José Horta Manzano
Não é pra ser chato, mas… que remédio? Tem horas em que não há outro jeito. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, alojada no Senado da República, aprovou uma proposta de emenda à Constituição. Antes de falar dela, gostaria de saber por que razão a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça, velha de guerra) acrescentou a «cidadania» ao já pomposo título.
Que quer dizer cidadania? O dicionário diz que é a condição de cidadão. Diz também que cidadão é o sujeito que usufrui de direitos civis e políticos. Trocando em miúdos, a população é inteiramente constituída de cidadãos, exceção feita aos incapazes e àquela meia dúzia da qual tais direitos foram temporariamente retirados. Em resumo, a tal «cidadania» é, na prática, a condição de todos nós. Podiam ter feito economia. CCJ já estava de bom tamanho, não precisava de extensão. Dada a bronca, passemos à PEC.
Propõe-se mudança na forma de escolher ministro para o STF. Na efervescência atual, a alteração me parece ir no bom sentido, embora o passo seja tímido. A PEC preconiza que a escolha final continue a ser feita pelo presidente da República a partir de lista tríplice. Duas mudanças maiores são propostas.
A primeira diz respeito ao colegiado encarregado de elaborar a lista. Ele será formado por oito magistrados, entre os quais os presidentes do STF, do Superior Tribunal de Justiça, do Superior Tribunal Militar e da OAB. A segunda mudança ‒ que poderá eventualmente ser vista como inconstitucional ‒ limita o mandato de ministro do STF a dez anos sem recondução possível.
A meu ver, a proposta padece de dois defeitos congênitos. Por um lado, a limitação do mandato de juiz é assunto delicado. Aos magistrados, a Constituição garante a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios. Portanto, ainda que a limitação do mandato de ministro do STF pareça desejável, entra em choque com a lei maior.
Por outro lado, o fato de a escolha final continuar sendo prerrogativa do presidente da República deixa um gostinho desagradável de desrespeito à isonomia dos Poderes. A escolha dos magistrados do STF pelo chefe do Executivo revela subordinação do Judiciário ao presidente da República, o que não é bom sinal.
A PEC ainda tem longo caminho pela frente. Tem de passar por duas sessões no Senado para, em seguida, atravessar o filtro da Câmara. Durante a tramitação, sofrerá, sem dúvida, emendas e modificações. Em todo caso, antes de votar, suas excelências deveriam reler os escritos do barão de Montesquieu (1689-1755), o filósofo e pensador político francês que elaborou a teoria da separação dos Poderes.