José Horta Manzano
Quando doutor Bolsonaro assumiu as funções no Planalto, o Brasil entrou em compasso de espera. Foi um breque no samba do crioulo doido(*). De respiração suspensa, ficamos todos presos àquele curto instante que corre entre o clarão do raio e o estampido do trovão. É quando a gente sabe que o barulho virá, mas não dá pra determinar a intensidade. Será trovoada longínqua ou estrondo de assustar cachorro e despertar criança?
Por enquanto, há muita conversa e pouco efeito. As promessas de «eu bato e arrebento» andam meio murchinhas, desenxabidas. Fica a desagradável mas nítida impressão de que mais se fala do que se faz. Dizem muitos que a ideologia dos atuais dirigentes é como a dos anteriores, só que com sinal trocado. Discordo.
É inegável que os atuais ocupantes do andar de cima emitem sinais de adesão ao ideário conservador. Ressalte-se que o brasileiro, de qualquer modo, vê com desconfiança todo sacolejo brusco da sociedade. Mudanças, sim, desde que não sacudam demais o coqueiro. Na oposição entre o statu quo e a revolução, não há dúvida: preferimos conservar o que temos.
Tirando a tendência conservadora, que eu hesitaria em classificar como ‘ideologia’, o atual governo mostra, sim, inclinações ideológicas de caráter místico e messiânico. Doutor Araújo, ministro de Relações Exteriores, e Doutora Damares, ministra dos Direitos Humanos, são a face mais visível da moeda.

Revolução
Já o período anterior, o lulopetismo, carecia de ideologia. Alguns enxergam naqueles tristes anos uma tendência ‘esquerdista’ de trocas Sul-Sul, de alinhamento com países pobres, de políticas de amparo aos deserdados do planeta. Eu não vejo nada disso. Tudo que consigo enxergar é uma política malandra de fazer negócios com governos estrangeiros que aceitassem compartilhar os bilhões com a clique que comandava o Planalto. Construir vias expressas na África não é a melhor maneira de ajudar populações que não têm o que comer. Não é por acaso que países de regime ditatorial foram o alvo preferencial da política de ‘ajuda fraterna’ lulopetista. São os mais abertos a obscuras transações.
Estão aí, de maneira resumida, as razões pelas quais concordo que o atual governo se deixa guiar, até certo ponto, por ideologia. Estão aí também as razões que me levam a refutar toda ideologia no sistema petista de gerir a coisa pública. Organizar rapina do erário não é manifestação ideológica. É pura bandidagem.

(*) Em seu discurso de entronização, doutor Bolsonaro propôs um desafogo na dura lei do politicamente correto. É de supor que a nova orientação já esteja em vigor. Se não estiver, corrija-se: onde se lê crioulo doido, leia-se afrodescendente com deficiência intelectual.
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