José Horta Manzano
Quando de julgamentos de repercussão nacional, grandes crimes ou grandes escândalos, a vedete costuma ser o acusado. Paradoxalmente, no atualíssimo caso da Ação Penal 470, que julga os acusados pelo mensalão, quem sobressai é… o tribunal. Fala-se mais dos julgadores que dos julgados. Pouquíssimos saberão declinar, de cabeça, o nome dos 40 acusados no processo inicial. Em compensação, qualquer brasileiro medianamente informado conhece de cor e salteado o nome, o rosto e o gosto de cada juiz do STF.
Discute-se acirradamente, apaixonadamente. Há quem sinta simpatia por este ou por aquele ministro, há quem torça por algum deles, todos querem saber quem namora quem, quem comprou apartamento aqui ou ali. Os espectadores vibram como num reality show. A diferença é que, neste caso, o prêmio não será em dinheiro, mas em anos de cárcere.
Falando em dinheiro ― e já que perguntar não ofende ― uma divagação: de onde estarão vindo os milhões devidos a esse batalhão de ilustres advogados que asseguram a defesa dos acusados?

Supremo Tribunal Federal
Brasília
Nenhum país de direito ― regido por leis ― pode prescindir de tribunais para julgar transgressões e arbitrar conflitos. A organização judiciária varia de um Estado a outro. É comum existir uma segunda instância judiciária, à qual é permitido recorrer quando uma decisão de primeira instância não satisfaz a uma das partes.
Embora não seja o caso em todos os países do mundo, muitos contam com uma terceira instância, em princípio o topo da pirâmide. Quando esse tribunal superior tiver tomado sua decisão, não é mais possível recorrer. Ela será definitiva e executória. A derradeira chance, em países onde é admitida, será a graça real ou presidencial.
O funcionamento do STF brasileiro é complexo, dado que ele reúne funções que, em outras terras, são repartidas entre duas ou mais instituições. Na França, por exemplo, quando surgem dúvidas quanto à constitucionalidade de uma determinada lei, cabe à Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) dar o veredicto definitivo e inapelável. Já em casos de contestação de decisão judicial emitida por instância inferior, recorre-se à Cour de cassation (Tribunal de Cassação).
É relativamente raro que o Tribunal de Cassação francês seja acionado. A Justiça detesta contradizer-se. Na esmagadora maioria dos casos, a corte suprema mantém a decisão já dada pela instância inferior. Portanto, a não ser que algum fato novo haja surgido, o sentenciado tem interesse em acatar a decisão que lhe concerne e não tentar mais além.

Tribunal Fédéral suíço, Lausanne
imagem google
Não é necessário ter seguido formação de jurista para se dar conta de que o STF brasileiro é uma corte pra lá de atarefada. Por um sim, por um não, processos aterrissam lá. Há casos anedóticos, do tipo «furto de galinha do quintal do vizinho», que esperam sua vez na fila interminável de pastas pendentes. Sabe-se de casos encalhados há vinte anos ou mais.
Numa hipotética reforma do sistema judiciário brasileiro, seria interessante cogitar a criação de uma corte constitucional. Talvez de outras cortes independentes ― para assuntos eleitorais, por exemplo. Isso, sim, é trabalho para especialistas.
Outro ponto que me parece passível de ser modificado é o número de ministros. São onze. E essa confraria diminuta carrega o peso de milhares e milhares de decisões, múltiplas atribuições. Uma carga, a meu ver, exagerada. Só para comparar, o Tribunal fédéral suíço é composto de 38 juízes, secundados por 19 juízes suplentes. Esses substitutos são acionados em caso de impedimento de um titular, seja por doença, férias, compromisso inadiável.
Diferentemente dos onze ministros do STF brasileiro, os 38 juízes suíços se subdividem em diferentes comissões, de acordo com a especialidade de cada um. O Tribunal fédéral abriga uma corte de direito público, uma de direito civil, uma outra de direito penal, uma de direito social. Há ainda outras comissões. Um hipotético mensalão suíço seria subdividido entre duas ou mais cortes, cada uma julgando o malfeito que lhe compete. A divisão de direito público e a de direito penal seriam, com toda certeza, chamadas a invervir.

Tribunal de Cassação francês
Paris
Num país como o Brasil, que não conseguiu fazer nenhuma reforma política de importância desde 1988, imaginar que se reforme o STF é coisa de sonhador crédulo. Mas não custa cogitar. Se viesse essa hipotética reorganização da instância máxima do Judiciário brasileiro, o modo de escolha dos ministros teria absolutamente de ser revisto.
A meu ver, o fato de a nomeação ser apanágio pessoal do presidente da República gera uma distorção. Todo homem, por definição, é falível. Ninguém é perfeito. Quando se reflete sobre o assunto, percebe-se que o sistema já nasceu com um defeito de fabricação. Não é possível que os juízes máximos da nação ― aqueles que, se for o caso, terão a incumbência de julgar o presidente da República ― sejam por ele nomeados. É a quadratura do círculo, uma especificidade perversa que não condiz com a imparcialidade que se espera da Justiça.
Um outro meio de escolher os árbitros maiores tem de ser encontrado. Na Suíça, por exemplo, são eleitos pela assembleia. Poderíamos fazer o mesmo. Ou, para diluir ainda mais as responsabilidades, compor uma comissão ad hoc de grandes eleitores para escolher novos ministros do STF. Dela fariam parte parlamentares, a OAB, a presidência da República, até o próprio STF.
Fica aí a sugestão. Nunca se sabe, pode servir.
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