.

Ainda na visita à terra da infância, doutor Bolsonaro não se contentou com agradecer pelos votos e pelos não votos. Fez uma ameaça que lembra a de Zagallo e a de Lula da Silva. Não usou as mesmas palavras, mas o sentido está lá. Disse que, caso não haja uma ‘boa reforma política’, será candidato à própria sucessão. Ficou claro o desafio lançado a deputados e senadores. Se o Congresso não conseguir costurar uma reforma que proíba a reeleição, os brasileiros terão de engolir Jair Messias de novo.

De fato, caso o Legislativo não releve o desafio de vedar reeleições, o diagnóstico do presidente quanto a sua futura candidatura é inequívoco: «– Lá na frente, todos votarão [em mim]», profetizou. Por um lado, a frase confirma a intenção de disputar a reeleição. Por outro, a julgar pelo valor de face, denota indisfarçável pendor totalitário. Eleições em que todos votam no mesmo homem são aquelas em que o partido único impõe um candidato só. Visto ser altamente improvável que a miríade de partidos brasileiros aceitem hipotética fusão geral que dê nascença a um partidão solteiro e único, doutor Bolsonaro vai ter de neutralizar concorrentes no muque.

Com apenas seis meses de estrada mas já de olho em 2022, o presidente não tem tarefa fácil pela frente. Que ninguém se deixe iludir pelo fato de a oposição estar destroçada neste momento. No jogo político brasileiro, pra ganhar eleição, o candidato pode dispensar respaldo de partido forte ou de coalizão. A prova disso é o atual presidente que, nanico na partida, vestiu a faixa na chegada. Portanto, aquele que desafiará o atual presidente no próximo pleito pode ser figura hoje desconhecida.

A obrigação primeira de quem quer receber o voto de todos é limpar o terreno arredando rivais e superarando concorrentes. Nesse particular, doutor Bolsonaro está diante de um dilema visguento. Sergio Moro, o pilar moral de seu governo, está atravessando fase de turbulência. Como capitão, o presidente tanto pode atirar o homem ao mar quanto dar-lhe amparo e abrigo. Se decidir abandonar o ministro e condená-lo à fritura em banha quente, eliminará o concorrente mas, em troca, seu governo perderá o esteio. Caso lance uma boia e salve o ex-juiz, o governo recuperará a garantia de intolerância contra a corrupção. Em compensação, doutor Bolsonaro estará vitaminando aquele que poderá vir a ser seu mais perigoso concorrente. E agora, Jair?

 

Cabeça de vento

José Horta Manzano

Tudo o que é excessivo é pernicioso. In medio stat virtus, já diziam os antigos romanos, a virtude está no meio. Para evitar danos, convém moderar a dose. Certos medicamentos, por exemplo, contêm, em quantidade ínfima, moléculas tóxicas, como arsênico e beladona. Não ultrapassando a medida, nenhum mal hão de causar.

Assim é também com o dinheiro. Se for escasso, transforma a vida num perereco. Já quando se apresenta em quantidade excessiva, acaba transtornando cabeças e enevoando decisões.

A Fifa ― sempre ela! ― é uma das instituições mais abastadas do planeta. São incontáveis os milhões de que dispõe. Tem um orçamento de dar inveja a muitos países. Essa riqueza toda ― e a perspectiva de incrementar os ganhos ― fazem que, no momento de tomar decisões, pontos importantes sejam descurados. Foi o que aconteceu quando decidiram atribuir ao Emirado do Catar a organização da Copa do Mundo de Futebol de 2022.

Muitos países pagariam (e pagaram) para obter o direito de sediar a Copa. O Catar também queria chegar lá. A diferença é que o emirado tem dinheiro, muito dinheiro. Não foi difícil convencer os decididores de que aquele exíguo pedaço de deserto escaldante era o lugar ideal para receber uma Copa. Ficou, então, combinado que o evento de 2022 se realizará naquele país.

Ainda faltam 8 anos, mas algumas interrogações já começam a surgir. Em junho e julho, época do ano em que a Copa costuma ser disputada, a temperatura diurna média naquelas paragens é de 48° (quarenta e oito centígrados)! Não se pode expor jogadores a essas condições, sob pena de vê-los desabar feito moscas no meio do gramado.

Árbitro Crédito: Kopelnitsky, EUA

Copa do Mundo
Crédito: Kopelnitsky, EUA

Em entrevista coletiva concedida sexta-feira passada, Joseph Blatter, o presidente da Fifa, anunciou que a Copa de 2022 poderá ter lugar em novembro-dezembro, diferentemente de todas as 21 edições anteriores, que sempre se realizaram em junho-julho.

Sem sobra de dúvida, é atitude muito nobre a Fifa levar em conta o conforto e a saúde dos jogadores. Só que um tremendo problema está sendo armado. Os países que participam do campeonato mundial estão localizados, em esmagadora maioria, no hemisfério norte, onde os meses de verão (junho, julho, agosto) são reservados às férias. Essa é justamente a época em que campeonatos nacionais fazem uma pausa, deixando os profissionais livres para disputar um torneio mundial. Novembro e dezembro são meses de plena atividade.

E agora, como fazer? Desorganizar o calendário tradicional do futebol mundial ou despachar os infelizes jogadores para uma temporada naquela fornalha? Quem pariu Mateus que o embale, dizem nossos amigos lusos. A Fifa criou o problema. Cabe a ela resolvê-lo.

Não fossem tão ricos, aposto que seriam mais ajuizados.

Mas que calô, ô ô ô!

José Horta Manzano

Como a maioria dos esportes, o futebol foi inventado pelos ingleses. Mesmo na Inglaterra, correr uma hora e meia atrás de uma bola não é para qualquer um. Precisa ser jovem e estar bem-disposto.

É esporte feito sob medida para o clima britânico, sempre fresquinho. Campo nevado impede que se jogue. Calor acima dos 25 graus começa a representar empecilho para quem tem de despender tanto esforço. As Ilhas Britânicas, assim como grande parte da Europa, passam 300 dias por ano sem neve e com temperaturas abaixo dos 25 graus. Ideal.

Desde fins do século XIX, o futebol foi transplantado para terras tropicais. Não é seu habitat natural. Aliás, se prestarmos bastante atenção, constataremos que o Brasil é o único país situado na faixa intertropical onde esse esporte é popular. Em nossa faixa climática, nenhum outro país ou território se destaca na prática do futebol. Nem na África, nem na Ásia, nem na Oceânia.

Esporte basicamente europeu, é surpreendente que ele se tenha popularizado tanto em terras tupiniquins. É quase um milagre que essa prática esportiva tenha plantado raízes em nosso solo. Para usar expressão em voga atualmente, deve ser um ponto fora da curva.

Futebol

Futebol

Pois bem, o próximo campeonato mundial de futebol vai-se realizar no Brasil. Deixemos de lado toda consideração política ou econômica. Vamos levar em conta unicamente o fator climático. A coisa está esquentando ― no sentido próprio e no figurado.

Equipes estrangeiras, principalmente as que já experimentaram o bafo equatorial de algumas sedes, mostram-se preocupadas. Argumentam que, se é impossível mudar o clima do País, que se busque pelo menos marcar as disputas para horas em que o termômetro seja mais camarada.

A Fifa, no entanto, baté pé firme. Insiste em manter certos encontros sob sol meridiano em lugares como Fortaleza, Recife, Salvador. Uma crueldade. E por que essa recusa de adaptar horários ao clima? Pelas mesmas razões pelas quais, faz anos, o governo brasileiro cometeu o desatino de eliminar um dos fusos horários do País: a pressão do lobby televisivo.

O grosso dos telespectadores está na Europa. No mês de junho, quando em Brasília são 20h ou 21h, na Europa já é madrugada. Muita gente já foi dormir, há menos espectadores, a receita publicitária míngua, o interesse se desmilíngue. Está aí a razão. A Fifa, como sabemos todos, é uma organização estranha, secreta, altamente suspeita de corrupção, riquíssima e poderosíssima. Portanto, abandonem qualquer esperança de mudança. Os jogos previstos para a uma da tarde não serão desmarcados.

Isso não é nada perto do que espera os astros da pelota em 2022, quando a Copa terá lugar no Catar. No mês de junho, aprazíveis 48° à sombra. Alguém se habilita?