O velho prefeito

José Horta Manzano

Paul Girod é prefeito do pequeno município de Droisy. Seu vilarejo, de apenas 74 habitantes, fica na França, a 120km de Paris, nas planícies agrícolas do norte do país. Aos 89 anos de idade, Monsieur Girod detém um recorde difícil de ser batido: está no cargo há 62 anos.

Foi eleito pela primeira vez em 1958, quando era um jovem de 27 aninhos, e o mundo era outro. No Brasil, Juscelino Kubitschek ainda tratava de construir Brasília, a futura capital. Em Washington, Eisenhower ocupava a Casa Branca. Em Paris, o reinado de De Gaulle ainda não havia iniciado; o presidente se chamava René Coty.

De lá pra cá, Monsieur Girod foi candidato em todas as eleições – e ganhou todas. Está no 12° mandato consecutivo. É de crer que seus munícipes estão satisfeitos com o desempenho do patriarca.

Ele explica que, naquele tempo, as motivações do eleitor eram diferentes do que conhecemos hoje. Recém-diplomado, ele assumiu o comando da propriedade do tio, onde se cultivava a terra e se criavam umas poucas reses. Diminuta para padrões brasileiros, a fazendola era a mais importante do município. Naqueles meados de anos 50, ninguém tinha automóvel no vilarejo. Monsieur Girod foi o primeiro a ter um.

Droisy (Picardia), França

Por razões que a sociologia explica, os eleitores tinham tendência a entregar as chaves da prefeitura ao candidato mais abastado. É que acreditavam que um rico teria mais tempo disponível para se dedicar à coisa pública. É permitido enxergar nessa tendência um resquício da ordem feudal, quando era natural que o rei fosse o mais rico. Ou que o mais rico fosse rei, o que dá no mesmo.

Quando li a explicação do velho prefeito francês, pensei nos coronéis brasileiros que, até hoje, seguram municípios pequenos com rédea curta. Não sei se os munícipes os elegem e reelegem porque acreditam que eles têm mais tempo disponível pra cuidar da administração. Deve parecer natural, aos eleitores, que o coronel-prefeito seja o mais rico.

O problema é que, mantidos na ignorância, eles nem sempre se dão conta de que o mandachuva, distraído, pode estar incorporando uma parte das verbas públicas a seu patrimônio pessoal. Não sei por que, acabo de me lembrar do mensalão e do petrolão. Mas essa é uma outra história.

Ricos novos e novos-ricos

José Horta Manzano

Novo-rico é a forma aportuguesada da expressão francesa nouveau riche. Tem conotação fortemente pejorativa exatamente como o original. Designa todo indivíduo de origem modesta que enricou em pouco tempo mas que, embora tendo atingido condição social e financeira superior, não adquiriu cultura nem boas maneiras condizentes com a nova situação. Outra palavra francesa de mesmo significado é parvenu, também dicionarizada.

De riquinhos que chegaram a amealhar alguns milhares de reais, o mundo está cheio. Não é desses que falo aqui. Refiro-me aos que juntaram centenas de milhões ou, em alguns casos, bilhões. Pra quem passou infância remediada, a tentação é grande de gritar a todos: «Cheguei lá!». Há mil maneiras de animar esse circo de vaidades.

Lamborghini semelhante à que Senhor Batista exibia na sala

Lamborghini semelhante à que Senhor Batista exibia na sala

Hoje caiu um pouco de moda, mas, algumas dezenas de anos atrás, compravam-se títulos de nobreza. Tivemos, no Brasil, diversos casos de descendentes de imigrantes italianos que se mostraram simpáticos ao rei da Itália e conseguiram nobilitar-se. Foi o caso de Francisco Matarazzo, que começou como mascate e chegou a ter o maior império industrial da América Latina em meados século passado. Foi “enobrecido” com o título de conde.

Outro que ainda hoje exibe o título adquirido é o conde Francisco Scarpa(*), aquele que outro dia chamou a mídia para assistir ao enterro de um automóvel de luxo no jardim. Na intenção de expor riqueza, acabou mostrando que a estupidez humana não tem limites. Teria sido mais elegante e útil leiloar o carro e doar o dinheiro ao Hospital do Câncer.

Hoje em dia, as poucas casas reais que sobram na Europa já não distribuem alvarás de nobreza como nos bons tempos. Para se destacar da multidão, novos-ricos têm de bolar outros métodos.

Estes dias, tem-se falado muito num certo senhor Batista, que chegou a possuir a maior fortuna do país, uma das maiores do planeta. Como legítimo representante da casta dos novos-ricos, esse senhor teve estapafúrdia iluminação: expôs um automóvel de luxo em plena sala de estar, ideia que Freud não teria dificuldade para explicar.

Parece, no entanto, que sua propalada fortuna não passava de vento, de puro gogó. Na verdade, o dinheiro era nosso. Desmascarado, o homem está fazendo atualmente um retiro espiritual no Complexo de Gericinó. Terá tempo de sobra para analisar as façanhas que cometeu.

Donald Trump: apartamento familiar

Donald Trump: apartamento familiar

«Un bien mal acquis ne profite jamais à celui qui le possède» ‒ um bem mal adquirido não beneficia jamais àquele que o possui, diz um sábio provérbio francês. Deus sabe por onde andará o automóvel de luxo, aquele da sala de estar, hoje devidamente confiscado. De qualquer maneira, o moço já não precisa dele: anda agora de carona nas elegantes peruas da PF.

Na outra ponta, no rol dos ricos novos que não se deixaram tentar pelo exibicionismo, temos Herr Ingvar Kamprad, de quem dificilmente o distinto leitor terá ouvido falar. Trata-se do criador da IKEA, rede de 330 enormes lojas de móveis distribuídas por 28 países, com cerca de cem mil funcionários. O faturamento anual é próximo de 30 bilhões de euros.

Originário de um vilarejo sueco, o homem está com 90 anos. Cresceu em ambiente modesto. Todo o dinheiro que ganhou veio do trabalho e não de trambiques com cumplicidade do governo. Dizem que levou vida simples e sempre viajou de classe econômica. Ano sim, outro também, aparece na lista dos mais ricos do mundo.

Cada um faz o que quer com o próprio dinheiro, isso é fato. No entanto, conforme o destino que cada um dá à própria fortuna, é fácil constatar o grau de sabedoria do afortunado: se é rico novo ou apenas novo-rico.

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(*) Em italiano, Scarpa quer dizer sapato, curioso sobrenome para um membro da nobreza, né não? De toda maneira, títulos nobiliárquicos não têm mais validade oficial na Itália atual.

Fecharam todos os shoppings do Brasil

Fernão Lara Mesquita (*)

Em entrevista a uma das meninas da Globonews na semana passada, Flávio Rocha, dono da Riachuelo, deu um número de arrepiar.

«Em 2015 fecharam 100 mil lojas pelo Brasil afora. É como se tivessem fechado todos os shopping centers do país. Somados, eles abrigam isso: 100 mil lojas».

Loja 1Sobra em pé só o grande comércio, mais estruturado. Quer dizer: é uma obra monumental de concentração da renda, essa do PT. Os funcionários de 100 mil lojas ficaram simplesmente a zero, sem saber se vão ter o que pôr na mesa dos filhos amanhã. Cem mil pequenos e médios empreendedores que, sabe-se lá à custa de que epopéias tinham conseguido emergir do brejo e montar seu negociozinho, foram expulsos do mercado. As lojas gigantes engoliram o que sobrou do massacre.

Loja 2O resultado é o que se observa nas caóticas megalópoles brasileiras: nos bairros ricos os milionários que sobram, cada vez mais ricos, compram as casas vizinhas e levantam os muros. Lá fora, a pátria do Aedes aegypti: perifavelas de bloco sem urbanização nem saneamento crescendo em metástase. Menos gente rica, cada vez mais rica, cercada de miséria por todos os lados. No meio, nada.

Se dermos mais tempo pra isso, acabamos como na Idade Média. Vão sobrar quatro ou cinco castelos cheios de salões dourados por trás de muralhas intransponíveis. Em toda a volta, um favelão gigante onde, saiu na rua, se ficar vivo volta pra casa nu, rapado e rapelado.

(*) Fernão Lara Mesquita é jornalista, articulista do Estadão e editor do blogue Vespeiro.

Frase do dia — 148

«Lula e Xuxa têm algo em comum além das vogais. Ambos foram personagens com apelidos incorporados a seus nomes, utilizados na construção de um império de entretenimento. O oportunismo nas alianças e na exposição. A ascensão e a riqueza estonteante, a carreira e os vínculos internacionais, a campanha irônica na gangorra real brasileira entre violência e educação.»

Genilson Albuquerque Percinotto, in Tribuna da Internet 12 jun° 2014.

Frase do dia — 62

«Desde maio de 2012, por decisão do Planalto, vigora a pirâmide social redesenhada pelo ministro Wellington Moreira Franco, chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Segundo esse monumento ao cinismo, a faixa dos miseráveis abrange quem ganha individualmente até 70 reais. A pobreza vai de R$ 71 a R$ 250. A classe média começa em R$ 251 e a acaba em R$ 850.

Os que embolsam mais de R$ 851 são ricos, e é nessa categoria que se enquadram milhares de seres andrajosos que se plantam de manhã à noite nos principais cruzamentos.»

Augusto Nunes, colunista, em seu blogue alojado na revista Veja, 25 dez° 2013

Lá também, quem diria, como cá

José Horta Manzano

Em dezembro do ano passado, publiquei uma postagem sobre o autoexílio do astro de teatro e cinema Gérard Depardieu. A intenção era dar-lhes uma ideia da voracidade do fisco francês. O nível de imposição na França está atingindo píncaros. O povo se sente espoliado, exatamente como em terras tupiniquins. Não se passa um mês sem que surja um novo imposto.

Não é à toa que a popularidade de Monsieur Hollande, o presidente da República, desceu a 20%, o nível mais baixo já registrado desde que esse índice é aferido. Tanto no caso francês quanto no brasileiro, essas coisas não acontecem da noite pro dia. Anos de má governança levaram a essa situação.

Há também um problema filosófico por detrás. Dependendo da cultura e das tradições de cada país, o olhar que se lança sobre o enriquecimento individual pode variar. Em países de cultura anglo-saxônica, a riqueza pessoal é valorizada. O cidadão que «chegou lá» se orgulha disso e faz questão de que todos saibam. Já no universo latino, fortunas pessoais são vistas com certa desconfiança. Melhor esconder, que não é de bom-tom alardear seu próprio sucesso.

De onde virá essa tendência? Decorrerá do protestantismo de uns oposto ao catolicismo de outros? Se assim fosse, como explicar que no mundo árabe, na China e no Extremo Oriente não exista esse pudor cercando o enriquecimento pessoal? É uma vasta questão. Convém deixar o debate para especialistas.

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Estes dias circula na internet uma frase de Gerard Depardieu, aquele que se mudou para a Bélgica para fugir aos impostos confiscatórios franceses. Ela vai logo aqui abaixo. Não estivesse assinada pelo conhecido ator, bem que poderia aplicar-se a um país muito conhecido nosso. Você deve imaginar qual é.

Gérard Depardieu 3

A frase é de Depardieu. A tradução fica por minha conta.

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Interligne vertical 12«Aqueles que, como os senhores Hollande, Ayrault, Sapin(1) e tantos outros, são sustentados pelo dinheiro público do nascimento até a morte,

aqueles que são praticamente dispensados de pagar encargos sociais,

aqueles que gozam de um sistema de aposentadoria reservado à sua categoria,

aqueles que têm direito de fazer investimentos financeiros sem pagar imposto,

aqueles que jamais investiram um centavo numa empresa, mas aplicaram tudo em residências de férias

devem, no mínimo, ter a honestidade de jamais pronunciar a palavra Igualdade(2).

Tampouco devem exigir dos outros, ainda que esses outros tenham enriquecido, solidariedade maior do que a que se impõem a si mesmos.»

(1) Respectivamente: presidente da República Francesa, Primeiro-Ministro e Ministro do Trabalho.
(2) Igualdade é a segunda palavra da divisa nacional: Liberté, Égalité, Fraternité