Lula e os novos tempos

José Horta Manzano

Quando vejo a dexteridade de meus sobrinhos-netos ao lidarem com telefone celular e outros teclados ainda mais sofisticados, fico aliviado. Acho ótimo que essas modernidades tenham chegado agora, quando já não preciso mais delas. E desconfio que, mesmo mais jovem, eu não teria sido capaz de escrever mensagens num tecladinho de faz-de-conta, utilizando só a pontinha de dois dedos. Para os que, como eu, fizemos curso de dactylographia em mil novecentos e nada, escrever num celular é desafio. Ainda bem que escapei dessa.

Nos dias atuais, não seria possível aguentar o tranco de uma vida profissional sem utilizar telefones e outros instrumentos que todos usam. Para voltar à ativa, eu teria de me dobrar à evidência: é indispensável me atualizar. Só que eu não quero nem pretendo retormar o batente, portanto estou dispensado de reciclagem.

Mas tem gente que, após uma pausa de anos, decide voltar à ativa sem passar pela fase de reciclagem, porque acha muito chato ter de aprender. E vai em frente e mete as caras, crente que sua esperteza vai vencer todos os obstáculos.

Talvez o distinto leitor já se tenha dado conta de que estou pensando em nosso atual presidente, Lula da Silva.

Afastado dos negócios durante uma dúzia de anos – inclusive porque esteve preso –, Luiz Inácio quis porque quis voltar à Presidência. Dos oito anos que havia passado no cargo, só guardava lembranças felizes, de reis e rainhas, de honras e louvores, de mares de bonança singrados com sucesso. Tendo descido a rampa com 80% de popularidade, pareceu-lhe ter atingido o ponto máximo, lugar de onde não se desce mais até o fim da vida.

A realidade é mais cruel. Não é permitido a nenhum mortal conservar para sempre seu prestígio no patamar mais elevado. Se até os que morreram na glória são, com o passar dos anos, rebaixados, imagine os vivos.

O fato é que o tempo passou, novos ventos sopraram e aquela aura de demiurgo que Lula carregava se dissipou. E ele não percebeu. Ou achou que seu olho vivo daria conta de reinflar o que houvesse murchado.

Descurou a voz da experiência, que ensina o óbvio:


“Tem que reciclar, Lula! Não se opera telefone celular só com diploma de dactylographia! Tudo mudou no mundo. Toma cuidado, que tu não és mais esperto que a esperteza!”


E lá se foi o Lula, com demasiada confiança em si mesmo, achando-se capaz de dar daquelas piruetas que a idade já não lhe permitia. Estivesse, ainda, cercado de profissionais de qualidade superior a aconselhá-lo (e estivesse ele disposto a seguir os conselhos), a coisa ainda teria jeito. Mas Lula é orgulhoso e cabeçudo. Além de sua equipe nem sempre ser lá essas coisas, ele refuga os conselhos bons e acolhe os maus.

A imagem que o governo envia é um cenário todo feito de desencontros, de hesitações, de morde e assopra, de batalhas palacianas, de dois passos à frente e dois atrás. Adivinha-se um Lula com sinais inquietantes de ter perdido a mão. O que antes dava certo já não funciona, e ele não encontra a chave para resolver problemas novos. Tenta soluções antigas, que não dão cabo do enrosco.

Não sei se Luiz Inácio acha que está abafando, como nos velhos tempos, ou se já admitiu, para si mesmo, em seus pensamentos mais recônditos, que os truques e mágicas do passado já não funcionam e que ele perdeu o pé.

De um lado, temos um Bolsonaro inelegível e amedrontado, aflito para escapar da justiça; de outro, temos um Lula passivo, preocupado com picuinhas, distante dos grandes projetos do passado, mais reagindo do que agindo.

Nossa gerontocracia vem a galope, já aponta o nariz na esquina. E não vem sorridente.

4 pensamentos sobre “Lula e os novos tempos

  1. É tudo verdade, não há como contestar seus argumentos. Mas, é importante frisar, nenhum dos defeitos de Lula mencionados apaga – ou faz esquecer – o terror que tivemos de viver nos quatro anos anteriores a ele. Que ninguém se esqueça da morte de 700 mil brasileiros por simples ignorância e negação da ciência, da apropriação indébita de joias, da destruição da floresta amazônica, do envenenamento de rios e consequente morte dos Yanomami, da liberação compulsiva de armas, das campanhas de ódio, do recurso ao fundamentalismo religioso para fazer retroceder conquistas sociais importantes de segmentos minoritários, e de tantos outros desastres. Isso sem mencionar a estapafúrdia coleção de ministros e assessores repulsivos e irresponsáveis: Weintraub e sua “insitação” à destruição da educação, Pazzuelo e seu vergonhoso desempenho na saúde, Salles e sua “inocente” defesa da destruição do meio ambiente, Araújo e seu orgulho de ser pária mundial – além, é claro, do golpe tentado em 8 de janeiro. Que esses fatos sejam repisados todos os dias para que, na eleição de 2026, ninguém mais se sinta pressionado a fazer uma nova escolha de Sofia inconsequente.

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    • Tenho dificuldade em entender a lógica dessa onipresente oposição Lula x Bolsonaro. Fala-se do Bolsonaro, e lá vem alguém com um “Ah, mas e o Lula?”. Fala-se do Lula, e lá vem alguém com um “Ah, mas e o Bolsonaro?”.

      Diabos, esses dois porqueiras não são os dois únicos homens políticos do país. Nenhum dos dois é exemplo de lisura, probidade, altruísmo, dedicação ao povo que o elegeu. Por que sempre se referir ao outro quando um deles é citado?

      Ambos são adultos, vacinados e, até prova em contrário, responsáveis de seus atos. Se erraram (e como erraram!) cada um deles tem de responder pelos próprios erros. Não vale a gente se escorar num adversário, também adulto e vacinado, e sair comparando: “Ah, mas com aquele ali era bem pior”.

      A justiça tem como princípio a individualidade da pena. A prestação de contas do homem público vai pelo mesmo caminho: ele faz, ele responde pelo que fez. Chega de julgar um desses dois aí sempre em função do outro. Acaba ficando cansativo.

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      • Eu não pretendi ficar apenas na comparação entre Lula e Bolsonaro. Queria ir além e deixar claro que muita gente se aproveita das críticas legítimas ao governo Lula para fazer adiantar uma temática extremista e antidemocrática de direita que pode ter um efeito pra lá de corrosivo nas próximas eleições presidenciais.

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        • Pois mantenho o que já disse. A melhor maneira de dar importância a Bolsonaro e dar-lhe a honra de ser o eterno presidente do país é mencionar suas obras (boas ou más) a cada vez que se fala do Lula. É estratégia furada.

          Que cada um cuide de si e seja julgado pelo que fez ou deixou de fazer. Xô comparações fora de propósito!

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