It is hot!

José Horta Manzano

O desregramento climático está cada dia mais evidente apesar do negacionismo de alguns. Pense na Grã-Bretanha. Quem não se lembra da imagem de um país onde chove e venta o tempo todo, o ano inteiro, com temperaturas de verão que raramente ultrapassam os 25°C? Quem não se lembra da figura típica do inglês de chapéu-coco, capa impermeável e o indispensável guarda-chuva?

Pois isso está mudando dramaticamente. A ilustração abaixo mostra a previsão da BBC para esta segunda-feira. Quarenta graus em Londres! Quem havera de dizer. Até para nossos costumes tropicais, essas temperaturas são extravagantes.

Círculo Polar

José Horta Manzano

Nos últimos dias de junho, fomos castigados por uma onda de calor vinda direto do Saara. Aquela bola de fogo estacionou sobre a Europa central. Bem na época do solstício, em que os dias são mais longos, tivemos 8 dias de sufoco, sem vento, sem nuvens, com céu azul e sol brilhando das 5h da madrugada até as 9h30 da noite.

Nem no Piauí, nem no Ceará, nem no Tocantins faz calor assim. Duvida? Pois saiba que o Serviço Nacional de Meteorologia francês acaba de corrigir um dos dados publicados naqueles dias. O recorde de temperatura registrado no país não foi de 45,9°, mas exatamente de 46°. Quase cinquenta graus à sombra! Naturalmente, ninguém é obrigado a ficar à sombra.

Passados os primeiros dias de julho, acalmou. Não digo que esfriou, mas o tempo voltou ao habitual para esta época do ano. Quando todos já estavam guardando ventiladores e ventarolas no porão, catapum! Lá veio outra onda saariana. Começou anteontem e deve durar até sábado. De novo, noites mal dormidas, vegetação morrendo, racionamento de água, hospitais em alerta máximo. Em Paris, está previsto que o termômetro supere 40° hoje e amanhã. Em Genebra, 35°. Em vastas regiões da Alemanha, da Holanda e da Bélgica, 38°.

Escandinávia, 24 julho 2019
Temperaturas por volta do meio-dia

Até o extremo norte do continente está transpirando. Lá na Lapônia, no norte da nevosa Finlândia, pelas bandas onde Papai Noel vive, estão todos transpirando, inclusive as renas que servem ao bom velhinho. Coisa do outro mundo. Pra lá do Círculo Polar, a 70° de latitude, está fazendo hoje um calor de 29° ou 30°, fato jamais registrado. É a um pulinho do Polo Norte, minha gente! Muito impressionante.

Enquanto isso, com o planeta derretendo, o desmatamento da Amazônia come solto. E tudo segue tranquilo, sob a batuta de um Bolsonaro instalado em palácio, alheio ao que ocorre no mundo real, aplaudido e instigado pela corte de bajuladores.

Do jeito que vai, uma coisa parece certa: o presidente só tem alguma chance de ser reeleito se o adversário for um político identificado com o lulopetismo. Sempre que o planeta não se tenha incendiado daqui até lá, naturalmente.

Sans moi

Grudar no personagem e obrigar o Brasil a cavalgar no ritmo ‘trumpista’ é sinal de perda de contacto com a realidade.

José Horta Manzano

O que o brasileiro diz, em falar caseiro, «me inclua fora» tem tradução perfeita em francês. Em Paris, diz-se «ce sera sans moi» (=será sem mim).

Monsieur Macron, presidente da França, usou esse recurso de linguagem hoje em previsão da conversa com doutor Bolsonaro. Logo ao chegar a Osaka, antes do encontro agendado (depois desagendado, em seguida reagendado, afinal realizado), avisou: «Se não pudermos discutir sobre o Acordo de Paris, ce sera sans la France (=sera sem a França)».

Depois da ameaça de «levar um pito» de Frau Merkel, doutor Bolsonaro sofreu ameaça de «levar um fora» de Monsieur Macron. Note-se que não estamos falando de dirigentes da Mongólia ou do Zimbábue. Alemanha e França são os dois países mais importantes da Europa e formam juntos o motor do continente.

França: temperaturas previstas para 28 junho 2019

Meu pai dizia: ‘Se não for por bem, vai por mal’. Em matéria de defesa da ambição climática do planeta, doutor Bolsonaro escolheu ‘ir por mal’. A adesão cega e total aos propósitos ignorantes que Mister Trump emite nesse particular é nociva a nosso país e nos está fazendo mal. A reviravolta climática já não é ameaça, é realidade.(*) Pra evitar catástrofe maior, cada cidadão pode (e deve) fazer sua parte, mas governos podem muito mais.

Liberar, no Brasil, agrotóxicos já proibidos na Europa é atitude insensata. Agasalhar desmatamento desenfreado também é. Nosso presidente é responsável por esses dois atos. Além de prejudicar a saúde, essas atitudes típicas de mentes desinformadas botam obstáculos na negociação de acordos comerciais.

Doutor Bolsonaro devia pôr na cachola que Mr. Trump não é eterno e que será substituído um dia. Grudar no personagem e obrigar o Brasil a cavalgar no ritmo trumpista é sinal de perda de contacto com a realidade. É como tomar carona num veículo que não se sabe pra onde vai. A gente acaba se perdendo. Doutor Bolsonaro precisa recalibrar seu GPS e começar tudo de novo.

(*) A onda de calor temporã que oprime a Europa neste fim de junho já está aí faz quatro dias. Não se sabe exatamente quando terminará – talvez no meio da semana próxima. No país de Monsieur Macron, preveem-se temperaturas entre 40° e 45° para este fim de tarde. Na amena Suíça onde vive este blogueiro, o termômetro marcava 29° à uma da manhã na noite que passou. Durma-se com um bafo desses.

Aquecimento global

José Horta Manzano

Você sabia?

No Brasil, é voz corrente que na Europa faz frio. É verdade. Mas faz calor também, e muito. E tem piorado estes últimos tempos em virtude do aquecimento global.

Jakub Marian preparou um mapa mostrando a temperatura máxima já registrada em cada país. Está aqui.

Só para comparar, no dia mais quente jamais registrado no Brasil, os termômetros marcaram 44,7°. Aconteceu em Bom Jesus (PI) em 2005.

Nuvens negras: mudança climática

José Horta Manzano

O clima anda perturbado. A dança das nuvens está cada dia mais frenética. Ondas de frio são mais congelantes que antigamente e ondas de calor, mais escaldantes. O problema vai além da filosofia. Não faz mais sentido ser «climatocético» como Mr. Trump. Podemos até discutir se as atividades humanas são ou não as únicas responsáveis pela maluquice climática ‒ o que não podemos é negar que o clima endoideceu. A realidade está aí, basta ter olhos para ver.

Em 2003, a Europa ocidental sofreu a maior onda de calor em cem anos. Foi excepcional pela duração, pela intensidade e pela abrangência territorial. Durou quinze dias e atingiu uma dezena de países, de Portugal à Dinamarca. Calcula-se que tenha sido responsável por 70 mil mortes ‒ 40 mil somente na França. A imensa maioria das vítimas é constituída de idosos, cuja morte foi apressada pelo calorão. Chega-se a essa estimativa comparando os óbitos ocorridos durante a onda de calor com a norma estatística.

Durante o episódio saariano de 2003, recordes de alta temperatura foram batidos. Temperaturas de 40° ou 41° foram registradas na Alemanha, em Luxemburgo, na França e até na amena Suíça. Na calorosa Espanha, os termômetros enlouqueceram: marcaram 45° em Sevilha e 46° em Córdoba. Nível pra beduíno nenhum botar defeito.

Os que imaginavam que se passaria um século até que sobreviesse nova onda de calor excepcional se enganaram. Já em 2015, as nuvens ameaçaram. Novo episódio de calor extremo ocorreu, mas sua abrangência territorial foi modesta. Atingiu a Suíça e arredores.

by Vincent L’Epée, desenhista suíço

Nova investida da natureza está se dando atualmente. A Europa está sufocando. Das praias do sul de Portugal até a tundra do norte da Suécia, o verão tem permanecido muito quente desde o dia 1° de julho. E agora, em agosto, já faz uma semana que os termômetros não mentem: faz um calor extremo. A Suécia, tão próxima do Polo Norte, está sendo devorada por incêndios florestais provocados pelo calor e pela secura do ar. Temperaturas acima de 35° ‒ e até acima de 40° ‒ tornaram-se corriqueiras no continente. Até Lisboa, tão agradável em tempos normais, foi castigada estes dias com a marca de 44 graus, um despropósito!

Desarmados para episódios dessa natureza, os europeus assaltam lojas de ventiladores. Dado que quase ninguém tem ar condicionado, o rádio e a tevê difundem astúcias pra se proteger do clima extremo. Ensinam cuidados especiais a dispensar a recém-nascidos e a anciãos.

Volta à moda a palavra canícula, que designa este período. O termo, presente em todas as línguas latinas, vem da astronomia. O tempo que vai, grosso modo, do fim de julho ao fim de agosto coincide com a época em que Sírio, a estrela mais brilhante da constelação do Cão Maior, está em conjunção com o Sol. De cão (canis em latim), vem canícula.

Se as mudanças climáticas continuarem nesse passo, daqui a um ou dois séculos, o planeta será irreconhecível.

Estalos de Vieira

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Padre VieiraNão sei se todos sabem a que me refiro. Aos mais jovens, explico: há muitos anos, usávamos por aqui uma expressão que traduz com perfeição a palavra inglesa “insight”. Sabe aquela luzinha que se acende no cérebro quando subitamente você se dá conta de algo? Pois então, dizíamos que se tratava de um “estalo do Padre Vieira”, presumivelmente um de meus ancestrais. Conta a lenda que, enredado em dificuldades para aprender as lições do seminário, ele teria invocado auxílio divino e, numa fração de segundo, sua cabeça teria se aberto num clarão. É o equivalente à expressão contemporânea “cair a ficha”.

Pois eu acabo de ter dois estalos de Vieira. O primeiro, mais prosaico, é que, tão logo coloquei o ponto final no parágrafo acima, percebi que nossa língua deixou de fazer menção a um contexto religioso de iluminação para tratar desse fenômeno de forma bem mais profana, associando-o às máquinas caça-níqueis. Santo Deus, a que ponto chegamos!

Lampada 1Seja como for, o segundo estalo que tive parece render mais frutos para a compreensão da alma brasileira. Refletia eu sobre as agruras do clima tropical. Há menos de quatro dias, encerrava-se nosso esquizofrênico inverno tropical com temperaturas batendo na casa dos 36 graus em São Paulo e 42 no Rio de Janeiro. Meras 24 horas depois de entrada a primavera, os paulistas tiveram de enfrentar uma forte tempestade que provocou uma estonteante queda de 10 graus na temperatura e a passagem de uma umidade relativa do ar semelhante à do deserto do Atacama, o mais árido do mundo, para civilizados 56%.

Hoje de manhã, ao me vestir para sair, hesitei ponderando que tipo de roupa deveria usar. O dia amanheceu chuvoso e um vento frio me fazia pensar que o melhor seria colocar uma camisa de mangas longas. Por outro lado, temia fazer papel de idiota e sair às ruas vestida como esquimó na praia de Copacabana, já que a previsão deixava claro que iria esquentar até os 27 graus.

Foi então que me ocorreu que, nem mesmo sob o prisma da meteorologia, o Brasil é um país para amadores. Quem quer que se aventure a fazer seu ninho por estas plagas será instado a se transformar em perito especializado na arte da flexibilidade em todas as situações do cotidiano. Não importa o que os órgãos dos sentidos informem, não importa o que a lógica primária sugira, não importa o que a intuição sopre, o “non-sense” da realidade nacional acabará por se impor e forçará a pobre criatura a desenvolver capacidade de adaptação.

Calor 1Sob essa ótica, consegui em pouco tempo estabelecer múltiplos nexos causais entre nossa convivência forçada com um clima errático e o caráter do povo brasileiro. É provável, deduzi, que toda a instabilidade e volatilidade das tendências climáticas se tenha transferido para nosso código comportamental.

Avalie comigo alguns traços de alma que nos distinguem como povo: a lógica nunca foi nosso forte; não vemos qualquer problema na coexistência entre atitudes liberais radicais e um tradicionalismo empedernido: só valorizamos as conquistas obtidas contra todas as adversidades. Somos bipolares assumidos diante da autoridade: ora nos curvamos servilmente aos ditames dos que detêm o poder, por mais absurdos que nos pareçam, ora saímos às ruas dançando e cantando a plenos pulmões que o rei está nu. O mundialmente famoso “jeitinho” brasileiro parece ilustrar com perfeição a necessidade desesperada que sentimos de lidar minimamente bem com a irracionalidade dos fenômenos naturais e sociais que nos afligem.

Rei nuOutro exemplo gritante é o de nossa secular incapacidade de planejamento. Não nos sentimos confiantes para elaborar quaisquer projetos de futuro, uma vez que sabemos que as regras do jogo podem ser alteradas segundos depois de dada a ordem de partida. Nossos planos individuais e coletivos literalmente derretem e se dissolvem no ar tão logo a temperatura começa a subir. Em seu lugar, colocamos então nossa crença no deus-dará. A tendência nacional à procrastinação já nos rendeu até o epíteto de “país das revoluções sem sangue”.

É fato sabido que a geografia e o clima influenciam pesadamente o estado de ânimo das pessoas. Povos de países de clima frio tendem a ser reservados, taciturnos e autodefendidos, valendo-se muitas vezes da bebida para jogar fora suas frustrações e exorcizar seu isolamento emocional. Habitantes de países montanhosos mostram-se, no mais das vezes, laboriosos e determinados, enquanto os que habitam planícies desérticas tendem a adotar uma postura mais filosófica diante da vida – se seus olhos não têm onde pousar, o pensamento pode voar para longe e criar novas realidades.

Carnaval 1Já nós, oriundos de países de clima tropical, somos seres quentes em todos os sentidos. Tendemos a ser mais sociáveis e festeiros, demonstrando apreço pelo congraçamento que a arte, a dança e a música propiciam. Elevamos à máxima potência o culto ao corpo, a liberalidade dos costumes e o desejo de transgressão das normas vigentes, assim como a informalidade no trato social. Nós, brasileiros, por estarmos acostumados com a abundância de recursos naturais de que dispomos, somos marcados ainda pela identificação com a cultura do desperdício e por uma autocondescendência que convive sem traumas com todo tipo de preconceito.

Talvez em função do gigantismo de nosso território e da consequente diversidade de climas regionais, possuímos finalmente outra característica curiosa: por mais que superficialmente pareçamos desorganizados, imprevisíveis e desconectados da preocupação com o bem comum, podemos nos tornar em segundos um exército de seres fraternos e compassivos devastadoramente eficiente. O rastilho que detona essa transformação? Simplesmente o exercício do prazer e da liberdade individual. Quem duvidar, experimente formar e controlar a evolução de uma nova escola de samba com mais de 3.000 figurantes que precisa desfilar numa passarela em exíguos 60 minutos.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Mudança climática?

José Horta Manzano

Você sabia?

A Suíça conheceu seu terceiro inverno mais quente dos últimos 150 anos. Somente o inverno de 2006/2007 e o de 1989/90 foram mais suaves que este que se termina.

Em Genebra, tirando um curto instante na manhã de 29 de janeiro, não nevou este inverno. Em Neuchâtel, outra cidade suíça, não caiu nem um floco. As cercanias da cidade de Basileia não conheceram nenhum episódio de geada sobre o leito das estradas ― fenômeno perigoso, que pode provocar derrapagens. Fazia 150 anos que isso não acontecia.

Lago de Lungern, Cantão de Obwald Paisagem habitual no inverno Crédito: Walter Ming-Isaak

Lago de Lungern, Cantão de Obwald
Paisagem habitual no inverno
Crédito: Walter Ming-Isaak

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Lago de Lungern, Cantão Obwald 23 janeiro 2014 Crédito: Sigi Tischler, Keystone

Lago de Lungern, Cantão Obwald
Foto de 23 janeiro 2014
Crédito: Sigi Tischler, Keystone

Enquanto isso, leio que o Sul e o Sudeste brasileiro sofreram longas semanas sob calor sevilhano e secura namíbica.

Deve ser efeito da mudança climática que estamos atravessando.

Rapidinha 10

José Horta Manzano

Verdura na cabeça
Estudo levado a cabo pela USP chega à conclusão de que, quando um bosque é plantado por cima da cobertura de concreto de um prédio, a temperatura do edifício tende a baixar.

É a confirmação do que todo o mundo já sabia ― ou intuía: a vegetação tende a mitigar a temperatura do ar. No Sahara, sabem todos, faz mais calor que na Amazônia. O que era apenas impressão ganhou agora a credibilidade de um estudo sério.

Projeto de jardins suspensos

Jardins suspensos generalizados: uma utopia?

Melhor do que plantar árvores no cocuruto de prédios, será desapropriar grandes espaços degradados e transformá-los em parques arborizados. Se Nova York pode-se dar ao luxo de guardar intacto seu Central Park, por que não poderíamos nós?

É sol, é sal, é sul!

José Horta Manzano

Muito melhor que eu, Everaldo José dos Santos conta a história da marchinha Allah-la-ô, gravada por Carlos Galhardo em 1941, nos tempos áureos do carnaval de rua.

Ao saber dos quase 41 graus registrados hoje no Rio de Janeiro, não pude deixar de me lembrar da composição de Haroldo Lobo e Nássara.

Crédito: Yann Arthus-Bertrand

Crédito: Yann Arthus-Bertrand

O calor tropical não devia ser muito mais suave que o de agora na então Capital Federal. Mas as praias eram menos frequentadas, o que certamente amenizava a temperatura. A coabitação era, digamos assim, menos íntima e o calor humano menos invadente.

Melhor que tudo: não havia arrastão!