José Horta Manzano
Este blogueiro é do tempo em que se aprendia latim na escola. Apesar de a língua dos romanos ter me provocado muita dor de cabeça e trazido muita nota baixa, guardei certa simpatia por ela. Volta e meia, quando dá, enxerto alguma citação, alguma máxima latina. Os romanos podiam ter seus defeitos, mas tinham notável bom senso.
Memento mori – é o título de um artigo que o Correio Braziliense publicou no caderno Opinião faz dois dias. O autor é Otávio do Rêgo Barros, general de divisão e doutor em ciências militares, aquele senhor sério e comedido que foi porta-voz de Bolsonaro do primeiro dia de governo até um mês atrás. Dizem as más línguas que ele foi expelido do cargo por ter caído em desgraça junto a um dos bolsonarinhos, aquele mais desequilibrado e intriguento.
O artigo do general já começa com citação latina, coisa fina. O texto é o reflexo do jeitão do autor: claro, pausado, bem explicado, ponderado, sóbrio. E erudito. Ele cita batalhas da segunda Guerra Púnica, travadas entre tropas romanas e cartaginesas 22 séculos atrás, embates em que entra em cena Aníbal Barca, aquele que atravessou os Alpes montado em elefantes. Me lembrou as aulas de dona Leocádia – quanto tempo!
Mas vamos deixar os elefantes e voltar ao general. Seu artigo, elegante, não cita nomes. Mas descreve claramente o comportamento do antigo chefe, Bolsonaro. O título, Memento mori (=Lembra-te que és mortal), refere-se a um costume romano. Quando voltavam de uma batalha, cobertos de glória, os generais faziam-se cercar de escravos que lhes sussurravam ao pé do ouvido essa frase o tempo todo. Era para não caírem na tentação de se deixarem embevecer por aplausos e adulações, que a glória é passageira.
No memorável artigo, o general Rêgo Barros faz um convite à reflexão. Depois de incentivar os outros Poderes da República e a imprensa a manterem firmeza e não recuarem diante de pressões, conclama a população a exercer seu papel de «árbitro supremo da atividade política».
O general não diz isto, mas, num país em que parlamentares são corruptos e organizações de classe – se é que existem – estão anestesiadas há duas décadas, o único canal aberto para o povo mostrar descontentamento é a rua. Manifestações como as de 2013, que acabaram por derrubar Dilma e o PT, são a única porta de saída deste pesadelo. Como conclamar o povo? Não sei. Vocês, que vivem no Brasil e são peritos em feicibúquis, tuítch e zap-zap, sabem melhor que eu. Minha parte, estou fazendo aqui.
Não sei como é que Bolsonaro foi escolher Rêgo Barros para o cargo de porta-voz. O general não combinava com a súcia que gravita em torno do Planalto. Sem condições: não podia dar certo.
Se o distinto leitor tiver 5 minutos, vale a pena ler o artigo do ex-porta-voz. Não é longo. Está disponível no site do Correio Braziliense. Aqui.