Lula levanta poeira

José Horta Manzano

A vinda de Lula da Silva a Paris continua levantando poeira. Tanto seus admiradores quanto seus críticos estão em ponto de bala. Do lado dos admiradores, está, em primeiro lugar, a prefeita de Paris. Madame Anne Hidalgo foi autora do convite e idealizadora da outorga da cidadania parisiense honorária ao ex-presidente do Brasil. O convite feito ao Lula é interesseiro: no final, é ela a grande beneficiária da popularidade que ele ainda goza na Europa.

É curioso que, na cabeça da maioria dos europeus, tenha ficado marcada a imagem de um Lula benevolente, caridoso, justo, pai dos pobres. O outro capítulo da novela – o assalto ao erário e as condenações – ainda não passou por aqui. Por que isso acontece? Para mim, é um enigma.

Há quem atribua a magia à máquina de propaganda do lulopetismo. Não acredito. Essa máquina não era forte a ponto de manter o herói no pedestal apesar de todo o infortúnio que se abateu sobre ele desde que deixou a presidência.

Como se sabe, a mente humana é seletiva: digere as verdades que lhe interessam e repele as que lhe são incômodas. Na minha visão, a opinião que europeus têm de Lula da Silva se encaixa nessa mecânica. Registraram a parte boa e rejeitaram os podres. Talvez o identifiquem com a figura tragicômica daquele que rouba mas faz. Trocado em miúdos, o raciocínio do europeu fica assim: naquele país, roubar, todos roubam; este, pelo menos, pensou nos mais pobres.

Fenômeno semelhante aconteceu com Mikhail Gorbatchev, respeitado e paparicado no exterior, mas malvisto em seu país. Sua gestão levou liberdade ao povo russo, razão suficiente para mantê-lo no pedestal dos europeus. Já os russos estão do outro lado do espelho. Por lá, a popularidade do antigo mandatário é sofrível; ele é visto como aquele que fez o império russo virar pó.

Madame Hidalgo não para de falar do Lula. É “Lulá” pra cá, é “Lulá” pra lá. O partido dela, o PS (Partido Socialista) está em declínio acentuado há uma década. Nas últimas eleições presidenciais, conseguiu apenas 6,4% dos votos. A estratégia de Madame é encobrir o nome do partido, omitir os podres de sua gestão como prefeita, e mostrar só coisas boas – como a presença do Lula, por exemplo.

É raro, mas acontece
O jornal francês Valeurs Actuelles, ancorado fortemente à direita, quase escorregando para a direita extrema, não vê o Lula como ‘pai dos pobres’. Fabricou hoje uma manchete assassina e mandou ver: «Lula: tentativa frustrada de ressurreição de um condenado por corrupção – com o apoio de Hidalgo, Hollande e Sarkozy».

5 pensamentos sobre “Lula levanta poeira

  1. Talvez seja apenas o “efeito Robin Hood” que blinda o Lula de tantas acusações. Em outras palavras, todo mundo sabe que ele se desviou do império da lei e da ordem – para usar um eufemismo da moda – mas acredita que os malfeitos eram necessários para reverter a profunda desigualdade social do Brasil. Cá entre nós, as esquerdas revolucionárias da América Latina se especializaram em ressignificar certos conceitos (assalto a banco passou a ser expropriação; assassinato passou a ser justiçamento). No seu início, o lulopetismo realmente patrocinou uma virada de alcance mundial na luta contra a fome (inspirada pelo Betinho) e acesso à educação, saúde e bem-estar para uma população antes ignorada, especialmente entre nós. Só depois lambuzou-se com o melado do sucesso fácil conquistado com dinheiro alheio.

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    • Não tenho certeza de que o Lula tenha jamais acreditado que «os malfeitos eram necessários para reverter a profunda desigualdade social». A meu ver, a visão do pote de melado transbordante passou à frente de toda suposta luta em favor dos esquálidos. Lambuzaram-se todos os da turma. E só pararam porque a Lava a Jato começou a respingar em gente graúda.

      A filosofia era: «Dá cá o meu e vamos ver se sobra algum pros demais». Não sobrou.

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      • Eu também não acho que o Lula tenha acreditado que os malfeitos eram necessários. Acho, sim, que ele vislumbrou uma possibilidade incrível de chegar ao poder, depois de 3 tentativas mal sucedidas, vendendo o atendimento prioritário a esse segmento da população – por isso, citei Betinho (que era exilado político e integrante da ala mais à esquerda do PSDB). A plataforma do Fome Zero fez o milagre de mobilizar intelectuais e abrir o bolso de empresários ávidos por conquistar um público que estava fora do mercado. Depois, veio a necessidade de “convencer” ($$$$) os partidos de centro/direita (MDB em especial) a aderirem ao projeto. O resto é história. A Lava Jato, ao processá-lo e puní-lo com cadeia, reforçou o estigma de vítima ‘sans-culottes’ das elites podres.

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  2. Pingback: Lula em Berlim – Brasil de Longe

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