José Horta Manzano
Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 25 janeiro 2019.
Muitos anos de maus governos maltrataram o país. Apesar de sacolejado por golpes e revoluções, o brasileiro não se lembra de ter assistido antes a tanto descaminho por tão longo tempo. O horizonte trancado durante quase duas décadas gerou sensação de impotência. A bateção de panela de 2013 foi bonita, empolgou, mas não resolveu. A destituição da doutora foi um começo de solução, mas não passou disso: um começo. Serviu pra desanuviar, mas não afastou o espectro do retorno vigoroso da rapina institucionalizada. Como náufragos, os brasileiros procuravam uma tábua à qual se abraçar.
Eis senão quando, na última campanha eleitoral, um candidato obscuro e desconhecido emergiu das profundezas do baixo clero do Congresso. No princípio, ninguém teria apostado um real furado no sucesso do homem. Estava mais pra figura folclórica, um daqueles candidatos que parecem estar lá só pra dar um tchauzinho na televisão e pra receber uns caraminguás do fundo eleitoral. À medida que o tempo foi passando, como quem não quer nada, a candidatura engrossou, ganhou peso e tomou lastro. Sem ser radical, do tipo ‘todos al paredón’ ou ‘à guilhotina os burgueses’, a fala do postulante denunciava o descalabro instalado nas altas esferas. O discurso não vinha tricotado com fios de oratória arrebatadora, mas dizia o que os brasileiros, cansados de guerra, queriam ouvir. Aquele em quem, seis meses antes, nenhum apostador teria botado fé venceu a corrida e ganhou direito ao trono do Planalto. Terminada a corrida e conquistada a taça, é hora de sentar e cogitar sobre o rumo a tomar.
Em princípio, preocupação com filhos termina assim que eles atingem a maioridade, deixam o lar e vão viver a própria vida. No clã dos Bolsonaros, no entanto, filhos já grandinhos continuam grudados ao pai. A mostra explícita de família unida sai bem na foto, mas os rebentos têm dado sérias dores de cabeça ao patriarca. Nas semanas escoadas desde a tomada de posse, francamente, mais atrapalharam que ajudaram. Já antes da entronização, era perceptível que os juniores se comportavam como crianças mimadas, daquelas que, na hora do recreio, desdenham dos coleguinhas: «Meu pai é mais forte que o seu!». Agora, que o chefe virou presidente, a dor de cabeça virou enxaqueca.
Os herdeiros não são a única fonte de problemas de doutor Bolsonaro. Um vozerio descontrolado percorre o mundinho que lhe está em torno ‒ secretários, conselheiros, assessores, ministros. Talvez em virtude daquele natural deslumbre que subjuga todo noviço, as declarações do entourage do presidente andam abrindo remoinhos e levantando ondas que lambem o país inteiro. São falas desencontradas, cada um se sentindo livre de afirmar o que lhe passa pelo bestunto, numa cascata de tagarelice bizarra que vai desde política externa até vestuário infantil.
Unanimidade de opiniões, concedo, é característica de regime totalitário. Como exemplo máximo, temos a bem-comportada torrente de aplausos que coroa todo anúncio de decisões tomadas pelo comitê central do partidão, na China ou em Cuba. Não é sadio, nem é o que gostaríamos de ter em nossa incipiente democracia. Nem por isso, o inverso é aceitável. As estrepolias dos filhos do presidente adicionadas à inabilidade dos que lhe orbitam em torno está gerando algaravia. Botar remédio nesse estado de coisas é caso de urgência urgentíssima.
Um outro ponto que vem gerando atrito é a radicalização religiosa de alguns dos novos componentes do andar de cima. É importante ter presente que Estado laico é invenção relativamente recente. Desde sempre, o Estado foi ligado à religião, o que não é um mal em si. Mais importante do que a crença pessoal de membros do governo é o ambiente de tolerância que deve reinar. Há países civilizados com religião oficial ‒ Inglaterra, Dinamarca, Noruega, Grécia ‒ onde, nem por isso, os habitantes se sentem aprisionados por uma teocracia em que nada existe fora da fé. A tolerância e a benevolência, se bem aplicadas, são precioso anteparo contra excessos.