Maravilhados e frustrados

José Horta Manzano

MARAVILHA

“Jair Bolsonaro n’a eu de cesse de contester le processus électoral et notamment le mécanisme de vote électronique qui est fiable, sécurisé, parfaitement bien organisé et peut aboutir à des résultats satisfaisants pour tout le monde et notamment pour la démocratie.”

“Jair Bolsonaro desafiou repetidamente o processo eleitoral e em particular o mecanismo de votação eletrônica que é confiável, seguro, perfeitamente bem organizado e pode produzir resultados satisfatórios para todos, em especial para a democracia.”

Jean-Philippe Derosier, professor de Direito Constitucional na Universidade de Lille (França), presidente do Conselho Científico da missão de observação das eleições presidenciais 2022.

FRUSTRAÇÃO

“L’énormité de l’erreur des instituts de sondage sur le vote en faveur de Jair Bolsonaro, supérieur de 8 points aux estimations, est une claque à leur crédibilité, après les ratages des présidentielles américaines de 2016 et 2020. Comment ont-ils pu se fourvoyer à ce point?“

“A enormidade do erro dos institutos de pesquisa na votação de Jair Bolsonaro, que ficou 8 pontos acima do estimado, é uma bofetada na sua credibilidade, após as falhas nas eleições presidenciais americanas de 2016 e 2020. Como puderam derrapar a esse ponto?“

Le Nouvel Observateur, revista semanal francesa

As eleições presidenciais brasileiras deste ano estavam na mira de observadores estrangeiros. Governo e população de inúmeros países acompanharam passo a passo as semanas finais da campanha de primeiro turno.

Que o povo da Hungria ou da Polônia se deixe encantar pelo canto de sereia de populistas de extrema-direita é preocupante, mas não crucial – quando países menores escorregam, a Terra não deixa de girar. Já quando as vítimas são o caudaloso povo brasileiro, o fato assume dimensões de preocupação mundial.

A condução errática da política externa do Brasil nestes últimos quatro anos já mostrou a imprevisibilidade de um governo sem projeto, que troca de ministros como quem troca de camisa. Não interessa a ninguém fazer negócios com uma república instável, sem linha de conduta clara.

Essa é a razão pela qual o mundo se interessa tanto pelas presidenciais deste ano. A persistência de uma política de violência, de cidadãos armados, de conflitos religiosos, de destruição da floresta amazônica não faz o jogo de nenhum de nossos parceiros comerciais.

À vista da apregoada possibilidade de vitória de Lula da Silva já no primeiro turno, a mídia estrangeira despachou equipes de repórteres e cinegrafistas que fincaram base em São Paulo ou no Rio. A ansiedade aumentava diariamente. Os canais de televisão passaram documentários sobre o capitão e o demiurgo. E reservavam diariamente um bloco nos telejornais para comentários ao vivo dos enviados especiais.

Abertas as urnas, os enviados estrangeiros se sentiram, ao mesmo tempo, maravilhados e frustrados. Maravilhados porque nunca tinham imaginado que os votos de 125 milhões de eleitores pudessem ser computados em tão curto espaço de tempo. Frustrados porque, em contraposição à perfeita organização da apuração, descobriram um universo de pesquisas dissonante. De fato, nenhum instituto passou perto de acertar na cabeça. Pegou mal pra caramba.

Tenho ouvido comentários de analistas políticos que dão a nossos institutos de pesquisa o diagnóstico de “incapazes” e “amadores”. Deve haver razões para a divergência entre as previsões e a realidade, mas, seja como for, a imagem dessas empresas levou um baque. E reforçou-se a imagem de um Brasil incapaz de prever o que vai acontecer no dia seguinte.

Boa fama leva muito tempo pra construir – mas pode desmoronar de supetão.

A juíza e o juízo

José Horta Manzano

Na sexta-feira 2 de setembro, o site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) passou a exibir a nova regra relativa ao porte de telefone celular na cabine de votação.

O aparelhinho continua proibido, assim como todo dispositivo que permita fotografar, filmar ou registrar o voto. A novidade é que o telefone celular será retido pela mesa eleitoral enquanto o eleitor vota. O cidadão que se recusar a entregar seu aparelho perderá o direito de votar.

A resolução não prevê exceção para cidadãos STC (sem telefone celular), como este blogueiro. Fico a imaginar a cara de espanto dos jovens mesários quando eu lhes contar a exótica verdade. Estou até pensando em tomar um telefone emprestado, só pra não causar mal-estar.

O mui sério e mui oficial site do TSE estampa as novas disposições(1). O trecho mais impressionante é o seguinte:

“Havendo recusa em entregar os equipamentos descritos, a eleitora ou o eleitor não serão autorizados a votar e a presidência da mesa receptora constará em ata(2) os detalhes do ocorrido e acionará a força policial para adoção de providências necessárias, sem prejuízo de comunicação a juíza ou ao juízo eleitoral.(3)

Considero que o confisco temporário do telefone de bolso é medida de bom senso. Inibe tanto o voto comprado quanto o voto de cabresto. O que me incomoda é a redação do comunicado. Vejamos.

(2) Constará em ata
Quem redigiu a frase ignora o significado do verbo constar. Nessa acepção, significa aparecer, ser mencionado. Ora, não é a presidência da mesa que vai aparecer na ata. A obrigação da presidência da mesa será fazer constar na ata. Se preferirem um único verbo, podem dizer que a presidência lançará em ata os detalhes do ocorrido.

(3) A juíza e o juízo
Li, reli e tresli a frase tentando adivinhar a intenção de quem a redigiu. Ainda estou na dúvida. Quem será o juízo? Pensei que talvez estivessem fazendo referência ao juízo eleitoral, ou seja, a instituição judiciária eleitoral. Se assim fosse, que estaria fazendo a juíza na frase?

Reflexão feita, acabei entendendo que o “politicamente correto” passou por ali. O redator devia estar com intenção de se referir à juíza e ao juiz, mas – oh céus! – digitou mal. Saiu “à juíza e ao juízo”. Ninguém releu, e o texto virou lei.

“A juíza e o juízo” me lembra uma historinha infantil em que se perguntava qual era o marido da vaca, e a resposta vinha: “É o vaco”.

(1) Se alguém quiser conferir no site do TSE, é por aqui.

Dos males, o pior

José Horta Manzano

Pra saber o que vai acontecer neste ziguezagueante governo que nos cabe tolerar, só tendo bola de cristal guardada no armarinho da farmácia do banheiro. Bem à mão, como escova de dente e cortador de unha.

No momento em que escrevo, a mídia séria (ainda) afirma que um dos bolsonarinhos – aquele que é deputado estadual – desistiu de postular posto de embaixador da República do Brasil junto aos Estados Unidos da América do Norte. Nada garante que, quando este post tiver sido mandado ao éter, a notícia já não se tenha modificado. You never know – nunca se sabe.

No país, os que têm ouvidos de ouvir ouvem. Os que ainda têm um olho aberto observam. Os que guardam capacidade de cogitar cogitam. E todos eles se perguntam: «Que será pior? Guardar o filho deslumbrado junto ao regaço do pai ou despachá-lo pra além-mar?».

Se ficar por aqui, periga reforçar o time da maldade, aquele grupelho já conhecido como ‘gabinete do ódio’. Bom para o país é que não há de ser. Pode-se ter certeza de que as intrigas palacianas só tenderão a aumentar.

Se for mandado pra longe, sua exposição internacional será necessariamente maior. Sabe Deus a vergonha que nos fará, então, passar! E tudo junto à corte do país mais vigiado do planeta, aquele de que todos escrutam o menor suspiro. Vai ser um sufoco.

Confesso que, as duas opções traduzem o real significado da palavra dilema, qual seja, uma escolha obrigatória entre duas possibilidades más. Seja o que acontecer, será ruim para o Brasil. Valha-nos, São Benedito!

Chamada Esdatão, 22 out° 2019

Ao dar a notícia, o repórter do Estadão escorregou. Disse que o bolsonarinho desistiu da embaixada em meio à resistência de seu nome no Senado.

Enganou-se. Devia ter dito que o rapaz desistiu em meio à resistência a seu nome no Senado. Quem resiste, resiste a algo, não de algo. Existe resistência a alguma coisa, não de alguma coisa. Exemplos:

Resistiu à ideia de ir ao cinema.

Resiste a aceitar a oferta.

Não ofereceu resistência à prisão.

Fundos falidos

José Horta Manzano

A origem da raiz é antiga e se perde na bruma dos milênios. O verbo latino fallere era já precedido pelo grego sphàllein e por antepassados mais velhos ainda. Faz parte de grande família presente não só nas latinas, mas também em outras línguas europeias. Muitos dos descendentes ainda carregam o sentido original de enganar, enganar-se, errar, induzir em erro, escorregar.

Em inglês, temos : to fail (falhar), failure (falha, fracasso, insucesso, estrago). Em alemão, há: fehlen (faltar), Fehl (erro, engano). Em nossa língua, herdamos boa coleção de palavras. Entre elas, estão: falha, falta, falecimento, falível, falso, falsificar, faltar. Como se pode constatar, toda a família deixa uma impressão meio amarga de acontecimento desagradável que poderia bem não ter acontecido.

Assim é a falência, no sentido próprio, o ato ou efeito de falir. É quando uma pessoa jurídica, por falta de meios, é obrigada a suspender pagamento aos credores. É situação dramática e geralmente definitiva. Nesse caso, a falência guarda o sentido tradicional: a falta absoluta de recursos.

Chamada Estadão, 11 jul° 2019

Vamos agora à manchete do Estadão. Diz lá: «Festa nacional (…) faliu fundos de Washington». Vamos passar por cima do sentido um tanto libidinoso que a frase poderia suscitar. Afinal, quem teria tido a coragem de falir os fundilhos desse pobre Washington? Mas vamos em frente. A lição do dia é que o verbo falir, quando usado no sentido de levar à falência ou ir à falência, é intransitivo – isto é, não admite objeto.

Ex: A firma faliu. Ponto final. Ex: A empresa fez falência. Ponto final. Mesmo quando o verbo é usado em sentido figurado, a regência permanece. Ex: A festa quase levou a família à falência.

A chamada, portanto, não pode dizer que a festa «faliu fundos de Washington». Como seria exagerado dizer que a tal festa mandou a rica capital americana à falência, melhor será escolher outro verbo que indique que as finanças da cidade ficaram abaladas. A escolha é vasta: esgotar, exaurir, dilapidar, sangrar, haurir, desbaratar, secar. Há muitos mais.

Corrigindo:

Festa nacional do 4 de julho enxugou fundos de Washington.

Fica melhor, não? Bom, alguém sempre pode se chocar ao ler que, desta vez, os fundos do pobre Washington é que foram enxugados. Mas essa já é outra conversa.

Queísmo

Dad Squarisi (*)

Certos verbos sofrem de alergia. Ficam vermelhos, empolados e com coceira quando seguidos do quê. Transitivos diretos, exigem objeto direto nominal, mas não aceitam a oração objetiva direta. Veja alguns:

  •  alertar (alerta-se alguém, mas não se alerta que)
  • antecipar (antecipa-se alguma coisa, mas não se antecipa que)
  • definir (define-se alguma coisa, mas não se define que)
  • denunciar (denuncia-se alguma coisa ou alguém, mas não se denuncia que)
  • descrever (descreve-se alguma coisa, mas não se descreve que)
  • expor (expõe-se alguma coisa, mas não se expõe que)
  • falar (fala-se de alguém ou de alguma coisa, mas não se fala que)
  • indicar (indica-se alguma coisa ou alguém, mas não se indica que)
  • lamentar (lamenta-se alguma coisa, mas não se lamenta que).

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em Linguística e mestrado em Teoria da Literatura. Edita o Blog da Dad.

Antepassados analfabetos

José Horta Manzano

Primeiro, uma afirmação peremptória: todos nós temos antepassados que nunca aprenderam a ler nem a escrever. Basta lembrar que, como ninguém foi trazido no bico da cegonha, descendemos todos de seres selvagens. Que tenham vindo das savanas africanas, das cavernas europeias, das grutas extremo-orientais ou das florestas tropicais, todos temos antepassados analfabetos. Podem ser mais distantes ou mais próximos, mas, lá na origem, a realidade é sempre a mesma.

Cento e cinquenta anos atrás, só ínfima porção da população do país era letrada. Também dos estrangeiros que aportavam, boa parte era constituída de analfabetos. Não há que se envergonhar disso, que era assim no mundo todo. Do encontro desses dois contingentes de semiletrados, algumas consequências nos afetam ainda hoje. Uma delas é a deturpação na grafia do nome de família de imigrados.

Vários fatores se conjugaram para generalizar erros na transcrição:

  • A dificuldade de compreensão mútua entre o que chegava e o encarregado de registrar a entrada
  • A imprecisão de documentos de viagem
  • O iletrismo que grassava à época
  • A necessidade de transcrição de nomes que, na origem, não eram grafados em alfabeto latino
  • O stress do momento

Ainda está para ser feito estudo para quantificar a frequência de erros de grafia de sobrenomes importados. Eu arriscaria dizer que um em cada quatro ou, quem sabe, até um em cada três nomes está mal escrito e não bate com o original.

Estes dias, duas figuras de primeiro plano estão em todas as bocas. São os doutores Bolsonaro e Bebianno, respectivamente presidente da República e (quase ex-) ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República. Além do título imponente, têm ambos um ponto em comum: a grafia estropiada do sobrenome.

Bolsonaro
Tudo indica que Bolsonaro é transcrição errônea do original Bolzonaro. Etimologistas e genealogistas não estão totalmente de acordo, mas deveria tratar-se de topônimo, isto é, nome de lugar geográfico. O patriarca da família ‒ aquele que, lá pelo século 13, legou sobrenome à descendência ‒ há de ter sido originário do município de Bolzano Vicentino, situado na província de Vicenza (Vêneto), Itália. Outra corrente propõe o vocábulo dialetal vêneto ‘bolzon’ como origem. É palavra-ônibus de múltiplos significados. Na Itália, Bolzon sobrevive como nome de família.

Bebianno
O original italiano se escreve Bibbiano, com dois bb e um só n. Esse sobrenome é um patronímico, ou seja, deriva do prenome do patriarca que deu nome à estirpe. Esse antepassado longínquo há de ter recebido o prenome de Bibiano, que lhe terá sido dado em devoção a São Bibiano (São Viviano). Na Itália, restam pouquíssimas famílias com esse sobrenome, concentradas no sul do país.

Pessoalmente, não gostaria de carregar um nome mal grafado. Parece que emperra a vida. Faria o possível e o impossível pra consertá-lo. Seja como for, com nome certo ou errado, é importante ser sempre claro em gestos e palavras. Os dois protagonistas citados neste post caíram na cilada da comunicação truncada e obscura. As intrigas palacianas, que saltam sobre qualquer ocasião, deram conta da cordialidade que terá um dia existido entre os dois. Nesse episódio, só houve perdedores. Por falta de clareza, saíram ambos chamuscados e diminuídos.

Fatal: emprego

Dad Squarisi (*)

Fatal quer dizer que mata. O acidente mata. É fatal. Veneno mata. É fatal. Queda pode matar. Pode ser fatal.

Muitos dizem “vítima fatal”. Bobeiam. A vítima, coitada, morre. Não mata. Se a pessoa perdeu a vida, diga que ela morreu:

O acidente provocou duas mortes.
No acidente, duas pessoas morreram.
O acidente matou duas pessoas.

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em Linguística e mestrado em Teoria da Literatura. Edita o Blog da Dad.

Erros que roubam pontos

Dad Squarisi (*)

A lista não tem fim. São tropeços que atropelam redações, entrevistas e diálogos amorosos. É o caso da poetisa que ganhou importante prêmio literário. Os amigos decidiram homenageá-la com um jantar de adesão no restaurante que a artista mais apreciava. Quando ela soube, contou ao namorado. “Eu adero”, respondeu ele entusiasmado. Pra quê? Jogou água fria na paixão. O amor acabou ali.

Ele se esqueceu de pormenor pra lá de importante. Aderir joga no time de preferir. Um e outro se conjugam do mesmo jeitinho: eu prefiro (adiro), ele prefere (adere), nós preferimos (aderimos), eles preferem (aderem). Outras falhas desempenham papel similar. Eis algumas. Xô! Xô! Xô!

Ladrões de pontos

houveram – no sentido de existir ou ocorrer, o verbo é impessoal. Só se conjuga na 3ª pessoa do singular: Houve distúrbios. Houve três acidentes.

intermedia – intermediar se conjuga como odiar: odeio (intermedeio), odeia (intermedeia), odiamos (intermediamos), odeiam (intermdeiam).

interviu – intervir deriva de vir: ele veio, ele interveio.

irá dizer – a indicação do porvir pode ser feita de duas formas. Uma: o futuro simples (dirá). A outra: o futuro composto (vai dizer). Assim — com o verbo ir no presente. Nunca no futuro.

manter o mesmo – manter só pode ser o mesmo. Se não é o mesmo, escolha outro verbo. Que tal trocar? Ou mudar?

medio – mediar se conjuga como odiar: odeio (medeio), odeia (medeia), odiamos (mediamos), odeiam (medeiam).

meio-dia e meio – a concordância nota 10 é meio-dia e meia (hora).

Nóbel – Nobel é oxítona como Mabel, papel, cruel.

obrigado – ele diz obrigado; ela, obrigada; eles, obrigados; elas, obrigadas. Todos respondem por nada.

o óculos – óculos, como férias e pêsames, é substantivo plural: os óculos, óculos escuros, meus óculos.

panorama geral – todo panorama é geral. Basta panorama.

passeiamos — não presenteie formas dos verbos terminados em -ear com o i: passear, frear, cear & cia. têm um capricho. O nós e o vós dos presentes do indicativo e subjuntivo dispensam o izinho que aparece nas demais pessoas. Dê-lhes crédito: eu passeio, (freio, ceio) ele passeia (freia, ceia), nós passeamos (freamos,ceamos), vós passeais (freais, ceais) eles passeiam (freiam, ceiam).

pequeno detalhe – todo detalhe é pequeno. Basta detalhe.

plano para o futuro – todo plano é para o futuro. Basta plano.

pôrcos – nomes em que o o soa fechado no masculino e aberto no feminino o plural opta pelo salto alto e batom. Segue o feminino: porco, porca, porcos, porcas; porto, porta, portos, portas, torto, torta, tortos, tortas. Exceções? Elas confirmam a regra. É o caso de canhoto e canhota. No masculino, o som é fechado. No feminino, aberto. O masculino plural não segue o feminino. É canhotos, com o o fechado.

possue – não confunda a terminação dos verbos terminados em -uir: a 3ª pessoa do singular do presente do indicativo termina com i — ele possui, ele contribui, ele retribui, ele diminui, ele atribui (não: possue, contribue & cia. indesejada).

pobrema — não troque sons: problema (não: probrema), estupro (não: estrupo), mendigo (não: mendingo), encapuzado (não: encapuçado).

récorde – recorde se pronuncia como concorde. A sílaba tônica é cor.

rúbrica – rubrica é paroxítona como futrica. A sílaba fortona: bri.

rúim – a palavra é dissílaba – ru-im. A sílaba tônica: im.

se eu caber, se eu deter, se eu pôr, se eu trazer, se eu ver – olho no futuro do subjuntivo: se eu couber, detiver, puser, trouxer, vir.

seje – a forma é seja.

subzídio – pronuncie o s como em subsolo.

vítima fatal – fatal significa que mata. A vítima não mata. Morre. Diga morto.

vou estar mandando & similares – vou mandar.

Ufa!

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em Linguística e mestrado em Teoria da Literatura. Edita o Blog da Dad.

Destino que ir

José Horta Manzano

Este ainda passa como erro de datilografia ‒ ou digitação, que é a mesma coisa. Faltou releitura, mas ficou engraçado.

Chamada do Estadão, 20 dez° 2016

Chamada do Estadão, 20 dez° 2016

Interligne 28a

Já este aqui dá engasgo. Não é confusão de teclado. É bem pior: falta de intimidade com a norma culta da língua, fato espantoso num encarregado de redigir manchete de jornal.

Chamada do Estadão, 19 dez° 2016

Chamada do Estadão, 19 dez° 2016

Quem vai, não vai “algum lugar”, mas A algum lugar. Havia mais de uma opção para acertar.

Se fizessem questão de manter o verbo ir, simplesinho e eficaz, deveriam ter escrito:
●  Cinco destinos aos quais você pode ir sem passaporte.

Ficaria melhor ainda se tivessem usado outro verbo. Assim:
●  Cinco destinos que você pode visitar sem passaporte.
●  Cinco destinos que não exigem passaporte.
●  Cinco destinos que dispensam passaporte.
●  Cinco destinos para conhecer sem passaporte.
●  Cinco destinos para quem não tem passaporte.

E assim por diante. Bastava espremer um pouquinho os miolos. Mas, que fazer? Ninguém pode dar mais do que tem.

O patinho feio

José Horta Manzano

Com o impeachment e os Jogos Olímpicos ocupando corpo e mente, outras notícias vão irremediavelmente pra segundo plano. Sobra pouco espaço. Assim mesmo, procurando bem, sempre se encontra um detalhe interessante aqui, um pormenor curioso acolá.

O respeitado Ipsos ‒ Institut Politique de Sondages et d’Opinion Sociale ‒ é grupo internacional de origem francesa dedicado a pesquisa de opinião. Semana passada, um mês depois de os britânicos terem declarado a intenção de abandonar a União Europeia, publicou pesquisa interessante.

IpsosPediram, a mais de doze mil adultos em 16 países, opinião sobre o Brexit, ou seja, se achavam que o voto britânico tinha representado um passo na boa direção. Sem muita surpresa, entre os países da UE, 58% se mostraram reticentes à decisão do Reino Unido. Acreditam ter sido um erro.

Até eleitores de países que não integram o bloco dão parecer negativo à decisão britânica. A única exceção foi a Rússia, cujos entrevistados veem com simpatia o desmantelamento da UE. É compreensível.

O que me chamou a atenção, na pesquisa, não foi tanto o resultado quanto a escolha dos países a sondar. Dos 16, nove fazem parte da União Europeia, seleção lógica. Estão lá o próprio Reino Unido além de todos os grandes: Alemanha, França, Itália, Espanha. Outras quatro nações de médio porte completam o quadro.

Fora do bloco, o instituto procurou, naturalmente, escolher países importantes, daqueles cujo peso faz diferença no planeta. Aqui estão os sete finalistas: Estados Unidos, Canadá, Japão, Rússia, Índia, África do Sul e Austrália.

Bandeira UE UKTive de ler duas vezes pra ter certeza. Estão lá a Índia, a Austrália e até a África do Sul, mas o Brasil falta. O instituto há de ter considerado que sul-africanos e indianos estão mais bem informados que brasileiros. Ou que são mais politizados. Ou donos de espírito crítico mais firme.

Compreendo que a China não tenha sido incluída na seleção. Apesar do peso econômico do país, alguns problemas de liberdade de expressão individual persistem. Dá pra entender.

Mas… e o Brasil? Por que teremos sido deixados de lado? A pergunta deve ser feita ao instituto. Pensando bem, talvez seja melhor nem perguntar. A resposta pode ser aflitiva e desmoralizante. Parece que o Brasil se autoexcluiu da nata das nações. Sem plebiscito, num Brasex silencioso.

Mal-entendido episcopal

José Horta Manzano

Hoje aponto mais uma curiosidade na série erros de compreensão. Já falamos do avental inglês, do surrender, do Corinthians, da cidade do Porto. Vamos entrar na igreja.

MitraEntre os antigos gregos, inspetores e superintendentes eram chamados de ἐπίσκοπος (epískopos). O nome não fazia distinção entre sacros e profanos. Todo controlador tinha direito à apelação. O termo é composto de epi (sobre) + skopeo (vigiar, tomar conta). Os romanos sugaram a palavra e a incorporaram a seu léxico sob a forma latinizada epĭscŏpus.

Com o advento do cristianismo, a palavra especializou-se. Passou a designar o chefe de uma comunidade de fiéis, aquele que ocupava posição mais elevada em relação aos demais. Na Igreja Católica, o termo qualifica hoje o prelado que, sucessor dos apóstolos primitivos, oficia sob a autoridade do papa e tem o encargo de zelar pelas paróquias de sua jurisdição.

Em domínios franceses, a erosão natural transformou o primitivo epĭscŏpus no moderno évêque. Em terras hispânicas, o termo evoluiu dentro das leis linguísticas: deu obispo.

Bartolomé Esteban Murillo (1617-1682) Artista espanhol

Bartolomé Esteban Murillo (1617-1682)
Artista espanhol

A última flor do Lácio dá, neste caso, prova de que realmente estava no fim da fila. Há de ter recebido a nova palavra por via castelhana. Em princípio, o obispo espanhol deveria ter permanecido tal e qual em português. Mas não foi assim. Por que será?

Mitra 3Aconteceu uma colisão. Na Europa medieval, com exceção dos eclesiásticos e de um ou outro nobre, o povão era iletrado. Aos lusos, a palavra castelhana obispo soou como se «o bispo» fosse. E assim ficou. O “o” inicial, entendido como artigo, foi eliminado.

A forma original sobrevive em cultismos introduzidos em português tardiamente: episcopal, episcopado. Entre os cristãos dos primeiros tempos, dizia-se episcopisa de mulheres que exerciam certas funções sacerdotais. Modernas seitas neopentecostais, por razões que lhes são próprias, preferem a curiosa variante «bispa».

E quem não gostar que vá reclamar com o bispo.

Os dotô também erra

José Horta Manzano

Concurso de ortografia

Concurso de ortografia

A França deve ser um dos raros países em que se organizam periodicamente concursos de ortografia. Para nós, não faz muito sentido, mas para eles faz.

O português escrito é quase inteiramente fonético. Ao longo dos séculos, foram sendo abandonadas letras supérfluas. Assim, não escrevemos mais phtisica, mas tísica. Nichteroy virou Niterói. Assumpto, afflicto, prompto, appellido, deshonesto são hoje grafados assunto, aflito, pronto, apelido e desonesto.

Para reafirmar a tendência fonética de nossa norma, acrescentam-se letras a certos compostos para manter a relação entre a escrita e a pronúncia. Assim, escreveremos contrassenso, autossuficiente, contrarregra.

Pequenas reminiscências etimológicas subsistem em nossa grafia. Concentram-se nas palavras que comportam as sequências xc (excelente), sc (piscina) e, sobretudo, naquelas que tradicionalmente são grafadas com agá inicial (hora, hospital, herança, haver).

Em resumo, as armadilhas de nossa ortografia são poucas. A exceção a essa facilidade fica por conta da valsa dos hífens, que nos azeda a existência. Não é fácil entender a lógica que recheia maria-sem-vergonha de hífens e priva deles maria vai com as outras. No entanto, ficou combinado que assim é.

A língua espanhola, cuja pronúncia distingue um c de um s ― e ambos de um x ― é ainda mais fonética que a nossa. No topo do pódio, estão línguas como alemão, italiano e turco. Nelas, a cada som corresponde uma letra (ou um conjunto de letras) e a cada letra (ou conjunto de letras) corresponde um som. Na hora de escrever, fica fácil. Só erra quem estiver muito desatento.

Torneio de ortografia

Torneio de ortografia

Já o francês… ah, o francês! Embora a língua, de estrutura muito próxima à de suas primas-irmãs, deva ser classificada como latina, suas palavras sofreram erosão muito forte. Com o escorrer dos anos, sílabas se perderam, finais deixaram de ser pronunciados, sons se transformaram. O resultado é que o idioma francês está hoje recheado de homônimos, palavras que se pronunciam exatamente da mesma maneira, embora signifiquem coisas completamente diversas. E como diferenciá-las? A solução foi manter a escrita fiel à etimologia ― verdadeira ou suposta ― de cada palavra. Por exemplo, maire (o prefeito), mère (a mãe) e mer (o mar) se pronunciam do mesmo exato modo. Na fala, o contexto cuida de fazer a distinção. Na escrita, cada uma guarda algum traço de suas feições originais. A língua guarda profusão de consoantes duplas não pronunciadas, consoantes finais mudas, pê-agás que convivem com efes. Há quarenta maneiras de escrever o singelo som o.

Está aí a razão da existência de eletrizantes campeonatos de ortografia, de repercussão nacional, transmitidos em várias etapas pela tevê. Com provas eliminatórias, semifinais, a grande final, a premiação e a consagração do vencedor. Participam todos: adolescentes, adultos e velhos. Grafar corretamente as palavras é marca de distinção e de cultura. Todos aspiram a chegar lá, embora poucos consigam.

Esplanade François "Mitterand" Reims, França

Esplanade François “Mitterand”
Reims, França

Estes dias aconteceu um escândalo nacional. Para homenagear um antigo presidente da República, a cidade de Reims (no coração da região produtora de champanhe) deu a uma praça o nome do figurão. Só que, desastradamente, a placa contém um erro de grafia. Mitterrand foi escrito com um erre só. Horror e vergonha!

Nestas alturas, a sinalização já há de ter sido substituída às pressas. Mas, hoje em dia, o imediatismo da circulação das imagens não perdoa. O país inteiro ficou sabendo da gafe.

No Brasil, ninguém se impressionaria, mas, na França, é daqueles acontecimentos que causam comoção nacional.