As muletas de cada um

José Horta Manzano

Tem muita gente que, pra falar, precisa de muleta. Isso não é exclusividade nossa; em outras terras ocorre fenômeno idêntico. Não sei se já foi feita alguma estatística sobre o assunto, mas acredito que “né?” seja a mais usada. Um “né?” aqui, outro ali, todos costumamos usar. Mas tem gente que não consegue terminar uma frase sem acrescentar a muletinha. Fica a impressão de que o sujeito não tem certeza de ter sido entendido, daí o “né?”.

Outros dizem “entendeu?”, muleta tamanho família, de três sílabas. Muito comum em certas regiões do país é terminar frases com “uai”, muletinha graciosa que sempre me fez lembrar um porquê inglês “why?”.

Os dois presidentes mais marcantes deste século no Brasil também pontuam suas frases, cada um a seu modo. Lula da Silva não soltava duas frases sem terminar com um “sabe?”. Já doutor Bolsonaro mostra nítida preferência pelo “talquei?”. Embora a expressão preferida de cada um deles varie (sabe x talquei), a informação é a mesma: tanto o antigo quanto o atual chefe do Executivo deixam transparecer insegurança.

Quem solta um “sabe?” está pedindo confirmação do interlocutor. O mesmo vale para quem diz “talquei?”. Ambas as muletinhas são perguntas. Quem pergunta, implicitamente espera resposta, de preferência simpática. Quem tem certeza do que está afirmando, simplesmente afirma, sem acrescentar perguntinha no final.

É interessante como a gente acaba descobrindo traços da personalidade alheia. No fundo, somos todos como o gato que se esconde mas deixa o rabo de fora.

Fröken

José Horta Manzano

Pessoalmente, não morro de amores pela ativista sueca Fröken Greta Thunberg(*). Um sorriso iluminaria seu rosto, mas, pra conseguir ver essa luz, precisa se levantar cedo e ter paciência.

De qualquer modo, o resto do mundo não está nem aí para o que este blogueiro acha ou deixa de achar. Com sua voz de adolescente, a moça diz verdades que incomodam muita gente fina. Tem a ousadia que a pouca idade lhe permite.

Que não se engane quem achar que ela tem um certo ar de maluquinha. Foi diagnosticada como autista Asperger, um tipo de autismo geralmente sinônimo de inteligência superior, muito acima da média. Alguns autistas Asperger, apesar do jeitão esquisito, são verdadeiros gênios.

O fato é que a jovem diz coisas que políticos não teriam coragem de dizer. Se continuarmos a maltratar o planeta em que vivemos, a coisa vai ficar feia logo logo. Ela, que ainda tem muitas décadas de vida pela frente, não quer viver num mundo superaquecido, envenenado, contaminado, poluído. Por isso, denuncia.

Por natureza, políticos são egoístas. No dia seguinte ao da eleição, já estão todos de olho na próxima. Falam e agem em função dos votos que suas falas e suas ações possam arrecadar. É por isso que nem sempre se pode confiar neles. Quando se adiciona, a essa carga de má fé, boa dose de ignorância, têm-se os ingredientes para um desastre completo.

É o triste caso de nosso presidente. Doutor Bolsonaro, além de estar de olho na reeleição desde o dia em que foi eleito, é pessoa de poucas luzes. Pra piorar, tem uma característica incômoda: é malcriado e boca-suja. Em vez de fazer cara de paisagem como grande parte dos dirigentes ao redor do mundo, foi tratar Greta Thunberg de ‘pirralha’. Nenhum dirigente no planeta tinha ousado ir tão longe na ofensa gratuita.

Na outra ponta, a revista Time consagrou hoje a jovem sueca como Personalidade do Ano. E deu-lhe foto de capa e artigo com o subtítulo: The Power of Youth – A força da juventude.

Mais uma vez, doutor Bolsonaro fez figura de bronco. De toda maneira, ele não vai ficar sabendo do artigo da Time. Não costuma ler essa porcaria de revista comunista aí, talquei? Ainda por cima, é escrita em estrangeiro!

(*) Fröken é senhorita em sueco. Equivale ao alemão Fräulein, ao inglês Miss, ao francês Mademoiselle.

República ou republiqueta?

José Horta Manzano

De 24 a 30 de setembro, terão lugar os trabalhos da Assembleia Geral da ONU, encontro que marca o início dos trabalhos do período 2019-2020. Como manda uma regra não escrita – mas respeitada todos os anos –, o Brasil tem a honra e o privilégio de ser o primeiro na lista de oradores.

Visto que todo país pode se inscrever, a lista de discursantes é longa, com dezenas e dezenas de chefes de Estado, chefes de governo, chefes de delegação. Doutor Bolsonaro vai ser o primeirão. Vai encontrar uma plateia cujos ouvidos ainda guardam o frescor de quem saiu da cama pouco tempo antes. É uma oportunidade e tanto.

Ser o primeiro orador é oportunidade única. Imperdível, como diria o outro. Ele vai falar antes de Trump, antes de Macron, antes de Putin, antes de Xi Jinping. Como é fácil imaginar, o primeiro discurso é ouvido com mais atenção do que o décimo sétimo ou o trigésimo terceiro.

O momento é solene. Neste anos recentes, o discurso do presidente do Brasil tem saído pasteurizado, sem grande relevo, sem força. Ninguém se lembra do que disse Michel Temer, nem do teor das palavras da doutora. Quanto ao Lula, então, sua fala ficou prisioneira da espessa bruma do passado.

Que dirá doutor Bolsonaro? Esperamos todos que ele já chegue com discurso pronto, escrito no papel, com letra bem grande. É a melhor maneira de prevenir que nos envergonhe proferindo torrente de bobagens. Imaginem o que seria se ele soltasse uma daquelas falas proibidas pra menores, daquelas que terminam invariavelmente com um ‘talquei’?

Dizem que ele anda preocupado com a sabatina que o bolsonarinho deve enfrentar no Senado antes de assumir a embaixada de Washington. Receia que o filho leve bomba no exame. (Essa era a expressão que se usava, nos tempos de antigamente, pra dizer que alguém foi reprovado.) Não quer que os dirigentes presentes à assembleia o enxerguem como incapaz de obter maioria no Senado. Considera que seria uma vergonha.

No meu entender, doutor Bolsonaro está equivocado. Nas democracias, descompasso entre o Executivo e o Legislativo é coisa corriqueira. Essas rusgas só são dramáticas em regimes autoritários. Se o parlamento chinês, por exemplo, desautorizasse Xi Jinping, seria o fim do mundo. No nosso tipo de regime, não tem grande importância. O próprio Trump encontra resistência, a toda hora, na Casa de Representantes.

Muito mais grave que desentendimento entre poderes é a própria nomeação do filho. Toda a imprensa mundial terá dado a notícia. O presidente do Brasil subirá ao púlpito no papel caricato daquele personagem de republiqueta de banana que distribui, entre parentes, cargos importantes e bem remunerados.

Não adianta. Se, no momento do discurso, a nomeação do filho já tiver sido confirmada pelo Senado, doutor Bolsonaro não será enxergado como presidente de uma República decente, mas como chefe de clã. Será visto com bigode e chapelão tipo sombrero. Ainda que apareça com a cara habitual.